A proposta do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira e o SUS: perspectivas de luta Isabela Soares Santos Pesquisadora DAPS/Ensp/FIOCRUZ Vice-Presidente CEBES Seminário do Núcleo do Cebes do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, agosto de 2015 • CRISE ECONOMICA • CRISE POLÍTICA • ACELERAÇÃO DOS ACONTECIMENTOS • PARALELO COM ACONTECIMENTOS DA DÉCADA 1970 PARA 1980 POR QUE SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE? para ter uma sociedade socialmente protegida o suficiente para poder produzir e ser economicamente sustentável Para viabilizar a organização e gestão do sistema de saúde Para ter escala econômica do sistema Para garantir uma população saudável e com qualidade de vida – o que também tem consequências do ponto de vista econômico (complexo industrial) Para ter e poder estabelecer regras mínimas de segurança e qualidade dos serviços realizados e dos recursos físicos e humanos que oferecem os serviços, etc. projeto para sociedade de desenvolvimento de bem estar social democrático: VALORES DE SOLIDARIEDADE e IGUALDADE (Marshall e Bobbio) DIREITO À SAÚDE COMO DIREITO SOCIAL, DE CIDADANIA: direito de os cidadãos terem acesso a um conjunto de políticas e serviços – saúde, educação, aposentadoria – que lhes possa assegurar um mínimo de bem estar e dignidade na vida; Pressupõe o reconhecimento de que para haver maior igualdade social é preciso que uma série de necessidades básicas dos cidadãos seja atendida mediante políticas públicas “os direitos sociais, ... expressam o amadurecimento de novas exigências – (...) valores –, como os de bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado.” (Bobbio, 1992) SAÚDE: DIREITO X NEGÓCIO – 1966: a ditadura militar passou a fortalecer a saúde como negócio: • O Código Tributário Nacional (1966) dá isenção no IR a gastos com saúde privada (mantido até hoje) • As unidades de saúde com fins lucrativos passaram de 14,4% do total em 1960, para 45,2% do total em 1975 (Braga e Paula, 1986: 110) – A partir dos anos 1970, o movimento social brasileiro passou a lutar pelo direito universal à saúde • O Cebes nasceu em 1976 para lutar por esse direito. • RSD em 1977: – Defesa da saúde como direito de todos brasileiros – Aponta necessidade de definição do conteúdo da Reforma Sanitária Brasileira – Início anos 1980: Direito Universal à saúde (documento Abrasco, 1984) • Compreensão do momento de formulação e proposição para saída da crise e democratização do país – Hésio Cordeiro, Paulo Buss, etc. SAÚDE: DIREITO X NEGÓCIO • Em 1986, a 8ª Conferência Nacional de Saúde aprovou: – “Saúde como direito de todos e dever do Estado” • Em 1988, a Constituição Federal aprovou: – “Saúde como direito de todos e dever do Estado”, mas .... – “A saúde é livre à iniciativa privada” • Desde então o SUS tem de competir com a saúde privada: – Em situação de desvantagem NO BRASIL TEMOS FORTE COMPETIÇÃO ENTRE O SUS E O SETOR PRIVADO DE SAÚDE ... EM DESVANTAGEM PARA O SUS • Estado brasileiro provê proteção social, mas ... – SUS financia menos que previsto (esfera federal de governo) – Financia importante parte do setor privado • diferente tipos de incentivos, p. ex.: – Subsídios fiscais desde anos 1960 (atualmente passa de R$ 10 bi PF+PJ) – Trabalhadores do setor público com (LDO – 5% orçamento MS): » seguro privado ou » auxílio para assistência privada à saúde – 3/4 dos provedores privados contratados pelo SUS – Unidades com lucro: 14% de todas unidades em 1960 => 45% de todas/1975 – 92% das unidades de SADT eram privadas lucrativas em 2013 • Seguro privado no BR => um dos maiores mercados do mundo: 27% da população com planos privados (PNS, 2015) • 4º maior mercado de medicamentos (INTERFARMA, 2013, apud SILVA, 2014, p. 56) ... e o SUS é um importante comprador DISPUTA SETOR PRIVADO X SUS • Estatégia cruel de desinvestimento no SUS: ao ter planos privados, a população trabalhadora (maior escolaridade e poder de formação e opinião) deixa de usar o SUS e de brigar por sua melhoria • A maior parte dos trabalhadores não tem acesso aos planos de saúde privados ao se aposentar: – Simplesmente porque não podem pagar pelos mesmos • Os trabalhadores tem acesso aos planos privados de saúde na idade adulta: – Quando menos precisam dele • Esta situação corresponde a verdadeiro estelionato praticado pelo mercado privado e precisa ser fortemente denunciada Mudanças nas últimas décadas e a agenda social no Brasil Políticas sociais: na década de 1980 o Brasil implementou os direitos inspirados na social democracia num contexto nacional e internacional adverso, de fortalecimento das ideias neoliberais: Universalidade X Focalização/fragmentação/segmentação Dicotomia: Neoliberalismo com Estado mínimo e Tripé econômico (taxa juros com superavit + meta de inflação + câmbio flutuante => “política econômica sadia e sustentável”) X Projeto de desenvolvimento para sociedade de bem estar social com base na democracia e nos direitos sociais de cidadania (modelo social democrata desenvolvido na Europa que inspirou SUS) Conceitos de Público e Privado vem se tornando mais difusos e Arranjos públicoprivados cada vez mais complexos: Fenômeno não estático, resultante do embate político-econômico e dos valores da sociedade de proteção social que interferem na relação Estado/mercado Acumulação de capital internacional: privatizações e mais recentemente a área social passa a ser atenção de acumulação financeira (saúde, educação, transporte público, etc.) => .... CUS .... LIVRO BRANCO ANAHP & ESPANHA/2014 ... Força da velha (falsa) premissa de que o setor privado é mais eficiente que o público Cobertura Universal de Saúde (Universal Health Coverage): O que é e em quê nos afeta Fonte: Manifesto do Cebes em defesa do direito universal à saúde – saúde é direito e não negócio. Rio de Janeiro, agosto de 2014. http://cebes.org.br/site/wp-content/uploads/2014/09/Manifesto_Cebes_Sa%C3%BAde_%C3%A9_direito_e_n%C3%A3o_neg%C3%B3cio.pdf CUS (2005 ...) OMS/WHO: • • • 2005 – Assembleia Mundial de Saúde 58.33: “Sustenable health financing, UC and Social Health Insurance” 2010 - Relatório Mundial da Saúde: “Health Systems Financing – the path for UC” 2013 - Relatório Mundial da Saúde: “Research for UHC” Fundação Rockefeller: • 2012 - “Future Health Markets: a meeting statement from Bellagio”: – “grande proporção da população disposta a pagar por serviços de saúde do setor privado” (“large proportion of population willing to pay for private sector services”) – “fortes agentes de mercado estão dispostos a pressionar pelo aumento de financiamento público e privado, especialmente nos países de média e baixa renda, para adotar políticas para financiar o seguro de saúde como um meio para a CUS” (“Strong Market players ... Are likely to increase preassure to attract public and private financing, particularly as LMICs adopt policies to finance health insurance as a means UHC”) ONU (2012, 67ª Assembleia geral): Resolução para a CUS OMS e OPS (2014, 154ª sessão Comitê Executivo): Resolve “Adoptar la Estrategia para la cobertura universal de salud” CUS: análise Esses documentos apontam para: Necessidade de prover melhor acesso ao cuidado de saúde • “Cuidado primário de saúde” para os pobres (APS seletiva) • Seguro Privado de Saúde para quem pode pagar É necessário proteger a saúde contra os riscos financeiros dos sistemas públicos Esses riscos justificam a CUS “Risco” e “proteção” são ideias centrais do seguro privado e do mercado financeiro Esses documentos propõem o seguro privado para defender os sistemas públicos CUS: para quem? CUS é uma proposta que atende à demanda do capital financeiro, à demanda que aumentou com as crises econômicas de 2008 e 2011 É um ataque ao Direito Universal à Saúde A PARTIR DOS ANOS 1990 SUS e Setor privado cresceram SUS expande e sobrevive (com altíssima qualidade em alguns nichos) em grande parte graças ao trabalho exaustivo de alguns gestores, conselheiros e trabalhadores FSE (1994)/FEF/DRU (desde 2003): desvinculação de 20% da receita da União • proposta atual de passar a 30% e perdurar até 2023 CPMF: desviada e depois finalizada EC 29/2000: financiamento SUS (1ª% União, 12% estados e 15% municípios) Movimento Saúde +10 (mais de 2 mi e assinaturas): Projeto de Lei de iniciativa popular X Orçamento impositivo grande parte do recurso do MS para investimento é direcionado para EP Privatização do SUS “por dentro”, no que é ainda era público CONJUNTURA ATUAL: CONTINUAÇÃO DO DESMONTE DA PROTEÇÃO SOCIAL À SAÚDE Legislativo e Executivo: composição permeada de conservadores Financiamento de campanhas eleitorais por empresas de planos privados de saúde 2014 - Dep. Eduardo Cunha foi autor de emenda à MP 627/2013 para anistiar os planos privados Vetada pela presidente Dilma Roussef Dez 2014 - PEC 451 – obriga o empregador a oferecer plano privado para vínculo empregatício Fev 2015 - Pedido de abertura de CPI-planos privados negado pelo presidente da CD Dep. Ivan Valente (PSOL) recorreu ao STF Mar 2015: EC 86 (PEC 358/2013) – Orçamento Impositivo que reduz % mínimo da RCL da União para SUS Jan 2015: Lei 13097 (MP 656/2014): participação direta ou indireta e controle do K estrangeiro na saúde MP 656: Dep. PMDB/PB que com campanha eleitoral financiada por Bradesco apresenta emenda à MP, para autorização para K estrangeiro investir na saúde Fev 2015: Estadão divulga que teve acesso a doc sigiloso da AGU recomendando veto parcial do artigo, que deveria ocorrer em casos excepcionais, “como pesquisas”. Jan 2015: Notas entidades MRSB Mai 2015: Projeto Dep. Jandira Feghali Ago 2015: Agenda Brasil AGENDA BRASIL (RENAN, 10 AGOSTO 2015) Agenda BR deve ser entendida no contexto : nacional do conjunto de medidas de desmonte da proteção social que vem sendo feito nas últimas décadas Internacional de demanda de aumento do K financeiro (p ex. CUS) DIVERSOS PONTOS QUE TRARIAM RETROCESSO AO PAÍS E NÃO RESOLVEM A CRISE ECONÔMICA Revisão do marco jurídico de áreas indígenas para compatibilizar com investimentos produtivos Revisão da legislação licenciamento investimentos em: zona costeira, áreas naturais protegida e cidades históricas para incentivar investimentos produtivos Proibição de liminares judiciais para procedimentos experimentais onerosos ou não homologados pelo SUS (“EMENDA QUALICORP”) Cobraça diferenciada de procedimentos do SUS por faixa de renda Revisão do marco regulatório dos FUNDOS DE PENSÃO Favorecer maior desvinculação da receita orçamentária dando maior flexibilidade ao gasto público Cebes se posiciona radicalmente contra esse “acordão” entre SF, Executivo e banqueiros, formulando proposta da direita conservadora do país POTENCIAL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ANALISAR, RESISTIR, FORMULAR e PROPOR! Radicalizar pela democracia, contra o endurecimento da direita Investir numa comunicação e imprensa brasileira progressista e de esquerda Necessidade de ampliação das bases sociais (contexto maior individualismo) Os movimentos sociais são os principais atores que podem influenciar os governos do hemisfério norte e do sul a incorporarem na Agenda internacional as necessidades dos países do sul INVESTIR NA CONVERGÊNCIA DE POSIÇÕES ENTRE MOVIMENTOS PROGRESSISTAS e TRABALHAR EM REDE: NO BRASIL E ENTRE OS PAÍSES DO HEMISFÉRIO SUL No BR: articulação com Tripartite, Conselhos gestores, instâncias de Controle Social, com os movimentos sem Terra, sem Teto e com os cada vez maiores, inclusive os aparentemente específicos, mas que estão inseridos na causa do direito social universal (mulheres, negros, índios, descriminalização das drogas, etc.) Retomar interesse dos trabalhadores na defesa do SUS As entidades que representam movimentos progressivos devem defender o direito universal à saúde e combater seus entraves estratégicos Não deixar de cobrar o governo para enfrentar o tripé econômico: tem recurso sim, p. ex. os que vão para DRU SUS público para sustentar um país saudável (inclusive para sair da crise) ESTRATÉGIAS E PROPOSIÇÃO CEBES Documentos, entrevistas e material de comunicação Cebes , Documento de entidades do MRSB, p. ex: • • • • Set/2014: Manifesto do Cebes Saúde é direito e não negócio (contra CUS) 9 jan/2015: contra PEC 656 de abertura ao K estrangeiro Abr/2015: Tese do Cebes para XV CNS 13 ago/2015: contra ponto da Agenda Brasil de pagamento no ato do uso do SUS DOCUMENTO PARA XV CNS Acabar com os subsídios dos planos privados de saúde Aplicar os recursos decorrentes dos subsídios em especial na APS e na média complexidade PÚBLICAS estratégia progressiva, inicialmente instituindo um limite de valor de gastos com saúde, que podem ser dedutíveis do IR como no caso da educação; não financiar planos privados para servidores públicos com recursos públicos; proibir anulação ou perdão das dívidas dos planos com o Estado; proibir subsídios diretos aos planos e não promover incentivos aos planos privados individuais cont. DOCUMENTO PARA XV CNS Taxar as grandes fortunas E aplicar os recursos na saúde Garantir maior financiamento público com o fim da DRU para o setor da saúde; Investir 10% da Receita Corrente Bruta da União na saúde pública Flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para a contratação de trabalhadores da saúde (investindo no quadro de servidores próprios da saúde e diminuindo a contratação de OS)