José de Alencar
Em 1875, Nabuco sentenciava:
 “Lucíola
não é senão a Dame aux camélias
adaptada ao uso do demi-monde fluminense;
cada novo romance que faz sensação na
Europa tem uma edição brasileira dada pelo
Sr. J.de Alencar, que ainda nos fala da
originalidade e do “sabor nativo” dos seus
livros.”
E o eco ainda ressoa. Sem dúvida, tal juízo
apressado sobre o diálogo entre as duas
obras deve ser relativizado por sua inserção
na História. Cabe ao leitor de hoje apurar os
sentidos e ouvir a conversa entre Dumas
Filho e Alencar acompanhando o compasso
daqueles tempos e discernindo os tons
determinantes na afinação da orquestra
literária.
Lucíola: Romance urbano de José de Alencar, o livro
examina a regeneração de uma prostituta pelo amor
e pela morte.
Greta Garbo e Robert Taylor no filme "A Dama das Camélias",
inspiração para José de Alencar escrever "Lucíola”.
Quinto romance de José de Alencar, Lucíola (1862) é o primeiro da
chamada trilogia de "perfis de mulheres" (Lucíola, Diva e Senhora).
Estes três estão entre as obras urbanas do autor. Na definição de
Antonio Candido, fazem parte do "Alencar dos adultos", que se
caracteriza pela maior sobriedade na análise da sociedade e
equivalência entre homens e mulheres, que não são totalmente bons
ou ruins e têm as personalidades modificadas ao longo da narrativa — é
este Alencar que a crítica considera precursor de Machado de Assis. Os
três romances se passam numa sociedade marcada pela ascensão
burguesa, que se quer elegante e bem-vestida segundo a moda de
Paris, que frequenta óperas e faz saraus familiares. É desse contexto
que Lucíola faz parte.
A história é contada na primeira
pessoa por Paulo Silva, um dos
protagonistas. Pernambucano, ele
muda-se aos 25 anos para o Rio de
Janeiro,
onde
conhece
Lúcia,
prostituta de luxo que transita pela
alta sociedade carioca. Ele tenta
conquistá-la, mas com a intenção de
fazê-la mudar de vida. Ela se entrega
a Paulo, mas, conforme se apaixona
por ele, vai negando-lhe o corpo.
Há uma evidente referência a A Dama das Camélias
(1852), do francês Alexandre Dumas Filho (1824-1895). O
também escritor Joaquim Nabuco travou polêmica com
Alencar, acusando-o de ter feito uma mera cópia. Faltou
a Nabuco perceber que a intertextualidade se dá de
maneira magistral: a própria Lúcia lê o outro romance. A
personagem de Dumas Filho regenera-se pura e
simplesmente pelo amor, podendo alcançar em seguida a
felicidade. Alencar, em resposta a Nabuco, diz refutar
essa possibilidade: "Lucíola foi escrita em contestação
dessa tese fisiológica. Seu sentimento foi provar que, se
a mulher pode regenerar-se pelo coração, rara vez
poderá regenerar para o amor feliz; porque nas mais
ardentes efusões desse amor achará a lembrança
inexorável
de
seu
erro".
É
um
romance
de
amor
bem
ao
estilo
do
Romantismo, embora uma ou outra manifestação do estilo
Realista aí se faça presente. O narrador da história é Paulo
Silva. E ele a narra em cartas dirigidas a uma senhora, G. M.
(pseudônimo de Alencar), que as publica em livro, intitulado
Lucíola. Surge o Rio de Janeiro da época, com a sua
fisionomia burguesa e tradicional, com uma sociedade
endinheirada que frequentava o Teatro Lírico, passeava à
tarde na Rua do Ouvidor e à noite no Passeio Público, morava
no Flamengo, em Botafogo ou Santa Teresa e era protagonista
de dramas de amor que iam do simples namoro à paixão
desvairada.
No dia mesmo de sua chegada à corte (Rio de Janeiro), após o
jantar, sai em companhia de um amigo para conhecer a cidade. Na
rua das Mangueiras vê passar em um carro, uma jovem muito
bela. Um imprevisto faz parar o carro, dando a Paulo a
oportunidade de repará-la melhor. No outro dia, em companhia de
outro amigo, o Dr. Sá, Paulo participa da festa de N. Senhora da
Glória, quando lhe aparece a linda moça. Informando-se do
amigo, fica sabendo tratar-se de Lúcia, a prostituta mais bela,
requintada e disputada da cidade. Mas ele se impressiona com a
"expressão cândida do rosto e a graciosa modéstia do gesto, ainda
mesmo quando os lábios dessa mulher revelam a cortesã franca e
impudente."
Amor em Vermelho: aspectos comparativos entre Lucíola e Satine
Satine é a personagem principal do musical Moulin Rouge –
Amor em Vermelho, história de amor que se passa em 1899 e gira em
torno de um jovem poeta, Christian, que desafia a autoridade do pai ao
se mudar para Montmartre, em Paris, considerado um lugar amoral,
boêmio e onde todos são viciados em absinto. Lá, ele é acolhido por
Toulouse-Lautrec e seus amigos, cujas vidas são centradas em Moulin
Rouge, um salão de dança, um clube noturno e um bordel (mas cheio de
glamour) de sexo, drogas, eletricidade e - o que é ainda mais chocante -
de cancan. É então que Christian se apaixona pela mais bela cortesã do
Moulin Rouge, Satine.
Algumas cenas do filme são retratos claros dos melhores momentos de
A Dama das Camélias e Lucíola. As heroínas literárias (Lucia e
Marguerite) e cinematográfica (Satine) são portadoras do ideal de
mulher pregressa dentro do romantismo, que vai precisar pagar os
ditos “pecados da carne” com a vida. É a redenção romântica,
momento em que se eleva à alma em detrimento da carne.
Lucíola também já foi adaptado aqui no Brasil, duas
vezes. Uma pérola do cinema nacional, relegada ao
ostracismo, Lucíola é uma versão cinematográfica do
romance de José de Alencar. Como se sabe, Lucíola
narra a história da cortesã do Império. Considerada
como transgressora, vai precisar pagar os seus
“pecados” com a vida, numa trama que segue à risca
as idéias difundidas pelo movimento romântico na
literatura mundial.
Há a ambientação em tons vermelhos, seguindo todos os recursos
estéticos utilizados no romance alencariano, de forma bastante
sinestésica, que nesta versão cinematográfica, ganha mais força.
Rosana Ghessa, atriz ítalo-brasileira é quem faz o papel de
Lucíola, num filme onde os diálogos e atuações são extremamente
artificiais,
apresentando
atores
mais
próximos
da
leitura
dramática teatral do que exercitando uma atividade de cunho
cinematográfico.
Apesar de toda sagacidade, Lucíola ainda apresenta traços da mulher
romântica, submissa aos caprichos do homem machista e que age de
forma impensada, característica similar ao personagem Armand, do
clássico A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho. Tal enredo
vai permear a narrativa de Lucíola, filme e livro, sendo citado em
momentos chave da trama. Paulo não aceita que sua mulher, a agora
regenerada Lúcia, tenha acesso a transgressora Marguerite.
Lúcia espelha-se em Marguerite como esta espelhara-se em Manon
Lescaut.
Vejo-me obrigado a levar meu leitor àquele tempo da
minha vida em que encontrei pela primeira vez o cavaleiro Des
Grieux. Foi aproximadamente seis meses antes de minha ida para a
Espanha. Embora raramente saísse de meu estado solitário, a
afeição que eu nutria por minha filha levava-me por vezes a
empreender diversas pequenas viagens, que eu abreviava tanto
quanto me fosse possível. Certo dia (...), chegando(...) pela hora do
jantar a Pacy(...) fiquei surpreso ao ver todos os seus habitantes
alarmados. (...) Pedi-lhe que me contasse o motivo daquela
desordem.
- Não é nada, senhor – disse-me -; uma dúzia de moças da
vida que eu e meus companheiros estamos conduzindo até Harvrede-Grâce, de onde embarcarão para a América. Algumas são belas, e
isso é o que parece excitar a curiosidade da boa gente deste lugar.
(...)
A meu ver, não se pode criar personagens a não ser que se
tenha estudado muito os homens, da mesma forma que não se
pode falar uma língua a não ser que ela tenha sido aprendida a
fundo.
Não tenho ainda idade suficiente para inventar, contentome em narrar.
Incito o leitor a se convencer da veracidade desta
história, em que todos os personagens, com exceção da heroína ,
ainda estão vivos.
Por sinal, em Paris há testemunhas que poderiam
confirmar a maioria dos fatos que aqui reúno, caso meu
testemunho não baste.
(...)
A senhora estranhou, na última vez que estivemos juntos, a
minha excessiva indulgência pelas criaturas infelizes, que
escandalizam a sociedade com a ostentação do seu luxo e
extravagâncias.
Quis responder-lhe imediatamente, tanto é o apreço em
que tenho o tato sutil e esquisito da mulher superior para julgar
uma questão de sentimento. Não o fiz, porque vi sentada no sofá,
do outro lado do salão, sua neta, gentil menina de 16 anos, flor
cândida e suave, que mal desabrocha à sombra materna. Embora
não pudesse ouvir-nos, a minha história seria uma profanação na
atmosfera que ela purificava com os perfumes de sua inocência; equem sabe? – talvez por ignota repercussão o melindre de seu pudor
se arrufasse unicamente com os palpites de emoções que iam
acordar em minha alma.
(...)
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