Cotidiano hospitalar e atenção ao aborto: notas sobre as
representações dos profissionais de saúde acerca da
interrupção de gravidez em uma maternidade pública de
Natal/RN.
Cássia Helena Dantas Sousa
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rozeli Maria Porto – Departamento de Antropologia/UFRN
Resumo
Esta pesquisa trata de uma investigação sobre as o cotidiano de atendimento ao aborto em uma maternidade pública situada em Natal/RN levando em
consideração as representações dos profissionais de saúde do local. O ponto central a ser alcançado no decorrer da pesquisa é a construção de uma reflexão
sobre a forma pela qual os casos de aborto são atendidos nesta unidade de saúde através da análise de discursos e práticas observados no cotidiano do ambiente
hospitalar. No plano metodológico, a pesquisa foi realizada em viés qualitativo, através de observação participante e entrevistas semiestruturadas.
Palavras-chave: Aborto. Profissionais de saúde. Representações sociais. Maternidade.
Introdução
Discussões
O eixo central deste trabalho compreende uma investigação sobre a forma com
que profissionais de saúde percebem a questão do aborto - 'legal' ou provocado e lidam com esses casos em seu cotidiano laboral. A pesquisa, de cunho
qualitativo e viés etnográfico foi desenvolvida em uma maternidade pública
situada
na
cidade
de
Natal/RN.
Articulando os dados colhidos durante o andamento do trabalho com elementos
teóricos acumulados através da leitura de diversos textos, procura-se levantar
alguns questionamentos sobre o que de fato entra em cena nas representações
dos profissionais de saúde pesquisados quando o assunto é a interrupção de
gravidez.
Sem dúvidas, tal qual já mencionado neste texto, há no cerne da investigação sobre
as representações dos profissionais de saúde sobre a interrupção de gravidez a
questão da naturalização do exercício da maternidade, assim como sua sacralização.
Sobre isso, Heilborn (1999) argumenta que é imprescindível a retomada histórica de
como a concepção de feminino foi engendrada através dos séculos, uma vez que se
trata de uma construção, e nesse tocante, Ortner (1979) problematiza essa suposta
ligação fazendo um paralelo com a idéia do masculino como próximo à cultura por
motivações ligadas a uma vivência social externa emancipada. Assim, a dita
proximidade da mulher com a natureza é desmontada, ao passo que um exercício de
historicização é posto em prática revelando que a idéia de que a maternidade é algo
compulsório ao feminino por questões naturais trata-se - ao invés de algo
determinado biologicamente - de uma representação construída através dos séculos
por diversos grupos sociais.
Como minhas interlocutoras expressaram durante a pesquisa em suas falas, muitos
profissionais de saúde consideram que a vida se inicia na concepção e argumentam
que jamais provocariam um aborto por não terem condições de conviverem com o
que referem como “culpa”. Tais ações, conjecturadas a partir dos comportamentos de
muitos destes profissionais, refletiam a admissão de preceitos religiosos como parte
de suas práticas e discursos, o que consequentemente os faziam acionar inúmeras
vezes a “objeção de consciência” (PORTO, 2009). Todavia, diante da
heterogeneidade de posicionamentos destes profissionais, outros não admitiam a
realização do
aborto assumindo representações “disfarçadas” sob a égide da religião, da moral ou
da ética em detrimento da saúde reprodutiva das mulheres, tal como analisam
algumas acadêmicas feministas.
Objetivos
- Investigar as representações dos profissionais de saúde relativas à interrupção
de
gravidez.
- Construir uma reflexão sobre as relações desses profissionais com as mulheres
que recorrem ao hospital maternidade pesquisado para atendimentos
relacionados a casos de gestações interrompidas voluntariamente ou não, e em
casos de interrupções previstas por lei.
Metodologia
Na presente investigação, realizou-se observação participante (MALINOWSKI,
1978) além de entrevistas semi-estruturadas e abertas. Sendo assim, todo o
trabalho foi conduzido de maneira a obedecer aos critérios previamente definidos
segundo as diretrizes do método antropológico clássico, reajustado tal qual
mostra Gilberto Velho (1987), de forma a atender as especificidades do objeto de
estudo, que compreende um espaço inserido numa sociedade urbana moderna.
É importante salientar que a pesquisa foi devidamente autorizada pelo Comitê
de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e tanto na fase da
observação quanto na de entrevistas foram respeitadas as exigências deste
quanto ao consentimento informado através do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido por parte dos participantes da pesquisa - assim como as normas
estabelecidas no Código de Ética da Associação Brasileira de Antropologia.
Após a coleta de dados advindos das visitas ao lócus de pesquisa e das
entrevistas, foi realizada a devida sistematização destes. Desta forma, foram
feitas ao final da pesquisa as análises necessárias para que os resultados da
pesquisa pudessem ser apresentados.
Resultados
Os fatos mais significativos para a investigação desta pesquisa foram observados
nas visitas feitas às alas puerperais da maternidade - e obviamente, nas
entrevistas concedidas. Nos diálogos, entrevistas e observações realizadas
junto às técnicas de enfermagem e médicas na entrada de urgência, nos
corredores das alas puerperais e no entorno do prédio da maternidade,
obtivemos muito sobre a forma com que os profissionais de saúde do local
pesquisado lidam com a questão da interrupção de gravidez.
De forma resumida, em geral aparecem nessas representações questões chave
no tocante ao aborto, que aparecem amiúde ligadas de maneira intrínseca à
representações do feminino e a uma latente naturalização do exercício da
maternidade. Não foi algo raro para esta pesquisadora ouvir, por exemplo, que
uma mulher deva sentir as dores do parto, como um intercurso natural no
processo, isto é, antes que qualquer medicação contra desconfortos e dores
sejam ministrados.
No mais, é importante citar que nos diálogos presenciados, de maneira geral em
casos de ‘oposição’ à ideia de interrupção de gravidez é comum figurarem
diversos argumentos que ligam o exercício da maternidade a uma ideia de
sagrado, estas apoiadas basicamente na moral expressa pela doutrina cristã.
Elementos bíblicos – como a alusão á Virgem Maria – e adjetivos que remetem à
‘força de espírito’ de parir uma criança foram constantemente observados nas
falas das participantes da pesquisa.
Conclusões
No andamento desta pesquisa várias conclusões se materializaram através da
reflexão sobre os problemas aqui apresentados, o que possibilitou que algumas
respostas aos objetivos do presente trabalho fossem obtidas. Uma delas foi que
existe de fato uma diversidade de percepção entre os profissionais de saúde sobre a
questão do aborto de acordo com os saberes, formação e experiências de cada um.
De fato, as polêmicas geradas em torno da interrupção de gravidez para os
sujeitos aqui pesquisados têm esses dois vieses principais: o da naturalização, ou
seja, o da ‘mãe por instinto, por natureza’’ e da moral ligada a crenças de ordem
religiosa
(PORTO,
2009)
estas
abertamente
afirmadas.
Não obstante, além da constante ideia da pretensa obrigatoriedade em desejar ser
mãe e o caráter de coerção do discurso biológico, o fato é que a experiência do
feminino como um todo figura nas representações dos profissionais de saúde
tomados como alvos desta pesquisa de maneira muito marcada por uma assimetria
com o masculino, ou seja, se ser mãe é tido como algo natural e que deve ser aceito
pelas mulheres por esse motivo, na ocasião de uma interrupção de gravidez a figura
masculina simplesmente parece desaparecer, o que deixa a mulher em posição de
única responsável pelo acontecimento da gestação indesejada.
Referências
HEILBORN, M. L. (org.) Sexualidade: o olhar das ciências sociais. Rio de Janeiro:
Zahar, 1999.
MALINOWSKI, Bronislaw 1976 [1922]. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo,
Abril Cultural, 1976.
ORTNER, Sherry B. "Está a mulher para o homem assim como a natureza para a
cultura?" In:
PORTO, R. M. Aborto legal e o cultivo ao segredo: dramas, práticas e representações
de profissionais de saúde, feministas e agentes sociais no Brasil e em Portugal. Tese
de Doutorado. PPGAS, UFSC, Florianópolis, SC, 2009.
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