CONCILIO VATICANO II
ECLESIOLOGIA
Dom Pedro Carlos Cipolini
INTRODUÇÃO
Celebramos este ano o cinquentenário da abertura
do Concílio Vaticano II. Este foi um dos temas tratados
na 50ª Assembléia da CNBB. O concílio Vaticano II,
vigésimo terceiro da história da Igreja Católica, foi
solenemente inaugurado na manhã de 11 de outubro de
1962, depois de três anos de tempestuosa gestação. Irá
completar, portanto, cinquenta anos e temos muito o
que celebrar, pois o Vaticano II foi o concílio que
atualizou a Igreja Católica a ponto de se poder dizer
que: para a Igreja o novo milênio começou com ele. Sob
os olhares das câmaras de TV, mais de 2.500 bispos,
desfilaram lentamente no majestoso cenário da basílica
de S.Pedro acompanhados pelo som dos sinos das
igrejas de Roma.
Ninguém omitiu o fato de que em meio às brancas mitras
dos bispos, e à púrpura dos cardeais, encontrava-se o grupo
heterogêneo dos observadores das Igrejas dissidentes de
Roma: ortodoxos, anglicanos, metodistas, luteranos. O desejo
de união entre os cristãos, embora fosse ainda um ideal
distante, conquistava os corações. O ecumenismo era um
apelo renovado e contagiante.
O papa João XXIII, no discurso de abertura, não se
limitou como se esperava a dizer frases convencionais de
saudação. Esconjurou o pessimismo e, em nome da fé na
redenção operada por Jesus Cristo, explicou com firmeza o
que o concílio deveria fazer para a humanidade, traçando
uma direção programática. O concílio não era um fim, era
um meio. O fim era a adequação da Igreja ao mundo que a
circundava. Adequação no sentido de dialogar para fazer-se
compreender e poder transmitir o perene depósito da fé.
Com tranqüilidade o papa apontava os novos
caminhos, para os quais a providência de Deus queria
conduzir a Igreja. De acordo com os desejos do papa, os
bispos se comprometeram a ser positivos, nada de
condenações. As divergências políticas deveriam ser
ignoradas, os esforços seriam concentrados no objetivo
principal do concílio: tornar a Igreja sintonizada com o
ritmo do seu tempo, para proclamar o Evangelho de
forma compreensível. O concílio foi o momento crucial,
o mais importante momento da Igreja no milênio que
passou, pois foi o momento do encontro da Igreja
consigo mesma e com a História.
O papa João XXIII colocou as bases para que o
concílio prosseguisse. Em um organismo vivo, os
conflitos são normais, as células novas vão tomando o
espaço das células antigas, sem ruptura, mas numa
linha de continuidade, formando o mesmo organismo.
Porém, o legado do papa foi a confiança inabalável em
Deus e no futuro da humanidade, amada por Deus.
Quando lhe admoestavam para que não se ferisse a
Tradição, ele respondia: “A Tradição? Mas vós sabeis que
coisa é? É o progresso que foi conseguido ontem, como o
progresso que devemos conseguir hoje constituirá a Tradição de
amanhã”.
Com a direção sábia, prudente e dialogante do novo
papa, Paulo VI que substitui João XXIII, morto após a
primeira sessão do concílio, o concílio pode prosseguir
até o final conseguindo um bom êxito e, deixando-nos a
missão de colocar em prática seus ensinamentos e
decisões. A grande mudança que o concílio iniciou foi à
mudança na mentalidade. A fé é a mesma, nada mudou!
Muda a maneira de vivê-la numa realidade que muda
constantemente e exige da Igreja adaptação, renovação
(cf.: Ecclesia semper reformanda in LG 22; DH 21). A Igreja
é sempre necessitada de se adaptar, converter, para que
brilhe nela o rosto de seu Senhor, Jesus Cristo. O
Vaticano II traçou uma meta, no sentido de imprimir
uma face mais humana à Igreja que está peregrinando
no mundo.
Hoje ao comemorarmos cinquenta anos deste evento
histórico, que parece tão distante, podemos perceber
sua influência. O concílio tirou o medo da Igreja que
estava entrincheirada, lutando com as armas da
apologética defensiva, desconfiada de toda novidade.
Ela se torna missionária. O Vaticano II muda a postura
da Igreja, ele propõe como o apóstolo Paulo: “examinai
tudo (diálogo), ficai com o que for bom” (1Ts 5,21). Descobrese a bondade original, ao invés de somente concentrarse na condenação do pecado original...
O Papa João Paulo II que foi um dos bispos que
fizeram o concílio, escreve em sua carta apostólica
programática para o terceiro milênio (Novo millennio
ineunte n.57): “Quanta riqueza, amados irmãos e irmãs,
estão presentes nas diretrizes que o Concílio Vaticano II
nos deu!... sinto ainda mais intensamente o dever de
indicar o Concílio como a grande graça de que se
beneficiou a Igreja do século XX, nele se encontra uma
bússola segura para nos orientar no caminho do século
que se inicia”.
Se perguntarmos quais os conceitos chaves que o
Concílio Vaticano II nos legou poderemos enumera as
seguintes: 1) Aggiornamento (renovação), 2) Pastoral, 3)
Diálogo, 4) História, 5) Pessoa Humana, 6) Povo de
Deus/ Colegialidade e 7) Serviço/Liberdade.
Vemos portanto, que a riqueza do Concílio Vaticano
II ainda está toda por ser conhecida e praticada.
Estamos apenas começando. Talvez tenhamos
assimilado menos da metade da substância do Concílio
Vaticano II. É sempre necessário retomá-lo e estuda-lo.
"O papa João queria um concílio de transição de épocas,
um concílio que fizesse passar a Igreja da época pós-tridentina e,
de certa forma, da plurissecular fase constantiniana para uma fase
de testemunho e anúncio, recuperando os elementos fortes e
permanentes da Tradição, estimados capazes de alimentar e
garantir a fidelidade evangélica de transição tão árdua." J.
ALBERIGO, História do Concílio Vaticano II, V. I, Vozes,
Petrópolis, 1996, p. 57
"O tema do Vaticano II era: unidade na pluralidade"
Card. F. Köning
"O Vaticano II foi um concílio da Igreja sobre a Igreja"
K. Rahner
"O Vaticano II redescobriu a história" Lonergan
"O Vaticano II quis mostrar que o comunitário vem primeiro
que a organização. A verdade e o carisma vem primeiro que o
direito"
anunciado em 25/01/1959,
convocado em 25/12/1961
inaugurado em 11/10/1962.
Os quatro períodos das sessões conciliares: 1962
(11/10 a 08/12) -1963 (19/09 a 04/12) - 1964 (15/09 a
21/11) -1965 (14/09 a 08/12)
O CONCÍLIO PERMITE UMA DUPLA LEITURA:
A DA CONTINUIDADE (NOVIDADE OU
HERMENÊUTICA DA NOVIDADE NA
CONTINUIDADE) SEM RUPTURA.
Continuidade: acentua a unidade entre os concílios
anteriores, ressaltando o que é permanente e valorizando a
Tradição. Esta leitura agrada mais os governantes, a
hierarquia que se identificam com a instituição. Há um
bloqueamento das mudanças: “nada de novo sob o sol”(Ecl
1,10).
Novidade: acentua a novidade, as modificações,
ressaltando os pontos de ruptura. Valoriza o lado profético
do concílio, a ação do Espírito e os sinais dos
tempos.Provoca a dimensão criativa das pessoas. Corre o
risco de subjetivismo, secularização das pessoas e funções
sagradas. Porém foi esta interpretação que favoreceu os
avanços pós-conciliares.
MUDANÇA DO SUJEITO
ECLESIAL
Foi a mudança do sujeito eclesial (dimensão de
consciência, ação e auto-identidade)a pedra de toque
das mudanças do Vaticano II. Os padres conciliares
se reuniram para falar ao sujeito social rural com
uma visão pré-moderna (obediente, a-crítico e
pacífico) – alienação). Começou o concílio com o
sujeito tradicional rural e terminou falando ao
sujeito moderno ( homem da cidade, crítico e
perguntador: sabe quem é, o que quer e para onde
vai – participação).
MOVIMENTOS
A porta de entrada do sujeito moderno na Igreja foram os
diversos movimentos que vinham surgindo em seu interior (J.
B. Libânio). Estes movimentos carregavam no bojo os traços
do sujeito eclesial moderno.
• Movimento bíblico, cresce o interesse pela leitura e
estudo da Bíblia
• Movimento Litúrgico faz com que a liturgia se liberte do
canonicismo
• Movimento Ecumênico que deseja acabar com o
“escândalo” da divisão cristã
MOVIMENTOS
• Movimento Missionário: o centralismo cede espaço á
participação
• Movimento Leigo promove a participação do leigo na
liturgia e missão
• Movimento Teológico que tem como eixo a “História da
Salvação”
• Movimento Social derruba as bases do absolutismo
eclesial e político, a Igreja se abre á questão social (Formulase uma Doutrina Social da Igreja)
1 – ANTECEDENTES
REMOTOS
1.1 – A SEPARAÇÃO DA IGREJA
GREGA DA LATINA
A separação da Igreja grega da latina no início do segundo
milênio(1054) não implicava nenhuma rejeição dos
modelos eclesiológicos tradicionais, não havendo heresias.
Foi um cisma (separação).
1.2 – A REFORMA DE LUTERO EM 1517
A Reforma de Lutero em 1517,com a separação de
Roma, pelo contrário, vai nascer de uma nova concepção de
salvação que exigirá uma nova concepção de Igreja:
A salvação é obra de Deus somente (só a graça/sola gratia:
exclusão da natureza). A única coisa que o homem pecador
pode fazer para se salvar é ter fé (só a fé/sola fides: exclusão
das obras). Assim a Igreja não é decisiva para a salvação, o
decisivo é a Palavra da Escritura (só a escritura/ sola scriptura:
exclusão da Tradição). Entre a humanidade salva e seu
mediador Jesus Cristo não pode interpor-se nenhum
mediador ou mediação (só um mediador/solus mediator:
exclusão dos sacramentos).
1.2 – A REFORMA DE LUTERO EM 1517
Lutero (que era monge agostiniano) vai propor a Igreja
como : "Ecclesia invisibilis et abscondita"
Igreja invisível só conhecida pela fé, ela está onde se
prega a Palavra e se vive a Fé (Batismo, Ceia e Pregação).
Não há necessidade de sucessão apostólica diante do
sacerdócio dos fiéis.
Negativo: Pessimismo radical sobre o homem
Negação das mediações inclusive Igreja
Individualismo existencial sem senso comunitário
1.3 – A CONTRA REFORMA TRIDENTINA
(TRENTO (1545-1563) (PAULO III, JÚLIO III, PIO IV)
Houve um embate entre a Igreja a Reforma e o mundo
moderno que surgia, reforçou suas posições,se organizou
melhor para leva-las avante. Usa-se a arma da apologética.
A Hierarquia é proposta como a legítima guardiã da
verdadeira fé, somente nela está viva a tradição apostólica
dos Apóstolos, ela é a legítima dispensadora dos
sacramentos. Os leigos são sujeitos passivos.
Predomina a noção da Igreja como SOCIETAS Sociedade, deixando de lado a dimensão sacramental e
espiritual da Igreja para centrar-se na dimensão organizativa:
eclesiologia militante:
1.3 – A CONTRA REFORMA TRIDENTINA
(TRENTO (1545-1563) (PAULO III, JÚLIO III, PIO IV)
"Todos os que militais
Sob esta bandeira
Já não durmais
Pois na Terra não há paz"
O bispo jesuíta e depois Cardeal Roberto Belarmino
(1542-1621) será eclesiólogo deste período em que a Igreja se
definia como "Societas Perfecta inaequalis". "A Igreja é vista e
definida não como organismo animado pelo Espírito Santo, mas como
uma Sociedade ou melhor uma organização na qual Cristo intervém na
origem, como fundamento e o Espírito Santo como garantia da
autoridade"(Y. CONGAR) (hierarcologia) (Cf. citação de R.
Belarmino in pp. 11 e 12 in B., de FORTE, A Igreja ícone da
Trindade) .
1.3 – A CONTRA REFORMA TRIDENTINA
(TRENTO (1545-1563) (PAULO III, JÚLIO III, PIO IV)
Alguns dos pontos Positivo de Trento:
• Disciplina do clero (espiritualização do papado e
obrigação de pastoreio dos bispos)
• Ordens religiosas, reforço na instituição paroquial,
seminários, missões, etc.
• Identidade católica (catecismo)
1.4 – O CONCÍLIO VATICANO I
O que Lutero iniciou como revolução da consciência e
da pessoa, chega às últimas conseqüências na trilha da
Revolução Francesa: Rebelião aos Reis e caos social
(Manifesto do Partido Comunista - 1847) - Pio IX perde os
Estados Pontifícios em 1870
Em 1824 o papa Leão XII lamenta a rebelião das
colônias da América Latina contra as metrópoles no
documento pontifício : Etsi iam diu (Ha muito tempo)
Somente em 1831 o papa Gregório XVI reconhece as
novas repúblicas e volta a nomear bispos para as dioceses.
1.4 – O CONCÍLIO VATICANO I
Pio IX (Giovanni Mastai-Ferretti) papa de 1846 a 1878
Era um papa piedoso, zeloso e pastoral porém sofria de
epilepsia, muito impressionável e de poucos conhecimentos
teológicos. Acreditava que Deus o havia incumbido de
salvar a Igreja do racionalismo moderno.
a) Declara o Dogma da Imaculada Conceição em 1854
b) Syllabus (contra o racionalismo,panteísmo, naturalismo,
indiferentismo, socialismo, comunismo e falsas idéias a
respeito da moral (1864)
c) Convoca o Vaticano I (ano de 1870)
d) Dogma da Infalibilidade 18/06/1870 (o que devia ser
opcional converteu-se em rotina) 55 contra 535 a favor.
1.4 – O CONCÍLIO VATICANO I
Não se conseguiu levar em consideração as questões
sociais da época. A Igreja se firma como uma realidade
européia (romanização) apesar do surgimento de várias
congregações missionárias.
"Os europeus pensam que só o que a Europa
inventa é bom para o universo mundo e que tudo
o que seja diferente é execrável"
G.GARCIA MARQUES, El general en su labirinto,
B. Aires, 1989, p.30.
2 - ANTECEDENTES
IMEDIATOS
2.1 – ANTECEDENTES
SOCIOPOLITICOS
a) Revolução Russa 1917
b) Guerras Européias (1914-1918 e 1939-1945)
c) Década de 1960 : momento de tranquilidade e
otimismo no Ocidente
d) Fim da cristandade
e) Avanço do secularismo (secularização)
f) Agravamento da situação do Terceiro Mundo
(pobreza)
2.2 – ANTECEDENTES
TEOLÓGICOS
• Tentativas de renovar a eclesiologia:
Adan MÖHLER (1796-1838) eclesiologia pneumática;
Antonio ROSMINI (1797-1855) eclesiologia da
caridade e pobreza;
John NEWMAN (1801-1890) eclesiologia evangélica.
• Florescimento eclesial e teológico: Movimentos: Litúrgico,
Bíblico, Patrístico, Ecumênico e Pastoral
• Sensibilização sobre a pobreza no mundo:Cardjin (JOC),
Abbé Pierre, Loew, Gauthier, Helder Câmara, Dupont,
Gelin, episcopado franco-belga
2.2 – ANTECEDENTES
TEOLÓGICOS
• Mystici Corporis (1943) Pio XII, superação inicial dos
esquemas meramente jurídicos
• Mudança no "método teológico" (Escolástica: caráter
polêmico, gueto ideológico, isolamento, acento dedutivo e
à-histórico)
• Nova Teologia: volta às origens bíblicas e patrísticas,
valorização da liturgia e das realidades terrenas (Daniélou,
De Lubac, Congar, Chenu...) Pio XII em 1950 condena
esta teologia cf. in Humani generis
2.3 – A FIGURA DE JOÃO XXIII
Angelo Giuseppe Roncali (1881-1963)
Nascido em uma numerosa família camponesa.
Entrou para o seminário da diocese de Bergamo e foi
mandado estudar em Roma onde concluiu o doutorado
em 1904 sendo ordenado padre em seguida.
Secretário do Bispo de Bérgamo e professor de Hist.
da Igreja e Patrística.
Capelão militar durante a primeira guerra.
Suspeito como modernista.
Foi trabalhar na Congregação de Propagação da Fé
em 1921
2.3 – A FIGURA DE JOÃO XXIII
Professor de patrística no Seminário Romano.
Em 1925 - Bispo, mandado como núncio na Bulgária
onde ficou nove anos.
Nomeado núncio da Turquia e Grécia de 1937-1944
Núncio na França no pós-guerra em 1945 e Cardeal
de Veneza em 1953.
Eleito Papa em 1958 com 77 anos. Passou à história
como "O Papa Bom“
Convocou o Concílio para colocar a Igreja em dia
com o mundo moderno.
3 - LINHAS GERAIS DA
ECLESIOLOGIA DO
VATICANO II
Existe consenso em que o tema central do Concílio foi a
Igreja. Consegue-se organizar todos os seus documentos em
torno do eixo IGREJA:
Na sua dimensão interna (ad intra): A Igreja se pensa na
sua auto-realidade(LG) na clarificação de sua mensagem
(DV), na sua relação cultiva (SC), nos seus ministérios
episcopal e presbiteral (CD e PO), na vida e formação dos
religiosos (PC) dos seminaristas (PO) leigos(AA) e na
questão da educação(GE)
Na sua dimensão externa (ad extra): relacionamento
com o mundo de hoje (GS) as demais denominações
cristãs(UR), com as Igrejas Orientais católicas e
ortodoxas(OE) sua vocação missionária(AG) com religiões
não cristãs(NA) com o direito à liberdade religiosa(DH) com
os meios de comunicação social(IM).
No discurso de abertura da II sessão do Vat. II o
Papa Paulo VI sublinhou: "É coisa fora de dúvida que é um
desejo, uma necessidade e um dever, para a Igreja, o dar finalmente
de si mesma uma definição mais profunda. Por isso é que o tema
principal desta segunda sessão do Concílio será a
Igreja..."Deixando de lado a Eclesiologia com base na
hierarquia e a concepção de Igreja primordialmente
como Igreja Universal, o Vaticano II vai fazer uma
reviravolta eclesiológica que tem suas bases nas seguintes
concepções:
a) Trata-se de desenvolver uma eclesiologia "integral"
do Povo de Deus no mundo de hoje, assim, vai haver
a busca de fundamentar uma eclesiologia que tenha
como ponto de partida a eclesialidade batismal.
Não será uma teoria teológica derivada de uma teoria
sobra a hierarquia, mas deve ser compreendida a partir
do ato primeiro de Deus em Cristo, constituindo um
povo para que o conheça e sirva (LG 9). O
BATISMO: consagra ao sacerdócio comum LG 10; é
porta pela qual se entra na Igreja LG 14; PO 5.
b) A eclesiologia saída do Concílio Vaticano II vai
levar em conta certas chaves de leitura do
Vaticano II, quais sejam: Revalorização das
realidades terrenas graças à qual pode reiniciar
um diálogo com o mundo moderno.
Redescoberta da comunidade, tema onipresente e
que rompe com a visão individualista do homem
e da fé. Volta à Palavra, fonte da Revelação.
Ressurgimento do Espírito Santo com a
consequente possibilidade do ecumenismo.
Valorização dos "Sinais dos Tempos" e da
História.
c) O Vaticano II pede que tratemos a Igreja a partir de
sua realização em um lugar, isto é a partir da Igreja
Particular. Na Igreja Particular se realiza plenamente
a Igreja Universal : "nas quais e pelas quais subsiste
a Igreja católica una e única"(cf. LG 23) .Esta
concepção do Vaticano II põe por terra a concepção
Tridentina de Societas Perfecta que firmava no
ESTADO a sua analogia. O Estado (republica de
Veneza ou Reino de França - cf. Belarmino) na sua
organização e governo é modelo da Igreja, assim há a
exigência de : centralização de governo, divisão de
poderes segundo a lei de competência de poderes
(concepção jurídica) os que governam e os que
obedecem), primazia da visibilidade e do universal.
Acentua-se a realização orgânica da Igreja, sua autonomia
e autossuficiência diante do mundo. Em consequência,as
particularidades humanas e culturais dos espaços nos quais a
Igreja toma corpo não podem se considerar como
elementos principais, são acidentes favoráveis ou não à
missão. Quando o Vat. II parte da Igreja Local, tudo isto
muda.
No Vat. II se embatem dois paradigmas: o da prémodernidade e o da modernidade. A intenção do concílio foi
privilegiar o paradigma da modernidade. Substitui a
preocupação pré-moderna de substituir os elementos
externos pela preocupação quanto ao mistério da presença
de Deus para além deles. Vai romper a centralização romana
para valorizar a riqueza da unidade na pluralidade e na
corresponsabilidade e a comunhão das Igrejas Particulares.
O Vaticano II quer fazer a passagem da consciência
de uma Igreja ocidental-romana-etnocêntrica,
PARA
uma Igreja realmente universal através da
inculturação, na teologia, na liturgia, na disciplina,
nas estruturas. No Vaticano. II esteve presente a
busca de fazer a Igreja responder ao paradigma da
modernidade.
4 - MUDANÇA
TEOLÓGICA NA
CONCEPÇÃO DE IGREJA
Em síntese, o Vaticano II abre as portas para uma
eclesiologia significativa:
• eclesiologia pneumática e trinitária-TRINDADE
A Igreja vem da Trindade, estrutura-se à imagem da
Trindade e dirige-se para o acabamento trinitário da
história. A Trindade é origem e pátria para a qual se
encaminha o povo peregrino(LG 4)
• eclesiologia comunitária --------COMUNIDADE
A Igreja celebra a Eucaristia e dela nasce como
Corpo histórico de Cristo (Pão e Vinho são matéria)A
missão histórica do Filho culmina com o envio do
Espírito que agindo na história torna possível o acesso
ao Pai por meio do Filho (LG 1).
• O Pai através do Filho veio ao homem no
Espírito
• chegar ao Pai e pelo Filho pode no Espírito o
Homem
O movimento de descida, possibilita o de subida
num circuito de unidade que gera comunhão e cuja
face eterna é a TRINDADE e cuja face temporã é a
Igreja (ícone da Trindade a melhor comunidade)
• eclesiologia histórica da salvação integral-------HISTÓRIA
A Igreja é na história, não sendo, porém, redutível às
coordenadas da história, do visível e do disponível. O
Filho inaugurou no seio da História o Reino de Deus,
do qual a Igreja é a presença em germe (LG 8). O Pai é
o horizonte último da história. O Filho encarnado, nos
torna irmãos e o Espírito continua gerando seguidores
de Jesus na História. O Vat. II vai abandonar uma
concepção essencialista da Igreja em prol de uma
compreensão sacramental histórico-salvífica.
"A Igreja se oferece como lugar do encontro entre a iniciativa
divina e a obra humana. O concilio da Igreja restitui à
eclesiologia católica ao mesmo tempo, o frescor e a profundidade
da relação com a Trindade e a consciência de um ser na história
que não é mero ser da história" B. FORTE , Igreja ícone da
Trindade, p. 18
A Igreja é mistério (faz parte do plano de salvação
do mundo em Cristo).
Este mistério está presente na história como Povo
de Deus.
Quem é o mistério? O Povo de Deus
Quem é o Povo de Deus? Um mistério.
A Igreja é mistério enquanto com toda a sua realidade
humana e divina, temporal e espiritual, se ordena ao Plano de
Deus sobre toda a humanidade...A Igreja é mistério porque
nela se realiza de forma pública e oficial o plano de comunhão
que Deus quer para toda a humanidade... A Igreja é ademais
mistério na medida em que nela se celebram os mistérios de
nossa salvação...Por fim, a Igreja é particularmente mistério
pela união que nela se verifica entre o histórico-social (sempre
sujeito às degenerações) com o espiritual divino.
A Igreja não é a totalidade da salvação mas seu
SINAL/SACRAMENTO eficaz e vivificador. O
horizonte último da Igreja não é ela mesma mas o
REINO do PAI.
• Deus salva o mundo, dá sua graça, age na história
• na Igreja isto se torna visível na história e se
percebe na
• Comunidade
• por isso a Igreja é sinal sacramento/mediação de
salvação
O Vat.. II vai abrir o horizonte teológico do projeto
salvífico de Deus, confinado aos limites visíveis da
Igreja, até as margens infindas do Reino de Deus.
5 – MUDANÇA DE
MODELO ECLESIAL
Esta mudança de modelo eclesial provocada pelo Vat.. II
reflete as coordenadas gerais do concílio: enfoque pastoral/
revalorização das realidades terrenas/ diálogo com o mundo/
ruptura com a visão individualista da fé/ volta à Palavra de
Deus/ Redescoberta do Espírito Santo e do Ecumenismo e da
concepção de Igreja Local/ Sacramentalidade vem antes do
jurídico/ Distinção entre Reino e Igreja/ Relacionamento com
o mundo/política: atenção aos problemas da humanidade:
missão de salvação integral (GS).
De uma eclesiologia juridicista a uma Igreja mistério de
comunhão (LG 1)
De uma eclesiologia triunfalista para uma Igreja servidora
do Reino na história (LG 8)
De uma eclesiologia clerical a uma Igreja Povo de Deus (LG
12)
Colegialidade.(LG22)
A Igreja não é a comunidade dos únicos que se salvam,
mas o sinal/sacramento da salvação, inclusive para aqueles
que não pertencem a ela. É a quarta dimensão da fé: a
dimensão eclesial. Os que caminham somente na dimensão
humana, teologal e cristológica ainda não chegaram à
dimensão eclesial, não perceberam ainda como a fé
cristológica conduz à fé eclesial:
"Pertence, portanto, à estrutura salvífica ser sacramental - realidade
visível que realiza a salvação-graça (invisível). Pela morte, ressurreição e
glorificação definitiva - ascensão -, a humanidade visível de Jesus foi-nos
subtraída. Ele deixou-nos sua "humanidade continuada", a IGREJA, que
em íntima união com ele, é constituída por ele, como sacramento fundamental
de salvação. Visível em suas estruturas, significa e realiza a invisibilidade do
amor salvador de Deus.Viver a dimensão eclesial da fé é saber-se salvo na e
pela sacramentalidade da Igreja. É ser Igreja para ser sinal salvífico para a
humanidade" J.B. LIBÂNIO, Deus e os homens: seus caminhos, p. 209
A opção eclesiológica fundamental do Vaticano II
expressa-se na colegialidade expressão da comunhão, a
todos os nível, na precedência do Povo de Deus em relação
à hierarquia que existe em função dele, na Igreja universal
como comunhão de Igrejas particulares, na relevância da
Igreja Particular que realiza a totalidade da Igreja em
comunhão com as outras Igrejas e com Roma, no papel do
leigo, na dimensão sacramental salvífica, na condição da
Igreja de discípula da Palavra e servidora do Reino de
Deus. Esta é a eclesiologia nova, original do Vaticano II.
6 – MUDANÇA DO
SUJEITO ECLESIAL
O sujeito eclesial é o dialogante principal da Igreja, aquele
que a Igreja tem presente prioritariamente em sua ação.
A Igreja vai deixar o sujeito pré-moderno (rural) para voltar-se
para o sujeito moderno (da cidade).
Porém o Vat. II não assumiu o sujeito social/popular
(terceiro mundo, da pobreza)
O sujeito pré-moderno: caracterização: falta de participação
política, falta de projeto coletivo, submissão à ordem
estabelecida, regido por normas fixas e autoritárias,
tradicionalismo, etc. Base: ordem, direito e tradição
O sujeito moderno: caracterização; mundo industrializado e
capitalista, valorização da experiência histórica, sentido crítico,
valorização da ciência e da antropologia.( O homem do 1º
iluminismo)
7 – CHAVES DE LEITURA
DA LÚMEN GENTIUM
(LG)
Para uma leitura proveitosa da LG precisamos ter
acesso às chaves de leitura da mesma. A Igreja é um
acontecimento dinâmico que não pode ser compreendido
sem a fé: credo eclesial. Ela é sacramento/mediação, por isso:
"a claridade de Cristo resplandece na face da Igreja"(LG 1).
As categorias fundamentais da LG são:
MISTÉRIO: o ponto de partida da revelação é a
Trindade. A Igreja pertence à "economia" (administração
histórica dessa auto-comunicação salvífico-libertadora de
Deus na comunidade humana). Na Igreja se revela este
mistério, pois ela é: "o povo reunido na unidade do Pai e do Filho
e do Espírito Santo" (LG 4 ). Projeto do Pai, construção do
Filho e templo do E. Santo.
POVO DE DEUS: Esta categoria é anterior a qualquer
distinção ou função dentro da Igreja, nela
primordialmente, todos são Povo de Deus. A categoria
bíblica "povo" expressa a historicidade da Igreja. O novo
Povo de Deus é um “ povo messiânico” (LG)
SOCIEDADE: é a forma pública que a Igreja adquire
na história e é consequência da encarnação do Verbo e da
convocação de todos para formar um Povo (Povo e Polis
dizem respeito à cidade humana), assim a própria
encarnação e o assumir de uma cidadania humana para
redimir a humanidade. A encarnação é um ato político e a
Igreja ao encarnar-se na sociedade adquire caráter político,
esta encarnação não é neutra como não o foi a de Jesus.
(LG 2 e 3).
8 - CHAVES DE LEITURA
DA GAUDIUM ET SPES
(GS)
A Igreja por ser sacramento, não existe para si mesmo, mas
para o mundo, com a finalidade de transformar o mundo na
direção do Reino de Deus.
"A Igreja é aquela parte do mundo que, na força do Espírito, acolheu
o Reino de maneira explícita na pessoa de Jesus Cristo... Não é o Reino
mas seu sinal e instrumento(mediação) de implantação no mundo" L.
BOFF, Igreja,carisma e poder, p. 15.
REINO é realidade primeira e utopia em realização
MUNDO como espaço de historização do Reino e
realização da Igreja
IGREJA como realização sacr amental do Reino no mundo
e mediação para que eleesteja no mundo de forma mais densa.
9 – CONSEQUÊNCIAS QUE MERECEM
DESTAQUE: DESCENTRALIZAÇÃO DA
IGREJA E VALORIZAÇÃO DAS IGREJAS
PARTICULARES
Descentralização da Igreja da hierarquia, deixando de lado o
triunfalismo para centrá-la em CRISTO (a quem a hierarquia
sinaliza), aprendendo o caminho da peregrinação de Belém ao
Calvário.
Descentralização de um governo centralizado para um
governo colegial e co-responsável (existência de sínodos,
conferências episcopais, etc)
Descentralização da auto-preservação ou institucionalização
para viver a dimensão de Povo de Deus Peregrino comunhão/comunidade
Descentralização de si mesma para ir ao encontro das
outras Igrejas cristãs (ecumenismo) e caminhar em direção do
mundo para servir: Igreja servidora da causa do Reino.
Pela primeira vez caminhamos para uma Igreja mundial. A
Igreja está em todos os continentes e todos eles estão em estado
de missão. Encontramo-nos na primeira fase da Igreja-mundial na
qual o cristianismo se deslocou da Europa para a AL (Terceiro
mundo). É inevitável para o futuro: o incremento da teologia da
Igreja Local, inculturalção, a legítima pluriformidade na
teologia, liturgia e disciplina. Ha a exigência de novas estruturas
para que o Vaticano II seja continuamente atualizado.
"O sucesso do Concílio não se medirá simplesmente de um ponto de
vista interno da Igreja, a partir do aumento ou diminuição das presenças das
pessoas na instituição, e sim a partir do serviço dos cristãos em favor do
mundo, que realmente foi incrementado depois do concílio e graças ao concílio"
W. BUHLMANN, A Igreja no limiar do terceiro milênio, p. 39
"Os decretos conciliares, antes de serem um ponto de chegada, são um
ponto de partida para novos objetivos. É necessário ainda que o Espírito e o
sopro renovador do Concílio penetrem nas profundezas de vida da Igreja. É
necessário que os germes de vida depositados pelo Concílio no solo da Igreja
cheguem a sua plena maturidade"
PAULO VI, Carta de 21 de setembro de 1966, in Oss.Rom.
26/-27/10/1966.
"Por conseguinte, a melhor preparação para a passagem bimilenária
não poderá exprimir-se senão pelo renovado empenho na aplicação, fiel
quanto possível, do ensinamento do Vaticano II à vida de cada um e da
Igreja inteira. Com o Concílio, como que se inaugurou a preparação
imediata para o Grande Jubileu do 2000, no sentido mais amplo da
palavra"
JOÃO PAULO II, Tertio millennio adveniente n. 20.
CONCLUSÃO
O Vat. II colocou as bases para a desclericalização da
Igreja dando aos leigos o seu devido lugar e abrindo-lhes a
possibilidade de participação na vida da Igreja. Corrigiu o
excesso de sacramentalismo herdado de Trento e deu à
Palavra de Deus seu lugar proeminente.
O Vaticano II tira o foco do “ DEUS JUIZ” para
colocá-lo no “DEUS AMOR”.
O Vaticano II lançou idéias renovadoras (aceitas por
todos) mas na hora de operacionalizar estas idéias, havia
oposição, e então deviam fazer compromisso. Daí a
necessidade de se ler, estudar e interpretar o Concílio levando
em conta a Tradição da Igreja e também os “sinais dos
tempos”.
Três tendências na implementação do concílio:
a) Estrita fidelidade que lê de modo míope os documentos
conciliares e tenta frear seus impulsos renovadores:
renovar conforme o Vat. II, mas seguindo a planta de
Trento.
b) Tentativa de aplicar estritamente o Vat. II preocupados
em não avançar sinal.
c) Tentativa de avançar a partir do Vaticano II buscando ler
os "sinais dos tempos" em um mundo em ebulição.
"É certo que ainda passará muito tempo até que a Igreja, que foi
agraciada por Deus com um concílio Vaticano II, seja a Igreja do
concílio Vaticano II“ K. RAHNER, El concilio, nuevo
comienzo, Ed. Herder, 1966, p. 18-24.
A eclesiologia do Vaticano II não encerra o debate, mas o abre. Os
textos conciliares, com todas as suas soluções de compromisso e suas
ambiguidades, não devem ser para nós declarações finais e definitivas. O
que eles fazem é assinalar uma nova perspectiva que, no entanto não está
de todo clara nas consequências que implica.” L . WOSTYN, Iglesia y
mision hoy, p. 91
O Concílio Vaticano II :
"Trata-se, na verdade, de por em contato com as energias
vivificadoras e perenes do evangelho com o mundo moderno"
João XXIII , Bula de convocação do Concílio Vat. II.
O papa Bento XVI nos garante que o Concílio Vaticano II
não é uma ruptura com o passado, mas brota da verdadeira
Tradição da Igreja e é “bússola segura” para a mesma, se
retamente compreendido naquilo que ele realmente quis
ensinar. #
Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo de Amparo - SP
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O Concílio Vaticano II e sua Eclesiologia