1 Henrique de Moura Costa Instituto de Educação, onde Luciola Estudava Luciola e outras estórias ~@@@~ 2 3 AGRADECIMENTO Clarice: “ a crase não foi feita para humilhar ninguém” Mesmo assim... valeu ~@@@~ 4 5 INDICE PRIMEIRA PARTE Memórias quase verazes Mil Novecentos e Cinqüenta..................................9 Luciola...................................................................13 O Herói Frustrado..................................................19 O Plano..................................................................23. Incidente Em Moscou............................................59 SEGUNDA PARTE Contos politicamente incorretos Dez dias que abalaram Armando...........................85 O Porco..................................................................99 A Galinha.............................................................117 O Gato..................................................................137. ~@@@~ 6 7 PRIMEIRA PARTE MEMÓRIAS QUASE VERAZES Mil Novecentos E Cinqüenta Lucíola O Herói Frustrado O Plano Incidente Em Moscou ~@@@~ 8 9 MIL NOVECENTOS E CINQÜENTA O ano de mil novecentos e cinqüenta, no Rio de Janeiro foi, por diversas razões um ano mágico, pelo menos para a minha geração de adolescentes A mudança de década tem um efeito peculiar de despertar a esperança por outra melhor, porque a passada foi (sempre) horrível Para nós, “teeners” aquele ano se afigurava luminoso. Sob forte influência da aparente juventude norte americana, havia uma imitação, se não macaqueamento, dos hábitos e costumes dos nossos jovens “irmãos” do norte, aqueles aninhados em um confortável estilo de vida, nós nos espremendo para tentar copiá-los, seja pela compra de um suéter, uma calça “blue jeans”, um “sundae” nas Americanas ou mesmo por um “hot dog”, vendido em barraquinhas na rua, junto com exóticos refrigerantes como Grapete ou Crush. Para tal, a inauguração da Sears (em 1949) veio bem a calhar. Situada na praia de Botafogo, com suas escadas rolantes (as primeiras do Brasil), seu ar condicionado, suas estantes cobertas de todos os artigos que um ser humano pudesse adquirir, desde um aparelho de rádio até uma cueca samba canção faziam o paraíso dos nóveis consumistas que 10 dispunham de algum dinheiro para gastar. Era o centro de encontro dos garotos e das moças que, após as aulas, para desespero das mestras, iam namorar, fofocar e eventualmente tomar um sorvete na lanchonete no quarto andar. Tudo sob a atmosfera do “american way of life”. Para os adultos, havia também maravilhas. O advento do liquidificador provocou orgasmos múltiplos nas donas de casa que se esfalfavam em produzir manualmente sucos e outras iguarias para sua prole. O balcão das ferramentas realizava os sonhos masculinos de possuir as ferramentas “Cratfsman” tão bem expostas. Mas a maravilha das maravilhas eram os receptores de televisão. Embora criado nos idos de 1920, estavam agora disponíveis para quem quisesse ter o mundo visual dentro de sua própria casa. Se pudessem pagar, é claro, porque o aparelho ainda era muito caro para os padrões da classe média. Em setembro de 1950, foi criada a Rede Tupi, primeira emissora de televisão do Brasil que reinou absoluta ao longo de muitos anos. Os programas eram escassos mas suficientes para reunir toda a noite, mesmerizados pela pequena tela de raios catódicos, a família, os amigos e os televizinhos, nova modalidade de relacionamento. 11 Dos carros, lembro-me bem do Cadillac “rabo de peixe”, uma luxuosa banheira com as lanternas trazeiras protuberantes, o que lhe valia o apelido. Na musica, um sucesso que se tornou um clássico foi a "Chiquita Bacana", de João de Barro e Alberto Ribeiro, cantada por Emilinha Borba e destaque dos carnavais de 1949 e 1950. Emilinha e Marlene, sua famosa rival, despontaram nessa época, fase áurea dos programas de auditório no rádio. No cinema, além de Rita Hayworth, Fred Astaire, Frank Sinatra, Carmen Miranda, o público também lotava as salas para assistir às chanchadas da Atlântida, que desde os anos 40 traziam a dupla Oscarito e Grande Otelo. A três de Outubro o ex ditador Getulio Vargas, que após sua destituição em 1945 vivera recluso em sua granja em São Borja, foi eleito, por esmagadora maioria, presidente da Nação. A vinte e cinco de junho iniciou-se na Coréia uma guerra estúpida que durou dois anos, ninguém sabe exatamente para que, embora o “Repórter Esso” bradasse diariamente, na voz embargada de Eron Dominguez, a maldade dos norte coreanos. Mas para nós, e o Brasil inteiro, a Copa do Mundo foi o fato 12 mais relevante do ano. Para este fim, foi construído um gigantesco estádio, o maior do mundo, capaz de abrigar duzentas mil pessoas, para assistir as partidas do evento. No dia 16 de julho de 1950, cerca de duzentos e vinte mil pessoas dentro do Estádio do Maracanã assistiram a equipe de Flavio Costa entrar em campo contra o Uruguai em uma situação confortável, pois bastaria um empate para conquistar a cobiçada Taça Jules Rimet. A exaltação brasileira chegou ao clímax quando, apenas com dois minutos do segundo tempo Friaça marcou o primeiro gol. No entanto o Uruguai empatou, o que ainda seria aceitável, mas aos trinta e quatro minutos do segundo tempo Ghiggia tornou-se o responsável pela maior tragédia do futebol brasileiro ao marcar o terceiro gol do Uruguai. Uma multidão de pessoas saía do estádio sem dizer uma só palavra seguindo-se dias, senão semanas ou meses de luto nacional. ~@@@~ 13 LUCÍOLA Naquela época, com quinze anos, eu morava em uma rua na Tijuca, bem perto do afamado Instituto de Educação, ou Escola Normal, na Rua Mariz e Barros. Era uma rua tranqüila, arborizada, ainda cheia de casas, pequenas mas confortáveis, onde hoje se destacam estúpidos edifícios. Do outro lado da rua, algumas casas abaixo, morava Lucíola. Devia ter minha idade ou um pouco mais, era linda e foi a primeira paixão de minha vida. Lucíola era normalista. As normalistas tinham fama de ser meninas fáceis, mas certamente não a minha Lucíola, que era pura como um lírio. Todas as manhãs ela ia fardadinha para a escola, agarrada em seus livros, e eu a espreitava da janela, dando asas à minha fantasia de ter um dia coragem para falar com ela. Mas ficava na fantasia. Ela não me via ou fingia que, mesmo quando passei a esperar, de longe, sua saída do Instituto, na hora do almoço. Meus sonhos com ela, embora eróticos, nada tinham de lascivos. Em meu romantismo adolescente eu imaginava beijando-a ao luar ou ouvindo de mãos dadas a Sonata Appassionata (No. 23 in Fa menor, Opus 57) do Beethoven que eu havia descoberto nas audições diárias da Radio Ministério da Educação. 14 Até aquele dia. Como de costume, fui esperá-la na saída do colégio, na hora do almoço. Era o último dia de aulas antes das férias, e pude vê-la, rodeada pelas colegas, em grande e risonho alvoroço. Como habitualmente fazia, ela voltava para casa e eu a seguia à distancia. Mas naquela manhã ela se dirigiu para o canto no qual eu julgava estar escondido e, como em um sonho veio falar comigo. - Você não é o filho de Dona Gloria, do cento e quatorze? Não disse meu nome. Eu era filho de Dona Gloria e pronto. - Sou. - É o seguinte, hoje é o ultimo dia de aulas e vai ter uma festa no Tijuca. Você gostaria de ir? Ela não esperou minha resposta, mesmo porque eu não a saberia dar. Limitou-se a dizer: - Oito horas lá. Foram horas de deliciosa ansiedade até que eu transpus a portaria do Tijuca Tênis Clube na Rua Conde de Bonfim. Surpreso em ver que realmente meu nome estava lá, dirigi-me ao salão de festas 15 O salão estava quase vazio, apesar da orquestra estar atacando (literalmente) o Night and Day do Cole Porter, mas ela estava lá. Em um canto da sala, cercada de colegas em uma alegre algazarra, linda e maravilhosa em um virginal vestido branco. Não tive coragem de me aproximar do grupo, esperando o abençoado momento em que ela se dignasse a notar a presença de seu convidado. Subitamente ela veio em minha direção. Espantado, mas deliciado, deixei-me levar pela mão através do salão até a saída que dava para o jardim. Antecipei aquele beijo tão desejado sob o luar que iluminava as quadras de tênis, mas Lucíola levou-me para um canto mais escondido, onde mal se enxergava um banco. Mas, ao invés do beijo, ela se curvou um pouco e para meu espanto vi que tirava as calcinhas. Deitou-se em seguida e ordenou: - Venha. Meu coração quase estourou na minha boca. Não estava preparado para um ato que só conhecia em teoria e muito menos com a minha intangível amada. Até hoje não consigo me lembrar dos sentimentos que me ocorreram. Deu-me um branco total. Mas os fatos ainda me