O USO DA LINGUAGEM NA BUSCA COMPREENSIVA DA RAZÃO NA
ÉTICA DO DISCURSO DE HABERMAS
Guilherme dos Santos
Prof. Antônio Tadeu Campos Bairros (Orientador)
RESUMO
Esse trabalho visa tratar do uso da linguagem para Habermas, como fator
primordial de entendimento racional voltado para o acordo ético e moral
entre os participantes discursivos, lingüística e interativamente
competentes. Através da fundamentação da ética do discurso de
Habermas, percebe-se a preocupação com a compreensão lingüística da
razão e da validade das normas que regem a conduta do homem. Tendo a
linguagem como mediadora do entendimento, Habermas nos adverte que
somente pela via do discurso, do diálogo, é que se pode fundamentar uma
ética e também uma moral, com pretensão de validez e aceitabilidade por
todos os envolvidos e interessados. A ética discursiva se dá por meio de
um debate aberto e racional, disposto a criticar e ser criticado.
Palavras-chave: linguagem; ética do discurso; razão.
872
Na sua monumental obra, Teoria da ação comunicativa,368
Habermas propõe desenvolver uma teoria da racionalidade, por considerala como tema principal para a filosofia. Logo no começo desta obra
destaca a relevância da racionalidade, ao dizer:
A racionalidade das opiniões e das ações é um
tema que tradicionalmente vem sendo tratado
pela filosofia. Pode inclusive dizer que o
pensamento filosófico nasce da reflexão da
razão encarnada no conhecimento, na fala e
nas ações. O tema fundamental da filosofia é a
razão. 369
A preocupação com a razão, como tema fundamental da filosofia,
faz com que Habermas elabore uma reconstrução racional de interações
lingüísticas, reabilitando a idéia de que existe um sentido universalista da
razão.370 Mühl é esclarecedor ao nos explicar o intuito da proposta de
Habermas de sua teoria da ação comunicativa, ao afirmar:
A opção de Habermas pela interpretação da
razão enquanto ação comunicativa mostra, de
imediato, a sua concepção de racionalidade
como um processo intersubjetivo. Para ele, a
diferença entre a teoria da consciência e a
teoria da racionalidade comunicativa não é
apenas de conteúdo e de método, mas da
natureza da própria razão. A razão que se
depreende da atividade do sujeito cognoscente
e do sujeito da ação é solipsista e
instrumental; sua intenção é o domínio teórico
ou prático do objeto. Já a razão subjacente à
linguagem é uma razão intersubjetiva e
interativa, envolvendo, a cada momento, pelo
368
HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa Racionalidad de la acción y racionalización social.
Versión castellana de Manuel Jiménez Redondo. 4. edición. Tomo I. Madrid: Taurus Humanidades, 2003, p. 15.
Doravante, as referências terão menção na versão espanhola, respectivamente com as siglas TAC I, ou TAC II.
369
TAC I, p. 15.
370
Cf. MÜHL, Eldon H. Habermas e a educação: ação pedagógica como agir comunicativo. Passo fundo: UPF
Editora, 2003, p. 159.
873
menos dois participantes
entendimento. 371
que
buscam
o
Na teoria da ação comunicativa de Habermas, a validade dos
regulamentos, das decisões, dos fins e dos meios, não pertence mais aos
indivíduos
autônomos
e
sim
a
uma
comunidade
linguisticamente
interativa.
A preocupação de habermasiana é ampliar o conceito de razão, e
um dos pressupostos primordiais de fundamentação da razão prática é
deixar de lado toda concepção aprioríostica. Dessa forma, pode-se
entender que a ética discursiva concebe a tarefa de fundamentação como
algo dependente do discurso prático entre as pessoas. Nas palavras de
Habermas, vejamos quais as características desse discurso:
Os Discursos práticos têm que fazer com que
seus conteúdos lhes sejam dados. Sem o
horizonte do mundo da vida de um
determinado grupo social e sem conflitos de
ação numa determinada situação, na qual os
participantes considerassem como sua tarefa a
regulação consensual de uma matéria social
controversa,
não
teria
sentido
querer
372
empreender um Discurso prático.
A obra Teoria da ação comunicativa tem uma grande abrangência
filosófica e sociológica, por contemplar vários conceitos levantados por
Habermas. Dentre os quais, contemplamos a ética do discurso e o
conceito de mundo da vida. Para isso, torna-se necessário, contar com
ajuda de Ahlert, ao nos fornecer uma importante compreensão do
propósito da ética discursiva, ao relatar:
371
Ibidem, p. 160.
HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Tradução de Guido A. de Almeida. Tempo
Brasileiro. 2ºed. Rio de Janeiro, 2003, p. 126.
372
874
A reconquista de uma razão mais ampla, em
que a relação comunicacional devolve para a
comunidade o direito e a capacidade de
participação
e
argumentação,
permite
reestruturar a reflexão ética dentro de uma
nova perspectiva ético-comunicativa que
reintegra a práxis humana ao processo teórico
ou visão de mundo.373
A esta altura, faz-se necessário a compreensão deste conceito
fundamental de mundo da vida. Nesse sentido Mühl afirma: “Habermas
delineia o conceito de mundo da vida como o contexto, por excelência, da
comunicação lingüística, onde ocorre à práxis comunicativa do dia-adia”.374
Em Habermas, o mundo da vida é um conceito complementar do
agir comunicativo, é um local onde se configuram os processos de
entendimento.
Cultura,
sociedade
componentes
estruturais.375
e
Ainda
personalidade
conforme
são
Mühl,
seus
três
e
mais
detalhadamente:
O mundo da vida é sempre um mundo
intersubjetivo, jamais privado, que oferece
uma reserva de convicções à qual os
participantes da comunicação recorrem toda a
vez
que
o
entendimento
se
torna
problemático. O mundo da vida constitui-se,
portanto, num recurso de apelação nos
processos de intercompreensão, ou seja,
estabelece
o
contexto
constitutivo
da
intercompreensão; é a cobertura de um
consenso pré-reflexivo que se encarrega de
absorver os perigos de um dissenso.376
373
AHLERT, Alvori. A eticidade da educação: o discurso de uma práxis solidário/universal. Ijuí: Editora
UNIJUÍ, 1999. Capítulo III: a eticidade da educação. págs. 142-3.
374
MÜHL, Eldon H. Habermas e a educação: ação pedagógica como agir comunicativo. Passo fundo: UPF
Editora, 2003, p. 205.
375
Cf. ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-star na modernidade. 2º ed. São Paulo: Companhia Das Letras,1993, p.
214.
376
MÜHL, Eldon H. Habermas e a educação: ação pedagógica como agir comunicativo. Passo fundo: UPF
Editora, 2003, p, 206.
875
Dessa
forma,
o
mundo
da
vida
garante
inteligibilidade,
entendimento e consenso a respeito do assunto tratado, sendo em
momentos de maiores dúvidas e contradições o ambiente onde se
dissolvem as falhas do entendimento. Todavia, Habermas não defende
uma infalibilidade em relação ao mundo da vida, devida o seu constante
processo comunicativo passível de mudanças advindo de seu interior.
Segundo ele “se isso, de um lado, provoca perturbações, de outro,
promove
a
transformação
social
e
o
desenvolvimento
do
conhecimento”.377 Com essa explicação torna mais lúcida a apresentação
da ética do discurso de Habermas e o uso da linguagem na sua apreensão
racional.
Como se mostra, a linguagem assume um lugar fundamental no
papel da ética do discurso no pensamento de Habermas. Conforme Ahlert,
“a Ética do Discurso exige, portanto, determinadas condições sem as
quais ela não consegue efetivar-se. Faz-se necessário a competência
comunicativa de todos os atores.”378 Para Haberma, a interação lingüística
conduzirá os participantes do discurso no processo da racionalidade
comunicativa, assim ele argumenta que: “Chamo comunicativas as
interações nas quais as pessoas envolvidas se põem de acordo para
coordenar seus planos de ação, o acordo alcançado em cada caso
medindo-se pelo reconhecimento intersubjetivo”.379
Embora Habermas tenha sido influenciado pela ética de Kant a
respeito da universalidade de seus princípios, ele propõe uma mudança
desse paradigma em sua ética do discurso, ao dizer: “Ao invés de
prescrever a todos os demais como válida uma máxima que eu quero que
377
Ibidem, p. 207.
AHLERT, Alvori. A eticidade da educação: o discurso de uma práxis solidário/universal. Ijuí: Editora
UNIJUÍ, 1999. Capítulo III: a eticidade da educação. pp. 149.
379
HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Tradução de Guido A. de Almeida. Tempo
Brasileiro. 2ºed. Rio de Janeiro, 2003, p. 79.
378
876
seja uma lei universal, tenho que apresentar minha máxima a todos os
demais para o exame discursivo de sua pretensão de universalidade”.380
A fundamentação da ética do discurso habermasiana, não se
baseia em pressupostos apriorísticos e sim na práxis humana, na
realidade do mundo da vida, como Velasco argumenta ao comentar
Habermas:
O princípio básico do programa de fundamentação
constitui no denominado principio discursivo de
universalização, conforme o qual só é válido aquelas
normas em que todos os possíveis afetados podem
prestar seu consentimento como participantes nos
discursos racionais.381
A ética discursiva visa à cooperação de todos os participantes da
discussão racional, tendo em vista a pretensão de uma fundamentação
moral382 e universal na qual todos sejam atendidos em seus respectivos
interesses pessoais, e estejam de acordo, sendo, assim, possível uma
normatização ética e moral.
Apoiando-se na leitura de Mead,383 Habermas dará passos
significativos
na
sistematização
da
ética
discursiva
tendo
como
pressuposto fundamental o entendimento lingüístico. Para Mead “somos o
que somos por causa da nossa relação com os outros.”384Com apoio em
Mead, Habermas quer fundamentar sua concepção de universalidade que
leva em conta os interesses de todos os afetados em uma comunidade
380
HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Tradução de Guido A. de Almeida. 2ºed. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 88.
381
VELASCO, Juan Carlos. Para leer a Habermas. Alianza Editorial. Madrid, 2003, p. 54.
382
De acordo com Velasco: “na peculiar terminologia de Habermas, com essa noção se alude a um conjunto de
questões relativas ao justo, isto é, a boa ordenação dos bens públicos em uma sociedade em interesse e benefício
de todos os cidadãos. A moral se ocuparia então da resolução eqüitativa, ou justa, e imparcial dos conflitos
interpessoais. Aspira ao reconhecimento universal de suas propostas e prescrições. Precisamente destas questões
se ocupa a ética discursiva”. (VELASCO, Juan Carlos. Para leer a Habermas. Madrid: Alianza Editorial., 2003.
p. 172).
383
Cf. TAC II, p. 132.
384
Mead, apud HABERMAS, TAC II, p. 134.
877
lingüística, ou seja, entre todos os seres racionais. É a sociedade e não o
sujeito isoladamente que é a fonte da universalidade e dos juízos éticos
385
, convalidando essa argumentação Habermas diz:
Em minha opinião, todos nós sentimos que
temos que estar dispostos a reconhecer os
interesses dos outros, inclusive quando se
opõem a nós, e a pessoa que age dessa
forma, não está sacrificando a si mesmo e sim
adquirindo um (self) mais amplo. 386
Habermas está de acordo com Mead no sentido de que os nossos
motivos e propósitos que impulsionam as ações, bem como nossos
interesses e valores, não são estritamente dependentes de nossa
individualidade, ou seja, não são restritamente fundado e objetivado na
subjetividade de cada pessoa, e sim na intersubjetividade, 387 numa
comunidade de interações linguisticamente mediada. Com ajuda de Mead
sobre esse argumento, nos é esclarecido que:
... inclusive quando uma pessoa parece se
retrair sobre si mesma para viver com suas
próprias idéias, está vivendo, na realidade,
com todos os demais que tinham pensado o
que ele pensa. Lê livros, recorda de
experiências que teve, projeta as condições
em que poderia viver. O conteúdo é sempre de
caráter social. 388
A mudança de paradigma da filosofia da consciência para a
filosofia da linguagem é visível na ética do discurso de habermasiana,
sobretudo, como podemos ver em sua leitura de Mead. Habermas entende
que essa virada proporciona um vasto território ainda por ser explorado,
385
Cf. TAC II, p. 134.
TAC II, p. 135.
387
Conforme Manfredo de Oliveira, “a intersubjetividade é gestada pela mediação da linguagem no mundo da
vida”. (OLIVEIRA, Manfredo. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. Coleção
Filosofia. São Paulo: Loyola, 1996, p.336).
388
TAC II, p. 137.
386
878
ao argumentar: “certamente que o caminho desde a filosofia da
consciência a análises da linguagem, que a semântica formal efetua
baseando-se em Frege e Wittgenstein, é só um primeiro passo”.389
Habermas postula uma razão centrada na linguagem com vistas ao
entendimento intersubjetivo, e não uma razão centrada no sujeito
cognoscente, subjetiva e instrumental390. Ao explicar a respeito do foco da
investigação que se depara entre a racionalidade “cognitivo-instrumental”
para a racionalidade comunicativa, Habermas argumenta que:
...o paradigma não é a relação de um sujeito
solitário com algo no mundo objetivo, que
pode representar-se e manipular-se, mas a
relação intersubjetiva que envolve os sujeitos
capazes de linguagem e de ação quando se
entendem entre si sobre algo. Neste processo
de entendimento os sujeitos, ao atuar
comunicativamente, se movem por meio da
linguagem
natural,
e
fazem
uso
de
interpretações transmitidas culturalmente e
fazem referência simultaneamente a algo no
mundo objetivo, no mundo social que
compartilham e cada um a algo em seu
próprio mundo subjetivo. 391
Nessa
sistematização
de
uma
racionalidade
mais
ampla,
Habermas situa-se na chamada virada lingüística, compreendida pela
estruturação da razão, que passa a se fundamentar não mais no
pensamento, na razão subjetiva, mas sim na linguagem. Com isso, dá-se
a
passagem
do
paradigma
da
consciência,
vinculado
na
relação
sujeito/objeto,392 para o paradigma da linguagem, em que se dá o
entendimento por meio do diálogo entre duas ou mais pessoas.393
389
TAC I, p. 505.
A expressão “racionalidade instrumental” surgiu com Adorno e Horkheimer e, grosso modo, significa
racionalida técnica, dos meios.
391
TAC I, p. 499-500.
392
Cf. TAC I, p. 494.
393
Cf. CAVALCANTE, A. Rocha. O Projeto da modernidade em Habermas. Londrina: Ed. UEL, 2001, p. 162.
390
879
Completando o argumento de que ninguém escapa da prática
comunicativa do cotidiano, nosso autor nos diz:
...por isso, não existe nenhuma forma de vida
sócio-cultural que não esteja pelo menos
implicitamente
orientada
para
o
prosseguimento do agir comunicativo com
meios argumentativos – por mais rudimentar
que tenha sido o desenvolvimento das formas
de argumentação e por mais pobre que tenha
sido a institucionalização dos processos
discursivos do entendimento mútuo...394
Para que todas as pessoas cheguem num consenso, e seja
possível o acordo em argumentações morais, excluída a aplicação
monológica desta regra linguística argumentativa, Habermas introduzirá,
na configuração da ética discursiva, o princípio da universalização (U).
395
Esse princípio U diz respeito à validade de normas, de princípios morais396,
que só podem ser tidas como válidas com o reconhecimentos de todos os
concernidos e não apenas ao exame de alguns. Habermas argumenta
nesse sentido ao dizer: “as normas válidas têm que merecer o
reconhecimento por parte de todos os concernidos”.397 Embora o princípio
U da ética discursiva funcione como regra da argumentação ela não faz
prescrições de ideais de vida, nas palavras de Habermas, “ela não indica
orientações conteudísticas, mas um processo: o Discurso prático”.
398
A regulamentação de normas com pretensões de universalidade
(U) deve levar em conta o contexto no qual os envolvidos estão inseridos.
Para isso a linguagem é indispensável, porque opera de forma mediadora,
394
HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Tradução de Guido A. de Almeida. 2ºed. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 123.
395
Cf. Ibidem, p.78.
396
Cf. Ibidem, p.116. A fundamentação esboçada da ética do Discurso evita confusões quanto ao uso da
expressão „principio moral‟. O único princípio moral é o referido princípio da universalização, que vale como
regra da argumentação e pertence a lógica do Discurso prático.
397
Ibidem, p.86.
398
Ibidem, p.126.
880
tendo em vista o entendimento entre as pessoas399. Desta forma, a ética
do discurso, respeita as individualidades pessoais, vejamos o comentário
feito por Rouanet: “a ética discursiva não é individualista”400, porém
entende o homem em sua pluralidade, o que fica bem claro quando nos
diz: “para a ética discursiva, o homem é um ser plural, ele nasce numa
comunidade lingüística e organiza as relações com seus semelhantes
sobre o pano de fundo de um mundo vivido intersubjetivamente
compartilhado,”401
Portanto,
é
primordial
o
uso
da
linguagem
no
entendimento racional, e Habermas deixa isso muito claro quando diz: “o
entendimento racional (...) está contido na estrutura da linguagem.”
Agora
desdobramento
cabe
destacar
um
deste
artigo,
pragmática
a
aspecto
necessário
universal403,
402
para
isto
é,
o
a
articulação que Habermas denominou como “teoria da competência
comunicativa”.404 Para esse propósito, basta nos atermos, ainda que
sumariamente, à teoria dos atos de fala de Austin.
Habermas ressalta que o entendimento advém de um processo
de acordo entre pessoas linguística e interativamente competentes e que
não pode ser imposto por nenhuma das partes405, por isso ele explica: “ o
ato de fala de um ator só pode ter êxito se o outro aceita a oferta desse
ato de fala, tomando uma postura, com sim ou com não diante de uma
pretensão de validez406 que em princípio é suscetível de crítica”
407
. Nosso
399
Cf. VELASCO, Juan Carlos. Para leer a Habermas. Alianza Editorial. Madrid, 2003, p. 60.
ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-star na modernidade. 2º ed. São Paulo: Companhia Das Letras,1993, p. 228.
401
Ibidem, p. 229.
402
TAC II, p. 138.
403
Como observa Manfredo de Oliveira a “pragmática Universal: é o nome dado por Habermas ao programa de
pesquisa, que pretende reconstruir a base de validade universal da fala”. (OLIVEIRA, Manfredo. Reviravolta
lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. Coleção Filosofia. São Paulo: Loyola, 1996, p. 323).
404
Manfredo de Oliveira chama à atenção de que: “Habermas se confronta com diferentes tipos de abordagens
da linguagem, como por exemplo, aquela vigente no seio do empirismo lógico, sobretudo a análise lógica de R.
Carnap, a postura de Wittgenstein e suas duas fases, a teoria dos atos de fala da Escola de Oxford, a teoria
estruturalista e a gramática generativa de Chomsky. Foi a partir desse contexto de fundo que se elaborou a
categoria de „competência comunicativa‟”. (Ibidem, págs. 293-4).
405
Cf. TAC I, p. 368.
406
Ainda segundo Habermas, “o que corresponde as pretensões de validez é: verdade; correção; sinceridade”.
(TAC I, p. 358).
400
881
autor compreende o problema, ou uma dificuldade, quando percebe que
nem toda interação mediada linguisticamente representa um exemplo de
ação orientada ao entendimento408, ou seja, ele está afirmando a
existência
de
entendimentos
distorcidos
pelo
agente
dissimulador,
empregando meios lingüísticos para induzir o ouvinte aos seus interesses
de ação, desta forma, não tomando conhecimento dos atos de fala como
modelo de ação arientado ao entendimento409. A base para o confronto
com essa dificuldade linguística, no entendimento de Habermas, está na
teoria dos atos de fala de Austin, distinguidos entre ato locucionário, ato
ilocucionário e ato perlocucionario. Os atos locucionários são as orações
enunciativas, pelas quais o falante expressa “estado de coisas”, diz algo;
com os atos ilocucionários o falante realiza uma ação ao dizer algo, faz
uma promessa, confissão; por fim, com os atos perlocucionários o falante
procura causar um efeito sobre seu ouvinte410. Segundo Habermas, ”os
três atos que Austin distingue podem ser caracterizado da seguinte forma:
dizer algo; fazer dizendo algo; causar algo mediante o que se faz dizendo
algo.”
411
Para ampliar a compreensão da teoria dos atos de fala,
Habermas recorre à teoria sociológica de Weber sobre ação social: “desde
o ponto de vista de uma teoria sociológica da ação, para mim é
importante o entendimento do mecanismo concernente à capacidade de
coordenar a ação que mantém os atos de fala”.
412
Weber distingue as ações sociais em duas orientações básicas,
conforme o quadro abaixo.413
407
TAC I, p. 369.
Também conforme Habermas, “só podemos explicar o conceito de entendimento se somos capazes de
distingui o que significa empregar ações com intenção comunicativa”. (TAC I, p. 369 ).
409
Cf. TAC I, p. 370.
410
Cf. TAC I, p. 371.
411
TAC I, p. 371.
412
TAC I, p. 382.
413
Cf. TAC I, p. 366.
408
882
Orientação da
ação
Situação
da ação
Não social
Social
Ação
orientada
ao êxito
Ação
instrumental
Ação
estratégica
Ação
orientada
ao
entendimento
___
Ação
comunicativa
Sobre o esclarecimento do quadro dos tipos de atos acima, o que
se pode explicar é que uma ação orientada ao êxito é denominada de
instrumental quando é considerado seu aspecto de observância de regras
e ações técnicas, sendo avaliado o grau de eficácia da intervenção que
essa ação representa num contexto de estados de coisas e sucessos414.
Uma ação orientada ao êxito é chamada de estratégica quando se
considera o aspecto de observância de regras de eleição racional, sendo
avaliado seu grau de influencia sobre as decisões de um oponente
racional, no
entando, sobre
as ações comunicativas
orientada ao
entendimento, Habermas é enfático ao dizer:
Falo de ações comunicativas quando os planos
de ações dos atores implicados não se
coordenam através de um cálculo egocêntrico
de resultados, mas mediante atos de
entendimento. Na ação comunicativa os
participantes não se orientam primariamente
no próprio êxito; antes seguem suas
finalidades individuais na condição de que seus
respectivos planos de ação possam se
harmonizar entre si sobre a base de uma
definição compartilhada da situação. 415
Para poder pesquisar os processos do entendimento mediado
linguisticamente, entre sujeitos linguistica e interativamente competentes,
414
415
Cf. TAC I, p. 367.
TAC I, p. 367.
883
utilizando-se da teoria dos atos de fala de Austin. Habermas passou por
esse viés weberiano de análise conceitual sobre essas duas atitudes –
orientação ao êxito e orientação ao entendimento416.
Austin faz uma divisão conceitual dos atos de fala, de modo que
o ato de fala resultante do ato ilocucionário, é autosuficiente, isso no
sentido de que o falante transmite sua intensão comunicativa, e seu
objetitivo acompanha e se manifesta no que foi dito, esse ato de fala está
relacionado com a ação orientada ao entendimento. Portanto, o ato
perlocucionário, segundo Austin, acontece quando o falante atua com
orientação ao êxito. Sobre os efeitos dos atos perlocucionários Habermas
diz: “...e assim, tais efeitos se produzem, quando se vincula os atos de
fala a intenções e os instrumentalize para propósitos que só tem uma
relação contingente com o segnificado do que foi dito”. 417 Recorro a mais
uma distinção entre esses dois atos de fala na sentença de Habermas, a
seguir:
Os efeitos perlocucionários, o mesmo que os
resultados da ações teleológicas em geral,
podem descrever-se como estados do mundo
produzido por intervenções no mundo. Os
êxitos ilocucionários, pelo contrário, se
conseguem
num
plano
de
ralações
interpessoais, em que os participantes na
comunicação se entendem entre si sobre algo
no mundo.418
Habermas procurou mostrar, através da teoria dos atos de fala
de Austin, a distinção entre entendimento mediado linguisticamente, ou
melhor, como ele mesmo menciona: “... nem toda interação mediada
linguisticamente
representa
um
exemplo
de
ação
orientada
ao
entendimento”419, nos atos perlocucionários por exemplo, o entendimento
416
Cf. TAC I, p. 368.
TAC I, p. 371.
418
TAC I, p. 376.
419
TAC I, p. 370.
417
884
se dá de forma indireta e o falante pode estar induzindo seu ouvinte
indiretamente, se utilizando de meios linguinsticos. Com efeito, Habermas
tentou demonstrar que o modo original, ou seja, o meio correto do
emprego lingüístico é aquele orientado ao entendimento, e no ato
ilocucionário encontra-se essa via420 .
Pelo exposto, o presente artigo é uma das janelas, que nos
permite visualizar a direção do caminho traçado por Habermas na
sistematização de sua filosofia, que ainda está em processo construtivo.
Nosso autor tem centrado suas discussões filosóficas, sobretudo, a
respeito da razão, sob o prisma da linguagem, fazendo ressonância com a
chamada virada linguistica.
Através da sua obra principal, Teoria da ação comunicativa,
podemos observar seu tratamento à razão comunicativa como enfoque
primordial da sistematização da sua filosofia, ampliando o conceito de
razão, além disso, enfatizamos a correlação da ética do discurso com a
teoria da ação comunicativa e a importância do conceito de mundo da vida
desenvolvido por Habermas.
Como se nota, ao postular uma mudança de paradigma, da
filosofia da consciência para a filosofia da linguagem, Habermas não
postula uma razão centrada no sujeito que pensa isoladamente, mas sim
a razão comunicativa, sua proposta é a mudança da razão monológica
centrada no sujeito, para a razão comunicativa comunitária. Sendo assim,
a
razão
mediada
linguisticamente
se
dá
através
das
relações
intersubjetivas, aberta ao diálogo, ou seja, argumentações racionais tendo
em vista o alcance do entendimento. Para dar base de sustentação ao
entendimento alcançado pelo discurso de uma razão comunicativa,
Habermas precisou fundamentar a ética do discurso para articular as
relações intersubjetivas que ocorrem no mundo da vida. Neste artigo
420
Cf. TAC I, p. 370.
885
apontamos apenas o início dessa trajetória, fazendo uma rápida excursão
sobre a teoria dos atos lingüísticos de Austin, sem, contudo, adentrarmos
numa discussão maior, que perpassaria, em conformidade com Habermas,
além de Austin, o Wittgenstein das Investigações e Searle421.
Ao chegar ao término desse artigo fica o instigante desafio de
aprofundar mais o caminho traçado por Habermas na sistematização da
sua filosofia da ação comunicativa. Acreditamos que a problemática
habermasiana possa despertar a esperança da convivência e da tolerância
racional entre as diversidades culturais e pessoais.
421
Cf. TAC I, p. 356.
886
BIBLIOGRAFIA
HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa. Crítica de la razón
funcionalista.Versión castellana de Manuel Jiménez Redondo. 4ª edición.
Tomo I. Madrid: Taurus Humanidades, 2003.
HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa. Crítica de la razón
funcionalista. Versión castellana de Manuel Jiménez Redondo. 4ª edición.
Tomo II. Madrid: Taurus Humanidades, 2003.
HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Tradução de
Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: 2ºed. Tempo Brasileiro, 2003.
MÜHL, Eldon H. Habermas e a educação: ação pedagógica como agir
comunicativo. Passo fundo: UPF Editora, 2003.
VELASCO, Juan Carlos. Para leer a Habermas. Madrid: Alianza Editorial,
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filosofia
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872 O USO DA LINGUAGEM NA BUSCA COMPREENSIVA DA