TEOLOGIA DA CRIAÇÃO NO
CONTEXTO AMAZÔNICO
Elementos para uma
espiritualidade cristã
amazônica
Prof. Dr. Pe.Ricardo Gonçalves Castro, IMC / SARES
A nova centralidade: o futuro do grande
Pobre, a Terra, e a humanidade.
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Antes de mais nada importa entrar num novo
estado de consciência.
Chegamos a um ponto de nossa história em que
percebemos a possibilidade da auto-destruição.
A capacidade de intervenção na natureza nas
últimas décadas foi tão profunda que
desequilibrou todos os ecossistemas e o próprio
sistema-Terra.
• As forças produtivas se
transformaram, perigosamente, em
forças destrutivas.
• Todos somos reféns de um modelo
de convivência, de um modo de
produção e de relações com a
natureza que implicam violência
sistemática sobre pessoas, classes
sociais, países, ecossistemas e a
própria Terra.
• Terra e humanidade: somos como uma nave
espacial em pleno vôo. Essa nave tem
recursos limitados de combustível, de
alimentos e de tempo de transcurso.
• 1% dos passageiros viaja na primeira classe
com super-abundância de meios de vida.
• 4% na classe econômica com recursos
abundantes.
• Os restantes 95% estão junto às bagagens
no frio e na necessidade. Pouco importa a
situação social e econômica dos
passageiros. Todos correm ameaça de vida
pelo esgotamento dos recursos da nave.
Todos terão o mesmo destino dramático,
ricos, remediados e pobres, caso não houver
um acordo de sobrevivência para todos
indistintamente.
• Desta vez não há uma arca de Noé que
salve alguns e deixe perecer os demais.
• Esse não é um cenário de fantasia
alarmista, mas a projeção dos institutos
mais sérios que, de forma cotidiana e
sistemática, fazem o acompanhamento do
estado da Terra.
• Tal constatação funda uma nova
•
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radicalidade histórico-social: em que
medida cada ser humano, cada saber,
cada força social, cultural e religiosa, no
nosso caso, cada corrente teológica,
ajuda a garantir um futuro de vida para
a Terra e a humanidade.
A questão não é mais: que futuro terão
os pobres, ou o projeto da tecno-ciência,
ou o Cristianismo, a teologia da
libertação ou o papado?
Todos terão futuro na medida em que a
Terra e a humanidade tiverem um
futuro. Esse deve ser construído
solidariamente, caso contrário, podemos
conhecer o destino dos dinossauros.
• Retomando: a centralidade não está mais
no pobre, sócio-econômico, político,
cultural, étnico, feminino, como na
formulação clássica da teologia da
libertação dos anos 70 e 80 mas no
grande pobre, a Terra, como está sendo
percebido a partir dos anos 90.
• Na opção original pelos pobres deve
entrar, primeiramente, o grande pobre que
é a Terra e a humanidade, base que,
garantida, possibilita então colocar a
questão do futuro dos pobres e dos
condenados da Terra.
• O objetivo desta reflexão é unir
teologia da criação e contexto
Amazônico
• Para este fim é importante
primeiramente compreender o que
entendemos por teologia da criação e
quais os elementos do contexto
Amazônico importante para sua
construção contextual.
Teologia da criação em contexto
• O ser humano é chamado a reconhecer sua
•
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universalidade e naturalidade.
A identidade humana se desenvolve dentro de
uma realidade local, em um contexto e uma
cultura.
Deste modo, a condição humana se compreende
primeiramente situando-a no universo, na terra,
na criação e não na separação. Nesse sentido,
saber quem somos, é inseparável de saber onde
estamos, de onde viemos e para onde vamos.
Distanciamento da terra
• O distanciamento e o estranhamento com a
terra, a natureza, impõe a supremacia da
mente e da razão, que fragmenta e se torna
destrutiva de seu próprio meio ambiente.
• O distanciamento da terra gera o divórcio
entre mente e corpo que gera uma
deteriorização progressiva das capacidades
humanas, tais como percepção,
discernimento e criatividade.
• O grande desafio é harmonizar, remembrar,
integrar nossa humanidade.
Compreendendo que o ser humano é
multidimensional e complexo.
A Criação como base
• Pode-se fazer uma teologia contextual que
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esteja basicamente centrada na Criação
ou outra que tenha sua base na Redenção.
Nossa orientação básica será esta da
Criação.
Neste sentido esta teologia se caracteriza
pela convicção de que as experiências
humanas são, de modo geral, boas. Sua
perspectiva é da graça que se constrói
sobre a natureza.
Esta teologia é capaz de ser usada na
construção e aperfeiçoada na relação
sobrenatural com Deus.
O mundo é sacramental
• Na teologia, centrada na criação, o mundo
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criado é sacramental. É o lugar onde Deus
revela sua divindade.
A revelação se dá na vida diária, com
palavras ordinárias, através de pessoas
“normais” nas relações cotidianas.
Esta teologia se aproxima da vida com
espírito e imaginação analógica, não
dialética, que vê uma continuidade entre a
existência humana e a realidade divina
Teologia bíblica da criação
• Na teologia bíblica da criação a narração
do Javista está construída como se
narrada por um nômade do deserto que
anela chegar a um oásis: no princípio a
terra era como um deserto que se
contrapõe a um jardim ou parque que o
ser humano trabalha e cultiva.
• A narrativa sacerdotal diferente do
ambiente desértico javista, é de umidade,
de muita água, própria da região
mesopotâmica. Nesta perspectiva Deus
cria pela sua palavra
O Ser humano e a criação
• A narrativa da criação termina com a queda. O
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ser humano cujo pecado (mítico e simbolizado
pelo comer do fruto da arvore do bem e do mal)
– consiste em não aceitar sua “criaturalidade”,
sua contingência “criatural” querendo ser como
Deus.
O ser humano terá que aprender a encarar sua
“criaturalidade”, aprendendo a assumi-la até sua
última conseqüência no confronto com a morte.
O ser humano, portanto, é um ser criado da
terra e que retorna à terra, interconectado pela
mesma energia que emana da própria terra e
que o faz um ser vivente (nefesh).
2. Elementos para uma teologia da
criação em contexto amazônico:
2.1. A floresta
• Deus se revela também pelo mundo
natural, a terra, as plantas e os animais.
Diálogo com o mundo criado será seu
método. Deixará para trás a compreensão
de que o mundo é “um vale de lágrimas e
um lugar de exílio”. Salvar terá um
significado holístico e ecológico que inclua
o resgate da humanidade e da natureza.
• A FLORESTA É UMA FONTE
EXTRAORDINÁRIA DA REVELAÇÃO DE
DEUS.
• A floresta não é apenas um cenário
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inanimado de colorido.
Ela é um templo.
Nossos ancestrais souberam compreender
esse fato e foram capazes de desenvolver
um íntimo e amoroso relacionamento com
ela.
A Teologia terá importância no contexto
amazônico se tivermos os pés sobre a
terra.
A teologia pode abrir vastos horizontes
sobre o mistério de Deus, mas, é a
contemplação e os estudos do mundo
natural nos ajudaram a sentir os apelos de
Deus.
Floresta X opção ética e espiritual
• Há uma necessidade de buscar um
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novo paradigma para a saga humana
sobre esse planeta.
Para se chegar a ele é preciso
retroceder no tempo e resgatar as
valiosas contribuições dos nossos
antepassados.
Compreender a necessidade de uma
opção ética e espiritual para resolver
o antagonismo hoje existente entre o
ser humano e a natureza.
No âmbito da política institucional os
problemas a serem enfrentados são
complexos.
2.2. A religião tradicional Indígena
– Xamanismo
• A pajelância é uma forma de xamanismo
em que se dá a ocorrência de
incorporação pelo pajé, sendo seu corpo
tomado no transe ritual por entidades
conhecidas como encantados ou caruanas.
• Os rituais xamânicos pretendem uma conexão
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com a Mãe Natureza e o mundo espiritual.
Os espíritos que podem ser aliados ou
adversários podem auxiliar ou atrapalhar pode
curar ou adoecer, pode ser aplacado ou
instigado.
Pode-se entrar no mundo dos espíritos através
dos sonhos ou das visões.
Pelo sonho fala-se com os ancestrais, familiares
e entidades míticas; pode-se aprender sobre as
origens das coisas, como curar doenças, como
dominar as forças mágicas que compõem a
natureza, a fazer feitiçaria.
O estado do sonho é tão ou mais real que o da
vigília, e nele é que se realizam as maravilhas
que mantém o mundo existindo, funcionando
em harmoniosa e fluência
Resgatar o sentido celebrativo da
vida
• É o momento de “re-olhar” e “re-
aprender” os valores perdidos da
celebração significativa, do êxtase
espiritual transformador, da pedagogia da
interdependência e liberdade pessoal
aliada ao respeito natural aos ancestrais e
à relação familiar e comunitária, valores
que permitiram a sobrevivência e
resistência indígena nos mais inóspitos
ambientes por incontáveis gerações, e
mesmo na teimosia de sobreviverem no
mundo contemporâneo.
2.3. A cosmovisão religiosa da
cultura cabocla – Sincretismo
• Na literatura e em outras regiões, “caboclo” é
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termo utilizado para designar o habitante
mestiço compreendido culturalmente.
O caboclo rege sua vida sob o ritmo cíclico da
natureza, ao fluxo dos rios nas enchentes e
secas. Ele se insere nas matas sem destruí-la,
mas tornando-a sua casa.
Na religiosidade cabocla os relatos dos encantos
estão relacionados com seres deixados por Deus
como responsáveis pela floresta, pelas águas,
pelas caças etc. Trata-se de entidades com
poderes de encantamento, metamorfose e
hipnose, que podem ser generosos ou
vingativos.
Resgate da espiritualidade cabocla
• 1) Aspectos do campo religioso permeiam o mundo
real e são vivenciados e/ou acionados em ações
cotidianas.
• 2) Há uma humanização da natureza. Isso é
percebido quando alguns seres da natureza são
dotados de personalidade e preferências. Eles são
capazes de se relacionar, realizar trocas e pactos e
de realizarem atividades humanas, sejam elas
afetivas, ativas ou passivas.
• 3) Os seres supra-naturais, bem como os encantes,
são, ao mesmo tempo, fonte de poder e de perigo. A
floresta é local respeitado e temido. Há com ela uma
relação de dependência que se mantém equilibrada
respeitando-se normas de relação com seus
habitantes e de exploração de seus recursos.
• Seguir tais regras é tentar garantir uma relação
pacífica com alguns encantes.
A caminho de uma ética
ambiental cristã
Elementos importantes para uma ética
solidária:
• reconhecer o valor da criação
• incluir a questão ambiental como uma
dimensão do bem comum
• criar a estrutura institucional necessária
para o bem comum
• rever a relação entre ambiente e
desenvolvimento
O que fazer?
Algumas idéias para pensar:
• As comunidades cristãs podem buscar
alternativas para preservar os recursos.
• Nosso compromisso com um estilo de vida
comunitário nos oferece uma
oportunidade única de indicar o rumo em
matéria de preservação e reciclagem dos
recursos utilizados.
• É provável que alguns de nós, mais
informados sobre a complexidade da
situação, já tenham feito algumas
mudanças em seu estilo de vida e estejam
envolvidos em atividades políticas que
busquem mudanças na nossa relação com
a vida que nos cerca.
• Outra possibilidade poderia ser convidar
ambientalistas para conversarem com as
comunidades.
• Viver na Amazônia e atuar segundo os
desafios por ela apresentados, significa
conviver e trabalhar com os “sem-terra”
ou pela Reforma Aquática;
• Acolher e atender os migrantes,
refugiados, “desplazados”,
indocumentados, enfim, a mobilidade
humana na Amazônia e em suas múltiplas
fronteiras;
• Aprender com os indígenas; apoiar suas
lutas pela terra, pela água, pelas matas,
pela vida com direitos e dignidade...
Os 4 r’s da Amazônia:
• RECICLAR…
REDUZIR…
RELEMBRAR…
RESPEITAR
• “REDUZIR = RECICLAR = REUTILIZAR=
RELEMBRAR”
Corpo, rio, terra e dança
Resgatar a relação humanidade e
terra, corpo e terra, terra sagrada
que somos todos, somos dom de
Deus. Tal relação se dará
principalmente na compreensão,
valorização e resgate de nossa
identidade religiosa indígena.
Corpo, rio, terra e dança
Com a cultura cabocla ribeirinha temos que
aprender a nos tornarmos uma sociedade
sustentável, ou seja, que produz o suficiente
para si e para os seres dos ecossistemas onde
ela se situa; que toma da natureza somente o
que ela pode repor; que mostra um sentido de
solidariedade “geracional” ao preservar para as
sociedades futuras os recursos naturais de que
elas precisarão.
Corpo, rio, terra e dança
Com as populações da periferia da
cidade que se organizam em
movimentos, partidos, pastorais sociais
temos que lutar juntos pela superação
da lógica do capital, de sistemas
econômicos que olham somente para o
lucro e não para humanidade e para o
planeta.
Corpo, rio, terra e dança da vida
• Nas expressões e manifestações
•
religiosas, espirituais, celebrativas e
místicas é possível valorizar as formas
mitológicas do povo amazônico.
Seus rituais ajudam a valorização do
corpo e da terra, e lembrem
constantemente o valor sagrado de todos
os tipos de vida e de nossa dependência
da terra e de uns com os outros.
Corpo, rio, terra e dança da vida
• Vivemos numa teia de vida.
• Tornamo-nos cada vez mais vida
na medida em que descobrimos e
nos ligamos a essa maravilhosa
cadeia de vida que é o planeta
terra.
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