ed.86 06/04/18 14:54 Page 42 [Entrevista Central] GOVERNO REFORÇOU INTERVENCIONISMO Confederação crítica em relação às medidas governamentais para os media Bernardo Bairrão, presidente da CPMCS, considera que o Governo tem feito depressa, mas não bem POR JOANA SIMÕES PIEDADE om a tutela a proceder a várias alterações de algumas das leis centrais do sector, a Confederação Portuguesa de Meios de Comunicação Social (CPMCS) não tem tido mãos a medir. A Entidade Reguladora da Comunicação (ERC), as alterações ao Estatuto do Jornalista, a nova Lei do Cinema ou a introdução de quotas para a música portuguesa na rádio são apenas algumas das medidas criticadas pelo organismo, que congrega mais de 600 meios de comunicação social, dos vários sectores. Assim, o presidente da CPMCS, Bernardo Bairrão admite que os últimos meses têm sido apenas de reacção às sucessivas medidas levadas a cabo pelo Governo, mas o futuro da confederação passa por um reforço do seu papel junto dos meios que representa, com o intuito de preparar o sector para o século XXI. N. S IL VA C BERNARDO BAIRRÃO, ADMINISTRADOR DA TVI “Produzir conteúdos específicos para a internet é impensável em Portugal” Que balanço faz a Confederação dos Meios de um ano de nova tutela sobre o sector dos media? R: Não nos podemos queixar de falta de iniciativa da tutela. Este ano foram postos em discussão um conjunto de diplomas que vieram modificar consideravelmente o panorama da Comunicação Social e perturbar o funcionamento normal do sector. A CPMCS tem tentado chamar a atenção de que este não era um sector onde houvesse necessidade de introduzir mudanças radicais, dado à sua estabilidade actual, o que até nem era muito comum. Fazer num ano, o programa do Governo estabelecido para quatro, é claramente excessivo. Quando fala em iniciativa do Governo, acha que se pode confundir com demasiado intervencionismo? R: Acho que há claramente um reforço do nível de 42 | mediaXXI inter vencionismo. Com a ERC, o próprio Governo assume que visa reforçar as competências da capacidade de intervenção.Temos que ter consciência que a comunicação social não é igual aos outros sectores, com todo o respeito. Em Fevereiro, a Confederação dos Meios dizia que o Governo estava a hostilizar os media. Porquê? R: Não sei se fomos tão hostis no termo mas aceito que até o tenha dito. O Governo estava numa campanha de reforço da pressão e mexeu em questões que fazem todo o sentido do ponto de vista moral, como os direitos de autor, mas querendo agradar não se percebe muito bem a quem, alterando também os direitos patrimoniais. Como assim? R: Um dos problemas que Portugal e a Europa ed.86 06/04/18 14:55 Page 43 “Não nos podemos queixar de falta de iniciativa da tutela” Um administrador polivalente Bernardo Bairrão é administrador da TVI desde 1998, com responsabilidades em vários departamentos do quarto canal, excepto programação, informação e produção. Em Setembro de 2005 assumiu a presidência da CPMCS, um cargo que tem carácter rotativo entre os três sectores, a cada dois anos. No caso da televisão, esse período de dois anos é também dividido pelos três canais, sendo agora a vez da TVI. têm quando concorrem com mercados como o norte-americano, são as graves limitações ao nível dos direitos de autor.Temos uma doutrina europeia que protege muito os autores, mas que limita demasiado a capacidade de exploração das obras autorais. Do ponto de vista moral acho isto irrepreensível, mas do ponto de vista material e comercial traz muitas limitações, porque depois é difícil levar à exploração exaustiva de uma obra, em concorrência com as americanas. Quando se começou a discutir o Estatuto do Jornalista e as alterações ao direitos de autor dos jornalistas, precisámos desde logo que era preciso ter cuidado com a evolução tecnológica. Não adianta fazer leis prevendo o que é a realidade da imprensa, e mesmo da televisão, quando existe internet e mecanismos em que as obras ficam disponíveis em papel e em online. Grande parte do movimento dos jornais está a migrar para leitores online, por isso as obra têm que estar disponíveis em papel e em formato online. Não faz sentido que se criem obrigações em que, por a obra também estar disponível no site, ter de ser negociada uma nova forma de remuneração, pois não se está a falar de uma exploração comercial adicional. Portugal assim não tem nenhuma vantagem competitiva ao nível da internet, quando já temos um mercado mínimo. Produzir conteúdos específicos para a internet é impensável em Portugal, pois não há dinheiro que sustente essa produção. Esta é uma lei do século passado, que se esquece das novas plataformas. Não vale a pena sermos ultrapassados pela tecnologia. [Entrevista Central] Outras das medidas criticadas pela CPMCS é a nova lei da Cinema… R: A proposta de regulamentação da lei do cinema vem introduzir um alargamento de uma taxa, que já é de 4 por cento sobre a totalidade da publicidade paga pelas televisões para financiar o ICAM e a Cinemateca. Num país que está numa crise económica, a publicidade é o primeiro sector a sentir a crise. A taxa do cinema surgiu quando surgiram as televisões para financiar e proteger o cinema porque, se dizia na altura, que com a introdução das televisões privadas, as pessoas deixariam de ir ao cinema. Hoje em dia já se percebeu que é um hábito de consumo diferente e esse argumento já está desajustado e essa taxa significa qualquer coisa como 12 milhões de euros, da totalidade de receitas das televisões, destinados quase exclusivamente a financiar o próprio ICAM. Esta taxa já deixou há muito de o ser para ser um imposto que visa reduzir as contribuições do Orçamento de Estado para o ICAM, indo buscar esse dinheiro a outro local. N. SILVA mediaXXI | 43 ed.86 06/04/18 14:55 Page 44 [Entrevista Central] Quais podem ser as consequências para os media, em particular locais e regionais, da alteração do código da publicidade? R: Estamos a falar de duas coisas distintas. O Instituto do Consumidor, há seis meses atrás, apresentou uma proposta de alteração do Código da Publicidade. Felizmente não seguimos esse caminho e surgiu agora um novo diploma do Código do Consumidor, que toca ao de leve na questão do Código da Publicidade, mas que não é uma alteração ao código. A proposta inicial trazia mais uma nova taxa sobre as receitas geradas pelas agências de publicidade. Depois, a par disso, o nosso Código da Publicidade é dos mais restritivos a nível europeu. Não tem havido a preocupação de transpor para a legislação o que já está na directiva comunitária “Televisão sem Fronteiras”. Concordo com as limitações relativas à publicidade destinada ao público infantil, mas não é preciso haver exageros, pois este é um dos mercados mais regulados em Portugal. A outra questão das taxas tem a ver com a nova ERC, que para além do alargamento de competências, perdeu a representatividade dos órgãos e das entidades que vivem diariamente neste mercado, passando a estar o Parlamento representado através de um acordo entre os maiores partidos. N. SILVA Governo, sobre as limitações de publicidade à RTP e o serviço público nas privadas. Em relação às pessoas, até tenho esperança que daí advenha algum bom senso para a ERC. Sou daqueles que acho que a AACS não funcionava, de facto. Não funcionando a AACS, fazia sentido a criação desta ERC? R: Sim, acho é que se excedeu nas competências que lhe foram dadas e que privilegiou claramente a regulação, em detrimento da auto-regulação, quando Bruxelas diz que se deve incentivar a auto-regulação e a co-regulação. O outro problema é o seu financiamento. Dadas as difiA CPMCS discorda culdades financeiras e económicas “Um dos problemas que da forma como se com que este Governo se depara, processou a consti- Portugal e a Europa têm achou por bem criar mais uma taxa quando concorrem com tuição da ERC? para as empresas de comunicação somercados como o R: Acho que se poderia norte-americano, são as cial. ter encontrado um siste- graves limitações ao nível dos Segundo a Constituição, uma taxa pama em que estivessem direitos de autor” ga-se quando advém do seu pagamenpresentes as principais to um benefício específico para a enforças deste mercado, e tidade pagante, e isso não acontece quando se está não apenas o poder político. a pagar uma função genérica de regulação. Além de que já pagamos uma taxa adicional que se chaE em relação às pessoas escolhidas… ma Taxa por Emissão de Títulos Habilitadores, R: Não são as pessoas que nos levantam dúvidas. que de Dezembro para Fevereiro aumentou 10 Até foi o professor Azeredo Lopes que liderou, da vezes, de 25 mil euros para 250 mil euros. parte do Governo, o mais bem sucedido processo de auto-regulação ou de co-regulação que tivemos A CPMCS não vê uma taxa aqui, mas sim no tempo recente em Portugal, e que foi o acordo um imposto? tripartido entre as televisões privadas, pública e R: Claramente isto trata-se de um imposto. O que 44 | mediaXXI ed.86 06/04/18 14:57 Page 45 [Entrevista Central] a ERC visa é garantir que os órgãos de comunicação social respeitam o que está estabelecido na lei de forma genérica. Estas funções genéricas são financiadas pelo OE. século XXI, temos de começar a ter leis que pensem no dia de amanhã e que não visem resolver problemas de ontem. Em relação a todas estas propostas, a CPMCS vislumbra pontos positivos? Já tinham requerido uma fiscalização preR: Fomos dos primeiros a felicitar o Governo por ventiva do diploma a Jorge Sampaio… R: Já reafirmámos esse interesse junto do novo algumas das alterações que foram feitas na nova Lei do Cinema. Também na Presidente da República porque temos a certeza que se trata de algo inconstitu- “Foram postos em discussão ERC, reconhecemos que existe mérito num concional. Um imposto não pode ser criado um conjunto de diplomas que vieram modificar junto de esclarecimenpor despacho de um ministro, como suconsideravelmente o tos no mudar de uma sicedeu neste caso. A ERC é financiada petuação que não estava los resultados da ANACOM, que é uma panorama da Comunicação bem. O ministro disse entidade que não deveria ter resultados, Social e perturbar o funcionamento normal do no outro dia que é natumas que os tendo, os transfere para a resector” ral que os órgãos de coguladora, e maioritariamente por esta municação social não nova taxa. Depois, esta taxa foi criada segundo um conjunto de critérios perigosos para os gostem de ser regulados ou regulamentados, e que grupos locais. Diz-se que são só 90 euros para os as suas posições são normais, mas não criticamos grupos locais e 500 para os outros, mas esquecem- apenas por criticar. -se que estes órgãos locais muitas vezes são delegaN. SILVA ções de grupos de media, e que em alguns casos concretos, esses pequenos grupos regionais podem ficar a pagar mais que a própria Lusomundo. Onde é que está a justiça nisto? Esquece-se também que alguns desses grupos locais vivem da caturrice das pesssoas, e que não têm receitas. Isto é mais um custo adicional, quando devia ser obrigação do Governo promover o desenvolvimento da cultura local e regional, sobretudo no interior do país. Para além das tomadas de posição públicas, e do pedido ao Presidente da República, a confederação tentou alguma aproximação à Assembleia da República ou ao primeiro-ministro? R: Ao longo deste ano respondemos a todos os diplomas que nos foram apresentados, muitas vezes quando nos eram dados três ou quatro dias para responder, e a todos eles apresentámos contra-propostas. Sempre mantivemos uma política de total abertura, e reunimos várias vezes com o ministro. Ao nível do Parlamento fomos recebidos por todos os grupos parlamentares. Temos procurado alertar que se queremos estar num país do mediaXXI | 45 ed.86 06/04/18 14:58 Page 46 [Entrevista Central] Falando agora sobre a Lei da Rádio, e em particular nas quotas de música nacional introduzidas, o que acha do argumento de que servirão para estimular o sector da música nacional? R: Esse é um argumento tendencioso e demagógico. A Lei da Rádio é das que mais precisa de ser alterada e já esteve para o ser por duas vezes, só que o anterior Governo saiu. Depois do trabalho que já havia sido feito a nível parlamentar, acabou por se aprovar uma alteração apenas referente às quotas. Toda a gente sabe que a lei necessitava de ser globalmente revista. Esta foi uma uma manipulação clara do poder político sobre a opinião pública, por parte de interesses menos objectivos. As rádios são quem mais tem feito pela defesa da música nacional. É preciso ter consciência que o mercado está cada vez mais segmentado e que não se pode impor que os portugueses passem a ouvir mais música portuguesa nas rádios. Está-se a ser demagógico, pois esquecendo-se que as rádios enfrentam o grande desafio das novas plataformas, em que o Ipod é o expoente máximo. Se realmente se queria proteger a música portuguesa, por que razão é que a lei diz que, desde que cantada por um português, seja em que língua for, essa música conta como música portuguesa? Está-se a proteger é o interesse das editoras portuguesas, que recebem via direitos conexos, um valor relativo à utilização dos fonogramas, por cada vez que uma determinada música vai para o ar. Os políticos e a opinião pública foram atrás desta demagogia esquecendo-se que a lei irá beneficiar principalmente editoras que até são multinacionais, e que os músicos portugueses não vão retirar grandes vantagens disto. Se já vendem muitos discos melhor, mas não vão passar a vender mais só por passarem mais na rádio; quem beneficia realmente são as editoras. Havia outras formas muito mais aceitáveis de se contornar isso. Esta situação de quotas já provou noutros mercados que é contraproducente, e que só vai ditar a migração para outras plataformas. De acordo com o plano de actividades, o que espera a CPMCS fazer até ao resto deste mandato? R: O plano que tínhamos para este mandato de dois N. SILVA anos, que começou em Março do ano passado, foi muito afectado por estas iniciativa ininterruptas do Governo. Não conseguimos seguir uma agenda própria, limitámo-nos a seguir a agenda do Governo e a reagir. Acho que parte do plano está a ser bem cumprido, que é a credibilização da CMPCS, e torná-la cada vez mais um representante dos órgãos de comunicação social junto do poder político, das instâncias oficiais nacionais e estrangeiras. Estamos aqui para defender o futuro do sector, que não nos podemos esquecer, emprega mais de 10 mil pessoas e representa cerca de 1,8 por cento do PIB. Foi também um ano em que houve uma mudança de imagem, o lançamento do site, o início de uma newsletter online regular, e estamos a organizar um grande encontro de comunicação social. Planeamos organizar um grande debate, com convidados internacionais, sobre o porquê do mercado português ser diferente, e tentar perceber o que temos de fazer para melhorar o mercado, aprendendo com as boas práticas na Europa. Queremos iniciar uma fase mais pró-activa e pensarmos nas alterações necessárias para preparar o sector para o século XXI apresentando, por exemplo, uma proposta em termos de auto-regulação, porque achamos que que o sector existem tem condições para tal, não sendo necessárias mais taxas. Já temos custos que nos cheguem. Como é possível conciliar os interesses de tantos meios na CPMCS? R: Não é fácil encontrar esse equilíbrio, mas as iniciativas do Governo têm sido de tal forma transversais no desinteresse para o sector que tem tornado mais fácil unir os meios numa causa comum. “A ERC perdeu a representatividade dos órgãos e das entidades que vivem diariamente neste mercado” 46 | mediaXXI