Clarice A mulher que matou os peixes Lispector Clarissa e Silvania A mulher que matou os peixes Clarice Lispector Literatura Infanto-Juvenil Prof. Dr. Bruno Curcino Clarissa Navarro Silvania Oliveira TÓPICOS • • • • • • • • • • Introdução Palavras de Clarice Narrativa de Clarice Tom confessional História Literatura Infanto-Juvenil O tratamento da criança A formação do leitor infantil O livro Traço biográfico • Jogo com o matiz autobiográfico • Ficção X Realidade • Bicho/Animal • Relação Homem/Bicho • Condição humana • Estratégias de Clarice • Questões da vida • A temática da morte O que Clarice Lispector teria a dizer para as crianças? Palavras de Clarice... Vídeo LIT. INFANTIL – VIDEO 1 – 6’45 ATÉ 8’40 Palavras de Clarice... VÍDEO “Quando eu me comunico com criança é fácil porque sou muito maternal. Quando me comunico com adulto, na verdade estou me comunicando com o mais secreto de mim mesma, daí é difícil...O adulto é triste e solitário. A criança tem a fantasia muito solta” (Clarice Lispector em entrevista para a TV Cultura, em 1977, concedida a Júlio Lerner). Narrativa de Clarice “Clarice não abandona a digressão presente em sua obra para adultos, o centro de sua criação artística é marcada pela consciência individual, resultando assim, o monólogo interior, a digressão, a fragmentação de episódios (OMRAM, 2011, p. 36). TOM CONFESSIONAL “Vocês ficaram muito zangados comigo porque eu fiz isso? Então me deem perdão. Eu também fiquei muito zangada com a minha distração. Mas era tarde demais para eu me lamentar. Eu peço muito que vocês me desculpem. Dagora em diante nunca mais ficarei distraída. Vocês me perdoam? (LISPECTOR, 1999, s/p) HISTÓRIA - RESUMO "Eu sempre gostei de bichos. Tive uma infância rodeada de gatos. Eu tinha uma gata que de vez em quando paria uma ninhada de gatos. E eu não deixava de se desfazerem de nenhum dos gatinhos. [...] Afinal, não aguentando mais os meus gatos, deram escondido de mim a gata com sua última ninhada. E eu fiquei tão infeliz que adoeci com muita febre. Então me deram um gato de pano para eu brincar”. HISTÓRIA - RESUMO “Bichos naturais são aqueles que a gente não convidou nem comprou. Por exemplo, nunca convidei uma barata para lanchar comigo.” “Agora vou falar sobre bichos convidados, igual ao meu convite para vocês. Às vezes não basta convidar: tem-se que comprar. Por exemplo, convidei dois coelhos para morar com a gente e paguei um dinheiro ao dono deles. Coelho tem uma história muito secreta, quero dizer, com muitos segredos.” HISTÓRIA - RESUMO “Quanto a cachorros, eu já tive dois. O primeiro foi assim: eu estava morando em uma terra que se chama Itália. Um dia, andando pelas ruas da cidade, vi uma cachorro vira-lata. Os vira-latas são tão inteligentes que aquele que eu vi sentiu logo que eu era boa para os animais e ficou no mesmo minuto todo alvoroçado abanando o rabo. Quanto a mim, foi só olhar que logo me apaixonei pela cara dele. Apesar de ser italiano, tinha cara de brasileiro e cara de quem se chama Dilermando.” HISTÓRIA - RESUMO “Muitos anos depois eu estava morando em outro país que se chama Estados Unidos da América. E comprei um cachorro americano com o nome de Jack. [...] Ele tinha uma vida muito animada porque ele gostava de tudo o que fazia. [...] Jack era menos inteligente que Dilermando, mas era um cachorro muito corajoso. Ele não tinha medo de nada.” HISTÓRIA - RESUMO “[...] ao descrever Jack, o cachorro americano que teve quando morou em Washington, Clarice já faz referência bastante clara à liberdade animal que tanto a fascina comparando-a ao mesmo tempo com a liberdade restrita do humano.” (DINIS, 2001, p. 121) HISTÓRIA - RESUMO Lisete às vezes parecia sorrir pedindo desculpas por dormir tanto. Comer, quase não comia, e ficava parada num cantinho só dela. No quinto dia comecei a desconfiar que Lisete não estava bem de saúde. Pois não era normal o jeito quieto e calado dela. No sexto dia quase dei um grito quando adivinhei? “Lisete estava morrendo! Vamos levá-la a um veterinário!” HISTÓRIA - RESUMO No dia seguinte o veterinário telefonou avisando que Lisete tinha morrido durante a noite. Compreendi então que Deus queria levá-la. Fiquei com os olhos cheios de lágrimas e não tinha coragem de dar esta notícia ao pessoal de casa. Afinal, avisei, e todos ficaram muito, muito tristes. HISTÓRIA - RESUMO Também de pura saudade, o outro filho olhou para mim e disse com muito carinho: - “Você sabe, mamãe, que você se parece muito com Lisete? Se vocês pensam que eu me ofendi porque me parecia com Lisete, estão enganados. Primeiro, porque a gente se parece mesmo com um macaquinho; segundo, porque Lisete era cheia de graça e muito bonita. “[...] Não humanizo bicho porque é ofensa – há que respeitar-lhe a natureza – eu é que me animalizo” (narrador clariceano em Água Viva).” (DINIS) HISTÓRIA - RESUMO Bruno ficou espantado por um segundo: pensou que Max ia atacar Roberto e correu em defesa do dono. Para defender o dono, atirou-se em cima de Max, que não tinha culpa nenhuma. Mas Max, vendo-se ferozmente atacado, reagiu. E o resultado foi uma luta sangrenta. HISTÓRIA - RESUMO Os cachorros então de repente atacaram de uma só vez Bruno, fazendo eles mesmos justiça, porque, como eu disse, no mundo dos cães eles próprios se encarregam de ser juiz e polícia. Eram cinco cachorrões contra Bruno. Bruno ainda tentou se defender mas não tinha forças contra eles. E aconteceu o que era de se esperar: o pior. Os cincos cachorros castigaram Bruno até ele morrer. É assim que Bruno Barberini de Monteverdi morreu para todo o sempre. Mas a história de Bruno e Max se destaca das outras. Por quê? HISTÓRIA - RESUMO Bruno amava tanto Roberto que não permitia nenhum outro cachorro fazer carinho no dono ou atacá-lo. Também era grande o amor fraterno que ligava Bruno a Max. Mas o primeiro amor era para Roberto. Será que as crianças perdoaram a narradora? HISTÓRIA - RESUMO Recebi uma carta de seis páginas a respeito de meu livro infantil “A mulher que matou os peixes”. E a missivista responde a uma frase do livro: “Não é culpada não, pois os peixes morreram não por maldade mas por esquecimento. Você não é culpada”. A carta é assinada pela senhorita Inês Kopeschi Praxedes, que mora na Rua Maria Balbina Fortes, 87, Niterói. Só no fim da carta é que ela me diz que tem... dez anos de idade. Clarice Lispector “Não ter nascido bicho é minha secreta nostalgia. Eles às vezes chamam de longe muitas gerações e eu não posso responder senão ficando inquieta. É o chamado.” (LISPECTOR, apud RODRIGUES, p.32) Literatura InfantoJuvenil “Hoje a literatura infantil passa a ser vista como algo que vai além da mera decodificação das palavras, ela trabalha com o imaginário e com a fantasia do leitor” (DINIS; BECKER, s/d, p.2) “ (...) a literatura infantil de Clarice não quer dar lições de moral, nem adultizar ou socializar a criança, quer propor-lhe uma nova aventura: a experimentação de um novo mundo que pode ser constantemente recriado pela imaginação.” (p.3) Literatura InfantoJuvenil “Clarice Lispector sempre deixou claro que suas histórias não se enquadram nas histórias convencionais, pois não possuem um trama linear, sendo sua grande contribuição para a literatura infantil a criação de histórias provocativas, que dialogam com as crianças, fazendo com que elas tenham que pensar, criar, imaginar, elementos estes fundamentais em qualquer literatura infantil. (...) Através da literatura de Clarice Lispector a criança é sempre convidada para uma nova descoberta do mundo, no qual ela possa aguçar sua criatividade e experimentar o mundo sempre de infinitas maneiras.” (DINIS; BECKER, s/d, p.9) O tratamento da CRIANÇA •[...] os textos de Clarice Lispector buscam justamente desinfantilizar a criança (DINIS, 2001, p. 122). •[...] Clarice torna-se uma inovadora por incorporar mesmo na literatura infantil os dilemas e a fragmentaridade do narrador tão explorados na literatura adulta de vanguarda (DINIS, 2001, p. 123). O tratamento da CRIANÇA •[...] A literatura de Clarice se distancia dos preconceitos de uma visão autoritária e preconcebida do adulto sobre a infância (DINIS, 2001, p. 123). “Se eu tivesse culpa, eu confessava a vocês, porque eu não minto para menino ou menina. Só minto às vezes para certo tipo de gente grande porque é o único jeito. Tem gente que é tão chata! Vocês não acham? Elas nem compreendem a alma de uma criança. Criança nunca é chata.” (Lispector) A formação do LEITOR INFANTIL - Respeito pela criança / Literatura que emancipa Uma das tendências na literatura infantil brasileira dos anos 40 e 50 é produzir uma literatura com fins disciplinadores, na qual a preocupação com a qualidade estética dos textos passa a ceder lugar a uma preocupação moralista-educativa (DINIS, 2001, p. 120). [...] a infância sempre foi vista como um espaço a ser modelado, educado, disciplinado (caráter pedagógico-moralista) (DINIS, 2001, p. 120). O livro “Sua obra parece uma floresta de símbolos onde mora e transita, sussurra e translada uma diversidade de bichos, cada um com sua história, sua linguagem, seus mistérios e sua vida íntima.” (Siqueira, 2009, p.10) 1ª Publicação: 1968 “Por mais diferentes eles sejam, todos estão inseridos no ciclo de vida/morte da natureza, interligados pelos laços de família da espécie animal.” (Siqueira, 2009, p.10) Traço biográfico “Nas fábulas Claricianas as personagens são construídas com base em animais que a escritora de fato teve em sua vida, e isso é um fato relevante para nossa leitura, porque nele inscreve-se o “bio”. Por ser o traço biográfico a marca recorrente na escrita das fábulas de CL, nossa leitura está atravessada pela concepção da crítica biográfica.” (RODRIGUES, p.34) Jogo com o matiz auto- biográfico A narradora no intuito de aproximar ainda mais de seu leitor desnuda ao se identificar pelo próprio nome da autora: “Antes de começar, quero que vocês saibam que meu nome é Clarice. E vocês como se chamam? Digam baixinho o nome de vocês e o meu coração vai ouvir” (DINIS, 2001, p.111). Ficção X Realidade “Em A mulher que matou os peixes, de 1968, a escritora se baseia no real ocorrido e usa o texto como pré-texto ou como uma forma possível de se redimir de sua culpa por ter esquecido de alimentar os dois peixes no aquário e eles terem morrido.” (Tiesenhausen, 2007, p.122) A obra de Lispector “(...) partiu de um sentimento de culpa da mãe, que mergulhada no ofício de escritora, esqueceu de alimentar os peixes de seu filho Pedro.” (RODRIGUES, 2010, p.13) Bicho/Animal Para Benedito Nunes “os animais gozam, no mundo de CL, de uma liberdade incondicionada, espontânea, originária, que nada – nem a domestificação degradante de uns, nem a aparência frágil e indefesa de outros – seria capaz de anular.” (RODRIGUES, p.32) •[...] bichos estão presentes na maioria dos textos da autora [...] uma legião dos mais diferentes bichos: coelhos, gatos, peixes [...] São formas de Clarice sair de Clarice. Escrever em Clarice é sempre viver a multiplicidade de outros que a mediocridade de uma única vida não comporta (DINIS, 2001, p. 124). Relação Homem/Bicho Clarice via na relação homem/bicho uma forma de aprendizagem, prazer, descoberta, autoconhecimento e de humanização. Como ela escreveu em A descoberta do mundo: “as relações entre homem e bicho são singulares, não substituíveis por nenhuma outra. Ter bicho é experiência vital. Quem não conviveu com um animal falta um certo tipo de intuição do mundo vivo. Quem se recusa à visão de um bicho está com medo de si mesmo.” (LISPECTOR, 1999a, p. 334, apud Siqueira, 2009, p.11) Relação Homem/Bicho “Vocês também têm faro? Aposto que sim, porque, além de sermos gente, somos também animais. O homem é o animal mais importante do mundo, porque, além de sentir, o homem pensa, resolve e fala. Os bichos falam sem palavras.” (p.15) Relação Homem/Bicho “Somente quem teme a própria animalidade não gosta de bichos. Eu adoro.” (Lispector) Condição Humana “(...) a escritora insiste em sua condição humana, no contraditório da essência do seu ser (...“meu coração é doce: perto de mim nunca deixo criança nem bicho sofrer”.) em relação às circunstâncias do agir sem intenção maldosa, sendo a primeira oração do texto uma assertiva corajosa de pungente tristeza sugerida pelo advérbio de modo (“Essa mulher que matou os peixes infelizmente sou eu”). (Tiesenhausen, 2007, p.122) Estratégias de Clarice Conversa com o leitor – Convencimento A marca da oralidade aparece nas primeiras linhas do texto onde o narrador já tenta estabelecer uma ligação direta com seu leitor: “Essa mulher que matou os peixes infelizmente sou eu. Mas juro a vocês que foi sem querer. Logo eu! que não tenho coragem de matar uma coisa viva. Até deixo de matar uma barata ou outra” (DINIS, 2001, p. 110). Estratégias de Clarice [...] a estória do crime é apenas um pretexto para prender o leitor e é adiada ao máximo ao decorrer do enredo: “Não tenho coragem ainda de contar agora mesmo o que aconteceu. Mas prometo que no fim deste livro contarei e vocês que vão ler esta história triste me perdoarão ou não” (DINIS, 2001, p.110). - Estratégia de seduzir e conquistar o leitor para que ele a perdoe ao final do livro Questões da VIDA - Morte/vida; separação; perda; violência da própria natureza temas extremamente incômodos “Contar histórias de bichos para as crianças é a maneira de Clarice Lispector falar da vida e das relações humanas para seus pequenos leitores.” (RODRIGUES, 2010, p.31) Questões da VIDA “Sem cair em estereótipos, Clarice Lispector ensina seus pequenos leitores a contemplar a vida, a se preparar para as perdas e a conviver com as angústias por meio das relações dos homens com os animais, pois, como afirmava, “os bichos falam sem palavras”, logo, expressam com mais liberdade seus sentidos e sentimentos (OMRAN, 2011, p. 32). A temática da Morte - Pulsão de agressividade - Violência da natureza "A moral do jardim era outra." Lispector (em Amor) Lisete “No dia seguinte o veterinário telefonou avisando que Lisete tinha morrido durante a noite. Compreendi então que Deus queria levá-la. Fiquei com os olhos cheios de lágrimas e não tinha coragem de dar esta notícia ao pessoal de casa. Afinal, avisei, e todos ficaram muito, muito tristes. De pura saudade, um dos meus filhos perguntou: - Você acha que ela morreu de brincos e colar? (...) Um dia desses vou comprar um miquinho com saúde. Mas esquecer de Lisete? Nunca.” “No dia seguinte telefonaram e eu avisei aos meninos que Lisette morrera. O menor perguntou: Você acha que ela morreu de brincos? Eu disse que sim.” Referências • • • • • • • DINIS, Nilson Fernandes. Perto do coração criança: uma leitura da infância nos textos de Clarice Lispector. Campinas, 2001. DINIS, Nilson Fernandes; BECKER, Josiane. Práticas escolares de leitura: lendo contos infantis de Clarice Lispector. Paraná, s/d. LISPECTOR, Clarice. A mulher que matou os peixes. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. OMRAN, Muna. Clarice... era uma vez. Revista Litteris. UFF, no. 8, Setembro 2011. Disponível em: http://revistaliter.dominiotemporario.com/doc/CLARICE_ERA_UMA_VEZ _FINAL_Muna.pdf (Acesso em 30 jul. 2013.) RODRIGUES, Valéria Aparecida. Quase de verdade: quatro fábulas de Clarice Lispector (vida, crianças e bichos). Três Lagoas, 2010. SIQUEIRA, Ailton. Clarice Lispector: que mistérios tem Joãozinho. São Paulo, 2009. TIESENHAUSEN, Sandra Vivacqua. A polifonia das vozes infantis em Clarice Lispector. Brasília, 2007.