Distinção dos conceitos de ética e moral Prof. Edélcio Américo 1. ETIMOLOGIA Distinção dos conceitos de ética e moral A questão de saber o que é a ética começa-se por estudar as etimologias dos termos _ética_ e _moral_. Sentido etimológico O termo grego ethiké apresenta uma dupla etimologia já notada por Aristóteles, o qual o relaciona com éthos, que tem o sentido de carácter, e com êthos, que tem o sentido de hábito ou costume. 1.1 Duplo aspecto da ética como disciplina Ciência dos costumes: 1. Aspecto social: é tematizada por determinados tipos de costumes e normas coletivamente aceitas, interiorizadas por socialização. 1.1 Duplo aspecto da ética como disciplina 2. Aspecto psicológico: tem a ver com a consciência moral do indivíduo, com o modo como ele responde à normatividade social. Esse modo acaba por se cristalizar sob a forma, relativamente estável, de um carácter. 1.2 Distinção dos conceitos de ética e moral conforme a linguagem Na linguagem corrente os termos ética e moral são utilizados de maneira indistinta, praticamente como sinónimos. Na linguagem do discurso ético estes termos adquirem significados mais precisos, _ética_ é geralmente utilizado para designar a disciplina ou a ciência que tematiza as normas morais. 1.3 Distinção técnica e histórica dos conceitos de ética e moral A distinção técnica associa o primeiro termo sobretudo às éticas gregas ou teleológicas (éticas da _vida boa_ ) e o segundo termo, às éticas da obrigação e do dever . 2. As quatro questões de Kant e a questão fundamental da Ética 1. O que posso eu conhecer? 2. O que devo eu fazer? 3. O que me é permitido esperar? 4. O que é o homem? Immanuel Kant (Königsberg, 1724 — 1804) O imperativo categórico é enunciado com três diferentes fórmulas: 1)Lei Universal: "Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal." 2)Fim em si mesmo: "Age de tal forma que uses a humanidade, tanto na tua pessoa, como na pessoa de qualquer outro, sempre e ao mesmo tempo como fim e nunca simplesmente como meio". 3)Legislador Universal(ou da Autonomia): "Age de tal maneira que tua vontade possa encarar a si mesma, ao mesmo tempo, como um legislador universal através de suas máximas." 2.1 A primeira questão Kantiana (o que posso saber?) diz respeito ao conhecimento teórico, em causa nas ciências exatas e da natureza. Marca os limites naturais do conhecimento positivo que o homem pretender alcançar. 2.2 A segunda questão Kantiana (o que devo fazer?) É particularmente importante na medida em que, ela é a questão à qual _a moral responde. É a questão fundamental da Ética. 2.3 A terceira questão Kantiana _(o que me é permitido esperar?) Em 1800, ela é delegada ao discurso religioso; Kant diz: _ ela é, a questão à qual responde a religião_. 2.3 A terceira questão Kantiana (o que me é permitido esperar?) Hoje em dia, ciências como a economia têm a ambição de responder a esta questão; 2.3 A terceira questão Kantiana (o que me é permitido esperar?) Como aquilo que se _espera_ é, largamente, aquilo que se deseja, uma disciplina como a psicanálise também se ocupa, hoje, desta questão; 2.3 A terceira questão Kantiana (o que me é permitido esperar?) Ao que devemos acrescentar que, nos nossos dias, um certo discurso sobre _a técnica_ ou _as novas tecnologias_, pretende responder de maneira exaustiva à terceira questão de Kant. 2.4 A quarta questão Kantiana (o que é o homem?) delimita exatamente o território das ciências humanas e sociais. (Antropologia, Psicologia, Sociologia); _ 2.5 Relação entre as questões 2 e 4 Houve, depois de Kant, várias tentativas para tentar englobar a questão n. 2, na questão n. 4. Não dependerá aquilo que o sujeito _deve fazer_ daquilo que ele é enquanto _homem_? 2.5 Relação entre as questões 2 e 4 Já vimos como a economia e a psicanálise, ciências do social humano e do homem, entram no território da questão 3 (o que devo esperar). Mas a questão _que devo fazer?_ continua, a ser uma questão que está fora do âmbito das ciências positivas, inclusive das sociais e humanas. 3. Discurso ético. 3.1 Delimitação do carácter do ético contraste com o puramente científico Ética: discurso que não apresenta um saber positivo, não se refere a algo _ que é _ positivamente, mas que _ deve ser _. Logo, o discurso ético não é um discurso cientifico. 3. Discurso ético. 3.2 Delimitação do carácter ético contraste com o literário Questão subsidiária: não sendo científico, o discurso ético é um discurso de tipo literário? 3. Discurso ético. 3.2 Delimitação do carácter ético contraste com o literário Tendo o discurso ético de obedecer a critérios de rigor argumentativo e de pretensão à universalidade, tais características o distinguem nitidamente do discurso puramente literário. 4. Ética e Direito A opinião pública moderna é muito sensível ao fato de determinadas ações da vida pública, serem absolutamente _legais_, do ponto de vista do sistema jurídico vigente, mas, ao mesmo tempo, _moralmente_inaceitáveis do ponto de vista da moral espontânea. 4. Ética e Direito A primeira distinção: as questões de moral têm como suporte uma cultura oral, sendo em muitos casos, da ordem do implícito ou mesmo do não dito e da simples _sensibilidade_. 4. Ética e Direito Contraste com: Concepção do direito que vigora nas sociedades ocidentais modernas: __ o que é permitido e o que não é permitido são objetos de uma codificação restrita, escrita e formal em textos legislativos. 5. Ética e Política O conflito entre ética e política, ou, mais explicitamente, entre consciência moral e razão de estado, é antiquíssimo. Nele, a ordem política acaba por levar a melhor sobre a revolta da consciência moral que teima em cumprir o seu dever. 5. Ética e Política Na Antigona, de Sófocles, a vitória amarga do político é, ao mesmo tempo, a legitimação do uso da violência por parte dos representantes legítimos do estado (condenação à morte da heroína). 5. Ética e Política Em Aristóteles a unidade entre ética e política está em que ambas são ciências, e práticas, do bem, cujo _meio é a eudaimonía ou vida boa. O bem coletivo (da pólis) é, de certo modo, por assim dizer quantitativamente, mais importante que o individual. 5. Ética e Política Em Platão o rigor e a bondade da capacidade de comandar a si próprio, relação ética, é transferido para o comando exercido sobre os _muitos_, na relação propriamente política. Por outro lado, o principal objetivo do político é _tornar os cidadãos (eticamente) melhores_. 5. Ética e Política A ideia da independência do político em relação ao ético, do político como pura arte do equilíbrio dos poderes, da sua distribuição justa, e do exercício do poder, será sublinhada na Modernidade a partir de Maquiavel e Hobbes. 5. Ética e Política Esta linha de pensamento conduz à posição de Carl Schmitt, que vê a essência da axiologia do político na polaridade dos valores amigo/inimigo, completamente independente das axiologias do bem e do mal (axiologia moral), do justo e do injusto (domínio do direito) e do belo e do feio (domínio do estético) 5. Ética e política Nas democracias ocidentais do Pós-Guerra, à noção de _direitos fundamentais do homem_, assenta, em princípios de natureza intrinsecamente moral. E isto, em detrimento do conceito clássico de _soberania_ que justificava uma grande autonomia do agir dos governantes em prol da chamada _razão de estado_. 5. Ética e Política Como reação ao trauma dos _estados totalitários_, as instituições políticas encarregadas da proteção dos _direitos fundamentais_ do indivíduo, e os tribunais constitucionais, inclusivamente em caso de conflito com o próprio estado, foram consideravelmente reforçadas . É neste contexto que se observou uma progressiva eticização da política. FIM Obrigado [email protected]