Caso clínico
Rev. Medicina Desportiva informa, 2013, 4 (4), pp. 4–6
Espondilolise e
espondiloslistesis no atleta
adolescente. A propósito de
um caso clínico com dupla
espondilólise em L3 e L5
Dr. João Constantino1, Dr. Simão Serrano2, Dra. Sara Raeder2, Prof. Doutor João Páscoa Pinheiro2
1
Centro de Medicina Física e de Reabilitação da Região Centro – Rovisco Pais; 2Serviço de Medicina Física
e de Reabilitação – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
Resumo / Abstract
A espondilólise como defeito ósseo da pars interarticularis é causa frequente de lombalgia
na criança e adolescente. Pode ser uni ou bilateral, associando-se ou não a listesis vertebral. Os autores descrevem o caso clínico de um atleta de 14 anos de idade, praticante de
ginástica desportiva, com dupla espondilólise de L3 e L5, salientando esta forma rara de
apresentação de doença.
Spondylolysisis defined as a bone defect of the pars interarticularis is a common cause of back
pain in children and adolescents. It may be unilateral or bilateral and can be followed by spondylolistesis. The authors describe a clinical case of a 14 year old athlete, gymnastics practitioner
with double spondylolysis of L3 and L5, highlighting this rare form of presentation.
Palavras-Chave / Keywords
Espondilólise, espondilolistese, dor lombar.
Spondylolysis, spondylolisthesis, low back pain.
Introdução
A espondilólise é definida como um
defeito ósseo, uni ou bilateral, na
pars interarticularis do arco posterior
da vértebra1,2,3,4,5. Quando bilateral
este defeito pode determinar instabilidade vertebral e justificar a listese
ístmica1,2,3. A lise do istmo foi descrita por Robert em 1850, tendo mais
tarde Taillard feito o enquadramento
teórico da listese6. A evolução da lise
para listese está bem documentada
na criança e no adolescente2. A lise
pedicular, particularmente bilateral,
é uma situação clínica rara em todos
os grupos etários7.
Esta patologia é habitualmente
referida à coluna lombar, mais
frequentemente à quinta vértebra,
sendo uma causa frequente de dor
na criança e no adolescente4,5. A lise
vertebral é um achado imagiológico
frequente, ainda que muitas vezes
assintomático8.
Existem dois cenários clínicos
distintos, um com dor lombar e
atividade desportiva e outro assintomático, onde se identifica a
4 · Julho 2013 www.revdesportiva.pt
predisposição genética para a falência da pars interarticularis 1,3,5,6.
No atleta a lise vertebral surge
como uma fratura de fadiga do arco
posterior, decorrente da hiperextensão e/ou da rotação lombar repetitivas, particularmente na prática
de ginástica, dança, judo, entre
outros3,5,8,9. A híper-lordose com limitação de mobilidade, a retração dos
isquiotibiais e o “stark test” positivo,
complementam o quadro3,6,9. A radiculopatia, não sendo frequente3,4,5,
identifica a instabilidade vertebral e
o compromisso neurogénico.
A incidência de espondilólise na
população em geral está descrita
entre dois a 9%6,9,10,11, mais frequente
no homem caucasiano11,12, 82% localizada a L511. Mais de 5% das crianças entre os cinco e sete anos têm
lise ístmica, normalmente assintomática11. A lise é duas vezes mais
frequente no homem que na mulher
jovem. No jovem a lise vertebral está
acompanhada em 50% de dor lombar baixa, contrariamente ao adulto
onde não existe esta associação10,12.
Está descrita uma variante da
doença entre familiares de primeiro
grau, com incidência de 17 a 34%1,6,
situação comum em esquimós do
Alasca12.
Os tipos displásico e degenerativo
de lise vertebral são mais frequentes na mulher11. A lise degenerativa
tem uma incidência crescente após
os 40 anos e o espaço L4–L5 é seis a
dez vezes mais afetado. A progressão para listese é rara na lise de L5
e frequente em L4, fruto das condições biomecânicas regionais11. A dor
lombar, a degenerescência discal e a
radiculopatia são as principais consequências desta patologia, sendo
também de considerar a associação
frequente com a doença escoliótica
e as malformações lombosagradas.
A reação de stress na pars interarticularis, observada em estudos
imagiológicos, é muito frequente na
população com dor lombar, ainda
que não seja identificada nenhuma
alteração anatómica ou estrutural
do arco posterior13. Desconhecem-se
os fatores que justificam a evolução
posterior para a lise ístmica, mas os
fatores ambientais e os genéticos
devem ser considerados.
A espondilolistese ocorre quando
defeitos bilaterais permitem que
a vertebra deslize anteriormente,
havendo habitualmente antecedentes familiares de espondilólise em
familiares de 1º grau em cerca de
26% dos casos1.
Caso Clínico
Doente do género masculino de 14
anos de idade, praticante de ginástica
desportiva, apresentava um quadro
de dor lombar, de ritmo mecânico,
com evolução de um ano, sem história macrotraumática. A dor evoluiu
em dois tempos, nos primeiros seis
meses foi insidiosa, surgindo apenas
no esforço intenso e posteriormente
foi mais grave, com limitação na
atividade física e também nas atividades de vida diária. Ao exame objetivo
não mostrava limitação valorizável
da mobilidade da coluna lombar e o
exame neurológico era normal, sem
alterações deficitárias ou trajetos
nos membros inferiores. A palpação mostrava dor na projeção dos
processos espinhosos dos segmentos vertebrais de L3 e L5 e na massa
comum iliolombar, com contratura.
C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K
Fig. 1 – Lise ístmica bilateral de L3, corte
axial em imagem de TC.
Fig. 2 – Lise ístmica bilateral de L5, corte
axial em imagem de TC.
Fig. 3 – Lise ístmica de L3 e L5, corte sagital em imagem de TC.
O estudo radiológico convencional,
frente e perfil, não foi valorizado e a
tomografia computorizada (TC) da
coluna lombar revelou lise vertebral
de L3 e L5 (figuras 1 e 2), com listese
de L5 sobre S1 (fig.3). A ressonância
magnética nuclear (RM) lombar revelou istmólise bilateral de L3 e de L5,
com híper-sinal na sequência STIR ao
nível dos processos articulares de L3
(discreto predomínio direito). Em L5
não foram encontradas alterações de
sinal sugestivas de edema ósseo pelo
que a istmólise seria provavelmente
mais antiga. Nos primeiros três meses
foi prescrito repouso desportivo
absoluto e ortótese lombar rígida;
nos três meses seguintes foi desenvolvido programa de fortalecimento
muscular e estabilização propriocetiva do tronco e da parede abdominal. Passados seis meses o paciente
encontrava-se assintomático e a RM
da coluna lombar mostrava resolução
do edema ósseo, no arco posterior de
L3. Retomou de forma progressiva a
atividade física, sob vigilância médica
e colaboração atenta do departamento técnico do clube.
médico. A fragilidade estrutural do
arco vertebral posterior e a especificidade do gesto técnico (rotação e
hiperextensão da coluna frequentes)
devem ser considerados na etiopatogenia lesional.
Na literatura existe controvérsia
entre o tratamento cirúrgico versus
conservador14. No presente caso
clínico optou-se por um tratamento
conservador, tendo sido recomendada
a suspensão da prática desportiva e a
colocação de ortótese rígida de tronco
durante três meses. Posteriormente
foi prescrito programa de reabilitação para estabilização da ráquis e
fortalecimento dos músculos abdominais retos e oblíquos e dos músculos paravertebrais. A prescrição de
ortótese rígida de tronco, não sendo
consensual, pretende evitar a hiperextensão e rotação da coluna lombar
e favorecer a consolidação óssea.
A retoma de atividade física
decorreu na ausência de dor e de
limitação da mobilidade articular,
programando-se a introdução progressiva da exigência gestual nos três
meses seguintes. Presentemente o
atleta está assintomático e retomou
a atividade competitiva. Em termos
clínicos a resolução da dor, a normalidade de movimentos e a ausência
de edema óssea no estudo por RM
são fatores de prognóstico a considerar na retoma desportiva. Foi também aconselhada a vigilância regular
da instabilidade de L5, com estudo
radiológico de perfil, particularmente
até ao final do crescimento.
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Discussão e conclusão
A lise ístmica bilateral simultaneamente em duas vertebras lombares
(L3 e L5) é uma situação rara. Por
analogia, na literatura revista está
descrito o caso de fratura pedicular
em duas vértebras lombares7.
A lise ístmica de L5 condicionou o
quadro inicial de dor lombar, insuficiente para afastar o atleta da prática desportiva, pelo que o diagnóstico etiológico da dor foi ignorado.
Com a lesão ístmica de L3 o atleta
suspende a atividade e consulta o
6 · Julho 2013 www.revdesportiva.pt
Bibliografia
1. Daniel W, Haun DC, Norman W, Kettner
DC. Spondylolysis and spondylolisthesis: a
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