Biologia do Desenvolvimento 2010/2011 IMORTALIDADE E MORTALIDADE (DUAS FACES DO C-MYC) Biologia Humana Daniela Marecos,27023 ; Janete Coelho, 25956. Imortalidade e Mortalidade Celular A homeostase dos tecidos é dependente do perfeito balanço entre a proliferação e a apoptose. No organismo normal o ciclo de proliferação celular é rigorosamente controlado para que as células constituam comunidades organizadas. No entanto, existem células que ultrapassam os mecanismos de controlo do ciclo celular (checkpoints), promovendo uma divisão continuada – imortalidade celular. C-MYC na Proliferação Celular Por proliferação celular entende-se: Aumento do número de células como resultado do crescimento e divisão celular. Este mecanismo é crucial para o crescimento e diferenciação do organismo, participando inclusive dos processos de renovação celular. C-MYC: factor de transcrição A proteína Myc contém duas sequências de localização nuclear (NLS) que a caracterizam como um factor de transcrição. Enquanto factor de transcrição, a Myc activa a expressão de muitos genes através da sua ligação com E-boxes e acetiltransferases, recrutando histonas. Numa das suas ligações principais a Myc associa-se à MAX e, quando dimerizada, funciona como activadora transcricional. C-MYC: factor de transcrição O complexo Max/Myc pode activar a transcrição quando se liga directamente ao DNA, recrutando vários cofactores que activam a transcrição. A activação da transcrição pelo Myc é antagonizada por proteínas Mxd e Mnt, que se ligam na mesma sequência de DNA. Imortalidade e Mortalidade Celular Alguns reguladores do ciclo celular participam em ambos os processos: morte celular programada e divisão celular. A relação entre ciclo celular e apoptose é reconhecida pelos genes que codificam várias proteínas, entre elas a c-myc. Mortalidade celular c-myc Proliferação celular (imortalidade) C-MYC no Ciclo Celular O c-Myc actua no ciclo celular como factor de transcrição; C-Myc activa a expressão de genes envolvidos na síntese de DNA. C-MYC no Ciclo Celular Gene da ciclina D Aumento Ciclina D Activação da G1 -Cdk Fosforilação do Rb Gene myc c - Myc Gene da SCF Gene E2F Aumento da degradação p27 Aumento da síntese da E2F Activação da Cdk4/6-Cilina D Aumento da actividade da E2F ENTRADA NA FASE S C-MYC na imortalidade NEOPLASIA EXPRESSÃO DO C-MYC Astrocitoma 5 – 78 % Carcinoma da bexiga 30 – 50 % Carcinoma do colo do útero 32 – 85 % Adenocarcinoma do cólon 23 – 100 % Adenocarcinoma gástrico 19 – 47 % Hepatocarcinoma 33 – 100 % Carcinoma mamário 6 – 45 % Carcinoma ovárico 25 – 48 % Carcinoma da próstata 29 – 58 % Carcinoma pulmonar 28 – 62 % Melanoma 33 – 96 % Linfoma de Burkitt 100 % C-MYC na Apoptose Apoptose, ou morte celular programada, é um processo essencial para a manutenção do desenvolvimento dos seres vivos sendo importante para eliminar células supérfluas ou defeituosas, contribuindo para a homeostase dos tecidos. A apoptose pode ocorrer em resposta a problemas internos da célula. É de salientar que a morte de uma determinada célula não leva à morte de outras células. C-MYC na Apoptose Caspase 9 Caspase 3 A Myc consegue estimular ou inibir proteínas que provocam a libertação do citocromo c da mitocôndria, controlando assim a apoptose. Por outro lado, a Myc consegue provocar danos no DNA que levam à paragem do ciclo celular e por fim, direccionam as células para a apoptose. C-MYC na Apoptose Entre as possíveis vias pró-apoptóticas mediadas pela c-Myc destaca-se a activação do p19arf que actua reprimindo MDM-2 (regulador negativo do p53), induzindo a disponibilização de p53, desencadeando assim, a promoção dos mecanismos apoptóticos. Produção excessiva de c-myc Activação da p19 ARF P19 ARF liga-se à Mdm-2 Aumento dos níveis de p53 Apoptose C-MYC na Apoptose C-MYC IGF1 APOPTOSE Os sinais do factor de crescimento IGF1 neutralizam/ contrariam uma das vias pela qual o cmyc induz a apoptose, permitindo que este expresse o seu potencial proliferativo e explica a exigência de IGF1 para o crescimento da maioria das células. Oncogene Addiction Um dos princípios da oncologia molecular declara que os tumores permanecem dependentes da actividade de vias oncogénicas, como se de um vício se tratasse. Esta hipótese é a base de algumas estratégias para a terapia contra o cancro, com base em alvos moleculares específicos, não reunindo ainda consenso. Descreve o mecanismo pelo qual algumas células que desencadeiam anomalias genéticas e epigenéticas múltiplas, permanecem dependentes de alguns genes, tanto para a manutenção do seu fenótipo como para a sua sobrevivência. Oncogene Addiction Oncogene Indisponível Oncogene Disponível Oncogene Addiction As evidências que suportam o conceito de Oncogene Addiction têm sido obtidas em três sistemas diferentes: Ratos geneticamente modificados - modelos de cancro na espécie humana Estudos mecanísticos em linhas celulares de cancro humano Estudos clínicos envolvendo agentes alvo específicos Oncogene Addiction «Desligar» o oncogene indicado levou à inibição do crescimento, diferenciação, apoptose e/ou regressão do tumor. É de salientar que em 4 dos 9 casos estudados, o gene crítico encontrado foi o c-myc. Viciados no Myc Vários estudos em tumores que expressam o gene Myc apresentam resultados que confirmam o fenómeno de oncogene addiction. Nestes estudos, colocar o Myc “off”, impedindo-o de ser expresso correctamente, em tumores estabelecidos provoca – se bem que muitas vezes só temporariamente – uma regressão parcial do tumor. Fica, no entanto, para trás, uma pequena população de células cancerosas “dormentes”. Múltiplos mecanismos, incluindo a apoptose e a senescência, foram identificados nesta regressão. Viciados no Myc: Insulinoma Células tumorais (Insulinoma) quimiocinas Macrófagos VEGF Neutrófilos MMP- 9 Maior disponibilidade VEGF Sobrevivência das células endoteliais Viciados no Myc: Insulinoma Colocar o myc «off» nas células do insulinoma faz com que elas percam a sua capacidade angiogénica e, como tal, o tumor não prolifera. Terapia Antisense No cancro da tiróide a sobreexpressão da c-Myc é responsável pelo pior prognóstico. O bloqueio da expressão deste gene, através dos oligonucleotídeos antisense reduz significativamente o índice de crescimento do cancro da tiróide. Apesar dos estudos actuais estarem dedicados à compreensão do papel da c-Myc na transformação das células da tiróide, ela pode ter relevância para o tratamento do cancro da tiróide, se inibida. Terapia Antisense Limitações à sua aplicação clínica: Degradação rápida nos fluídos biológicos; Falta de especificidade tecidual e celular; Limitada interiorização celular. Terapia com Rampimicina Fármaco antineoplásico específico; Agente citostático; Inibidor específico da fase G1 do ciclo celular ; Estudos mostraram que as células resistentes a esse agente apresentavam níveis de C-MYC dez vezes maiores que as células sensíveis; Sugerindo assim que a resistência a esta substância seria mediada pela sobreexpressão do C-MYC. Terapia: C-MYC e hTERT hTERT: subunidade catalítica da telomerase A actividade da hTERT é estimulada pela acção do C-MYC; hTERT e C-MYC apresentam-se desregulados e sobreexpressos em tumores do cólon; Estudo realizado para avaliar o valor terapêutico da inibição do C-MYC em células tumorais do cólon; Foram introduzidos vectores silenciadores (shRNA) da expressão do C-MYC nas células tumorais. Terapia: C-MYC e hTERT Resultados: Supressão da actividade da telomerase Diminuição do tamanho dos telómeros Inibição do crescimento celular Deste estudo ficou então mais uma hipótese para uma nova potencial terapêutica anti-cancro para cancro de cólon humano. C-MYC no Prognóstico Alguns estudos em meduloblastoma têm sugerido que a expressão do oncogene Myc está associada com a diminuição da semi-vida das células tumorais e a sua sobreexpressão com a maior agressividade do tumor. Assim, o Myc pode ser um indicador importante de prognóstico, além de modulador do comportamento desta doença. Oncogene Addiction: valor prático Desenvolver terapias-alvo requer uma identificação de bons alvos, ou seja, alvos que tenham um papelchave no crescimento e na sobrevivência da célula cancerosa. A grande vantagem da aplicação das terapias alvo prende-se com o facto de proporcionarem uma forma de individualizar o tratamento, especialmente quando o alvo está presente em alguns, mas não em todos os tumores de um tipo particular. Oncogene Addiction: valor prático oncogene CANCRO oncogene SERÁ? Oncogene Addiction: valor prático Havia na área quem achasse que a morte tumoral associada com a Oncogene Addiction era intrínseca da célula tumoral, não importando onde ela se encontrasse. Por outro lado, sabe-se que o sistema imunitário assume funções importantes na eliminação dos tumores. No entanto, os estudos anti-tumorais relacionados com a Oncogene Addiction são feitos em modelos in-vitro ou em animais imunodeficientes, não se tendo em consideração a resposta imune. Oncogene Addiction: valor prático Os resultados de um estudo (Felsher) mostraram que se inativarmos o MYC num modelo de linfomaT, as células tumorais entram em apoptose independentemente do sistema imune. Mas a recorrência do tumor, ou o tempo que leva para o tumor voltar, depende de um sistema imunitário intacto, particularmente da existência de células T CD4+, e não da simples inactivação do MYC. Isso prende-se com o fato de as células T CD4+ garantirem a senescência e a indução de factores antiangiogénicos. As células T CD4+ infiltram o tumor quando há a inactivação do oncogene, e modulam o ambiente de citocinas e quimiocinas local, favorecendo a eliminação dolltumor. lll Oncogene Addiction: valor prático Este investigador salienta que estas descobertas devem alertar para o facto de as células e moléculas terem múltiplas funções, simultâneas, aparentemente não relacionadas e reforça a necessidade de encontrar terapias anti-cancro que não tenham como efeito colateral a eliminação do sistema imunitário do paciente. Oncogene Addiction: valor prático « houve um período muito rápido de grandes expectativas, maturação e decepções. Acho que havia quase uma ingenuidade de que, se encontrássemos o alvo, encontraríamos a cura.» J. Leonard Litchtenfeld, oncologista FIM Referências Bibliográficas Weinstein, I Bernard and Joe, Andrew K - Mechanisms of Disease: oncogene addiction—a rationale for molecular targeting in cancer therapy. NATURE CLINICAL PRACTICE ONCOLOGY. Volume 3, n.º 8 (2006), pág. 448 – 457 Eyss , Björn von and Eilers, Martin - Addicted to Myc−−but why?. Genes Dev. 2011 25: 895-897