IDENTIDADES SOCIAIS DE RAÇA E CLASSE NOS LIVROS DIDÁTICOS DE INGLÊS DO ENSINO MÉDIO Lilian Paula Dambrós1 RESUMO Página O presente artigo pretende demonstrar como os livros didáticos auxiliam na construção das identidades sociais de raça e classe. A análise feita teve por objetivo analisar quatro livros de três diferentes editoras do 1º ano do ensino médio, com o intuito de entender como as identidades sociais de raça e classe são tratadas no livro didático. Ao analisar os livros didáticos tentarei responder as seguintes perguntas de pesquisa: Há referência de raça e etnias no conteúdo e nas imagens dos livros didáticos analisados e como ela é feita? As imagens e os conteúdos, questão do letramento e multiletramento, estão em conformidade com o que pede a lei 10.639/03? Qual a posição do PNLD quanto ao que diz a lei 10.639/03? Em relação ao referencial teórico, utilizarei Silva (1995), Bittencourt (2010), Gomes (2005) Hall (2003), Lopes (2003), Muranga (2006), Silva (2006). Os aportes teóricos que servem de fundamentação teórico-metodológica para esta pesquisa estão respaldados em uma revisão de literatura dos estudos que vêm sendo realizados com os livros didáticos. A pesquisa também pretende refletir sobre as políticas linguísticas e educacionais, tais como PCN-LE (BRASIL, 1998), OCEM-LE (2006), DCE-LE (PARANÁ, 2008) o que diz o PNLD (BRASIL, 2012) e a Lei Federal 10.639/03 (BRASIL, 2004). A metodologia utilizada foi de analise documental das políticas linguística e educacionais, dos discursos produzidos nos Livros didáticos e análise de imagens que utilizam os estudos dos multiletramentos de acordo com Rojo (2009 e 2012). Espero, com este trabalho, que mais professores do Ensino Médio possam perceber os discursos veiculados aos Livros didáticos e refletir criticamente sobre as políticas do livro didático. Palavras-chave: Livro didático. Preconceito racial. Identidades. ABSTRACT This article seeks to demonstrate how the textbooks assist in the construction of social identities of race and class. The analysis aimed to examine four books of three different publishers in the 1st year of high school, in order to understand how social identities of race and class are treated in the textbook. By analyzing the textbooks try to answer the following research questions: Is there reference to race and ethnicity in the content and the images of the textbooks examined and how it is made? The images and contents, issue of literacy and multiletramento, are in accordance with the law 10.639/03 asking? What position PNLD as to what the law 10.639/03? In relation to the theoretical framework, I will use Silva (1995), Bittencourt (2010), Gomes (2005) Hall (2003), Lopes (2003), Muranga (2006) and Silva (2006). The research also aims to reflect on the linguistic and educational policies such as PCN-LE (BRAZIL, 1998), OCEM-LE (2006), DCE-LE (Parana 2008) says the PNLD (BRAZIL, 2012) and the Federal law 10.639/03 (BRAZIL, 2004). The methodology used was documentary analysis of linguistic and educational policies, discourses produced in Textbooks and image analysis using the studies of 1 Professora de Inglês do Ensino Fundamental e médio, atualmente atuando na escola Municipal Professora Theresa Gaertner Seifarth, no município de Carambeí, Pr. Graduada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa especialista em Linguas pelo ESAP. Email: [email protected] Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. 146 multiliteracies according Rojo (2009 and 2012). I hope more teachers to realize the discourses conveyed to Textbooks and critically reflect on their policies and the textbook. Keywords: Textbook. Racial prejudice. Identities. O livro Didático utilizado nas escolas pode auxiliar na construção e (re)construção das identidades de alunos negros, pois de acordo com Bittencourt (2010) ele ainda é o principal instrumento utilizado nas escolas por alunos e professores. Segundo ela, seu papel na vida escolar pode ser o de instrumento de reprodução de ideologias e do saber oficial imposto por determinados setores. Podendo assim, gerar discriminação e preconceito, que poderão se tornar impasses na construção das identidades de nossos alunos. Por esse motivo vejo a necessidade de entender sobre os discursos produzidos acerca de raça e etnias nas imagens dos livros didáticos de Língua inglesa do ensino médio, através dos multiletramentos; principalmente verificar se as práticas sociais dos alunos estão evidenciadas nestes livros didáticos. Para Silva (2006), apesar de haver intensa movimentação no campo da análise de produção do livro didático, o tema racismo sempre aparece tanto na agenda das políticas educacionais- como por exemplo nos Parâmetros curriculares nacionais (BRASIL, 1998), nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica Língua Estrangeira Moderna (PARANÁ, 2008), nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL 2012) e na Lei 10639/03 (BRASIL, 2003)- quanto nas avaliações promovidas pelo Ministério da Educação e pelo MEC e mesmo assim, de acordo com Silva (2006) o livro didático continua produzindo e veiculando discursos racistas. De acordo com Bittencourt (2010), o livro didático constitui um instrumento no processo de socialização e de humanização, ele é um veículo condutor de linguagem simbólica e tem o professor como mediador. Por essa razão, é importantíssimo que o Livro Didático traga inserções de discuções sobre questões relevantes à identidade social e à diversidade étnico-racial, que venham de encontro com a implantação das Diretrizes Curriculares da Educação Básica de língua Estrangeira moderna, da Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. Página 147 secretaria da educação do Estado do Paraná (PARANÁ, 2008), e a publicação da Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003), a qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino básico a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Circe Bittencourt (2010, p. 72) argumenta que, […] “o livro didático é um Página importante veículo portador de um sistema de valores, ideologia e cultura e que várias pesquisas vêm demonstrando como os textos e as ilustrações de obras didáticas transmitem valores dos povos dominantes, o que vem de encontro com os preconceitos da sociedade branca burguesa.”. Também, de acordo com Silva (2006, p 57) “a classe dominante na busca do poder utiliza-se da ideologia para convencer a “massa” de que é superior e um grande exemplo disso é quando, em livros didáticos destinados a crianças e adolescentes, se veicula a imagem do negro a estereótipos, que expandem uma representação negativa deste e uma representação positiva do daquele”. Outro fator tão agressivo quanto o estereótipo é a invisibilidade, pois não ser visível nas ilustrações dos livros didáticos, ou então, aparecer desempenhando papéis subalternos, pode contribuir para a pessoa negra desenvolver um processo de autorejeição e de rejeição ao seu grupo étnico/racial (SILVA, 2006). Para Silva (2003), mesmo os livros didáticos passando por periódicas vistorias, continuam produzindo e veiculando um discurso racista, apenas ajustado à época atual. Lopes (2003) acrescenta ainda que, o preconceito racial não nasce com o ser humano, pelo contrário, ele é socialmente construído. Desta maneira, este mesmo autor afirma que entre as diversas formas de se produzir desigualdade entre negros e brancos uma delas é o Livro Didático quando utilizado sem criticidade e ainda mais, que o livro didático pode ser parte do discurso de construção social de inferioridade e pode introjetar no indivíduo negro o sentimento de baixa autoestima, e de exclusão do ambiente escolar. Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. 148 Silva (1995), relata que desde a década de 1950, vêm sendo realizadas pesquisas em relação à discriminação e o preconceito racial contidos nos livros didáticos e de literatura infantil, porém o livro de Silva é do final do século XX e ainda se constata que o livro didático continua evidenciando esta prática, como descreve Silva (1995) fazendo referência ao que identificou Rosemberg. Página 149 O QUE DIZEM AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS E OS DOCUMENTOS OFICIAIS? UMA PEQUENA REFLEXÃO A RESPEITO DE CADA UM DESSES DOCUMENTOS Ao refletir sobre os limites, desafios e possibilidades das políticas educacionais e linguísticas nos livros didáticos de língua inglesa, é perceptível que os PCN’s, por exemplo, sugerem que temas transversais sejam propostos nas salas de aula, para promover a construção da cidadania, no entanto o próprio documento demonstra que há incoerência entre o livro didático e o mundo real, quando afirma que “[...] os livros didáticos, em geral, não cumprem esse objetivo, pois os textos que neles se encontram são, na maioria das vezes, elaborados ou selecionados tendo em vista o ensino do componente sistêmico”. (BRASIL, PCNs, 1998, p. 93). Quanto às DCEs-LE, destacam a facilidade que o livro didático traz para o professor ao planejar e organizar suas aulas e para o aluno ao possibilitá-lo a consultar o material sempre que houver necessidade. Por outro lado, o documento também destaca que o livro Didático não deve ser a única fonte de informação a ser trazida para a sala de aula, pois deve se valorizar a relação entre o espaço escolar e o cotidiano do aluno. Desta forma o documento exalta a importância do desenvolvimento das “[...] atividades significativas, as quais explorem diferentes recursos e fontes, a fim de que o aluno vincule o que é estudado com o que o cerca.” (PARANÁ, DCEs, 2008, p. 64). Sendo assim, para os documentos oficiais, o Livro Didático é destacado como uma ferramenta dentre outras, como vídeos, DVDs, internet e etc.. Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. Porém, se tratando do posicionamento em relação à raça e etnia, acredito que as diretrizes curriculares da educação básica de língua estrangeira moderna, assim como outros documentos oficiais, deveriam propiciar uma abertura maior para a discussão étnico racial no corpo do documento, tendo em vista que estamos em um momento onde presa-se sempre pela contextualização sócio histórica. Página Em relação às OCEM de língua estrangeira e o livro didático, também orientam a usá-lo apenas como uma das ferramentas que auxiliam o professor em sua prática, portanto sua vantagem estaria em ser “[...] um recurso a mais, entre tantos, de que o professor dispõe para estruturar e desenvolver seu curso e suas aulas.” (OCEM-LE, 2006, p. 154). O documento também alerta para uma desvantagem, que diz respeito à dependência do professor em relação ao Livro Didático, quando o utiliza como seu único material de trabalho, esquecendo-se de tantos outros recursos inclusive áudio/visuais que nos rodeiam e podem tornar a prática pedagógica mais interessante para o aluno. Há algumas semelhanças no discurso dos documentos DCE’s, PCN’s e OCEM em relação ao sujeito, pois todos referem-se ao sujeito como fruto de seu tempo histórico e presam pelas relações sociais em que o sujeito está inserido. Porém, em relação a raças e etnias, o documento menciona apenas algo sobre “pertencimento étnico” (BRASIL, DCE’s, 2008, p.15) e de forma bastante ampla. O que pode demonstrar, a meu ver, pouco comprometimento com a questão étnico racial. Esse fato nos leva a refletir a relação que os documentos oficiais apresentam entre si. Por exemplo, a lei 10.639/03 (caderno de relações étnico raciais) que é de 2008, como é possível o PNLD 2012 não fazer menção ao conteúdo expresso nela no momento de considerar os critérios para avaliação dos livros didáticos? E mais, não exigir que os livros selecionados trouxessem questionamentos e discuções em torno deste tema? Ao analisar as resenhas contidas no PNLD/ 2012, a questão racial me pareceu praticamente invisível nas resenhas dos livros didáticos de língua Inglesa. Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. 150 Mesmo os objetivos contidos nos Parâmetros Curriculares Nacionais dizem que: [...] “conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais”. (BRASIL, PCN’s,1998, p. 7), tendo em vista este recorte, o PNLD considerou este documento em parte, pois Página 151 de fato não há discriminação nas resenhas presentes no PNLD, porém está longe de haver “pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro” e posicionamento contrário a “discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social” (BRASIL, PCN’s,1998, p. 7), de cor e de raça. Ao analisar os documentos educacionais mencionados, é perceptível que todos concordam em um mesmo ponto, o de que o Livro Didático não precisa ser o único recurso do trabalho do professor e que há outras fontes que podem contribuir para que as aulas sejam percebidas como momentos de discussão e reflexão com os alunos. O QUE SERIA A IDENTIDADE E QUAL SERIA SUA FORÇA NA FORMAÇÃO DO SER HUMANO? Segundo Gomes (2005, p.41), [...] “a identidade não é algo inato, mas sim um modo de ser no mundo e com os outros”. De acordo com a autora, identidade indica traços culturais que se expressam através de práticas linguísticas, festivas, rituais, comportamentos alimentares e tradições populares. Sendo assim, para Nilma Gomes (2005) identidade não se prende apenas ao nível da cultura, ela envolve níveis sóciopolítico e histórico em cada sociedade. Ainda de acordo com a autora, a identidade não é construída no isolamento, mas tanto a identidade individual como a social é “negociada” a vida toda, por meio do diálogo parcialmente interior e parcialmente exterior. Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. Gomes (2005), afirma que a construção da identidade negra, assim como qualquer outra identidade se dá socialmente e para ela tanto o âmbito da cultura, como o da história definem as identidades sociais. De acordo com a autora não temos identidade e sim identidades, e são as múltiplas identidades que constituem os sujeitos na medida em que esses são interpelados em diferentes situações ou agrupamentos sociais. Página 152 Segundo a autora, a identidade negra se constrói gradativamente, num movimento que envolve inúmeras causas e efeitos, desde as primeiras relações estabelecidas em um grupo social mais íntimo, como o da família. Para Gomes (2005 p. 43), [...] “a identidade negra é uma construção cultural, histórica, social e plural, que implica na construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial, sobre si mesmos, a partir da relação com o outro” [...]. Ainda em relação à identidade negra a autora salienta que, construir uma identidade positiva do negro em uma sociedade como a nossa que, historicamente ensina aos negros que para serem aceitos é preciso negar-se a si mesmo, não é tarefa nada fácil para os negros e negras brasileiras enfrentarem. De acordo com Nilma (apud MURANGA,1994 p.187), [...] “para entender a construção da identidade negra no Brasil, é preciso considerar seu sentido político, afinal o segmento étnico-racial contribuiu muito para a construção de nosso país, tanto culturamente, quanto economicamente, com trabalho escravo e mesmo assim permanece sendo excluído da participação na sociedade”. Gomes argumenta ainda (2005 p. 44) que [...] “a identidade negra é construída na trajetória escolar e por isso a escola também tem responsabilidade social e educativa de compreendê-la na sua complexidade, respeitá-la, como às outras identidades construídas pelos sujeitos que atuam no processo educativo escolar”. Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. De acordo com o próprio Muranga (2006, p.20), a construção social da identidade se produz em contextos de relações de força, o autor afirma que essas relações de força podem ser divididas de três formas diferentes para criar as identidades, sendo assim, pode-se criar as identidades: “ legitimadoras, de resistência e de projeto”. Para Muranga (2006, p.25), a identidade humana é diversificada, ou como diriam outros autores, ela é múltipla, devido à subjetividade humana. Página 153 O autor também discorre sobre a formação de identidade de raça e etnia no contexto da globalização (MURANGA, p. 33), pois a globalização nos faz interagir com o mundo e para isso faz-se necessário assumirmos nossas diferentes identidades, nos diferentes momentos em que necessitarmos. Hall, em seu livro Diáspora, provoca o leitor com a pergunta “Que negro é esse na cultura negra?” Para mim, a questão seria qual a identidade desses negros que nós, enquanto professores, estamos ajudando a formar para sua vivência dentro da sua própria cultura negra. Muitos de nossos alunos negros não se vêm, ou não querem se ver negros, pois a escola, juntamente com o livro didático e todos com outros artefatos que possam haver, os ensina a gostar e achar bom o branco e o que é da cultura do branco (pele clara, olhos e cabelos claros, bem como cabelos muito lisos e longos), e ignorar sua própria cultura e seus costumes, bem como seu traços físicos característicos. Hall (2003) cita West quando faz referência aos três eixos que ditam cultura, o primeiro é o deslocamento dos modelos europeus de alta cultura, na sequência a cultura dos Estados Unidos por ser uma potência mundial e o terceiro a descolonização do terceiro mundo. Quanto a esse terceiro eixo, seria o lugar da cultura negra, inferiorizada e excluída, tratada como cultura de massa, levando-nos (a todos, negros e não negros) a crer que tudo que é do negro é de fato inferior. Dessa forma, como se criar uma identidade positiva do negro em meio a tantas tentativas de inferiorização? Essa “cultura” é internalizada e reproduzida pelos meio de comunicação, pela escola e também por ele: o livro didático. É importante que o Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. professor esteja preparado para ver essa deturpação da cultura do negro, bem como o preconceito racial velado existente a sua volta para conduzir seu aluno, enquanto mediador, a perceber toda essa manipulação e armar-se para combater o preconceito racial. É por meio da leitura, dos multiletramentos, que os alunos poderão se libertar, Página estarão preparados para lutar contra a discriminação. É somente com um olhar crítico que os alunos negros poderão se identificar e se fortalecer, com embasamento para argumentar diante das imposições racistas e preconceituosas, ao em vez de aceitá-las. Quanto ao aluno não negro aprenderá a respeitar o Outro. De acordo com Rojo (2009, p.100), o letramento e multiletramento colaborariam para o resgate da autoestima, para a construção de identidades fortes e para o “empoderamento” dos agentes sociais. DISCUSSÃO E ANÁLISE DE DADOS Foram analisados quatro livros aprovados pelo PNLD 2012, de três editoras diferentes, ambos os quatro são do 1º ano do ensino médio. São eles: Freeway e Upgrade, editora: Richmond ; Take over, editora: Lafont; On Stage, editora: Ática. Mesmo estando em um momento histórico onde se busca o respeito pela diversidade, é possível perceber a ideologia contida nos livros didáticos ao demonstrar estereótipos, subalternidade, assim como uma representação que não com diz com a realidade de nossas escolas, levando a certa invisibilidade da imagem do negro nessas edições de livro didático analisados. Nos quatro livros analisados, percebi a invisibilidade quase que total em todos os quatro, bem como estereótipo, e representação de subalternidade. Quando se trata de estereótipo, percebi que foi desde estereótipo físico, lábios grossos e nariz achatado e grande, até os estereótipos de negro esportista, dançarino e Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. 154 “festeiro”, representando como se o negro é quem sabe sambar e jogar, mas é só isso que ele sabe fazer na vida? Como ele se alimenta, por exemplo. Em relação à invisibilidade, foram pouquíssimas as imagens de negros nos livros didáticos, se compararmos com as imagens dos brancos. Dessa forma, há de se pensar que se as identidades sociais de raça e classe são tratadas dessa forma nos livros didáticos, como está sendo trabalhada a formação da Página 155 identidade dos alunos? AS IMAGENS COM SEUS RESPECTIVOS COMENTÁRIOS Freeway Página 27 e 28: Percebe-se uma espécie de segregação, a página 27 apresenta uma turma somente de negros, enquanto que a página 28 apresenta uma turma somente de brancos. Qual seria a conclusão a que poderíamos chegar? Por que sala só de negros e sala só de brancos? Será que nossas salas de aula reais são separadas desta forma? Então por que o livro didático apresenta esta separação? Qual seria a ideologia que podemos destacar dessas imagens? E o pior, qual é a aquisição que os alunos negros e não negros irão angariar dessa leitura de imagens? Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. Página 156 Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. Página 157 Página 133: Podemos observar nesta imagem a subalternidade do negro em relação à figura do branco, pois quem é professor? O mais estudado, mais instruído e que conduz os alunos ao conhecimento é o Homem branco (que além de branco é Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. homem) e os alunos, os que precisam da aprendizagem e que entre aspas dependem de alguém, são os jovens negros. Página 158 Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. Take over Página 51: Aqui, o estereótipo físico facial está explicitamente representado, a negra, de lábios grossos, cabelos curtíssimos, para não apresentar “rebeldia” dos cabelos e com traços nada delicados se compararmos com a imagem ao lado, da mulher loira. Página 159 Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. Página 113: Nesta imagem, o esporte como transformador, como uma salvação para aqueles meninos negros e pobres “Uma inspiração internacional”. Foi essa a imagem que apresentou mais negros no livro todo. Página 160 Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. Upgrade Página 31: Esta imagem é um quadro de Heitor dos prazeres, de 1964, que representa festa, alegria, diversão, que já associamos ao samba e daí para o essencialismo é um pulinho. Por que é negro, tem que dançar, tocar, cantar e ouvir samba, ou qualquer outro tipo de música. O que se questiona aqui é, qual seriam as Página 161 outras habilidades das pessoas negras? Elas só saberiam então dançar e divertir-se? Negro, nesta linha de raciocínio seria então “tudo vagabundo”, que só gosta de festa? Porque no restante do livro o negro não aparece sendo representado de nenhuma outra forma, com imagens de negros fazendo outras atividades além da música e da dança. Página 82: Novamente o estereótipo físico, facial do negro com lábios grossos e de nariz largo e quase escondido sob o boné. O que pode Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. incutir no adolescente é que se ele é negro, é parecido com aquela imagem feia e disforme apresentada pelo livro didático. Sem falar no estereótipo das outras “tribos”. Página 162 Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. On Stage Página 73: A invisibilidade é praticamente total, uma das imagens em que aparece um negro ilustre (Nelson Mandela), aparecem 11 brancos ilustres. Como pensará uma pessoa que estudou com este livro de inglês? Respondo: os brancos são mais inteligentes, muito mais corajosos, veja só quantos brancos ilustres e nego é um ou outro que se sobressai. Como fica o respeito à diversidade? Em quem nossos alunos Página 163 negros vão se inspirar se só é bom quem é branco? Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. CONSIDERAÇÕES FINAIS É importante frisar que apesar do importante papel do PNLD em relação à ajuda ao professor na escolha dos livros didáticos, ele “peca” ao não fazer referência direta às Página relações étnico raciais. Seja observando as imagens contidas nesses livros, ou até mesmo os questionamentos levantados pelos livros em relação a essas imagens. Em nenhuma das coleções de livros pertencentes nos conjuntos descritos nas resenhas do guia do ano de 2012 há referência direta, ou exigência de se incluir o negro, e não deixá-lo invisível, assim como colocar imagens dele que não sejam estereotipadas e nem em posições subalternas aos brancos. Também, que fique claro que essas imagens utilizadas para este artigo foram todas as que havia a representação do negro nos quatro livros selecionados, eram simplesmente essas e nada mais. A representação do negro nos livros didáticos em maior número deveria ser uma das exigências do PNLD, tendo em vista que perante o último senso, brancos e negros representaram o mesmo percentual da população. (IBGE, 2010) Respondendo às questões que originaram essa pesquisa, concluo que nos quatro livros analisados, não houve referência/ representação de raça e etnias nas imagens, pois em nenhum deles se fala sobre a história e a cultura do negro, como pede a Lei 10.639/03, muito menos inclusão da diversidade como pedem alguns dos documentos oficiais. Em relação há presença de imagens de negros e negras, há pouquíssimas imagens e na sua maioria estereotipada. Quanto à questão dos letramentos e multiletramentos, os livros não contemplam a diversidade, não instigam o senso crítico dos alunos e quanto à questão étnico racial, especificamente, não foi possível encontrar referência. Revista de Educação Dom Alberto, n. 5, v. 1, jan./jul. 2014. 164 As imagens não estão de forma alguma em conformidade com o que pede a lei 10.639/03, pois não tem nada em nenhum dos quatro livros que ressalte a cultura negra, nem a historicidade do povo negro e também não há registro de nada que enalteça a raça negra nos livros didáticos analisados por mim. Em relação à posição do PNLD quanto ao que diz a lei 10.639/03, é algo bastante Página complicado, pois ao analisar o PNLD, não encontrei no decorrer de seu texto nada que proibisse o estereótipos, as representações subalternas e muito menos que exigisse uma presença igualitária de imagens de negros e brancos nas páginas dos livros por ele aprovado, tudo é muito velado. Sendo assim, concluo este artigo afirmando que após esta pequena pesquisa, o que me resta é pedir mais do PNLD, em suas próximas edições, em relação à cobrança para com as editoras que põe à disposição seus livros para análise e finalizo afirmando que os livros didáticos precisam mudar, pois são praticamente a base da formação dos alunos durante seus doze anos de escolaridade e a influência destes é crucial para a formação da identidade de nossos alunos. Sugiro também, formação continuada para professores baseada nas reflexões étnico raciais, para que esses possam identificar todo tipo de preconceito e discriminação nas páginas dos livros didáticos e assim lutar contra todo tipo de preconceito juntamente com seus alunos, para juntos formarem suas identidades. REFERÊNCIAS BITTENCOURT, C. M. F. O saber histórico na sala de aula. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2010. BRASIL. Lei 10.639/2003. Estabelece a obrigatoriedade do Ensino de História e Cultura afro-Brasileria e Africana. 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