Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Licenciatura em Psicologia 3º ano, 1º semestre 2012/2013 Perturbações Somatoformes Unidade Curricular: Psicopatologia do Adulto Docente: Prof. José Gomes da Costa Discentes: Catarina Teixeira n.º 38836, Magda Silva n.º 38848, Tatiana Aguiar n.º 41135 Perturbações Somatoformes As Perturbações Somatoformes caraterizam-se por uma expressão sintomática frequente, sem qualquer estado físico geral que o justifique. Frequentemente, as Perturbações Somatoformes ou Psicossomáticas são definidas como condições médicas nas quais os fatores psicológicos desempenham um papel (Bouman et al., 1999). Perturbações Somatoformes A preocupação constante com estes sintomas causa aos indivíduos um grande desconforto, recorrendo por isso à automedicação e idas regulares ao médico, sem nunca obter uma resposta para o problema (ICD10). De acordo com Kellner (1986); cit. por Bouman et al., (1999), os sintomas somáticos que não são atribuídos a patologias orgânicas detetadas por exame físico ou laboratorial incluem-se no quadro clínico das perturbações somatoformes. Perturbações Somatoformes De uma forma geral, as Perturbações Somatoformes implicam a existência de queixas somáticas clinicamente significativas, isto é, que necessitem de um tratamento médico ou causem uma incapacidade significativa no funcionamento social, ocupacional ou noutras áreas, sendo estas recorrentes e múltiplas. Dado o carácter dos sintomas, que são medicamente inexplicáveis, e a preocupação exacerbada com uma doença física faz com que estes sejam culturalmente moldados, não significando necessariamente psicopatologia. (APA, 2002) Perturbação de Somatização Fazendo um breve enquadramento histórico das Perturbações de Somatização, estas foram inicialmente designadas por “histeria”, dada a sua arbitrariedade e complexidade. Neste quadro clínico, queixas somáticas têm início antes dos 30 anos de idade e ocorrem ao longo de vários anos. Nas situações em que existe um estado físico geral conhecido, as queixas físicas e a dificuldade social ou relacional daí resultantes são acima do que seria de esperar da história, exames físicos ou laboratoriais. (Kellner, 1986; cit. por Bouman et al., 1999) Assim, deve existir um historial sintomático de quatro tipos: sintomas de dor em pelo menos quatro regiões diferentes (por exemplo cabeça, abdómen, dorso, articulações, extremidades, peito, reto); pelo menos dois sintomas gastrintestinais, exceto dor (por exemplo náuseas, gases, vómitos fora da gravidez, diarreia); pelo menos um sintoma sexual ou reprodutivo exceto de dor (por exemplo indiferença sexual, disfunção eréctil ou ejaculatória, menstruações irregulares); pelo menos um sintoma pseudoneurlógico (por exemplo paralisia ou fraqueza localizada, dificuldade em engolir ou nó na garganta, alucinações, convulsões, retenção urinária). Estes sintomas não são produzidos intencionalmente nem simulados. (APA, 2002) Perturbação de somatização e características associadas Os sujeitos com Perturbações de Somatização apresentam geralmente as suas queixas de forma exagerada e incoerente, pelo que devem ser revistos os tratamentos médicos e hospitalizações de forma a não fazer um diagnóstico errado. Estes indivíduos podem apresentar comportamentos impulsivos e anti-sociais, ameaças e/ou tentativas de suicídio e conflitos conjugais. A regularidade com que são medicados pode dar origem a efeitos colaterais e a Perturbações Relacionadas com Substâncias. À Perturbação de Somatização estão ainda associadas a Perturbação Depressiva Major, a Perturbação de Pânico e as Perturbações da Personalidade sobretudo a Histriónica, Estado-Limite e Anti-Social. (APA, 2002) Características específicas da perturbação de somatização De acordo com vários estudos, a prevalência de Perturbações de Somatização varia entre os 0,2% e 2,0% no género feminino e é inferior a 0,2% no género masculino. Em cada 20% de mulheres com Perturbação de Somatização verifica-se que 10% delas são familiares em primeiro grau de mulheres que padecem desta mesma perturbação. Já no caso dos homens familiares de mulheres com esta perturbação, apresentam um maior risco de Perturbação Anti-Social da Personalidade e Perturbações Relacionadas com Substâncias. Esta, é uma perturbação crónica, que embora apresente oscilações não desaparece por completo. (APA, 2002) Perturbação Somatoforme Indiferenciada A Perturbação Somatoforme Indiferenciada diz respeito a um conjunto de queixas físicas que persistem por um período de seis meses ou mais. As queixas incluem fadiga, perda de apetite, ou sintomas gastrointestinais e geniturinários (do parelho genital e urinário). Esta categoria “residual” inclui as situações somatoformes persistentes que não preenchem por completo os critérios das restantes categorias desta perturbação, estando abaixo do limiar para um diagnóstico de perturbação de somatização. Relativamente à evolução dos sintomas, na perturbação somatoforme indiferenciada esta é muito imprevisível. Frequentemente existe o diagnóstico posterior de um estado físico geral ou de outra perturbação mental. (APA, 2002) Características específicas da Perturbação Somatoforme Indiferenciada Verifica-se uma maior frequência de queixas físicas, sem explicação, em mulheres jovens de baixo nível socioeconómico. No entanto, estes sintomas não manifestam uma prevalência limitada em nenhum género, idade ou grupo sociocultural. Apesar disto, a “neurastenia”, uma síndrome descrita em várias partes do mundo e caraterizada por fraqueza e fadiga corporal, é descrita no DSM-IV como perturbação Somatoforme Indiferenciada, se os sintomas persistiram por mais de seis meses. (APA, 2002) Perturbação de Conversão A origem do conceito contemporâneo de Perturbação de Conversão teve o seu início na idade média. Mais tarde, Freud (1956); cit. por Bouman et al., (1999) considerou que esta perturbação era uma forma de defesa e os sintomas eram efeito de um trauma psicológico ou sinal de algum conflito inconsciente (Mace, 1992; cit. por Bouman et al., 1999). O quadro clínico atual da Perturbação de Conversão diz-nos que os sintomas de conversão estão relacionados com o funcionamento motor voluntário ou sensorial e são, portanto, referidos como “pseudoneurológicos”. Só se deve fazer um diagnóstico desta perturbação depois de uma cuidadosa investigação médica ter excluído uma etiologia neurológica ou médica. (Mace, 1992; cit. por Bouman et al., 1999) Sendo assim, deve existir um historial sintomático com os seguintes critérios: Um ou mais sintomas ou défices afetando as funções motora voluntária ou sensorial que sugerem uma doença neurológica ou outro estado físico geral; Considerar-se que os fatores psicológicos estão associados ao sintoma ou défice porque o início ou agravamento do sintoma ou défice é precedido por conflitos ou outros stressores; O sintoma ou défice não se limita a dor ou disfunção sexual, ocorre exclusivamente durante a evolução de uma Perturbação de Somatização e não é melhor explicado por outra perturbação mental. Esta perturbação compreende, ainda, quatro subtipos (Com Sintoma ou Défice Motor, Com Sintoma ou Défice Sensorial, Com Crises ou Convulsões, Com Apresentação Mista), que se baseiam na natureza do sintoma ou défice de apresentação. (APA, 2002) Perturbação de Conversão e características associadas Os sujeitos com sintomas de conversão podem apresentar uma relativa falta de preocupação em relação à natureza ou implicações do sintoma, ou apresentar-se de um modo dramático ou histriónico. Durante o tratamento podem ser fomentadas a dependência e a adoção do papel de doente. Não existem alterações laboratoriais específicas associadas a esta perturbação, no entanto, a existência de valores laboratoriais consistentes com um estado físico geral não excluem o diagnóstico de Perturbação de Conversão. Perturbações Dissociativas, Perturbação Depressiva Major e Perturbações Histriónicas, Anti-Social e Dependente da Personalidade, são perturbações mentais associadas à Perturbação de Conversão. É importante referir que os sintomas de conversão podem ocorrer em sujeitos com doenças neurológicas. (APA, 2002) Caraterísticas específicas da Perturbação de Conversão A Perturbação de Conversão é mais comum nas populações rurais. Parece ser mais frequente em mulheres do que em homens e ocorre raramente antes dos 10 anos ou depois dos 35 anos. Os casos de Perturbação de Conversão variam entre 11/100000 e 500/100000 em amostras da população geral. Os fatores associados a um bom prognóstico incluem a paralisia, afonia e cegueira. No entanto, o tremor e as convulsões estão associados a um mau prognóstico. (APA, 2002) Roleplay De acordo com Aristóteles a dor era uma emoção em Perturbação de Dor resposta a uma sensação. Já Descartes via-a como o resultado de um estímulo físico imposto no corpo. Assim, a Perturbação de Dor Somatoforme é caracterizada por uma dor numa ou mais localizações anatómicas, sendo esta o fator predominante no quadro clínico. Nesta perturbação, os fatores psicológicos contribuem de forma significativa para o início da dor, bem como, para a sua severidade, agravamento e manutenção. Os sintomas resultantes desta não são produzidos de forma intencional ou simulados e o seu diagnóstico não deve ser tido em conta se houver uma outra perturbação que melhor explique tais sintomas, entre as quais, a Perturbação do Humor, da Ansiedade ou Psicótica, assim como critérios que permitam a sua classificação como Dispareunia. Esta perturbação compreende ainda três subtipos: a perturbação de dor associada a fatores psicológicos, a perturbação de dor associada a fatores psicológicos e a um estado físico geral e a perturbação de dor associada a um estado físico geral. (Turke, Meichenbaum, & Genest, 1983; cit. por Bouman et al., 1999); (APA, 2002) Perturbação de dor e características associadas A perturbação de dor altera de forma significativa o quotidiano dos sujeitos que dela padecem. Sujeitos que sofrem de dor crónica encontram-se geralmente desempregados, com incapacidades e problemas familiares. Pode ainda surgir a dependência ou abuso iatrogénico de opiáceos, bem como, iatrogénico de benzodiazepinas. A dor pode levar ainda à inatividade, isolamento social, que se pode traduzir em novos problemas psicológicos, e redução da resistência física, que leva ao cansaço e a dores adicionais. Esta perturbação pode associar-se a outras perturbações mentais, entre as quais, a dor crónica se associa sobretudo a Perturbações Depressivas e a dor aguda a Perturbações da Ansiedade. (APA, 2002) Características específicas da Perturbação de Dor A Perturbação de dor pode aparecer em qualquer idade, sendo no género feminino a maior prevalência de dores crónicas, entre as quais cefaleias e dores músculo-esqueléticas. Os fatores que ajudam na recuperação desta perturbação são sobretudo dois. Apesar da dor, o sujeito continua a participar em atividades regulares, como por exemplo, ir trabalhar e não deixa que o seu problema se trone um fator determinante na sua vida. (APA, 2002) Roleplay A hipocondria surge, no século XVIII, sendo Hipocondria descrita pelo fisiatra inglês Thomas Sydenham como sendo uma doença exclusivamente masculina, equivalente à histeria que seria exclusiva no feminino. Actualmente sabe-se que a hipocondria é caracterizada por um medo ou convicção injustificável de possuir uma determinada doença fatal como cancro, doença do coração, SIDA, entre outras (Bouman et al., 1999). Regra geral, esta convicção é baseada numa interpretação errada de um ou mais sintomas corporais. Os doentes sentem necessidade de verificar constantemente o seu corpo e de evitar situações relacionadas com a doença. Apesar do paciente ter acesso a informação da doença, isso resulta apenas numa tranquilidade temporária que precede uma renovada preocupação. Estes pacientes recorrem frequentemente a serviços médicos para obterem tranquilização médica. (Bouman et al., 1999); (APA, 2002) Apesar disto, na hipocondria, este tipo de convicções não tem nenhuma intensidade delirante pelo que os doentes conseguem admitir a possibilidade de estar a “exagerar”. As queixas podem centrar-se em funções corporais, alterações físicas (pequena ferida) ou sensações físicas vagas ou ambíguas. O paciente atribui estes sintomas ou sinais à pressuposta doença e está verdadeiramente preocupado com o seu possível significado. (APA, 2002) Hipocondria e características associadas Na generalidade dos casos, os doentes com hipocondria apresentam uma longa história médica, sempre deteriorada o que os leva a pensar que não estão a ser bem tratados. Recusam o encaminhamento para consultas de saúde mental e insistem em procedimentos médicos de diagnóstico. As relações sociais, bem como, a vida familiar destes doentes são dificultadas uma vez que estão constantemente preocupados com o seu estado de saúde e esperam um tratamento especial por isso. (APA, 2002) Características específicas da Hipocondria Apesar de não existir fundamentação para as preocupações dos sujeitos, a situação deverá ser enquadrada tendo em conta o envolvimento cultural e os modelos referenciais do sujeito. Assim, o diagnóstico de hipocondria deverá ser cuidadoso sempre que as convicções do doente sejam reforçadas pelos curandeiros tradicionais. A prevalência da hipocondria na população em geral não é conhecida, sabendo-se apenas de que a população que é acompanhada em consulta de clínica geral é de 4% a 9%. Esta perturbação somatoforme encontra-se com incidência semelhante nos homens e nas mulheres. (APA, 2002) Perturbação Dismórfica Corporal O conceito Dismórfica de Corporal, Perturbação anteriormente designada por Dismorfofobia, surgiu no final do século XIX, sendo descrita por Morselli (s.d); cit. por Berrios e Kan (1996); cit. por Bouman et al., (1999) como uma crescente e repentina preocupação com a ideia de que o corpo está deformado, acompanhado de grande ansiedade. A principal caraterística desta perturbação é a preocupação com um defeito na aparência. Este defeito é imaginado ou é uma preocupação excessiva com alguma anomalia física existente. (APA, 2002) Assim, para o diagnóstico desta perturbação, são necessários os seguintes critérios: A preocupação com um defeito imaginado na aparência, mesmo que uma anomalia física esteja presente, a preocupação tem um carácter marcadamente excessivo; A preocupação causa sofrimento clinicamente significativo ou disfunção no funcionamento social, ocupacional e noutras áreas importantes do funcionamento individual; A preocupação não é melhor explicada por outra perturbação mental. (APA, 2002) Perturbação Dismórfica Corporal e caraterísticas associadas Os sujeitos com Perturbação Dismórfica Corporal ocupam grande parte do seu tempo à procura de superfícies espelhadas e, por vezes, recorrem a luzes e lentes de aumento, para observarem os seus “defeitos”. Alguns sujeitos evitam espelhos e outros alternam entre períodos de contemplação e afastamento. Tudo isto leva a um isolamento social extremo, onde o sujeito só sai de casa à noite para não ser visto, ou então fecha-se em casa e não sai durante anos. Sujeitos com esta perturbação, geralmente, procuram receber tratamento médico para corrigir os seus “defeitos”. A Perturbação Dismórfica Corporal, pode ser associada com a Perturbação Depressiva Major, Perturbação Delirante, Fobia Social e Perturbação ObsessivoCompulsiva. (APA, 2002) Caraterísticas específicas da Perturbação Dismórfica Corporal A Perturbação Dismórfica Corporal é igualmente distribuída entre homens e mulheres, sendo a sua prevalência desconhecida. Tem início na adolescência, podendo iniciar-se na infância, no entanto, pode não ser diagnosticada durante muitos anos. Tem evolução contínua e a região do corpo que é foco de preocupação pode manter-se ou variar com a evolução da perturbação. (APA, 2002) Perturbação Somatoforme Sem Outra Especificação Nesta categoria podemos encontrar as perturbações com sintomas somatoformes, sem, no entanto, preencherem os critérios das perturbações somatoformes específicas. Entre os sintomas deste quadro clínico destaca-se a Pseudociese que consiste na falsa crença de gravidez associada a sinais físicos entre os quais o aumento abdominal, redução do fluxo menstrual, amenorreia, sensação de movimentos fetais, náuseas, engurgitamento mamário com secreção e dores de parto na data esperada para o mesmo. Esta síndrome não é explicada por um estado físico geral causada por alterações endócrinas, porém, estas podem acontecer; Uma perturbação que envolva sintomas não psicóticos hipocondríacos com uma duração inferior a 6 meses; Uma perturbação que envolva queixas físicas inexplicáveis com uma duração inferior a 6 meses e sem que faça parte do quadro de outras doenças mentais. (APA, 2002) Tratamento No que diz respeito ao tratamento das perturbações psicossomáticas (Perturbações Somatoformes), não existem boas receitas, cada caso é um caso. Contudo, os estudos apontam para intervenções denominadas por “psicoterapia baseada em evidências”. Deste modo, é utilizada uma abordagem cognitivo-comportamental que visa o treino de relaxamento muscular progressivo e técnicas de respiração compassada ao nível da cognição. Assim, passar-se-á por procedimentos de auto-monitorização dos pensamentos automáticos que têm como objetivo transformar esses pensamentos mais abstratos em pensamentos mais racionais. (Neto, (s.d)) Conclusão Após a elaboração deste trabalho pode-se concluir que os sujeitos com Perturbações Somatoformes, que apresentam sintomas medicamente inexplicáveis, vêem o seu sofrimento prolongado uma vez que estas perturbações podem não ser corretamente diagnosticadas. A preocupação exagerada com uma doença física faz com que estes sejam culturalmente moldados, não significando necessariamente psicopatologia. Em suma, é importante que os médicos estudem este tipo de perturbação, para que possam encaminhar os sujeitos para um profissional na área da saúde mental. Assim, para além de encontrarem a ajuda necessária, os sujeitos vão ver o seu sofrimento psíquico diminuído, por finalmente encontrarem uma explicação para um problema aparentemente inexplicável. Referências Bibliográficas American Psychiatric Association. (2002). DSM-IV-TR, Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais. Lisboa: Climepsi. Bouman, T., Eifert, G., & Lejuez, L. (1999). Somatoform Disorder. In Millon, T., Blaney, P. & Davis, R. (1999). Oxford textbook of psychopathology (pp. 444-461). New York: Oxford University Press. Neto, A. (s.d). Terapia Cognitivo-Comportamental e Disfunções Psicofisiológicas. In: Brandão, M. (2003) Sobre Comportamento e Cognição. Clínica, Pesquisa e Aplicação. 12. (06), 76-86. The ICD-10. Classification of Mental and Behavioral disorders. Diagnostic criteria for research. World Health Organization Geneva.