Estudos sobre Bertolt Brecht
Studies of Bertolt Brecht
Rita Alves Miranda1 - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Resumo: O tema e ponto central deste trabalho é a teoria teatral que perpassa a obra de
Bertolt Brecht como ponto de relevância para a atualidade do teatro hoje. Com fim de
investigar alguns elementos da estética de Brecht, pensou-se em primeiro esclarecer alguns
fundamentos dessas questões aos leitores, tendo em vista primeiro o processo histórico e o
momento vivido pelo o autor, para dar prosseguimento ao entendimento de sua proposta
prática e a viabilidade desta, ou não, nos dias de hoje, no contexto da sociedade atual. Brecht
nos convoca a pensar em questões presentes no cotidiano as quais normalmente não
oferecemos importância. O trabalho termina com uma reflexão acerca dessa importância.
Palavras-chave: Arte, Dialética, Política, Social, Teatro Épico.
Abstract: The main theme and focus of this project is the theater theory present in the work
of Bertolt Brecht, which is of great relevance for the current theater. Aiming at investigating
some elements of Brecht's aesthetic, we thought of beginning with clarifying to the reader
some grounds of these questions, bearing in mind both the historical process and the moment
lived by the author, followed by the understanding of his practical proposal and its viability or not - currently, in the context of the current society. Brecht invites us to think about
questions present in the everyday-life, which we often disregard. This paper ends up with a
reflection concerning this importance.
Keywords: Art, Dialect, Epic Theater, Politics, Social.
Em vosso mundo: por que o mal
É premiado e o bem não ganha nada.
Quando por sorte não é castigado?
Bertolt Brecht
B
ertolt Brecht foi dramaturgo, poeta, diretor, crítico, teórico... Quando
pensamos em sua obra, logo nos vem à mente a forte percepção que teve diante dos temores e
terrores de sua época; percepção esta que foi sem dúvida, política, ética e estética. Segundo
seu amigo e filósofo Walter Benjamin, o que encanta em Brecht é a sua ligação com a
simplicidade. Uma simplicidade, para muitos, tida como insuficiência intelectual, mas que
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Mestranda em filosofia pela PUC-SP.
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despertou em nós grande identificação desde o momento em que entramos em contato com
sua obra e onde começou nosso trabalho com o autor. Um trabalho que vem sendo
apaixonante, e assim como toda paixão, uma junção de momentos intempestivos e prazerosos.
A verdade é que acreditamos que havia em Brecht uma ânsia por mostrar com clareza
as suas idéias e contribuir com elas para o mundo. Foi movido por um impulso quase infantil
de ajudar. Alguém que obteve certa consciência, que compreendeu determinadas coisas e que
gostaria – como um dever, uma meta de vida – de compartilhar com os outros aquilo que
apreendeu. Um desprendimento de intelectualismos que guardam para si conhecimentos, com
medo de que eles deixem de ser seus, só porque foram ditos, revelados (e a partir deste ponto,
talvez se entenda a despretensão de começar um trabalho de forma mais erudita e rebuscada
do que esta). Este medo, de não ser mais importante por ser entendido pela massa, por não
mais ser narciso, é o mesmo que faz da filosofia menos audível, assim como muitos teatros e
ideias. Não porque há demasiadas pessoas débeis no mundo, mas porque o medo faz com que
se queira conservar heróis, sábios, senhores e suas verdades. A forma prevalece em meio a
uma desigualdade que é imensa.
Sendo assim, partimos de uma análise a partir, principalmente, de suas produções
estético-teóricas que permitiram a escrita deste texto, que tem como objetivo, olhar para a
obra de Brecht com certa admiração. Uma admiração que emerge num tempo em que é tão
difícil pensar o mundo e sentir esse mundo pensado através da arte, onde a verdadeira
experiência artística é quase um presente dos deuses, por se encontrar num meio onde há tanta
informação e produção em massa. Querer estar perto disso, dessa iniciativa brechtiana, é
querer estar perto do novo, do que acontece no agora e, se não por inteiro, pelo menos, de
forma parcial, na inquietação que move essa busca, mesmo que interna, que pessoal. Brecht é
um autor que, embora muitos o considerem passado, limitado, pode ensinar e nos originar
reflexões extremamente construtivas, se encaradas como transformadoras, ainda mais no
mundo atual em que pouca coisa já é muito. A conquista se dará como ele previa, com certo
exercício e este, por sua vez, só é possível se houver trabalho. No entanto, que não se perca
por esse novo caminho a leveza, seja tendo como tema o belo ou o grotesco. O importante é
sempre divertir e divertir-se. A questão ocupa um lugar mais fundamental porque, talvez, o
que esteja errado, equivocado, seja exatamente, o que hoje se atribuiu ao conceito de diversão.
Esta por si só já é um tema para uma grande reflexão. Resta prosseguir com ela.
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1 Elementos da Teoria de Bertolt Brecht
O maior desafio, talvez, da estética de Bertolt Brecht, não está em compreendê-la
como teoria, e sim em concebê-la como uma prática. E, ao mesmo tempo, ter claro que essa
teoria só existe mediante essa prática - ela pode até ser simplista quando vista apenas como
teoria, porém apresenta-se como um enorme quebra-cabeça quando vivenciada. A parte
escrita do trabalho de Brecht é resultado de uma série de reflexões a partir de nada mais do
que, as experiências vivenciadas em suas práticas teatrais. Nela (na teoria), existem sim
elementos contraditórios, mas isso não chega a ser um problema, pelo contrário. E é
importante frisar este ponto para o entendimento posterior, pois são esses elementos que
promovem a grandiosidade de seu teatro com a sua dialética. Isto, porém, também será
discutido mais adiante.
Muito embora, como mencionado anteriormente, Brecht tenha-se esforçado para ser
claro e expor suas idéias para que todos conseguissem ao menos ter acesso a elas, parece que
muitos que o leem não se conformam com a simplicidade de sua escrita e a clareza com que
ele explora suas propostas, e teimam em tentar procurar obscurantismos, falhas. A crítica é
importante para o crescimento, ela coloca em debate algo que está posto e é feliz aquele que
consegue enfrentar esse desafio. Brecht soube fazê-lo a seu modo. Contudo, há também
críticas que pouco têm a dizer de fato e muito apontam. Esquece-se de que o que está sendo
proposto, é algo importante que está sendo inaugurado. Algo que quer mudar para que haja
mudança, só é bem vindo quem estiver disposto. A história que o diga. O que é relevante é o
que acrescenta à arte. Ou, o que se cria de novo, a partir de que conceitos. Porque usar a
ciência a favor da arte tem que significar transformar a arte em não arte? O que parece é um
medo da renovação proposta por ele para o teatro. Renovação que deve ser constante, porque
deve tentar acompanhar as constantes mudanças do mundo. Brecht tentou, através das práticas
teatrais desenvolvidas em sua vida, mudar essa perspectiva com o intuito de construir relações
mais saudáveis entre o artista, o espectador, o mundo, a arte e as mudanças.
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1.1 As origens
Bertolt Brecht e sua obra, como tudo assim o é, não surgiram do nada. A história do
teatro mostra que o dramaturgo alemão “bebeu” de várias fontes, até criar a sua. A influência
toda nasce de um ponto em comum com o mundo: uma crise. Algo que não podia mais ser
silenciado. O mestre de Brecht nesses “tempos sombrios” foi Piscator, com quem ele tem
divergências, mas que desempenhou um papel importante, até mesmo para a concepção do
que viria a ser mais tarde o Teatro Épico.
O teatro de Piscator, de vanguarda, político, surgiu para romper com o tradicionalismo
que estava mais do que nunca em voga, decorrência da influência da cultura burguesa. O
naturalismo que vigorava nos palcos fazia pensar (porque assim era representada) numa
realidade sem conflitos, muito diferente da realidade vivida. Porém, em meio às atrocidades
cometidas por mãos humanas, era necessário acordar o povo para a luta contra os que o
haviam adormecido e assim explorado, transformando-os (a esse povo) em seres inanimados,
sem voz. Eram frutos de uma sociedade que cultivou o prazer pela alienação. Era o momento
da transformação. A época e as suas consequências não podiam mais ser ignoradas.
Influenciavam diretamente a constituição do sujeito, que se via sem rumo, sem saídas
possíveis para a “salvação”. Havia classes querendo falar, serem ouvidas, e não lhes davam
cenas.
O novo teatro surge e, com ele, os atores e todos os personagens que compunham o
espetáculo, os quais também emergiam de uma classe diferente daquela que costumava ser
protagonista, o proletariado. A verdade precisava mais do que nunca, com urgência, vir à tona
e o público tinha que ser o mesmo que vivia a realidade a ser escancarada. Segundo Piscator,
era objetivo da arte derivar absolutamente da verdade. Uma verdade que tem história e que
continuará tendo porque continuará evoluindo. Era preciso barrar a evolução sem consciência.
Este tinha alvo certo e há interpretações de que ele nem tinha pretensões de produzir, arte e
sim, uma proposta pedagógica2 de fazer peças políticas que informassem as classes
desinformadas, com o intuito de superar os pressupostos naturalistas através da razão.
Não é preciso ir muito longe para perceber que a luta de Piscator estava muito mais
perto da política e de uma luta de classes, herança de um marxismo que vivia o seu auge na
época, do que propriamente da arte como meio de expressão de um tempo, de momento, ou
2
O que mais tarde influenciaria Brecht a desenvolver o teatro didático.
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debate. E assim, como a própria luta de classes, ele também não obteve felicidade em sua
tentativa, passando a ficar, de certa forma, estagnado na história mais tarde. Quando se fala
em arte, Piscator pouco é citado, a não ser como ponto de referência para uma arte, mais tarde
concebida por Brecht. Mesmo porque, para ele, a arte não ia além do compromisso de mudar
a concepção política dos homens, num mundo dividido por classes. Toda ela tornava-se
escrava - e o tinha que ser - de uma tarefa de que a sociedade como um todo não conseguia
dar conta. Uma responsabilidade injusta. Dando um grande salto - mas ainda assim, uma
reflexão possível - essa responsabilidade era o que nos dias de hoje acabou por ser transferido
para a competência da educação. A escola é responsável pela formação do indivíduo,
independente da sociedade da qual ele faz parte, ela é responsável pelas mudanças. Um futuro
promissor é fruto de uma boa educação? Para Piscator a arte tinha o papel de mudar os rumos
da realidade, através de discursos politicamente engajados, que levassem a uma discussão
nesse campo. Essa era a sua essencialidade pedagógica.
Com isso, apesar da admiração e da forte influência (inclusive a marxista), Brecht
distancia-se de Piscator para fazer o seu teatro. Não tem o imediato como absoluto e para ele,
o épico - como se mostrará ao longo do trabalho - vai muito além do elemento político, não
podendo ser reduzido a este. Brecht está mais próximo da arte. Há nele mais sentimentos que
em seu mestre, no qual a busca se distanciava cada vez mais da arte -como puramente formapara procurar a vida, sem que essa vida dependa apenas da representação do universo
subjetivo. A arte contemporânea aguardava uma nova interpretação dos fatos. Com Brecht,
essa transformação fica mais próxima de acontecer, embora encontre pelo caminho desafios
técnicos e conceituais maiores, justamente por não se pretender como propaganda política e
sim como arte, diversão.
1.2. Um novo conceito para o teatro
A discussão do que é o Teatro Épico (fundado por Brecht), como dito anteriormente,
até hoje causa polêmicas e o seu entendimento tornou-se decisivo para a compreensão de todo
o restante da proposta do autor. Permite que todas as outras técnicas e idéias constituam
somente uma e essas relações é que acabam constituindo a própria estética de Bertolt Brecht.
O teatro agora tem um objetivo e ele é apenas um: apresentar um mundo que pode mudar e
cuja mudança dever partir do indivíduo e sua consciência. Não entender o que é Teatro Épico,
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é não entender Brecht, distanciamento, atitude crítica construída pelo e para o espectador
através da arte.
Uma nova forma emergiu da já existente. A insatisfação de Brecht está dirigida ao
rumo que a forma dramática e a épica concebidas por Aristóteles, acabaram com o tempo,
seguindo. Uma apropriação que se deu de forma a desvencilhar totalmente a arte do
compromisso com sua época, com o homem do momento presente. Homem que muda e
tempo que muda. Para ele, o que havia sido conquistado ao longo dos tempos eram textos
cheios de entonações especiais, modos difíceis de falar e enredos sem novidades, longe de
criarem qualquer coisa digna de admiração, ou pensamentos “válidos”, a fim de promover
discussão e dela surgir mais tarde, algo como uma transformação, por mínima que fosse.
Resumindo, havia se consumido muito, a arte tornara-se produto e o produto mais desejado.
Era ela o que acabou derivando para o que é hoje também chamado de entretenimento. Uma
diversão alienada.
Entretanto, voltando a Aristóteles, a oposição de Brecht tem a ver com o valor
soberano que foi dado às emoções no teatro. Por mais que, desde sempre, a forma épica e a
dramática tenham sempre sido distinguidas uma da outra (na estrutura) e tenham ocupado
lugares distintos na estética, em Aristóteles ambas as formas tomavam emprestados elementos
uma da outra, combinando-se entre si. Esse movimento (de empréstimo), segundo Brecht, foi
tornando-se cada vez maior e a forma épica nessa doação foi perdendo sua essência para dar
lugar à dramaticidade exacerbada até atingir seu auge: o romance burguês foi transformado
pelo teatro e por seu mundo em “drama burguês”. A crítica de Brecht dirige-se a esse
movimento, já presente e fundamentado em Aristóteles.
Foi um processo histórico da arte, mas o resultado dessa fusão representou a perda da
epopeia. O que Aristóteles “teria” feito - porque há dúvidas quanto a ele ter feito de fato-, ao
diferenciar as duas formas, deformou-se3. Transformou-se em apenas uma forma. A forma
dramática de teatro. A causa disso está na própria origem do movimento de doação de
elementos de uma forma para a outra. Ao contrário do que muitos pensam a dramaturgia nãoaristotélica (de Brecht) não compreende as emoções como algo que deve ser banido da cena.
Acredita, sim, que só é possível emocionar-se tendo por base uma mente preparada, a partir
de uma hegemonia do espírito crítico. O que Brecht percebe é que havia uma manipulação das
emoções e conseqüentemente da realidade. A arte passa a retirar o indivíduo do mundo que
3
Este artigo não poderá dar conta desta discussão em relação à crítica de Brecht a Aristóteles. Trata-se de uma
questão que será discutida com mais rigor e atento em outro momento de nossa pesquisa sobre o universo de
Bertolt Brecht.
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ele não quer ver. A única saída é “aniquilar” a idéia de que a emoção tem que estar vinculada
a um estado de empatia, a uma irracionalidade. É nesse ponto que se dá o embate entre
Brecht, Aristóteles e seus críticos. Sabendo-se que a experiência teatral, por mais racional que
seja, tem muito de emocional, como fazer que essa mesma experiência seja ao mesmo tempo
crítica? O desafio está em não transformar o teatro em panfletário, como em Piscator, ou,
como em boa parte da dramaturgia, deixar que as emoções coincidam com ignorância. É
preciso domar as emoções - o que os gregos, com suas tragédias carregadas delas, nos
famosos momentos “catárticos” 4 não conseguiram.
É importante, no entanto, ressalvar que Brecht nunca foi contrário aos clássicos.
Segundo ele, o problema estava na intimidação que se apossou dessas obras, na ameaça de
desaparecer o que havia de particular e de arte nelas. Criou-se uma tradição que reproduz as
obras clássicas como repete tarefas de sua rotina, acomodando os encenadores, os atores e o
público. Há mudanças que são próprias de cada tempo e elas têm que existir. O que aconteceu
com o teatro é que o mundo seguiu, e ele parece que parou e estagnou, bastando-se de
mudanças formais, quando, na verdade, elas deveriam dar-se nas entranhas desse novo
homem que surge dia após dia e que deveria ser observador de si mesmo, sem descansos, sem
sossego.
Acidentes acontecem e o teatro para Brecht passa a ser uma descrição de alguns deles.
Tenta olhar para o sentimento também como algo vivo e que por o ser, está sujeito a
mudanças. Tem como função representar situações, mas não apenas a reprodução de cenas
conhecidas. Sair dessa “zona confortável” para transpor uma realidade, mostrando os
acontecimentos por detrás dos acontecimentos. A realidade é estranha e, buscar o seu
conhecimento, aproxima o homem curioso. Esse movimento é vivido pela ciência. Ele estaria
assim, ocupando o lugar que lhe é devido: o de estar ao lado da ciência. E diferentemente de
Aristóteles, essa relação com a ciência não mais está ligada às causas dos fenômenos e sim, às
relações entre esses fenômenos. Para isso, é necessário que se descubram antes essas situações
da vida cotidiana.
A estagnação da cena fica muito mais evidente nos clássicos retratados pela burguesia,
em que o “temperamento dramático” substitui qualquer poder (que alguma vez já se pôde
atribuir a essas obras) de intervir naquela sociedade. As mudanças se deram só em nível
formal e mascaram o que está por trás, um descaso com o novo, muito pior do que se fossem
4
O momento de catarse foi concebido por Aristóteles e desenvolvido por este em sua obra. Através de
interpretações deste conceito, entende-se como catarse, o resultado, o estado mais intenso dado pelas emoções.
Uma espécie de emoção que se configura numa experiência entre o reconhecimento e a admiração.
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simplesmente encenadas tradicionalmente. Tornaram-se clássicas as obras, assim como se
tornou clássica a fachada da sociedade, das relações entre os homens que serve apenas para
enaltecer a superficialidade hipócrita.
O homem comete anacronismos o tempo todo. Numa época em que nada havia de
belo, não havia porque representá-lo como se ele de fato estivesse presente nos
acontecimentos da vida real. O belo, naquele momento, fazia parte do comércio burguês. Para
Brecht, era preciso encontrar a diversão própria daquele tempo e dos próximos. As novas
formas de convívio entre os homens herdam coisas do passado, mas não são eternas. A
história é eterna enquanto história. O antigo como “fachada”, receita do belo, deve ser
deixado de lado.
Assim, para auxiliar o entendimento dos conceitos do novo teatro que surge, o autor
escreveu um texto intitulado: “Pequeno órganon para o teatro” 5. Ele achava que se fazia
necessário analisar a estética desse teatro que emergia da era científica. Esse era o momento
vivido por aquela época: a ciência no centro. Como já dito anteriormente, não havia como
voltar e ignorar o fato, seria ignorar pateticamente que o mundo estava sofrendo uma
mudança, “divisora de águas” para sempre. Os ditos representantes da estética, por menos
preparados que estivessem para conceber essa nova forma de se fazer teatro, teriam que
encarar a questão ao invés de se contentarem em olhar com desdém para o que para eles era
uma arte impossibilitada, porque surgia de “uma classe depravada que se tornara parasitária”.
Sobre a proposta deste órganon, Brecht diz em seu prólogo:
Chegou a altura de rebatermos, por muito que pese ao comum das pessoas, o nosso
propósito de emigrar do reino do aprazível e de manifestarmos, por muito que ainda
o maior número de pessoas, o nosso propósito de nos estabelecermos, daqui para
frente, neste reino. Tratemos o teatro como um recinto de diversão, único tratamento
possível desde que o enquadremos numa estética, e analisemos, pois, qual a forma
de diversão que mais nos agrada (2005, p. 127).
Pois então, o princípio básico do teatro é a diversão. É esta que é responsável por uma
“dignidade especial” que lhe foi atribuída. “O teatro precisa poder continuar a ser algo
absolutamente supérfluo, o que significa, evidentemente, que vivemos para o supérfluo. E a
causa dos divertimentos é, dentre todas a que menos necessita de ser advogada” (BRECHT,
2005, p.128).
5
Este texto foi escrito por Brecht em 1948 e está no seu livro, Estudos sobre teatro, publicado em 2005 pela Ed.
Nova Fronteira.
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Querer que ele assumisse objetivos maiores que o de divertir é menosprezar o seu
principal objetivo: o prazer. Neste ponto, Brecht distingue dois tipos de prazer: os fracos, que
estariam representados por aqueles dramas que não se desenvolvem mais que na superfície; e
os intensos, que seriam provocados pela riqueza do drama, que intervém, que contradiz e que
tem consequências bem mais decisivas.
É a sensação de desacerto, que nos vem perante as reproduções dos acontecimentos
ocorridos no mundo dos homens, que reduz nosso prazer no teatro. A razão desse
desacerto é o fato de a nossa posição em relação ao objeto reproduzido ser diversa
daquela dos que nos antecederam (BRECHT, 2005, p.132).
É preciso encontrar esse novo teatro de que tanto se fala. Tendo a forma épica
assumido o que antes era característico do teatro dramático, isto é, a identificação com o herói
e a representação da concepção de mundo a partir da perspectiva deste, é preciso agora ver o
mundo que existe antes do sujeito. Realçar o ambiente em que vivem os homens, que sempre
foi colocado nos dramas do ponto de vista do herói, manipulado. Ele determinava o meio. O
teatro épico quer o meio manifestando-se independentemente dos seres que o habitam e de
suas opiniões. O homem, com sua sede de saber e domínio, conseguiu intervir em algo tão
mais forte que ele próprio, ou seja, a natureza. Ele a explorou e a subjugou, mas não aprendeu
com ela caminhos melhores para conseguir finalmente a sua evolução: coexistir de forma
plena e sadia em sociedade. Pelo contrário, buscou artifícios através da ciência para se tornar
cada vez menos natural, para mudar o curso da vida, fazer dela sua subordinada.
O que poderia ser o progresso de todos torna-se a vantagem de algumas partes
apenas, e uma parte crescente da produção é votada à criação de meios destruidores
destinados a guerras poderosas, a guerras em que as mães de todas as nações, com
os filhos apertados contra si, esquadrinham estupefatos o céu, no rastro dos inventos
mortíferos da ciência (BRECHT, 2005, p.134).
A ciência é produto da classe burguesa e serve a essa classe. A vida de outras pessoas
é tirada em prol de uma vida duradoura, calma e confortável para uma minoria. Dessa forma,
nasceu e cresce o dito “progresso” trazido pela modernidade.
Faz parte da concepção teatral de Brecht entender os mecanismos e em que ponto se
encontra a humanidade da qual ele próprio é participante. Esse é o ponto de partida para o
trabalho. Todos deveriam se questionar sobre o mundo em que vivem. Há nesse “dever” uma
proposta estética de fazer do momento vivido, dos acontecimentos da atualidade fontes de
pesquisa e produção para o palco. É questão corrente em sua obra, parecendo ser
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inconcebível, pensar que o homem passa pela vida, sem se questionar sobre ela, sem querer
mudar. Nisso aparecem questões como: Que impotência é essa do homem mudar a si próprio?
O que lhe permite tantos feitos, como por exemplo, causar catástrofes, mas que o impede de
poder revertê-las em bondade e gestos de respeito para com o próximo? Há impotência, ou faz
parte de uma escolha? Mais uma vez, o que lhe interessa são as situações em que isso é
questionado. Que decisões devem ser tomadas e cada uma terá sua implicação e essas
implicações devem ser mostradas e destrinchadas.
A arte precisa se apoiar naqueles que querem de fato mudar para melhor. É esse desejo
que fará do teatro um teatro próprio de sua época. Não colocando a arte à mercê da época,
mas ao mesmo tempo não esquecer esta e suas características. Negar isso é um erro grave.
Posteriormente, é deixar de lado aqueles que também têm direito à diversão, que também
podem criar diversão, sem se esquecer de pensar sobre a complexidade de seus problemas. A
arte pode servir de saída para, por que não também, proporcionar a resolução desses
problemas.
Tudo isto vem facilitar ao teatro uma aproximação, tanto quanto possível estreita,
com os estabelecimentos de ensino e de difusão. Pois, embora o teatro não deva ser
importunado com toda a sorte de temas de ordem cultural que não lhe confiram um
caráter recreativo, tem plena liberdade de se recrear com o ensino ou com a
investigação. Faz com que as reproduções da sociedade sejam válidas e capazes de a
influenciar, como autêntica diversão (BRECHT, 2005, p.136-137).
1.3 A proposta teórica da prática
Chega-se ao ponto da proposta. O que deve ser feito para que o mundo seja mostrado
assim como é? Como mundo que muda e que pode ser mudado pelo homem que se senta para
assistir à peça? Há muito tempo que algo está sendo escondido: a mudança. Porém, todos
sabem que algo mudou. O quê? Resta ao teatro “escancarar” as cortinas de seus palcos!
O que estava sendo mostrado, segundo Brecht, era uma estrutura extremamente
elaborada com o intuito de não mostrar saídas, de não poder ser modificada pela sociedade.
Ou seja, por ninguém que estivesse na plateia. Brecht ressalta esse ponto, o tempo todo e de
forma radical, com razão, porque se sabe (e nesse ponto a influência da filosofia é
fundamental) que os produtos da alienação, podem ser os mais desastrosos possíveis. Quando
a importância do saber sobre si e sobre o seu mundo não é frisada o tempo todo, há uma
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grande tendência dos homens a se fecharem cada um em seus problemas pessoais, íntimos.
Têm a esperança de que “Deus” 6 os resolva sem despertarem para a possibilidade de que tais
problemas podem ser resolvidos por eles mesmos.
A reflexão e o pensar podem limitar a ação, mas a ação efetiva e cordial só existirá por
meio desses mecanismos apenas possíveis aos homens. O homem deve ser retratado como um
acontecimento que ainda não terminou, assim como todas as suas ações e todos os momentos
de sua vida. A vida dele está longe de acabar. O homem moderno tem de superar a “morte de
Deus”, que nada mais é senão a morte de seus valores. Um sentimento de angústia e de que
tudo que se estabelece com o advento desse homem moderno é vão e deve ser superado.
Superado a partir da construção de um olhar que não deveria buscar algo acima da vida, mas
nela mesma. O olhar que faz com que valha a pena viver novamente. Para isso, fazendo a
ponte (lembramos Nietzsche), o homem precisa se desprender dos ressentimentos carregados
por sua tradição metafísica para buscar algo de valioso no mundo terreno, não mais no mundo
da transcendência. Só assim, encarando a sua condição de ser que sofre, poderá confrontar o
conformismo e ir além de si mesmo, não mais vendo a vida de forma depreciativa porque ela
terminará na morte, mas buscando na própria vida saídas, possibilidades, salvação. Dessa
forma, poder-se-ia dizer que há, como em Nietzsche, uma proposta de superação do niilismo:
em Brecht, através do teatro.
Se o teatro se ocupará de mostrar a realidade, terá que ser capaz também de abrir
campos para a transformação dessa realidade, contemplando-a de diversas formas. Para que
não haja possível frustração - como muitas vezes há perante algumas teorias, que rondam a
mudança, mas que deixam sempre a pergunta: Como mudar? Como fazer teatro dentro desses
moldes, sem esquecer o principal objetivo do teatro que deve ser o de divertir? –
mencionemos as cartas de Brecht, que constituem a parte prática de sua estética. A
explicitação de algumas técnicas ainda está longe de ser prática (por se tratar a prática do
objetivo dessa teorização, neste caso), porém, durante toda a sua vida, Brecht, como já dito,
antes de teorizar as aplicou, as experimentou em seu teatro e hoje elas continuam sendo
adotadas, por vezes sendo reinventadas, por vezes não.
Em primeiro lugar, Brecht propõe um novo olhar diante da perspectiva histórica. Ela
existe de certa forma, no entanto passa a ideia de que aquilo que aconteceu naquela época
também poderia acontecer agora e sendo vivenciado de um outro modo por outros homens
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O uso da palavra “Deus” é no sentido de crença, de qualquer coisa que influencie diretamente, as ações e
pensamentos do indivíduo, que o prenda e o objetive em determinada empreitada.
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que não aqueles. Como se fosse trabalhada uma espécie de contradição que, ao mesmo tempo,
mostra certo momento na história e esfumaça sua imagem, fazendo-o se parecer também
como um possível momento de agora. Essa situação gera um confronto e por si só tem como
objetivo causar certo estranhamento. Há uma liberdade que permite uma viagem por várias
épocas, situações, acontecimentos. Há um reconhecimento que não se efetiva de cara, que não
se finda na ação, que se completa com a abstração e reflexão dirigida a ele.
Este elemento pode-se dizer que está ligado a algo mais fecundo em Brecht, que é a
concepção dialética, dirigida a um compromisso que ele acreditava ser fundamental da
ciência: o de educar combatendo a irracionalidade. Fazer do espectador um cientista, um
cientista que lida com a contradição. Que cresce nela, para transformar. Na dialética, a
diferença em forma de dicotomia se dá por meio da dinâmica, apresentando acontecimentos,
ou situações que ainda não findaram e nos quais as coisas “tomam rumos” diferentes do que
aconteceria com, por exemplo, uma apreensão superficial do real, para dar lugar ao verdadeiro
real, uma contradição. As coisas só se transformam se estiverem em conflito com elas
mesmas. É nesses conflitos que se dá a mudança. Brecht quer o espectador vivenciando esse
conflito e os possíveis desenlaces que dele podem provir. Afinal, segundo ele próprio:
Mesmo nos ‘panoramas’ das barracas de feira e nas baladas populares, a gente
simples - que é, afinal, tão pouco simples - gosta de histórias que tenham por tema
prosperidade e a queda dos grandes, a eterna mudança, a astúcia dos oprimidos, as
possibilidades do homem. E buscam a verdade: isto é, ‘o que fica por trás dela
(BRECHT, 2005, p.188).
Ainda com respeito à dialética, havia também em Brecht, uma forte reivindicação: a
de unir forma e conteúdo, como se ambos constituíssem uma unidade (embora havendo
diferenças estruturais entre eles). Há, no entanto, nisso um embate. Pode-se dizer que o
dramaturgo buscou o verdadeiro realismo, representando em suas peças a realidade, tentando
fugir das leis formais impostas por tratados realistas. Porém, encontrou dificuldades para
combater os pressupostos que já existiam embora soubesse que como artista a sua
preocupação também teria de ser a forma. Assume-se, ele mesmo, como um formalista,
simplesmente por querer, desejar, “formalizar” as imagens de suas descobertas pessoais.
Defende então que o formalismo não é culpado por tornar obras em não realistas, porque ele
não faz parte do campo da estética. Voltando ao ponto de conflito, é necessário que haja
conteúdo no que está sendo dito. Muitas obras foram transformadas em superficialidade para
que se obedecesse a uma beleza estética.
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Segundo Brecht, o problema se resolve quando o formalismo “descer à vida
cotidiana”. Isso serviria até mesmo para desmascarar obras que são puramente formais e que,
portanto, não correspondem à realidade. Pretendem-se transformadoras, mas a maioria das
pessoas não as entende. Como transformar com “montagens” de situações sociais, que não
passam de forma e mais forma? O fracasso de muitas “correntes libertadoras” está no fato
delas não experimentarem o fracasso, o erro, de não experimentarem ao máximo a obra de
arte. Deve ser abandonado aquele velho pressuposto de “algo dar certo”. Só assim o mundo
poderá caminhar ao invés de permanecer estático, como acontece com a metafísica. A única
forma visível para Brecht de isso se concretizar é na união de forma e conteúdo, uma relação
dialética. Nisto, houve a influência do expressionismo, apesar de ter traçado o próprio
caminho. O conflito para ele deve acontecer no palco.
Com o intuito de provocar um “baque” na arte de representar, destituindo a concepção
de que teatro é alheamento, é hipnose, é que vem à tona a técnica central do novo teatro
Épico, o distanciamento. Ele nasce da necessidade de possibilitar àqueles que assistem à
relação e à reflexão, a partir das cenas, com o mundo em que vivem. O mundo representado
não mais será uma ilusão improvável. O conformismo diante dos acontecimentos dados, o
pré-estabelecido, devem ser abandonados para darem lugar a um novo comportamento que
será iniciado pelos atores e pela encenação e culminará na formação de um espectador
consciente e que tenta acompanhar de fato a evolução de seu meio. Nesse mundo, quem quer
diferente é exceção e uma exceção ousada! Há, porém, uma esperança no homem: a de que
ele possa mudar. Para isso, segundo Brecht, o homem terá que encarar o que deveria ser e não
só o que é. Um novo destino tem que lhe ser mostrado.
O distanciamento descarta o previsível. Ecos, esboços configuram a cena que
desencadeia tantas outras cenas na cabeça daquele que assiste. O objeto reconhecido, que para
Brecht é feito por meio de referências históricas, ou com um dos ícones da atualidade,
provoca dúvida e sensações diversas das de um reconhecimento comum, como do teatro
burguês. O efeito novo ansiava outros desígnios, que não os da antiga técnica, que existia em
outras culturas e se aproximava mais do plano de um devaneio e de um desprendimento
espiritual do mundo do que da veracidade deste. Não servia para a sociedade do novo tempo,
nem do próximo. A finalidade era outra: a de despertar no espectador a atividade crítica ao
tornar o cotidiano especial, justamente para que se pensasse sobre ele (por isso mesmo, é
importante o uso, em cena, de elementos desse cotidiano). Chega a ser espirituoso pensar que,
a vida representada pelo teatro burguês estava tão distante da realidade que retratá-la (a
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realidade) na sua simplicidade e sem artifícios, seria causar um estranhamento. Esta já é por si
só uma grande contradição.
A dialética encontra-se nesse processo também. Pode ser (e esta é uma reflexão
arriscada, ao mesmo tempo em que pertinente, à medida que se lê sobre a estética de Brecht)
que sua concepção de dialética, assim como também a de distanciamento, tenha surgido cada
vez de forma mais intensa em sua obra, para contestar a própria concepção de opostos como
se eles existissem apenas no plano teórico. Eles se confundem, unem-se na contradição, assim
como o amor e o ódio, que constantemente (como a maioria dos sentimentos, classificados
como opostos) tomam a mesma forma, são faces da mesma moeda e apossam-se ao mesmo
tempo de uma mesma pessoa e, no entanto, são tidos conceitualmente como opostos. Isso se
aproxima da vida real. No distanciamento isso é experimentado pelo ator e, consequentemente
pelo espectador. Mais que isso: só culminará em vivência do público, se primeiro for
experimentado pelos atores.
Antes, o que era encenado tinha que dar a impressão de não ser ensaiado, de ser o mais
natural possível. Agora, o ator deve mostrar com gestos, o que está fazendo. Num primeiro
momento, pensa-se em distanciamento - e nisso reside o grande problema das interpretações
brechtianas - como algo reto, frio e extremamente entediante. Realmente isso pode acontecer,
mas há um ponto chave para que ele se concretize de fato e é o que muitos não entendem. O
ator não deve começar distanciado totalmente de seu personagem. Mesmo porque para haver
um distanciamento é necessário que antes se aproxime algo. O que não deve acontecer é o
ator “metamorfosear-se” na personagem. Ele não deve, no decurso do processo, deixar-se
levar pela personagem e os sentimentos desta, mas num primeiro momento (muito pequeno) é
imprescindível certa empatia, para que, no momento em que ele e o espectador estejam
“quase acreditando”, se dê uma quebra, uma interrupção, que é feita pelo próprio ator e que se
configurará na forma de gestos, plenos e meticulosamente escolhidos a partir de um trabalho
que Brecht defende que se faça através da constante observação atenta -“arte da observação”-,
tanto dos atores, quanto dos novos espectadores que irão nascer.
A quarta parede (que antes configurava justamente a distância entre espectador e ator)
se desfaz e o ator se dirige diretamente ao público e em nenhum momento, ambos deixam de
ser o que são: ator e espectador. Nesse sentido, nasce também uma nova forma de se ensinar e
de se aprender. Há uma proposta educativa e filosófica nisso, porque tanto para o público
como para aquele que encena pretende-se que desenvolvam uma atitude de questionar e
refletir sobre o que fazem e o que veem. Tanto um quanto o outro sabem exatamente o que
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estão fazendo. A ideia de um “espectador-filósofo” que se desenvolve juntamente com a idéia
de observação é explorada já desde os ensaios intensos dos atores que estudam aquele
personagem, distantes como um historiador, a partir de mesas de estudos e com o maior
número de ensaios possível, para que o trabalho não se dê no nível da precipitação e das
escolhas sem fundamento. A escolha meticulosa dos gestos se insere neste trabalho de
distanciar, uma vez que será através destes que se desenrolará a cena cotidiana, com todas as
contradições que carrega.
Faz-se a peça, inicia-se a discussão que se espera que reverbere durante muito tempo
naquele indivíduo que assistiu e no ator que representou. Não há mais o espetáculo que retira
o homem de sua realidade para lhe oferecer um mundo que não lhe pertence. Não se trata de
pessimismo nem de conformismo. Há esperança, mas ela está justamente em apontar o
conflito e procurar saídas, e não puramente em assistir à desgraça e sentir-se inútil porque
assim o é. Isso tudo, aliado ao bom humor, à precisão técnica e à devoção daquele que
acredita na arte como um plano, também para a mudança, configura os fundamentos da
estética teatral de Bertolt Brecht.
Considerações Finais
No mais, um clássico para o teatro só deveria ser assim considerado quando se
esgotassem todas as suas possibilidades de atuação. Portanto, parece que Brecht, enquanto
desenvolvimento de uma atitude crítica na discussão da realidade e enquanto impulso para a
investigação de aperfeiçoamento técnico (como ele fez), se bem apropriado, estará sempre
vivo. Mais uma vez, não as suas peças, porque qualquer texto por maior que seja a sua
atualidade, se esgota, ou deixa de fazer sentido, para determinados momentos vividos pela
sociedade. O que é mais interessante em Brecht é a sua atitude não só como artista mas como
homem pertencente a este mundo e que não consegue aquietar-se diante de tanto sofrimento.
Para isso, é muito importante lembrar que nos últimos anos de sua vida, ele pensava muito
num teatro sempre inovador, e que ele era antes de tudo alguém que acreditava na mudança.
É preciso provocar constantemente o debate, fazer o homem pensar sobre si e sobre o
que o rodeia. A alienação, a desesperança, a crença de que as coisas não vão mudar e que não
há por onde começar já levaram e continuam levando homens e povos a se conformarem com
a ruína e a cometerem atos desesperados. Essa busca por mostrar o que é oculto, é uma busca
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pela clareza, uma busca por não se aceitar, com radicalidade, que nenhuma ação privilegie
mais um ser humano que o outro. Na história, aconteceram fatos que jamais deveriam ter
acontecido se houvesse certo discernimento. Exemplo disso foi o terrível Nazismo e todo o
seu grande programa de alienação. Não é necessário nem lembrar que a propaganda nasceu
nesse tempo sombrio. Brecht viveu nesse tempo.
Porém, é claro que quando se trata de seres humanos que adquiriram um novo
conceito do que é sobreviver, o campo fica mais complicado. Mas como clichês sempre são
válidos, em horas de aperto aquele que diz que “a esperança é última que morre” diz algo que
cabe com perfeição nesta conclusão, porque é dessa esperança que de certa forma Bertolt
Brecht falou, é ela que deve guiar o artista em sua arte, que por sua vez guiou esse trabalho; é
ela que promove a fé dos indivíduos e, provavelmente, é ela que guia a vida dos homens.
Como conclusão, um trecho de um poema do mestre, “A esperança do Mundo”:
Quanto mais numerosos os que sofrem, mais naturais parecem seus sofrimentos,
portanto. Quem deseja impedir que se molhem os peixes do mar?
E os sofredores mesmos partilham dessa dureza contra si e deixam que lhes falte
bondade entre si.
É terrível que o homem se resigne tão facilmente com o existente, não só com as
dores alheias, mas também com as suas próprias.
Todos os que meditaram sobre o mau estado das coisas recusam-se a apelar à
compaixão de uns por outros. Mas a compaixão dos oprimidos pelos oprimidos é
indispensável.
Ela é a esperança do mundo (BRECHT, 2000, p.223).
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Referências
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NIETZSCHE, F. O Anticristo. São Paulo: L&PM, 2009.
WILLET, J. O Teatro de Brecht. Rio de Janeiro: Zahar, 1967
Submetido em: 31/08/2011
Aceito em: 29/11/2011
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ESTUDOS SOBRE BERTOLT BRECHT - Rita Alves Miranda