FORMAÇÃO DSE PÚBLICO Relato de Trabalho com Grupos Sociais sobre Formação de Público com a ArteEducação NASCIMENTO, Danilo França do OLIVEIRA, Darleny Tavares Goes Cardoso de FONSECA, Ramon Gustavo SILVA, Renata Patrícia da INTRODUÇÃO O material presente é resultado do desenvolvimento de um trabalho de pesquisa a partir de um projeto social proposto pelo docente Prof° Ricardo Carvalho, da disciplina de Jogos Teatrais II, na Universidade Federal de Ouro Preto. O projeto visa à formação de espectadores teatrais, ao mesmo passo em que propicia o primeiro contato cujos alunos se tornam alunos-oficineiros, desenvolvendo a capacidade do mesmo a lecionar, já que a habilitação do curso é na modalidade de Licenciatura. Os públicos alvos foram as Garotas de Programa da Boite Funny Night Club, público discriminado e tido como marginalizado pela sociedade, e as Garis do departamento de limpeza de Ouro Preto, pessoas simples que estão inseridas dentro de um contexto social e por vezes não percebem a possibilidade de alterar o mesmo. O objetivo é o aproveitamento e a compreensão do texto, gerar discussões a partir do que foi apresentado (ou seja, a peça) e trabalhar o texto com situações propostas por eles. Há também o objetivo de trabalhar oficinas com montagem de cenário e/ou figurino, onde se possam discutir o porquê e fazer com que o grupo trabalhe em função do espetáculo. Trabalhar também o ritmo, percussão, música e dança. Trabalhamos a linha de segmento do autor e dramaturgo Bertold Brecht que norteou e fundamentou a produção do projeto. “Mãe Coragem e Seus Filhos” e “O Círculo de Giz Caucasiano” foram os textos que embasaram nossas oficinas e cenas. PÚBLICOS ALVO Garotas de Programa. Espaço Físico: Funny Night Club Durante alguns dias foram feitos alguns telefonemas tanto para explicarmos sobre o projeto, quanto para agendarmos um dia em que elas poderiam nos receber. Quando conhecemos as meninas fomos recebidos de várias formas. Algumas muito simpáticas. Outras mais relutantes, e ainda algumas se mostravam imparciais. Muitas das garotas têm um propósito maior de ter escolhido esta profissão: o filho que precisa ser educado, a família que necessita de um sustento, ou mesmo a própria subsistência. Histórias trocadas que nos sensibilizaram e nos motivaram a ir cada vez mais adiante com o nosso projeto. Localizada na saída para Mariana, a boite Funny Night Club comporta até 25 garotas. Obtém uma infra-estrutura apropriada para os shows de palco e mesa, além de dormitório para as meninas (divididos em três quartos, cada um com quatro camas e suíte), cozinha industrial, dispensa e área. Na boite trabalham cerca de doze empregados, divididos entre cozinheira, faxineira, garçom, gerente, segurança e DJ. As meninas logo que chegam a casa recebem uma lista de regras a serem cumpridas e um contrato de trabalho assinado por elas por tempo de prestação de serviços. Os shows são divididos entre palco, mesa, e show especial que ocorre no Motel Sunny Day ou no Free Love. O Clube tem um acordo com ambos os motéis, todos os programas são feitos lá (a menos que o cliente pague para sair com a garota) e tem direito a R$ 30,00 do programa realizado. Inovação é essencial. Os shows não devem ser repetitivos e nem monótonos, para agradar ao publico cativo e trazer mais clientes novos. No primeiro contato com a gerente do Clube, sugeriu uma troca. Fariam parte de nossa pesquisa e daríamos subsídios para que as meninas pudessem criar partituras corporais para os seus shows. Garis. Espaço Físico: Departamento de Limpeza de Ouro Preto A escolha das funcionárias do Departamento de Limpeza de Ouro Preto, se deu pelo fato do contato com essas pessoas pelas ruas da cidade. Fomos 2 diretamente no departamento no horário do almoço delas, onde todas se reúnem para almoçar e descansar. No primeiro contato com o grupo podemos perceber um grande interesse pelo trabalho e pela continuidade deste, algumas pessoas não se manifestaram mas demonstraram certo interesse pelo assunto. Conversamos um pouco para conhecê-las melhor e vice-versa, depois explicamos qual o nosso objetivo, foi exposto o texto e o trabalho a ser realizado com ele. Um grande interesse por música foi demonstrado, uma gari que ainda não tinha dito nada se animou a participar da conversa e expôs seu gosto musical, o que nos influenciou na preparação das oficinas. O lugar onde hoje elas se reúnem, o Departamento de Limpeza, era uma capela velório, próxima à rodoviária de Ouro Preto, não muito espaçoso para a realização de trabalhos teatrais, o que fez com que nos adaptássemos às condições oferecidas VIDA E OBRA DE BERTOLT BRECHT: “MÃE CORAGEM E SEUS FILHOS” E “O CÍRCULO DE GIZ CAUCASIANO” Escritor e dramaturgo alemão. Adere desde muito cedo ao expressionismo e vê-se obrigado a fugir da Alemanha em 1933, após escrever a Lenda do Soldado Morto, obra pacifista que provoca a sua perseguição pelos nazistas. Ao iniciar-se a Segunda Guerra Mundial começa uma longa peregrinação por diversos países. Em 1947, perseguido pelo seu comunismo militante, vai para os Estados Unidos. A partir de 1949, e até à sua morte, dirige na Alemanha Oriental uma companhia teatral chamada do Berliner Ensemble. A produção teatral de Brecht é abundante. Além de dramaturgo, um importante teórico teatral. Nos seus Estudos sobre Teatro expõe a sua concepção cênica, baseada na necessidade de estabelecer uma distância entre o espectador e os personagens, a fim de que o ponto de vista crítico do autor desperte no espectador uma tomada de consciência. Destaca-se também na poesia, de forte conteúdo social. 3 A peça “Mãe Coragem e seus filhos” foi escrita no período do exílio, em 1941, e é considerada por muitos como a obra prima de Brecht. É uma parábola do papel da pequena burguesia no meio de tempestades políticas. O autor, ao desenhar o perfil da protagonista, encerrou-a na enorme contradição de uma mãe que tem na guerra sua única fonte de receita e que não consegue resguardar seus filhos da realidade em que estão inseridos. Suas atividades lhe conferem um caráter realístico não idealizado, mas não retiram o cunho inexorável da guerra. A peça “O Círculo de Giz Caucasiano”, escrita por Bertolt Brecht entre 1944 e 1945, durante o exílio nos Estados Unidos, é de narrativas concêntricas: um prólogo em que um grupo de camponeses se reúne para discutir o direito à propriedade; uma encenação em tom de fábula sobre Grusha, uma empregada da corte que toma conta de uma criança abandonada pela mãe durante uma revolução palaciana e a conduz por regiões variadas; a farsa do beberrão juiz Azdak, cuja desconformidade patética com a lei o aproxima da justiça. A forma "em fuga" de uma peça feita de peças-dentro-da-peça imprime um sentimento de exílio nesse que é um dos textos mais radicalmente épicos de Brecht e que há muitos anos não é encenado no Brasil. Do ponto de vista temático, a escolha de O Círculo de Giz se liga a uma vontade de discutir a questão, ainda explosiva no Brasil, do "direito à terra". A leitura do texto teatral nos abre inúmeras percepções. Analisamos a história e percebemos a impotência diante de um contexto estabelecido e a necessidade de criar novas realidades. O dramaturgo alemão não desejava criar uma obra ilusória em que os espectadores, ao assistirem, ficassem com a sensação de bem estar diante de realidades romanceadas. Sua intenção era causar a indignação, deixar que as pessoas, munidas de senso crítico, concluíssem que o que assistiram não deveria continuar. OFICINAS Primeiro dia: Garotas “Gato e Rato”: simulamos uma perseguição onde um dos jogadores assume o papel de gato (persegue) e o outro de rato (perseguido) e o restante da equipe as influencias externas que podem tanto pender para um lado quanto pode pender para o outro. 4 “Abraço”: dinâmica de confiança. Duas filas em cada extremidade do espaço e de dois a dois se encontram no centro, se abraçam e estabelecem quem deita e quem sustenta. “Memória Emotiva”: andar pelo espaço enquanto o oficineiro dita as instruções. Objetivo: despertar o sentimento de perda. Os jogadores tinham que pensar em uma pessoa querida, e em seguida imaginar que essa pessoa por algum motivo morreu. Após isso, nos reunimos e refletimos sobre a dinâmica e o que cada uma delas sentiu. “Jogo do Argumento”: Proporcionar uma discussão entre dois grupos a partir de um determinado objeto. Ganha o jogo quem apresentar os melhores argumentos. Baseado em nossa cena, a quinta dinâmica propunha fazer com que os jogadores criassem uma história com personagens pré-definidos, estes: mãe, amiga da mãe, filha, namorado da filha e dois traficantes. (os mesmos personagens que fariam parte da nossa adaptação que seria apresentado a elas no dia seguinte). “Improvisação de Dança a partir de um Objeto”: Individualmente escolher um objeto e dançar com o mesmo. Pouco a pouco o palco foi preenchido por todas, que juntas fizeram uma improvisação com dança e batuque. Finalização: dinâmica do “Caldeirão”. Em círculo e de mãos dadas, deixar e retirar do caldeirão imaginário sensações referentes à oficina/dia. Confraternização com bolo e refrigerante. Segundo dia: Garotas “Apresentação”: cada jogador diz o nome de forma diferente e o grupo reproduz. “Siga o Mestre”: Proposta individual de movimento. Grupo segue. “Palmas”: Requer agilidade. Pular, correr, caminhar e deitar de acordo com a instrução do oficineiro, acompanhada do som da palma. Cena baseada no texto “Mãe Coragem e seus filhos”. Apresentação feita no palco utilizado para os shows noturnos. Poucos adereços cênicos e trajes escuros com placas no peito escrito em vermelho quais eram os personagens representados Em círculo debatemos sobre a cena. Possibilidades de associação com os dias de hoje, a relação da nossa cena com a cena que elas haviam apresentado no dia anterior e com tudo que trabalhamos. 5 Finalização: Caldeirão. Confraternização com bolo e refrigerante. Primeiro dia: Garis “Apresentação”: cada jogador diz o nome de forma diferente e o grupo reproduz. “Espelho”: dividido em duplas, onde cada membro da dupla se imitava, coordenação, percepção e concentração foram elementos explorados nesse jogo. “Objeto imaginário”: consiste em dar realidade a um objeto qualquer efetuando uma ação, onde cada pessoa faz uma ação usando um objeto imaginário e os demais membros tentam descobrir qual o objeto utilizado. “Onde”: improvisação, mostrar através de ações onde a pessoa se encontra. Cada pessoa faz uma ação e os demais tentam descobrir onde a pessoa se encontra. Finalização: em roda, usou-se a música UATATÁ, na medida em que a mesma ia sendo cantada, cada pessoa batia no joelho e dava estalinhos nos ouvidos do companheiro ao lado. Posteriormente, sugerimos duas palavras, uma negativa e outra positiva, as palavras faladas foram: INVEJA e UNIÃO, respectivamente. Segundo dia: Garis “Ciranda”: Roda, de mãos dadas, canta-se uma cantiga a girar. Finalização: Festa carnavalesca. (O trabalho foi ministrado nesta época). Iniciativa das garis. Unimos nosso trabalho com o desejo delas de ter um “Bloco da Limpeza”, extraímos disto espontaneidade, percepção, concentração e dedicação. CONCLUSÃO Objetivos alcançados com grande êxito. Surpreendemos-nos e fomos surpreendidos, tanto no aspecto teatral, em relação ao desenvolvimento dos exercícios, tanto quanto na capacidade de improvisação das meninas e nas questões humanas e sentimentais, onde obtivemos trocas únicas. Em conversa com as garotas, debatemos a ligação entre a peça e ouvimos delas reflexões, opiniões e modos de visão diferente, a partir de questões referentes aos fatos trabalhados no processo e a sociedade em si. União, fé, surpresa, companheirismo, preguiça, força, dinamismo, entre outras palavras deram o 6 desfecho das oficinas e de nosso trabalho para com elas. Já as garis, foi interessante a opinião delas quanto ao tema principal da peça apresentada: quem tem direito a quê? Estas, inclusive, opinaram sobre o MST, considerando suas reivindicações corretas. Disseram que é necessário uma distribuição de terras (reforma agrária) mais justa. Para nós, estudantes de artes cênicas e futuros artes educadores foi uma grande experiência ministrar aulas de oficinas para não atores pela primeira vez. Com certeza, essa experiência ampliou nossa visão quanto à importância de formar público e nos mostrou parcialmente o futuro de nossa profissão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: SPOLIN, Viola. Jogos Teatrais: O Fichário De Viola Spolin. São Paulo: Perspectiva, 2001. BRECHT, Bertolt. Mãe Coragem e Seus Filhos. In: Bertolt Brecht: Teatro Completo - Vol. 6. São Paulo: Paz e Terra, 1991. BRECHT, Bertolt. O Círculo de Giz Caucasiano. In: Bertolt Brecht: Teatro Completo - Vol. 9. São Paulo: Paz e Terra, 1992. Filmes: Sexo por Compaixão. Eu, Cristiane F. 13 anos Drogada e Prostituída Internet: Colcha de Retalhos. Disponível em: <www.helenasut.net>. Acesso em: 20 out. 2007. 7