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Mananciais de água:
Por que é melhor proteger?
Fernando Antonio Carneiro de Medeiros
Engenheiro Civil do Parque da Cidade
A água é um bem natural imprescindível para os seres vivos. Para os seres humanos em
especial, a importância da água de qualidade está ligada não só à questão da sobrevivência,
mas também às questões ambientais, de saude pública e também às cadeias produtivas
(agricultura, manufatura e serviços).
Apesar da abundância e variedade dos recursos hídricos (oceanos, rios, lagos, calotas polares
etc), as águas de superfície e subterrâneas viáveis ao abastecimento humano são bastante
limitadas e também mal distribuídas. Segundo Braga et al (2005, p. 74)1, dos 265.400 trilhões
de toneladas de água disponíveis no planeta, somente 0,5% corresponde a água doce
explorável sob o ponto de vista tecnológico e econômico (lagos, rios e aquíferos). Grande
parte dessa água doce está em lugares de difícil acesso ou já está poluída, restando assim cerca
de 0,003% do volume total de água do planeta.
Este percentual por si só já justifica a necessidade de se olhar com muito cuidado a questão da
preservação dos mananciais. As atividades impactantes do homem resultantes da ocupação
desordenada das bacias hidrográficas, com as queimadas, desmatamentos,
impermeabilização do solo nos aglomerados urbanos, lançamento de efluentes industriais
sem tratamento na natureza, dentre outras formas de poluição têm contribuído no decorrer
da história para a crescente degradação dos recursos hídricos. Os elementos poluentes têm se
tornado cada vez mais numerosos e complexos e, consequentemente, os processos de
tratamento e desinfecção mais onerosos. É neste ponto que encontramos uma outra boa
razão para a efetiva proteção dos mananciais: em termos ambientais e econômicos, o
caminho mais viável, inteligente e eficaz é o da prevenção.
1 - BRAGA, Benedito et al. Introdução à Engenharia Ambiental: O desafio do desenvolvimento sustentável. 2. ed. São Paulo: Pearson
Prentice-hall, 2010.
W. Júnior
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Proteger a integridade dos mananciais para abastecimento há
muito tempo deixou de ser uma recomendação: hoje, a água
potável é considerada um bem precioso e universal. A questão
ambiental está amparada em instr umentos legais e
procedimentos de gestão pública em todos os níveis
administrativos, sendo uns eficientes e outros não. Além disso,
existe uma boa variedade de soluções de cunho técnico e
tecnológico disponíveis para atender às questões que envolvam
prevenção de eventos nocivos à água e, sobretudo à proteção
dos mananciais para abastecimento humano.
Sendo a água de qualidade um recurso tão precioso e cada vez
mais escasso, conhecer a dinâmica e as potencialidades dos
recursos hídricos e, sobretudo, protegê-los de todo tipo de
degradação que possa comprometer a sua qualidade para o
abastecimento humano, torna-se imprescindível. As medidas
protetivas de mananciais, além de mero aspecto preventivo,
carregam em si aspectos estruturantes que repercutem
diretamente na qualidade ambiental, no bem estar das pessoas,
na gestão dos recursos públicos e na administração publica de
um modo geral.
A observação de medidas desta natureza, além do aparato técnico, pressupõe uma estrutura
técnica, legal e administrativa mínima, para que o poder público tenha condições de colocar
em prática e gerir um adequado programa de proteção. De uma forma geral, excetuados os
aspectos técnico-operacionais, as medidas parecem gravitar em torno da questão do controle
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do uso e ocupação do solo e da proteção ambiental. Neste sentido, LIMA et al (2013, p. 224)
reconhece o estabelecimento da bacia hidrográfica como elemento de estudo e execução das
diversas ações, e enaltece a importância destas ações no sentido de preservar a cobertura
vegetal. Para ele, a relação entre a qualidade da água e a vegetação:
“...Foi desde cedo reconhecido e implementado em muitos países, pelo
estabelecimento das chamadas “bacias hidrográficas municipais”, ou seja,
mananciais de abastecimento de água da população das cidades, que incluem não só
apenas a represa de onde os órgãos municipais retiram a água para o abastecimento,
mas toda a sua bacia hidrográfica de contribuição, manejada de forma integrada
para garantir a preservação de sua cobertura florestal para o só propósito de
produção de água.” (grifo nosso).
Ao nosso ver, essa “forma integrada” a que o autor se refere compreende uma grande
variedade de ações, que como já dito, englobam aspectos técnicos, legais e administrativos.
Do ponto de vista jurídico, dentre os vários instrumentos de ordenamento urbanístico e
ambientais locais, destacamos o Código de Meio Ambiente do Município de Natal e o Plano
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Diretor de Natal. Como já afirmamos anteriormente (MEDEIROS, 2015, p.27) , é no
controle do uso solo que está a grande contribuição destes dois instrumentos locais, para a
questão da proteção sanitária dos mananciais. A administração pública tem à sua disposição
estes e vários outros instrumentos para a condução de ações e programas que realmente
efetivem a proteção e garantam a qualidade da água para consumo humano.
2 - LIMA, W. P. , FERRAZ, S. F. B. , FERRAZ, K. M. P. M. B.;Ferraz, Katia Maria P. M. B.;Ferraz, . Interações Bióticas e Abióticas na
Paisagem: Uma Perspectiva Ecohidrológica. CALIJURI, Maria do Carmo; CUNHA, Davi Gasparini Fernandes. Engenharia Ambiental:
Conceitos, tecnologia e gestão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
3 - MEDEIROS. Fernando Antonio Carneiro de. Abastecimento de água em Natal: proteção dos mananciais e a importância da ZPA-01.
Parque da Cidade em Revista. V. 1, n. 1, p. 27, 2015.
Acervo do Parque
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Quanto aos aspectos técnico-científicos relacionados à proteção dos mananciais de um
modo geral, destacamos a importância do desenvolvimento de ações inovadoras, do
estabelecimento de novos paradigmas e de uma gestão inteligente, que coordene com
eficiência todos os setores envolvidos nos processos. Para alguns especialistas, estabelecer
novos paradigmas do ponto de vista tecnológico seria, inclusive, uma condição crucial. Ao
vislumbrar “a universalização sustentável e socialmente justa dos serviços de abastecimento
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de água potável”, Andrade Neto (2011, p. 390) afirma que o desenvolvimento tecnológico,
terá que assumir novos paradigmas, que considerem a necessidade de proteger
sanitariamente os mananciais.
Isto é perfeitamente viável com o auxílio das pesquisas científicas e do uso das tecnologias de
um modo geral. O elemento científico-tecnológico aliado à gestão do solo e à proteção
ambiental são interdependentes e complementares entre si. O estímulo à pesquisa, ao
desenvolvimento de programas inovadores e o uso de ciência e tecnologia são hoje
elementos indispensáveis nas questões de saneamento, e mais: no que tange à proteção dos
mananciais, as análises mostram que investir em pesquisas, desenvolver programas e ações
preventivas são muito mais viáveis que o posterior tratamento de águas contaminadas. No
“Panorama do Saneamento Básico no Brasil” - documento que subsidiou a elaboração do
Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) - na parte referente à ciência e
5
tecnologia, Andrade Neto (2011, p. 385) ao falar dos custos de uma estação de tratamento de
água (ETA), afirma:
O custo de uma ETA para tratar adequadamente água de mananciais contaminados
e fortemente poluídos, com micropoluentes e microcontaminantes de difícil
remoção e patogênicos emergentes, seria altíssimo e insuportável para aplicação em
larga escala.
Mais adiante (p. 386), complementa:
Já se faz necessário intensificar as pesquisas e desenvolver tecnologia de tratamento
para água de má qualidade, mas se a degradação das águas de mananciais sem a
devida proteção continuar nesse ritmo, em poucas décadas será necessário refazer
as ETAs existentes, adequando-as em larga escala para tratamento complexo, o que
acarretará um custo muito alto para o país. Sem dúvida, é muito mais sensato e
muito mais econômico proteger os mananciais e tratar os esgotos, para adiar a
necessidade e evitar ETAs cada vez mais complexas e caras. (grifo nosso).
Analisando as nossas afirmações, de que projetos, programas
e ações relacionados à proteção de mananciais pressupõem
uma estrutura técnica, legal e administrativa mínima, para que
o poder público tenha condições de colocá-los em prática de
forma eficiente, entendemos que o sistema jurídico vigente
permite - havendo vontade e estrutura administrativa, a
execução de medidas protetivas eficientes. Neste sentido, a
elaboração dos Planos Municipais de Saneamento Básico
torna-se um elemento crucial do processo. Do ponto de vista
técnico e tecnológico, como aponta o já referido documento
do PLANSAB, os empecilhos são superáveis, feitos os
devidos aperfeiçoamentos e as adequações aos casos e
realidades locais. Daí exsurge a necessidade de se estimular o
saber científico e a sua disseminação a todos.
5 - ANDRADE NETO, Cicero Onofre de. Desenvolvimento tecnológico: caderno temático nº 8. In: REZENDE, S.C. (Org.). Cadernos
temáticos. Brasília: Ministério das Cidades, 2011. (Panorama do Saneamento Básico no Brasil, v. 7). Disponível em:
<http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/PlanSaB/PANORAMA_vol_7.pdf>. Acesso em 29 jul 2015.
W. Júnior
W. Júnior
Umari-bravo
Calliandra sp.
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