Literatura Modernismo II tempo Prof. Heitor Gribl José Lins do Rego (1901, Pilar/PB — 1957 Rio de Janeiro/RJ) “Tenho quarenta e seis anos, moreno, cabelos pretos, com meia dúzia de fios brancos, um metro e 74 centímetro, casado, com três filhas e um genro, 86 quilos bem pesados, muita saúde e muito medo de morrer. Não gosto de trabalhar, não fumo, durmo com muitos sonos e já escrevi 11 romances. Se chove, tenho saudades do sol; se faz calor, tenho saudades da chuva. Vou ao futebol, e sofro como um pobre-diabo. Jogo tênis, pessimamente, e daria tudo para ver o meu clube campeão de tudo. Sou um homem de paixões violentas. Temo os poderes de Deus, e fui devoto de Nossa Senhora da Conceição. Enfim, literato da cabeça aos pés, amigo dos meus amigos e capaz de tudo se me pisarem nos calos. Perco então a cabeça e fico ridículo. Não sou mau pagador. Se tenho, pago, mas se não tenho não pago, e não perco o sono por isso. Afinal de contas sou um homem como os outros e Deus queira que assim continue. “ Obras Menino de Engenho (1932) – Romance com notas autobiográficas. Personagem: Carlos de Melo Enredo: Ainda criança, uma tragédia familiar: o pai mata a mãe. Carlos é levado para o Engenho Santa Rosa para viver com o avô materno. No engenho, Carlos tem educação precoce e não programada, a começar pelo sexo. O engenho era o melhor dos universos e resgata uma infância autobiográfica do autor que conviveu “confortavelmente” com a exploração de escravos. Obras Doidinho (1933) – continuação do romance anterior. Enredo: Carlos é aluno interno de um colégio em Itabaiana, de disciplina rigorosa, mas não é feliz por estar longe dos amigos, da Zona da Mata, do Engenho, do avô. Foge do internato. A estrutura lembra muito O Ateneu. Obras Banguê (1934) – continuação dos anteriores Enredo: Carlos se forma em direito e volta para o Engenho 10 anos depois. O engenho está em decadência. Os amigos somem. Tem medo que o avô morra. Um caso amoroso anima a personagem, mas ela é casada. O Livro termina com a sensação de total decadência, sem perspectivas, sem esperanças. Obras Fogo Morto (1943) Narração em terceira pessoa, sem nostalgia, sem melancolia. Enredo: Mestre Zé Amaro vive na Zona da Mata. Crise emotiva e existencial, com tonalidade política. Engenho Santa Fé vira “fogo morto”. Envolve-se com “capitão” Vitorino (espécie de D. Quixote) e com o chefe do cangaço Antonio Silvino. Morre na prisão após grande humilhação. Jorge de Lima (1893 União/AL — 1953 Rio de Janeiro) Jorge Matheos de Lima nasceu em Alagoas, em 1893. Fez os primeiros estudos em sua cidade, União, e depois em Maceió, no Colégio dos Irmãos Maristas. Estudou Medicina em Salvador, transferindo-se para o Rio de Janeiro, onde defendeu tese sobre os serviços de higiene na capital federal. Ainda estudante de Medicina, publicou seu primeiro livro, XIV Alexandrinos (1914). Após ter se formado, retornou a Maceió. Sem jamais ter abandonado a Medicina, lecionou na Escola Normal Estadual da cidade, chegando a ser diretor. Ocupou outros cargos públicos estaduais, como Diretor-Geral da Instrução Pública e Saúde e Deputado, além de manter constante seu interesse pelas artes plásticas. Em 1930, transfere-se, definitivamente, para o Rio de Janeiro, onde clinica e leciona Literatura Brasileira, nas Universidades do Brasil e do Distrito Federal. Em 1925 foi eleito vereador, ocupando, três anos mais tarde, a presidência da Câmara, no Rio de Janeiro. Jorge de Lima - influências Grande leitor (e amigo) de José Lins do Rego Tornou-se católico por influência de Murilo Mendes (considerava a religião a salvação contra os perigos do mundo). Estilo: Surrealismo com simbolismo bíblico. Enigmático, com imagens do inconsciente. Anjo daltônico Tempo da infância, cinza de borralho, tempo esfumado sobre vila e rio e tumba e cal e coisas que eu não valho, cobre isso tudo em que me denuncio. Há também essa face que sumiu e o espelho triste e o rei desse baralho. Ponho as cartas na mesa. Jogo frio. Veste esse rei um manto de espantalho. Era daltônico o anjo que o coseu, e se era anjo, senhores, não se sabe, que muita coisa a um anjo se assemelha. Esses trapos azuis, olhai, sou eu. Se vós não os vedes, culpa não me cabe de andar vestido em túnica vermelha. Obras importantes Tempo e eternidade (1935) Invenção de Orfeu (1952) Literatura Modernismo III tempo Pós-modernismo??? João Cabral de Melo Neto (1920 Recife — 1999 Rio de Janeiro) Conhecido como o Engenheiro da poesia, marca o retorno da tradição poética na geração de 1945. Foi diplomata concursado (1945), atuando em vários países da Europa. “A poesia é anterior a todos os gêneros literários. (…) A poesia continua sendo a porta de entrada, o primeiro andar de qualquer literatura”. Catar Feijão 1.Catar feijão se limita com escrever: jogase os grãos na água do alguidar e as palavras na folha de papel; e depois, jogase fora o que boiar. Certo, toda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois para catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco. 2.Ora, nesse catar feijão entra um risco: o de que entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto, um grão imastigável, de quebrar dente. Certo não, quando ao catar palavras: a pedra dá à frase seu grão mais vivo: obstrui a leitura fluviante, flutual, açula a atenção, iscaa como o risco. Obras importantes Morte e vida severina (1956) Poema dramático que focaliza o sertanejo em busca do litoral, esbarrando na morte ao longo do caminho. No final, uma criança nasce como símbolo de resistência humana. Pedra do sono (1942); Os três mal-amados (1943); O engenheiro (1945); Psicologia da composição (1947); O cão sem plumas (1950); Uma faca só lâmina (1956); A educação pela pedra (1966); A escola das facas (1980) etc. Contam de Clarice Lispector (João Cabral de Melo Neto, Agrestes) Um dia, Clarice Lispector Intercambiava com amigos Dez mil anedotas de morte, E do que tem de sério e circo. Nisso, chegam outros amigos, Vindos do último futebol, Comentando o jogo, recontando-o Refazendo-o, de gol a gol Quando o futebol esmorece, Abre a boca um silêncio enorme E ouve-se a voz de Clarice: Vamos voltar a falar na morte? João Guimarães Rosa Homem culto, médico, diplomata, supersticioso. Linguagem: mitopoética Palco da linguagem: Gerais, os campos de Minas Personagens míticos: vaqueiros, jagunços e fazendeiros Ações: semelhantes às novelas de cavalaria (missão sagrada) Pano de fundo: filosofias de Heráclito, Platão, Buda, além das noções de fenomenologia, existencialismo, vitalismo etc. Linguagem Poliglota (mais de 17 línguas) busca incansavelmente uma forma de solucionar os enigmas do mundo e da natureza humana que estão para além das línguas. Neologismo foi consequência do querer dizer aquilo que não era dizível em palavras. À primeira leitura, suas obras causam grande estranheza pois ele reinventa a língua portuguesa. Criou seu próprio vocabulário em um dialeto idealsertanejo (que não corresponde ao dialeto caboclo) O Bem e o Mal Estudos de metafísica para tratar as noções de Bem e de Mal. Crença da existência de um destino traçado por Deus ou pelo Diabo. Questão moral das personagens: suas angústias e incertezas estão atreladas ao Destino Questão metafísica: O Bem e o Mal são relativos Metafísica Definição: Metafísica (do grego μετα [meta] = depois de/além de e Φυσις [physis] = natureza ou físico) é um ramo da filosofia que estuda a essência do mundo. A saber, é o estudo do ser ou da realidade. Se ocupa em procurar responder perguntas tais como: O que é real? O que é natural? O que é sobre-natural? Definição de Guimarães Rosa: “ é um cego, com olhos vendados, num quarto escuro, procurando um gato preto… que não está lá” (Tutaméia – 1967) Principais obras Sagarana (1946) Sagen (alemão= dizer) e Rana (sufixo do tupi = semelhança). Contos: Burrinho Pedrês; Traços biográficos da vida de Lalino Salãthiel ou a volta do marido pródigo; São Marcos (reza, despacho, o poder miraculoso da palavra); A hora e a vez de Augusto Matraga (alegoria do bem e do mal) etc. Temas: superstição, sabedoria do povo, alegorias e fábulas, a própria arte de contar histórias (poética) etc. Corpo de baile (1956) “Campo geral” e “Uma estória de amor” (Manuelzão e Miguilim) “O recado do morro”, “Cara de Bronze” e “A estória de Lélio e Lina” (No Urubuquaquá, no Pinhém) “Dão-Dalalão” e “Buriti” (Noites do sertão) Conjunto de novelas, não são contos. Grande Sertão: Veredas (1956) Narrado pelo ex-jagunço Riobaldo, não conta apenas uma história de amor e luta, mas muitas outras histórias satélites. O demônio busca confundir-se com Deus. “ Olhe: o que devia de haver, era de se reunirem-se os sábios, políticos, constituições gradas, fecharem o definitivo a noção – proclamar por uma vez, artes, assembleias, que não tem diabo nenhum, não existe, não pode. Valor de lei! Só assim davam tranquilidade boa à gente. Por que o Governo não cuida? Clarice Lispector • Existencialismo, fenomenologia, psicanálise formam o quadro conceitual de Clarice Lispector. • Introspectiva, fluxo de consciência (James Joyce e Virgínia Woolf), drama interior, que escreve como quem costura para dentro. Sentir é uma boa forma de entender sem precisar pensar. Em tudo há loucura e intimidade. Fenomenologia e Existencialismo Fenomenologia Tal como definido pelo seu fundador, o filósofo Edmund Husserl, a Fenomenologia é uma pura descrição do que se mostra por si mesmo; não pressupõe nada - nem o mundo natural, nem o sentido comum, nem as proposições da ciência, nem as experiências psicológicas. Coloca-se antes de toda a crença e de todo o juízo para explorar simplesmente o dado. O existencialismo é uma corrente filosófica e literária que destaca a liberdade individual, a responsabilidade e a subjetividade do ser humano. O existencialismo considera cada homem como um ser único que é mestre dos seus atos e do seu destino. O existencialismo afirma o primado da existência sobre a essência, segundo a célebre definição do filósofo francês Jean-Paul Sartre: "A existência precede e governa a essência." Essa definição funda a liberdade e a responsabilidade do homem, visto que esse existe sem que seu ser seja pré-definido. Principais obras A hora da estrela (1977) A paixão segundo G.H. (1964) Água Viva (1973) A maçã no escuro (1961) Laços de Família (1960) A legião estrangeira (1964) Felicidade Clandestina (1971) A via-crucis do corpo (1974) Para não esquecer (1978) Além de outros, inclusive literatura infantil. Trechos É assim que se escreve? Não, não é acumulando e sim desnudando. Mas tenho medo da nudez, pois ela é a palavra final. Juro que este livro é feito sem palavras. É uma fotografia muda. Este livro é um silêncio. Este livro é uma pergunta. Não tenha medo de mim, sua coisinha engraçadinha. Porque quem está do meu lado, está no mesmo instante ao lado de Jesus. (…) Eu sou fã de Jesus. Sou doidinha por ele (…) quando eu já não valia muito no mercado, Jesus sem mais nem menos arranjou um jeito de eu fazer sociedade com uma coleguinha e abrimos uma casa de mulheres. (Personagem cartomante em Hora da Estrela)