FILOSOFIA VESTIBULAR DE VERÃO PUCPR 2015 PROF. EDVAN CLÉDER PLATÃO APOLOGIA DE SÓCRATES PLATÃO Sócrates começa sua defesa chamando a atenção dos cidadãos atenienses em relação às acusações que contra si foram feitas. Ele diz que todas as acusações feitas contra ele são mentirosas, principalmente quando seus acusadores alertam ao povo para que tomem cuidado com ele, pois,dizem os mesmos que se trata de homem hábil no falar. PLATÃO Sócrates diz aos cidadãos atenienses que, se dizer a verdade é ser um bom orador, então ele é um bom orador. Diz ele que seu discurso não será cheio de palavras enfeitadas e persuasivas, mas conterá palavras simples que lhe vierem à boca. Pede desculpas pelas palavras simples, pois, nunca se apresentou diante de um tribunal e não sabe se utilizar de linguagem compatível com o tribunal. Apesar dele não se julgar um bom orador,solicita aos cidadãos atenienses que julguem com justiça, analisando se a sua defesa é justa ou não,pois a justiça deve ser a virtude do juiz e do orador. PLATÃO Sócrates diz que seus acusadores são muitos e irá primeiro se defender dos seus primeiros acusadores e depois se defenderá dos últimos. Diz ele temer mais os primeiros acusadores, pois esses influenciaram a maior parte dos cidadãos atenienses desde que os mesmos eram crianças,eles colocavam nas cabeças das crianças, através de mentiras, que Sócrates era homem douto e especulador das coisas celestes e investigador das subterrâneas, fazia tornar mais forte a razão mais fraca, subvertendo as tradições e negando os deuses. PLATÃO Diz ele que esses acusadores são muitos e influenciaram os cidadãos atenienses na idade em que eles mais estavam propensos a acreditar nas mentiras que contra ele eram ditas. Ele acusa esses de invejosos e caluniadores, dizia estar combatendo com as sombras, pois seus acusadores não podiam ser abordados, nem compareciam ao tribunal. PLATÃO A defesa de Sócrates era difícil, pois deveria em poucas horas convencer os cidadãos atenienses das mentiras que lhes foram ditas durante grande período de tempo, mas que seja feita a vontade de Deus, ele diz que está fazendo sua própria defesa e apenas está cumprindo a lei. PLATÃO Prosseguindo em sua defesa, Sócrates comenta a acusação que Meleto lhe moveu. Ele diz que seus acusadores fazem calúnias, pois dizem que ele cometeu crime quando investigando as coisas terrenas e as celestes tornava mais forte a razão mais débil e ensina isso aos outros. PLATÃO Sócrates nega essas acusações e diz aos cidadãos atenienses que eles próprios são testemunhas de tal mentira, diz que muitos deles que ali estão,ouviram seus discursos e pergunta-lhes se por ventura alguma vez o ouviram falar sobre tais assuntos, pois, se confirmassem que jamais ouviram tais coisas, saberiam que essa acusação era mentirosa, bem como outras mais que também fizeram. PLATÃO Declarando tais acusações falsas, defende-se citando a comédia de Aristófanes onde um personagem chamado Sócrates diz poder andar pelo ar, o que não contribuiu muito para sua defesa. Ainda dizia-se outro rumor, que investigava matérias sobrenaturais, da qual se defendeu dizendo nunca ter se interessado por ciências práticas e sim que suas maiores preocupações versavam sobre a conduta moral e a felicidade da alma. PLATÃO Depois de dito isto, concentra-se em acusações mais específicas proferidas por Metelo, seu principal acusador, que dizia ser Sócrates um demônio, um ateu que procurava criar os seus deuses. PLATÃO Feito isto, Sócrates parte para outro importante questionamento, julgando que deveria alterar seu estilo de investigação e ensino para que afastasse sua execução, comparando sua situação com seu comportamento notório em campos de batalha, em tempos que servia ao exército, assim sendo, julga a morte preferível a desgraça, escolhendo viver de acordo com seus ideais e deuses, do que fazer o contrário e descumprir a sua missão de filósofo. PLATÃO Tendo que a verdadeira desgraça seria descumprir tudo o que acreditava, desobedecendo aos deuses, para salvar sua própria existência, tem como caminho escolhido, aquele que o conduziria à verdade, à sabedoria e ao maior aperfeiçoamento da alma. Assim, não desonrando seus princípios, dirigese aos Atenienses dizendo que o absolvam ou não, mas que por certo não faria jamais outra coisa, ainda que houvesse de morrer mil vezes. PLATÃO Ainda diz aos seus discípulos, àqueles que se sentissem corrompidos, que se juntassem a Meleto e Ânito no dia de sua acusação. Porém, entre seus melhores amigos e defensores, visto que vários estavam ali em seu favor e assistência. Mas apesar deste tipo de assistência, recusava a presença de sua família, por julgar que a simpatia desta poderia ajuda-lo na opinião dos juízes, tendo como única verdade a sua defesa. PLATÃO Surpreendeu-se com tantos votos a seu favor, após o fim de seu discurso, tantos votos que poderia propor pena alternativa segundo às leis atenienses, prefere, e acaba por requerer ao tribunal, que lhes apresentem uma sentença na qual seja alimentado pelo estado, rejeitando as óbvias penas alternativas, visto que dedicou sua vida à educação dos jovens e ao serviço público. PLATÃO Ainda assim, tendo a sugestão que poderia acabar com as perguntas e escapar da sentença de morte, volta a afirmar que não desobedecerá à ordem de seu deus, defendendo que uma vida sem exame não valeria a pena ser vivida, assim sendo abrindo mão de sua vida em favor de sua procura pela virtude. Apenas dizendo ao tribunal que vigiassem seus filhos, para que não crescessem tornando-se materialistas, pretensiosos ou inúteis, sendo este seu último pedido, completando assim sua defesa. PLATÃO Finalizando, diz ao tribunal que não se alegrassem por ter livrado Atenas de um perturbador, pois sua execução fará mal aos próprios, do que a vítima. Assim sendo conclui que evitar sua morte seria o mesmo que viver sem virtude. Quando Ocorreu? Há 399 a.C., Sócrates, diante do tribunal popular, é acusado pelo poeta Meleto, pelo rico curtidor de peles, influente orador e político Ânito, e por Lícon, personagem de pouca importância. A Acusação A acusação era grave: não reconhecer os deuses do Estado, introduzir novas divindades e corromper a juventude. Pontos Importantes O relato do julgamento feito por Platão (428-348 a.C.), a Apologia de Sócrates , é geralmente tido como bastante fiel aos fatos. Sócrates examina e refuta as acusações que pairam sobre ele, retratando sua própria vida, procurando mostrar o verdadeiro significado de sua “missão”. Dirige aos homens palavras que contestam o enriquecimento sem virtude, afirmando que a riqueza deverá vir através da virtude. Pontos Importantes Em nenhum momento de sua defesa – segundo o relato platônico – Sócrates apela para a bajulação ou tenta captar a misericórdia daqueles que o julgavam – linguagem de quem fala em nome da própria consciência e não reconhece em si mesmo nenhuma culpa. Talvez justamente por essas manifestações de altaneira independência de espírito, Sócrates foi condenado. Como era de praxe, após o veredicto da condenação, Sócrates foi convidado a fixar sua pena. Pontos Importantes Mas Sócrates, ignorando qualquer sugestão de pena mínima ou mesmo multas, se deixa condenar � morte. Segunda parte da Apologia. “Ora, o homem (Meleto) propõe a sentença de morte… Que sentença corporal ou pecuniária mereço, eu que entendi de não levar uma vida quieta? Eu que negligenciei riquezas, negócios, postos militares, tribunas e funções públicas, conchavos e lutas que ocorrem na política…” (Apologia de Sócrates – Platão). Então Sócrates não deixa saída para os juízes. Ou a pena de morte, pedida por Meleto, ou ser alimentado no Pritaneu, enquanto fosse vivo, como herói ou benemérito da cidade. Pontos Importantes A última parte da Apologia pretende ser a transcrição das últimas palavras de Sócrates dirigidas aos que o condenaram. Diz, gemendo e lamentando-se: “Não foi por falta de discursos que fui condenado, mas por falta de audácia e porque não quis que ouvísseis o que para vós teria sido mais agradável, coisas que considero indignas de mim, coisas que estás habituados a escutar de outros acusados.” Pontos Importantes Nesta altura, Sócrates começa a fazer comparações com a morte: “[...] Mais difícil que evitar a morte, é evitar o mal [...]” “[...] A morte pode ser uma dessas duas coisas: Ou aquele que morre é reduzido ao nada, e não tem mais qualquer consciência, ou então, conforme ao que diz, a morte é uma mudança, uma transmigração da alma do lugar onde nos encontramos para outro. Se a morte é a extinção de todo sentimento, assemelha-se a um desses sonos nos quais nada se vê, mesmo em sonho, então morrer é um ganho maravilhoso [...]” “[...] Mas eis a hora de partimos, eu para a morte, vós para a vida. Quem de nós segue o melhor rumo, ninguém o sabe, exceto o deus.” Pontos Importantes Mas o querido Sócrates teve de esperar trinta dias para sua execução, pois a cidade estaria em festa pela chegada de Teseu que vencera o Minotauro. No livro Fédon, Platão descreve as conversações que, durante os dias de espera na prisão, Sócrates mantivera com seus discípulos e amigos. Amigos lhe imploram que fuja em vésperas de sua execução, no que Sócrates responde: “A única coisa que importa é viver honestamente, sem cometer injustiças, nem mesmo em retribuição a uma injustiça recebida.” J.J. ROUSSEAU Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens J.J. ROUSSEAU Rousseau tem a convicção de que o homem é bom por natureza, e em seu primeiro discurso afirma que os costumes degeneram à medida que os povos desenvolvem o gosto pelos estudos e pelas letras, neste novo trabalho procurará mostrar as causas desta degeneração. Segundo Jean Jacques o homem natural é bom, e no isolamento é igual a todo homem. É a partir do momento que resolve viver em sociedade que as desigualdades aparecem. J.J. ROUSSEAU O Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens é dividido em 3 partes: a primeira é a Dedicatória, seguida do Prefácio e por último o próprio Discurso, J.J. ROUSSEAU Dedicatória: O Discurso foi publicado em 1750, período em que Rousseau ainda contava com grande prestígio na sociedade - pois é a partir da publicação desta obra que começa a formar-se "o grande complô" do qual Rousseau sentia-se vítima – portanto sua dedicatória aos cidadãos de Genebra e aos representantes do Estado é natural e aparentemente sincera, pois para ele sua pátria era "...a imagem mais aproximada do que pode ser um Estado virtuoso e feliz, democrático e solidamente estabelecido..." (pág. 21). A louvação a seu pai e uma exaltação do papel das mulheres dentro da sociedade completam o contido na dedicatória. J.J. ROUSSEAU Prefácio: Neste item Rousseau nos apresenta o método que irá utilizar para desenvolver o pensamento que servirá de resposta à pergunta da Academia: a priori tem-se que descobrir o que é o homem; "Como conhecer, pois, a origem da desigualdade entre os homens, a não ser começando por conhecer o próprio homem?" (pág. 40). J.J. ROUSSEAU Para realizar tal empreitada é necessário se chegar ao homem natural, e neste ponto surge um paradoxo, pois para se alcançar o homem natural é necessário despir-se do conhecimento do homem civilizado, ou seja, quanto mais utilizamos a razão para entender o homem natural mais distante nos colocamos dele. Para resolver este problema Rousseau propõe uma meditação "...sobre as mais simples realizações da alma humana," (pág. 44). Através desta meditação Rousseau chega a conclusão de que mesmo antes da razão, dois princípios básicos regem a alma humana: um é o sentimento de autopreservação e o outro é o sentimento de comiseração. J.J. ROUSSEAU O Discurso – 1a parte: Rousseau inicia o discurso fazendo uma distinção das duas desigualdades existentes: a desigualdade natural ou física e a desigualdade moral ou política. A desigualdade natural (sexo, idade, força, etc.) não é o objetivo dos estudos de Rousseau, pois como o próprio nome já afirma, esta desigualdade tem uma origem natural e não foi ela que submeteu um homem a outro. A origem da desigualdade moral ou política é o que interessa para Rousseau. J.J. ROUSSEAU Jean-Jacques trata em toda a primeira parte do Discurso sobre o homem natural rebatendo as teses de Hobbes, Buffon e outros que tratam do mesmo assunto, mas que enxergavam o homem natural a partir da visão do homem social (o homem do homem). Partindo de sua teoria dos dois princípios básicos que regem a alma humana, Rousseau descreve o homem natural como um ser solitário, possuidor de um instinto de autopreservação, dotado de sentimento de compaixão por outros de sua espécie, e possuindo a razão apenas potencialmente. O sentimento de comiseração pode ser visto também como instinto ou um mecanismo de autopreservação da espécie. J.J. ROUSSEAU Rousseau não vê na vida do homem natural, motivos que o levem à vida em sociedade. O homem natural vive o presente, é robusto e bem organizado, apesar de não possuir habilidades específicas, pode aprendê-las todas, é inocente não possuindo noções do bem e do mal e possui duas características que o distingue dos outros animais que são a liberdade e a perfectibilidade. A perfectibilidade é um neologismo criado por Rousseau para exprimir a capacidade que o homem possui de aperfeiçoar-se. J.J. ROUSSEAU Utilizando como exemplo o estudo sobre a origem da linguagem, Rousseau tenta demonstrar a falta de ligação entre o homem natural e o homem social. Termina esta parte afirmando que a passagem do homem natural ao homem social, que é a origem das desigualdades, não pode ser obra do próprio homem, mas sim de algum fator externo. J.J. ROUSSEAU O Discurso – 2a parte: Após descrever o homem natural, Rousseau utiliza uma história hipotética para descrever como se deu à passagem do estado natural para o estado social, mostrando desta forma como surgiu a desigualdade entre os homens. A ideia de perfectibilidade está na base de todo esta transformação. J.J. ROUSSEAU O homem natural tinha como única preocupação sua subsistência, contudo à medida que as dificuldades do meio se apresentavam ele era obrigado a superá-las adquirindo, portanto novos conhecimentos. O homem natural aprendeu a pescar, caçar e por vezes a associar-se a outros homens, tanto para defender-se como para caçar, mas estas associações eram sempre aleatórias. Neste ponto é que surge a primeira "revolução": a construção de abrigos. J.J. ROUSSEAU O surgimento das casas faz com que o homem natural permaneça mais tempo em um mesmo lugar e na companhia de seus companheiros, nascendo assim as famílias e com elas os "...sentimentos mais ternos que são conhecidos dos homens, o amor conjugal e o amor paterno."(pág. 88). Ao passo que as pessoas passam a viver por mais tempo juntas começa a surgir formas de linguagem. Uma noção precária de propriedade passa a fazer parte deste novo universo. Por motivos de segurança, hábitos alimentares e influência do clima, as famílias passam a conviver próximas surgindo as primeiras comunidades. J.J. ROUSSEAU Para Rousseau este era o estágio no qual o homem deveria ter parado. Vivendo em sociedade, com poucas necessidades e com condições de atendêlas o homem teria tudo para ser feliz. Mas a perfectibilidade não o permitiu. A pequena comunidade sentada a volta da fogueira cantando e dançando começa a se enxergar. Os homens passam a se compararem: o melhor caçador, o mais forte, o mais bonito, o mais hábil começa a se destacar, e o ser e o parecer tornamse diferentes. Os homens agrupados ainda sem nenhuma lei ou líder têm como único juiz a sua própria consciência. J.J. ROUSSEAU E cada qual sendo juiz a sua maneira tem inicio o estado de guerra de todos contra todos. Paralelamente surge a agricultura e a metalurgia, evento ao qual Rousseau nomeia de "a grande Revolução". Com estes eventos surge a divisão do trabalho, a noção de propriedade se enraíza e passa a existir homens ricos e homens pobres, que dependeram doravante uns dos outros. É dentro desta situação caótica que os homens resolveram estabelecer leis para se protegerem; uns para protegerem suas propriedades e outros para se protegerem das arbitrariedades dos mais poderosos. J.J. ROUSSEAU Rousseau passa a indagar que tipos de governos podem ter surgido. De antemão descarta a possibilidade de um governo despótico ter sido o iniciador do processo, pois o sentimento de liberdade do homem não o permitiria. Jean-Jacques diz que os governantes devem ter surgido de forma eletiva, isto é, se em uma comunidade uma única pessoa era considerada digna e capacitada para governá-la surgiria um estado monárquico; se várias pessoas gozavam ao mesmo tempo de condições para tal surgiria um estado aristocrático, porém se todos as pessoas possuíam qualidades homogêneas e resolvessem administrar conjuntamente surgiria uma democracia. J.J. ROUSSEAU O desvirtuamento dessas formas de governo pela ambição de alguns é que deram origem a estados autoritários e despóticos. Rousseau conclui mostrando como os acontecimentos citados deram origem as desigualdades entre os homens. O surgimento da propriedade divide os homens entre ricos e pobres, o surgimento de governos divide entre governantes (poderosos) e governados (fracos) e o surgimento de estados despóticos divide os homens entre senhores e escravos. J.J. ROUSSEAU Conclusão Como homem de seu tempo (século XVIII), Rousseau procura realizar uma análise científica da sociedade, e a exemplo dos físicos que criaram a teoria dos gases perfeitos, que em natureza não existe, mas servem para o estudo de todos os outros gases através do método de comparação, Rousseau utiliza a "noção de estado de natureza", que nunca existiu efetivamente, mas que serve de patamar de comparação para verificarmos o quão distante uma sociedade está do estado natural. Rousseau tem uma preocupação lateral no Discurso que esta ligada a sua religiosidade. Em alguns pontos lembra que o homem natural é uma ficção criada por ele para explicar sua teoria, que tal homem não existiu em época alguma da história, portanto seu texto não estaria desta forma contrariando as escrituras sagradas. HANS JONAS O Princípio Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica HANS JONAS No século XVI Thomas Morus (14781535) inaugurou com seu livro Utopia uma forma de pensar que tinha como ideal um mundo ainda não realizado. Os utopistas trabalham com a esperança, o homem deve sonhar com um mundo que não é, para que venha acontecer. HANS JONAS No século XVII Thomas Hobbes (1588-1679), autor do Leviatã, defendia que o homem em estado de natureza se sujeitava ao Estado para preservar a vida. Hobbes viu o perigo das utopias (revoluções) na guerra civil que ocorreu na Inglaterra com a luta entre Carlos I e o Parlamento que terminou com a morte do rei e o estabelecimento do protetorado com Oliver Cromwell. Para Hobbes o medo é a origem do Estado e da civilização. O medo hobbesiano é uma ferramenta racional em que o homem procura preservar a própria vida, por isso, se submete a direção do soberano. Preservar a vida é a sabedoria hobbesiana. HANS JONAS O filósofo Hans Jonas (1903-1993) com a formulação do princípio responsabilidade se inscreve na linha de pensamento hobbesiana. As utopias são perigosas e o medo nesse caso é um bom conselheiro. O medo de Hans Jonas se refere as possibilidades destrutivas da sociedade tecnológica. Jonas como Hobbes vivenciaram o exílio e a guerra. HANS JONAS A experiência do nazismo marcou profundamente esse judeu nascido na Alemanha. Estudou com Husserl, Heidegger e lecionou em Israel, no Canadá e nos Estados Unidos, após a 2ª guerra mundial. O fim da guerra não foi o fim do perigo para a humanidade, outro perigo maior estendia a sua sombra com a guerra fria e a corrida por armas nucleares e outros perigos tecnológicos. HANS JONAS O ponto de partida de Jonas é a separação entre técnica e natureza. O homem com a formação da cidade criou um mundo separado da natureza. Assim a preocupação ética ficou limitada ao mundo do homem, a natureza não era objeto da responsabilidade humana que estava sob o domínio da techne considerada eticamente neutra. HANS JONAS A tese defendida por Jonas é que a característica principal da ética até o presente diz respeito a significação ética do relacionamento direto do homem com homem, inclusive o de cada homem consigo mesmo. Mas a técnica moderna introduziu tamanhas modificações no homem e na natureza que temos agora novas dimensões da responsabilidade. HANS JONAS A natureza tornou-se vulnerável. O saber técnico deu ao ser humano um poder que exige novas responsabilidades que nenhuma ética anterior havia contemplado. Jonas reflete sobre a ascensão do homo faber em detrimento do homo sapiens . Hoje a técnica assumiu um aspecto ético por causa do lugar central que alcançou na vida humana. Dessa forma a cidade do homem suprimiu a natureza, o natural foi tragado pela esfera do artificial . HANS JONAS Para Jonas grande parte da construção ética do presente está associado com a ideia de futuro e ele identifica três formas antigas da “ética do futuro”: a condução da vida terrena, a ponto de sacrificar sua felicidade em vista da salvação eterna da alma; e preocupação previdente do legislador e do estadista com o futuro bem comum; e a política da utopia [...] da qual o marxismo revolucionário é o exemplo proeminente . Essas éticas não são suficientes para enfrentar os novos dilemas que transformaram o homem em objeto da técnica, o homo faber transforma a si mesmo quando prolonga a vida, utiliza técnicas de controle do comportamento e faz manipulação genética. HANS JONAS A característica principal da utopia presente da técnica é que ela pode ser planejada e executada. Jonas alerta para o vácuo ético porque a necessidade de regular o poder de agir, pois a ética nasceu para regular a ação humana e tanto mais ela se faz necessária quanto maior forem os poderes do agir. HANS JONAS Os princípios do novo agir ético procuram responder duas questões principais: em que fundamento a ética vai se assentar; e como ela vai se impor nas circunstâncias práticas. O fundamento de uma ética da responsabilidade deve ser buscado em uma heurística do medo. HANS JONAS “Assim como não saberíamos sobre a sacralidade da vida caso não houvesse assassinatos e o mandamento “não matarás” não revelasse essa sacralidade, e não saberíamos o valor da verdade se não houvesse a mentira, nem o da liberdade sem a sua ausência, e assim por diante – assim também, em nosso caso, na busca de uma ética da responsabilidade a longo prazo, cuja presença ainda não se detecta no plano real, nos auxilia antes de tudo a previsão de uma deformação do homem, que nos revela aquilo que queremos preservar no conceito de homem. Precisamos da ameaça à imagem humana – e de tipos de ameaça bem determinados – para, com o pavor gerado, afirmarmos uma imagem humana autêntica.” HANS JONAS O princípio de uma ética da responsabilidade para com o futuro estabelece assim dois deveres principais: visualizar os efeitos de longo prazo e mobilizar os sentimento adequado a essa representação. Jonas entende que deve haver primazia do mau prognóstico sobre o bom, é necessário dar mais ouvidos à profecia da desgraça do que a profecia da salvação. O ser humano não tem o direito de apostar a totalidade dos seus interesse e não tem direito ao suicídio e nem a existência do homem pode ser objeto de aposta. A responsabilidade com a posteridade é o arquétipo de todo agir responsável: a responsabilidade para com os filhos, que sucumbiriam se a procriação não prosseguisse por meio da precaução e da assistência. HANS JONAS Jonas entende que é necessário para uma formulação ética fazer a distinção entre meios e fins. Um fim é aquilo graças ao qual uma coisa existe e cuja produção ou conservação exigiu que algum processo ocorresse ou que alguma ação fosse empreendida. Por sua vez o meio é um dado natural e vivente, uma parte do próprio usuário vivente, mas que não se opõe a si mesmo em ação. Defende o autor que há uma existência de fins na natureza o que leva a discussão de uma doutrina do valor. HANS JONAS As consequências de se atribuir finalidade a natureza é que dela emana também valores. O maior valor presente na natureza é o da vida. A diversidade da vida orgânica manifesta o interesse da natureza e por isso a conservação da diversidade já é um bem em si. O valor da vida para o homem torna-se um dever, um imperativo, e quando o homem não cumpre o dever torna-se devedor do bem. HANS JONAS Assim tem-se o princípio que alicerça a teoria da responsabilidade, o fundamento racional do dever, que é o apelo do bem em si no mundo que confronta a vontade e exige obediência. Para Jonas temos então a validade das obrigações e o sentimento correspondente. Os elementos que distinguem a teoria da responsabilidade são a imputação causal de atos realizados, a determinação do que se tem de fazer, o cuidado “paternal”, uma ética natural e não contratual. HANS JONAS Assim Jonas estabelece a responsabilidade parental e a do homem público como paradigmas para a teoria da responsabilidade. Essas duas responsabilidade são chamadas de “totais” pelo filósofo e se relacionam entre si tanto pelo objeto (o ser humano) quanto pela condição do sujeito. Se o homem público não é o genitor da coletividade nem por isso deixa de ter uma relação de afeto com a coletividade. HANS JONAS A responsabilidade do homem público quanto a dos pais é o dever da continuidade, seu exercício não pode ser interrompido, e tanto um quanto o outro se ocupam com o futuro bem mais do que com o presente imediato. Pais e Estado educam para que a criança e o cidadão se tornem “adultos”, a autonomia é o objetivo da responsabilidade. HANS JONAS A teoria da responsabilidade assim se impõe a reflexão sobre a responsabilidade política com o futuro. Primeiramente a arte de governar deve trabalhar com a possibilidade da sua própria continuidade, deve-se trabalhar com um futuro em que se tenha o que governar, nesse sentido a prevenção é o aspecto principal da ação do homem público: a profecia do mal é feita para evitar que ele se realize; e seria o máximo da injustiça zombar de eventuais alarmistas, pois o pior não aconteceu; ter se enganado deveria ser considerado como um mérito. HANS JONAS Jonas inquere por que a responsabilidade não esteve no centro da teoria ética. Ele intui que isso aconteceu porque o homem atuou a partir de uma regra geral de que o que é bom agora também o será no futuro, ocorrendo assim uma ausência de dinâmica que não contava com uma orientação para mudanças e transformações. Por isso o arquétipo da criança será o objeto originário da responsabilidade, pois implica um dever ser e um dever fazer: na insuficiência radical do recém-nascido está previsto ontologicamente que seus pais o protejam contra sua queda no nada e que se encarreguem do seu devir futuro. HANS JONAS A ética da responsabilidade torna-se importante pois agora o futuro da “criança” está ameaçado, tanto o homem quanto a natureza sofrem a ameaça do “progresso”. Na tese de Jonas o homem perturbou o equilíbrio simbiótico da natureza o que colocou a humanidade em perigo. Esse perigo revela a necessidade primordial que é o dever de negar o “não-ser”. Ele identifica a ameaça no ideal “baconiano” entendido como o saber a serviço da dominação da natureza e utilizá-la para melhorar a sorte da humanidade. O perigo que corre a humanidade se deve ao êxito excessivo desse processo. Nesse sentido Jonas faz a crítica tanto do marxismo quanto do capitalismo como herdeiros do ideal baconiano. HANS JONAS O último capítulo do seu livro é dedicado a crítica da utopia. Muito do que ele discute no final parece datado por causa dos acontecimentos depois da queda do muro de Berlim com relação as possibilidades utópicas do marxismo. O número de defensores para uma proposta marxista de sociedade diminuiu consideravelmente. Contudo, o elemento utópico do reino da liberdade pela tecnologia ainda está presente, o ideal baconiano ainda não está morto. HANS JONAS Ele contrapõe ao princípio esperança de Bloch o princípio responsabilidade, uma ética não utópica, uma ética do medo: o medo que faz parte da responsabilidade não é aquele que nos aconselha a não agir, mas aquele que nos convida a agir. Trata-se de um medo que tem a ver com o objeto da responsabilidade[...] que esse é um objeto fundamentalmente vulnerável. É possível temer que algo aconteça com ele. HANS JONAS Maquiavel em O Príncipe se pergunta se esse deve ser cauteloso ou ousado. Depois de avaliar as características de cada um dos comportamentos, suas vantagens e desvantagens, opta pela ousadia. A proposta ética de Jonas coloca o mesmo dilema: cautela com o progresso técnico pois levará a destruição, ou ousadia em direção a fortuna, ao reino da liberdade. O medo costuma paralisar e a esperança faz avançar. A experiência do século XX mostrou que muitas vezes a utopia se torna em distopia. Jonas preferiu caminhar com prudência.