UNIDADE II
ÉTICA - TEMA 7
OS HUMANOS NASCEM HUMANOS?
Responda à seguinte pergunta: Todos os seres humanos, de todas as épocas e etnias, possuíram e
possuem a mesma natureza?
(
) Todos possuem a mesma natureza.
(
) A natureza não é a mesma.
Não queira saber qual é a resposta correta, pois o assunto dessa pergunta têm levado a muitas reflexões.
O que vamos fazer aqui é apresentar algumas concepções dos que defendem esta ou aquela resposta.
Quando perguntamos às pessoas se existe uma natureza humana universal, ou seja, uma natureza válida
para todas as épocas, e idêntica na sua essência em todos os tempos e lugares, é comum ouvirmos um sim como
resposta. Parece corrente a idéia de que os seres humanos de antes, de agora e do futuro, são todos da mesma
essência.
Talvez uma boa maneira de descobrir o que pensamos sobre este assunto seja supondo a seguinte
situação:
- Se uma criança recém-nascida fosse enviada do passado para o presente, quais seriam as suas
possibilidades de adaptação?
Para saber o que você pensa sobre o assunto, responda as perguntas a seguir:
1. Uma criança de cem anos atrás poderia conviver conosco, sem problemas de adaptação humana? Seria o
início do século passado, período de grandes inventos. Poderíamos criá-la?
2. Uma criança de cinco mil anos atrás poderia conviver conosco, da mesma forma? Seria o tempo dos egípcios,
o tempo do Antigo Testamento dos judeus. Poderíamos criá-la?
3. Uma criança do tempo em que os seres humanos eram primitivos, ou seja, dezenas de milhares de anos atrás,
também teria a possibilidade de adaptação? Seria o tempo em que o homem estava descobrindo as
ferramentas como forma de dominar o seu meio ambiente. Poderíamos criar uma criança nascida naquela
época, ou seria como criar um macaquinho?
4. Todos os seres humanos que existiram, de todas as épocas, sendo espécie Homo Sapiens, possuíram a
mesma essência, ou seja, poderiam ser criados por nós?
O que você respondeu? Se você respondeu sim às perguntas, concordando que uma criancinha do passado
poderia ser criada nos tempos de hoje, podemos dizer que você está admitindo que existe uma essência própria
do ser humano.
Na verdade, esta maneira de ver não é estranha à História da Filosofia, pois foi uma tese defendida por
grande parte dos pensadores desde a Antigüidade até os nossos dias. É importante saber que quem admite a
existência desta essência, concorda com a tese dos Essencialistas.
Rejeições da concepção essencialista de
um homem
Quem acredita que o ser humano possui uma natureza está defendendo uma concepção Essencialista. Mas
será que existem aqueles que defendem o contrário?
Existem. Mas, na História da Filosofia, isso se deu somente nos séculos XIX e XX. Nestes séculos, foram
formuladas teses que rejeitavam claramente as concepções essencialistas de ser humano. As mais importantes
visões contrárias à existência de uma natureza humana universal surgiram da obra de dois filósofos:
1. O primeiro deles foi Karl Marx (1818-1883): para ele, os homens se definem pela produção comum dos meios
de sobrevivência. É dentro da esfera das relações sociais que os homens criam valores e definem objetivos
de vida, a partir dos desafios encontrados na atividade produtora da existência. O homem, diferentemente
dos outros animais, é um ser que transforma a natureza, alterando suas próprias faculdades nesse processo.
Segundo as convicções de Marx, o ser humano, insatisfeito com a sua natureza, inventou para ele, pelo
trabalho, uma segunda natureza: a cultura. Segundo Marx, o homem não estava feito desde o princípio, mas
se autoproduziu trabalhando a natureza.
2. O segundo deles foi Jean-Paul Sartre (1905-1980): para ele, somente coisas e animais são em si (mesmas). Já
o homem é um ser para si (mesmo), aberto à possibilidade de construir ele próprio a sua existência. A famosa
frase de Sartre “A existência precede a essência” vem justamente defender que, primeiramente o homem
nasce e vive e, a partir daí, escolhe os valores que fundamentam a sua existência, ou seja, a sua essência.
Portanto, não existe essência predeterminada no ser humano, pois é ele que a escolhe depois. Juntamente
com Martin Heidegger (1889-1976) e Karl Jaspers (1883-1969), Sartre seguia o Existencialismo, corrente de
pensamento iniciada pelo filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855).
O que é a natureza humana
Natureza, no sentido que estamos querendo aprofundar, é a propriedade que um ser possui desde o seu
nascimento, por oposição àquelas que podem ser assimiladas depois. É sinônimo de essência, mas considerada
como a fonte de propriedades e operações de um ser. Este é o sentido abstrato do termo natureza, que deriva
do seu significado etimológico (lat. natura, derivado de natus = nascido, particípio de nascer). A natureza é
aquilo com que um ser nasce, ou seja, seus caracteres originais e, por conseguinte, fundamentais. Mais
genericamente, a natureza de um ser corresponde aos caracteres próprios. Esses caracteres se confundem com
as leis de sua atividade.
Aplicando o conceito ao ser humano
Aplicado ao homem, falamos de natureza humana, e com esse termo designamos o que é inato ao homem,
aquilo que não é adquirido depois, pela educação e pelos costumes. Isso nos faz pensar o seguinte: se existe
uma natureza humana, essa natureza é boa ou má? Ou seja, o homem nasce bom e depois é corrompido pela
sociedade ou o homem nasce mau e só ficará bom pela educação social? O que você pensa sobre isso? Assinale,
conforme a sua idéia:
(
) A natureza do ser humano é boa.
(
) A natureza do ser humano é má.
Sobre isso a fala do filósofo francês Jean Jacques Rousseau (1712-1778) é famosa:
“Tomemos por máxima incontestável que os primeiros movimentos da natureza são sempre retos: não há
perversidade original no coração humano.“ Émile, II, 81.
Rousseau, além de afirmar a existência de uma única natureza em todos os seres humanos, defende que a
simples existência dessa natureza demonstra que o homem não pode ser naturalmente perverso, pois uma
natureza perversa em sua fonte, não se sustentaria, ou seja, desestruturaria o próprio ser que a tivesse.
Como saber o que é racionalmente natural
O homem nasce com algumas capacidades. Mas quais são elas? A razão é uma capacidade. Ela também
pode ser considerada como tendo nascida com ele? Enfim, o homem nasce com o uso da razão ou adquire
depois?
Para responder a esta questão talvez seja bom considerar outra: Para se realizar como ser humano, o
homem deve superar a sua natureza ou deve viver a sua natureza ao máximo?
Tudo depende se consideramos a razão como natural ou não:
1. Se a razão humana lhe é natural, é claro que cabe a cada homem viver a sua natureza racional, pois basta
deixar a sua natureza tomar seu rumo que tudo dará certo. A espécie humana não chegou até aqui pelo uso da
razão? Então, viver a razão deveria ser o princípio fundamental da moral humana. Sobre essa possibilidade,
afirma o filósofo J. Lachelier:
A verdadeira questão moral é saber se não temos mais que uma natureza ou se temos duas (…) Se não
temos mais que uma, e esta natureza é no fundo semelhante à de todos os demais seres vivos, a tarefa da moral
é bem simples: consiste em deixar a esta natureza perseguir seus fins (…). Oeuvres II, 156 .
2. Se a razão não é natural ao ser humano, ou seja, se ela é adquirida depois do nascimento, com a educação
social, é claro que cabe a cada homem dominar e vencer a própria natureza, puramente instintiva, pois ela
não seria nada mais do que os impulsos irracionais e instintivos, que o impedem de chegar à auto-realização,
a qual viria pela educação racional. Dominar a natureza deveria ser o princípio fundamental da moral humana.
O abade de Tourville, concordando com essa segunda possibilidade, afirma:
Não temos que considerar como nosso o que prov ém da nossa natureza. Não somos responsáveis pelo que
experimentamos, mas somente pelo que decidimos. Piété confiante, 279 3 .
Agora é a sua vez: o que você responderia?
( ) O ser humano deve viver a sua natureza, porque ela é boa, ela é a sua razão mais profunda.
( ) O ser humano deve superar a sua natureza, porque ela é instinto, e o prejudica na busca da realização.
Você pensou em uma outra possibilidade?
Qual?
Uma palavra a mais sobre os existencialistas
Para os Existencialistas, a natureza está em oposição à liberdade. Cachorros, gatos e cavalos possuem
natureza, então não possuem liberdade. No indivíduo, natureza é aquilo que é independente de sua livre vontade.
Mas Sartre e os existencialistas entendem o ser humano como sendo essencialmente liberdade. Portanto, o que
é natureza não é ele. Então, como pode ser isto, se natureza e liberdade são opostas? O que ocorre é que, onde
está uma, a outra não pode estar. Se no ser humano está a liberdade, a natureza nele não está. Assim, os outros
seres, possuindo natureza, não têm liberdade. O ser humano, sendo um ser livre, carece de natureza.
Para Sartre, a liberdade é precisamente a faculdade que o homem possui de dar a si próprio uma natureza,
ou ao menos de elegê-la entre uma infinidade de naturezas possíveis. Quais são as coisas que são possíveis de
serem eleitas como sendo a essência ou natureza humana? Bondade, amor, animalidade, instintividade,
materialidade, espiritualidade? Pois bem, se alguém elege a bondade como aquilo que melhor representa a
natureza humana, essa será a sua essência. Se alguém elege a justiça, será então a justiça. A essência é uma
escolha.
Podemos concluir que essa faculdade de poder dar a si próprio uma natureza é a faculdade de uma
natureza, a natureza humana.
Diz P. B. Grenet:
Duas teses extremas (...) se nos propõem: a primeira, que esteve em moda na época do cientificismo,
extrai do fato de que o homem seja uma natureza a conseq üência de que não é livre; a segunda, cuja moda vem
unida à do existencialismo, deduz do fato de o homem ser livre a conseq üência de que carece de natureza.
Ontologia, 91 4.
Antropologia cultural: os homens nascem humanos?
Os estudos de Antropologia tratam desta questão por uma outra perspectiva. Dizem estes estudos que
sem a convivência com outros seres humanos, nós não seríamos humanos. Isso equivale a dizer que nós não
nascemos humanos, mas nos tornamos humanos, no convívio com os seres humanos.
Antropologia Cultural
Ramo da antropologia que trata das características culturais do homem (costumes, crenças,
comportamento, organização social) e que se relaciona, portanto, com várias outras ciências, tais como
etnologia, arqueologia, lingüística, sociologia, economia, história, geografia humana.
Essa é a conclusão a que chegaram os antropólogos. São muitos os exemplos, estudados por eles, de
crianças que cresceram longe do contato com seus semelhantes, e por isso permaneceram como se fossem
animais. Eis dois exemplos famosos:
As meninas-lobo: dentre os muitos casos ocorridos na Índia, Amala e Kamala foram duas crianças que não
tiveram oportunidade de se humanizar, porque foram criadas por uma família de lobos. Nada tinham de humano,
e seu comportamento era exatamente o mesmo dos lobos. Podemos dizer, então, que permaneceram “animais”.
Kaspar Hauser: trata-se de um rapaz encontrado na Alemanha, no século XIX. Ele havia crescido sem
nenhum contato com seres humanos. Misteriosamente, fora aprisionado e isolado de todos. Com o ensino é que
se tornou propriamente humano, pois nem sabia falar. A partir de seu processo de educação, descobriu-se que
possuía uma inteligência fora do comum, aflorada no seu processo de ensino.
Outro caso que não faz parte do estudo antropológico, mas que vale a pena ser citado:
Helen Keller (1880-1968): foi uma norte-americana que, depois de uma febre, aos nove meses, ficou
cega, surda e por causa disso não aprendeu a falar. Somente aos sete anos de ida­de uma professora - Anne
Sullivan - conseguiu desenvolver a capacidade de fala e de leitura de Hellen. Tendo aprendido a ler, aprendeu
várias línguas. Desenvolveu também uma extraordinária leitura labial. Quando adulta, viajou por muitos países,
inclusive ao Brasil, dando palestras sobre sua vida e aprendizagem.
A história das meninas-lobo Amala e Kamala
Vejamos mais de perto a história das meninas-lobo:
“Na Índia, onde os casos de meninos-lobos são relativamente numerosos, descobriram-se, em 1920, duas
crianças, Amala e Kamala, vivendo no meio de uma família de lobos. A primeira tinha um ano e meio e veio a
morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito anos de idade, viveu até 1929. Não tinham nada de humano. E seu
comportamento era exatamente semelhante àquele de seus irmãos lobos.
Elas caminhavam de quatro patas, apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os pequenos trajetos, e
sobre as mãos e os pés para os trajetos longos e rápidos.
Eram incapazes de permanecer de pé. Só se alimentavam de carne crua ou podre, comiam e bebiam como
os animais, lançando a cabeça para a frente e lambendo os líquidos. Na instituição onde foram recolhidas,
passavam o dia acabrunhadas e prostradas numa sombra; eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando
fugir e uivando como lobos. Nunca choraram ou riram.
Kamala viveu durante oito anos na instituição que a acolheu, humanizando-se lentamente. Ela necessitou
de seis anos para aprender a andar e, pouco antes de morrer, só tinha um vocabulário de cinqüenta palavras.
Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos.
Ela chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou lentamente às pessoas que
cuidaram dela e às outras crianças com as quais conviveu.
A sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se com os outros por gestos, inicialmente, e depois por
palavras de um vocabulário rudimentar, aprendendo a executar ordens simples.” B.
A tradição e a invenção, a partir da idéia
antropológica
Cada ser humano recebe, ao nascer, a tradição cultural, mediada pelos outros seres humanos. Ao entrar
no idioma de seus pais, cada humano apreende todo um conteúdo de significados que veio sendo transmitido há
milhares de anos. É a tradição cultural. A palavra tradição vem de tradere, que quer dizer “aquilo que é trazido”.
Com os outros, aprende os símbolos, que o levam para além dos significados. No convívio, desenvolve a
capacidade de agir e compreender a própria experiência.
O ser humano superou a sua natureza. Vejamos, por exemplo a questão da sua locomoção. É da sua
natureza se locomover na terra, mas:
1. Quando quis se locomover na água, construiu barcos. O que aconteceu com outros animais terrestres
que quiseram nadar? Eles precisaram esperar até se tornar um barco. Foi o que aconteceu com baleias,
golfinhos e peixes-boi.
2. Quando quis voar, inventou balões e aviões. O que aconteceu com os outros animais terrestres que
quiseram voar? Eles precisaram esperar até criar asas.
Além disso, o ser humano comunica suas invenções aos outros, para que também consigam usar essa
invenção.
Os animais, dependentes somente de sua natureza, não inventam e vivem sempre de uma determinada
maneira.
Enquanto as outras espécies animais estão limitadas à sua natureza, ao seu mundo natural, o ser humano
avalia seus atos. Possui consciência de si próprio e de sua existência. Consegue refletir sobre tudo o que lhe foi
passado, ao mesmo tempo em que pode inovar quando quer, rompendo com os costumes e informações
transmitidos, provocando o avanço cultural. O ser humano transforma o mundo à sua volta através de sua
capacidade inventiva, que lhe dá essa tendência de sair do que já está feito para buscar o que ainda não é.
TROCANDO IDÉIAS
I. As questões a seguir foram feitas para aprofundar o que estamos investigando. Discuta-as em grupo.
1. Se, na sua infância, um ser humano fosse deixado entre lobos, se adaptaria e adquiriria procedimentos típicos
dos lobos? Se tornaria um lobo?
2. Se, na sua infância, um ser humano fosse deixado entre macacos, se adaptaria e adquiriria procedimentos
típicos dos macacos? Se tornaria um macaco?
3. Se um filhote de macaco fosse deixado entre os seres humanos, se adaptaria e adquiriria procedimentos
típicos dos seres humanos? Se tornaria humano?
4. Os animais domésticos são exemplos de animais que se adaptaram e adquiriram procedimentos típicos dos
humanos? Se tornaram humanos?
5. Se um filhote de lobo fosse deixado entre os macacos, se adaptaria e se tornaria um macaco? Adquiriria os
procedimentos típicos dos macacos?
6. Adquirir o procedimento típico é se tornar um da espécie?
7. As naturezas de cada espécie não se confundem?
8. Aquilo que é da natureza de um animal já nasce com ele?
9. Existem coisas da natureza de um animal que não nascem com ele?
10. Existem coisas da natureza de um animal que aparecem depois? (A habilidade de voar dos pássaros, a caça
de ratos entre os gatos, etc). Você poderia dar outro exemplo?
11. O que faz parte da natureza de uma espécie animal?
12. O que faz parte da natureza humana, ou seja, o que não é adquirido nem pela educação, nem pelos costumes?
EXERCITANDO A MENTE
I. Raciocine e amplie seu vocabulário. Ligue a coluna da esquerda com a coluna da direita.
1. Natureza
2. Universal
3. Adaptação
4. Inato
5. Cultura
6. Invenção
(
) Na Filosofia: conjunto dos seres ou das idéias que, numa dada circunstância, estão sendo tomados em
consideração.
(
) Na Filosofia: pertence à natureza de um ser.
(
) Coisa nova criada ou concebida no campo da ciência, da tecnologia ou das artes: a invenção do motor de
explosão; a invenção de um logotipo.
(
) Na Filosofia: o que constitui o cerne de um ser.
(
(
) Complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e doutros valores espirituais e
materiais, transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade.
) Ajustamento de um organismo, particularmente do homem, às condições do meio ambiente.
O QUE ESTE TEXTO FEZ VOCÊ PENSAR?
1. A melhor forma de aprofundar este texto é colocando em forma de pergunta aquilo que o texto fez você
pensar. “Mas, professor, como então...” “Será que...” “O que foi lido vale também para...”. O importante é que
você faça uma pergunta filosófica ao autor, uma pergunta que o faça pensar. Envie a sua pergunta para o e-mail
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