ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR Flávio Tartuce Doutor em Direito Civil e graduado pela Faculdade de Direito da USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Professor do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Civil, Direito Contratual e Direito de Família e das Sucessões da Escola Paulista de Direito. Professor da ESA/OAB/SP e em Escolas da Magistratura. Advogado e Consultor Jurídico. Autor de Obras pela Editora Método. RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE Conceito de transporte: Contrato pelo qual alguém (o transportador) se obriga, mediante uma determinada remuneração, a transportar, de um local para outro, pessoas ou coisas, por meio terrestre (rodoviário e ferroviário), aquático (marítimo, fluvial e lacustre) ou aéreo (art. 730 do CC). Aquele que realiza o transporte é o transportador, a pessoa transportada é o passageiro ou viajante, enquanto a pessoa que entrega a coisa a ser transportada é o expedidor. O que identifica o contrato é uma obrigação de resultado do transportador, diante da cláusula de incolumidade de levar a pessoa ou a coisa ao destino, com total segurança. 2 RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE Ao contrato de transporte aplica-se o Código Civil e, havendo uma relação jurídica de consumo, como é comum, o CDC (Lei 8.078/1990). Desse modo, deve-se buscar um diálogo das fontes entre as duas leis no que tange a esse contrato, sobretudo o diálogo de complementaridade. Além disso, não se pode excluir a aplicação de leis específicas importantes, como é o caso do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986). Natureza jurídica: Contrato bilateral ou sinalagmático, oneroso, consensual. Contrato comutativo, pois as partes sabem de imediato quais são as suas prestações. Na grande maioria das vezes, o contrato constitui-se em um contrato de adesão, por não estar presente a plena discussão das suas cláusulas. EM REGRA, O CONTRATO É DE CONSUMO. 3 RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE • Art. 731 do CC “o transporte exercido em virtude de autorização, permissão ou concessão, rege-se pelas normas regulamentares e pelo que foi estabelecido naqueles atos, sem prejuízo do disposto neste Código”. • Dessa forma, haverá a aplicação concomitante das normas de Direito Administrativo, particularmente aquelas relacionadas à concessão do serviço público, com as normas previstas no CC/2002. Anote-se, ademais, que o serviço público também é considerado um serviço de consumo, nos termos do art. 22 do CDC. A título de exemplo, haverá relação de consumo entre passageiro e empresa privada prestadora do serviço público de transporte (nesse sentido, ver: STJ, REsp 226.286/RJ, 1999/0071157-2, DJ 24.09.2001, RSTJ 151/197). 4 RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE Segundo o art. 732 do CC, serão aplicadas as normas previstas na legislação especial e em tratados e convenções internacionais ao contrato de transporte, desde que as mesmas não contrariem o que consta da codificação vigente. Incidência da Convenção de Varsóvia e da Convenção de Montreal (limitações de indenização no transporte aéreo internacional). Os Tribunais Superiores vinham entendendo pela prevalência do CDC. Porém a questão pende de julgamento no STF, já com três votos pela prevalência da Convenção, por ser mais específica do que o CDC (RE. 636.331 e RE. com Agravo 766.618) – Ministros Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Teori Zavaski. O julgamento foi suspenso em maio de 2014, com pedido de vista da Ministra Rosa Weber. 5 RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE • O transporte de pessoas é aquele pelo qual o transportador se obriga a levar uma pessoa e a sua bagagem até o destino, com total segurança, mantendo incólume os seus aspectos físicos e patrimoniais. • São partes no contrato o transportador, que é aquele que se obriga a realizar o transporte, e o passageiro, aquele que contrata o transporte, ou seja, aquele que será transportado mediante o pagamento do preço, denominado passagem. • Repise-se que a obrigação assumida pelo transportador é sempre de resultado, justamente diante dessa cláusula de incolumidade, o que fundamenta a sua responsabilização independentemente de culpa, em caso de prejuízo (responsabilidade objetiva). 6 TRANSPORTE DE PESSOAS • Essa responsabilidade objetiva é evidenciada pelo art. 734 do CC, que preconiza que o transportador somente não responde nos casos de força maior (evento previsível, mas inevitável). O caso fortuito (evento totalmente imprevisível) do mesmo modo constitui excludente, até porque muitos doutrinadores e a própria jurisprudência consideram as duas expressões como sinônimas (ver: STJ, REsp 259.261/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4.ª Turma, j. 13.09.2000, DJ 16.10.2000, p. 316). • Ainda a respeito do art. 734, caput, do CC, o dispositivo não admite como excludente de responsabilidade a cláusula de não indenizar (cláusula excludente de responsabilidade ou cláusula de irresponsabilidade), previsão contratual inserida no instrumento do negócio que afasta a responsabilidade da transportadora. O comando apenas confirma o entendimento doutrinário e jurisprudencial anterior, consubstanciado na Súmula 161 do STF (“Em contrato de transporte é inoperante a cláusula de não indenizar”). 7 RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE • Art. 735 do CC: “A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro contra qual tem ação regressiva”. Trata-se de transposição para a lei da antiga Súmula 187 do STF. Ilustrando, o dispositivo e a súmula servem para responsabilizar as empresas aéreas por acidentes que causam a morte de passageiros. O dispositivo é melhor para o passageiro do que o CDC. Exemplo: Acidente da GOL na Serra do Cachimbo. “APAGÃO AÉREO”. ? A culpa exclusiva de terceiro é admitida como excludente no transporte de coisas? 8 RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE • Relativamente ao transporte feito de forma gratuita, por amizade ou cortesia, popularmente denominado carona, não se subordina às normas do contrato de transporte (art. 736, caput, do CC). O dispositivo está sintonizado com a Súmula 145 do STJ: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”. • Entendo que no transporte por cortesia, não há responsabilidade contratual objetiva daquele que dá a carona. A responsabilidade deste é extracontratual e subjetiva, dependendo da prova de culpa. Entendemos, porém, que a parte final da referida súmula deve ser revista, pois a responsabilidade surge presente a culpa em qualquer grau. Na realidade, o dolo ou a culpa grave somente servem como parâmetros para a fixação da indenização. 9 RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE • Complementando, não se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, trouxer ao transportador vantagens indiretas (art. 736, parágrafo único, do CC). • Nesses casos, a responsabilidade daquele que transportou outrem volta a ser contratual objetiva. Pode ser citado como vantagens indiretas auferidas o pagamento de combustível ou pedágio por aquele que é transportado. • Enunciado n. 559 CJF/STJ, da VI Jornada de Direito Civil (2013), segundo o qual “no transporte aéreo, nacional e internacional, a responsabilidade do transportador em relação aos passageiros gratuitos, que viajarem por cortesia, é objetiva, devendo atender à integral reparação de danos patrimoniais e extrapatrimoniais”. 10 RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE • Art. 738 do Código Civil: “a pessoa transportada deve sujeitarse às normas estabelecidas pelo transportador, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se da prática de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, dificultem ou impeçam a execução normal de serviço.” - deveres do passageiro. • Se o prejuízo sofrido por pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas pelo próprio passageiro, o juiz reduzirá equitativamente a indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano (art. 738, parágrafo único, do CC). MODELO DE CONCAUSALIDADE APLICADO PARA CASO DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA. STJ – Pingente de trem x Surfista de trem. 11 TRANSPORTE DE COISAS • Pelo contrato de transporte de coisas, o expedidor ou remetente entrega bens corpóreos ou mercadorias ao transportador, para que o último os leve até um destinatário, com pontualidade e segurança. Ressalte-se, contudo, que o destinatário pode ser o próprio expedidor. • A remuneração devida ao transportador, nesse caso, é denominada frete. Como ocorre com o transporte de pessoas, o transportador de coisas assume uma obrigação de resultado, o que justifica a sua responsabilidade objetiva, MAS COM TRATAMENTO DIFERENCIADO. • A coisa, entregue ao transportador, deve necessariamente estar caracterizada pela sua natureza, valor, peso e quantidade, e o que mais for necessário para que não se confunda com outras. Ademais, o destinatário deve ser indicado ao menos pelo nome e endereço (art. 750 do CC). 12 MUITO OBRIGADO. Email: [email protected]. Site: www.flaviotartuce.adv.br. Blog: www.professorflaviotartuce.blogspot.com. 13