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As mulheres de Itinga: Bolsa Família e
consciência política
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O Programa Bolsa Família conseguiu retirar muitas pessoas da pobreza
na última década. Neste post, Alessandro Pinzani contribui para o
debate ao propor que, apesar dos beneficiários do Bolsa Família terem
oportunidades de desenvolvimento pessoal, há muito ainda a ser feito
The Favelas at LSE
para empoderá-los como cidadãos.
project has come to an
Existem muitos estudos que analisam o impacto econômico do programa
Bolsa Família (PBF), avaliando-o com base na sua habilidade de ajudar os
pobres a quebrar o círculo vicioso da pobreza e alcançar alguma
estabilidade econômica. Eu e minha colega Walquíria Leão Rego
decidimos estudar seus efeitos sobre a subjetividade das beneficiárias do
ponto de vista de sua autonomia individual e de sua consciência política.
Depois de entrevistar cerca de 200 mulheres num período de cinco anos
(de 2006 a 2011), chegamos à conclusão de que o PBF está, de fato,
abrindo possibilidades existenciais que podem ajudar os indivíduos a
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Sociabilities, and
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tornarem-se cada vez mais autônomos, embora, naturalmente, não haja
nenhuma garantia de que isso vai acontecer. Contudo, nossas conclusões
foram menos promissoras no que diz respeito ao desenvolvimento da
consciência política.
If you want to see
how social
psychologists work
on social
development, visit
A maioria das mulheres
expressou a opinião de
que o PBF seria “um
favor do governo” ou
até “um presente de
Lula”, enquanto
somente cinco
afirmaram que a bolsa
era um direito delas.
Quase todas disseram
que votavam porque deviam (o voto é obrigatório no Brasil – ou voto
mandatório), enquanto a ampla maioria manifestou uma opinião
negativa sobre a política e os políticos, com exceção do presidente Lula
(apesar de que algumas mulheres disseram não gostar dele). Por outro
lado, elas geralmente reconheceram que, embora seu voto não mudasse
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LSE
nada no nível local, ao participarem das eleições presidenciais, elas
poderiam influenciar a política do governo em relação aos pobres. Muitas
expressaram o medo de que um presidente de outro partido
suspendesse o programa e quase todas afirmaram que nenhum governo
anterior teria levado a sério seu sofrimento.
O que nos consternou foi a falta quase absoluta de coordenação e
ativismo político. Uma explicação poderia ser porque nosso foco foram
os pobres de área rural, cujas condições diferem muito daquelas dos
pobres de área urbana. A maioria das famílias que visitamos vivia em
lugares isolados ou em pequenas cidades, longe da sede do município, e
quase não tinha comunicação com outros participantes do PBF.
Geralmente, não estavam organizados em comunidades locais, como
tendem a sê-lo os moradores das favelas do Rio ou de São Paulo.
Contudo, não faltavam interesse e vontade em participar de organizações
políticas.
Expand
Tweet to @FavelasatLSE
Uma vez, na
cidadezinha de Itinga,
no Vale do
Jequitinhonha,
participamos de um
encontro organizado
pelo nosso contato
local, após termos
terminado nossas
entrevistas, para que
pudéssemos encontrar mais participantes do PBF – quase todos eram
mulheres, mas estavam presentes também homens ou inteiras famílias.
A maioria pensava que tivéssemos sido enviados pelo Governo Federal
para ouvir suas reclamações. Explicamos que éramos simples cientistas
sociais, mas, não obstante, seguiram relatando suas experiências
pessoais daquilo que consideravam ser a injustiça e parcialidade do
gestor do PBF local e do prefeito. Primeiramente, ouvimos uma ladainha
de reclamações iradas e de amargas acusações recíprocas (“Por que você
obteve a Bolsa e eu não, se você tem um trabalho e eu não?” “Você é
amiga do prefeito, por isso, você a obteve logo e eu ainda estou
aguardando”). Depois de um tempo, propusemos que juntassem suas
reclamações contra o gestor do PBF e o prefeito e as submetessem às
autoridades superiores. Algumas mulheres concordaram imediatamente
e, improvisadamente, foram avançadas ideias sobre outras possíveis
atividades políticas comuns. É verdade que algumas mulheres já tinham
experiência em formas de auto-organização, uma vez que mantinham
uma cooperativa que fabricava biscoitos de polvilho e os vendia a
mercados de cidades vizinhas como Araçuaí. Contudo, agora estavam
falando de política. Quando saímos da reunião, um grupo de indivíduos
que até então estavam brigando entre si, tinha se tornado – pelo menos,
naquele momento – um grupo politicamente ativo.
Essa história mostra como as coisas poderiam estar, se os participantes
do PBF fossem reunidos para compartilhar suas experiências pessoais e
para tomar iniciativas coletivas. Infelizmente, isso não acontece por
várias razões. Em primeiro lugar, as autoridades políticas locais não têm
interesse em mobilizar seus eleitores, que poderiam se organizar para
pedir-lhes conta de sua má administração. Em segundo lugar, as próprias
participantes não percebem a importância de organizar-se para ganhar
força política e reclamar mais por seus direitos. Em terceiro lugar, ainda
que tivessem essa consciência, lhes faltaria provavelmente a experiência
para organizar-se de forma eficiente. Atores externos poderiam
neutralizar estes três fatores, ao servir de catalisadores, como aconteceu,
por acaso, conosco quando propusemos às mulheres de Itinga que
juntassem suas reclamações. Ora, se isso seria desejável e se seria tarefa
para ONGs, partidos políticos ou para o próprio Governo Federal são
questões que, neste momento, devemos deixar em aberto.
Imagens gentilmente fornecidas pelo autor.
Sobre o Autor
Alessandro Pinzani é autor, com Walquiria Leão Rego, de Vozes do Bolsa
Família (São Paulo, 2013) .
Os pontos de vista e as opiniões expressas neste post são de exclusiva
responsabilidade do autor e não representam as do Blog Favelas@LSE
nem da LSE.
Por favor, leia nossa política de comentários antes de comentar.
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