HEGEL E A EDUCAÇÃO
"Difícil é encontrar uma via intermédia entre a concessão de uma liberdade
excessiva às crianças e uma limitação excessiva desta liberdade"
(Hegel, 6º Discurso sobre Educação, p.84)
Ramiro Marques
Hegel não dedicou qualquer obra à pedagogia e à educação, embora numa carta ao
seu amigo Niethammer, datada de 9/6/1821, tenha afirmado o seu interesse em
escrever um livro sobre a Pedagogia Política. Infelizmente, talvez por falta de
tempo, não chegou a escrever tal livro. Em contrapartida, deixou-nos uma
monumental obra filosófica, cujos maiores marcos foram, sem dúvida, A
Fenomenologia do Espírito (1807), Ciência da Lógica (1816), Princípios da
Filosofia do Direito (1832), Lições sobre a História da Filosofia (1836), Lições
sobre a Estética (1837-42) e Lições sobre a Filosofia da História (1837).
Para uma vida relativamente curta, Hegel nasceu, em 1770, em Estugarda, e
morreu, em 1831, ainda por cima uma vida marcada por alguma instabilidade
profissional, seria difícil exigir mais. Embora George-Wilhelm Freidrich Hegel
seja, à semelhança de Kant, o exemplo do filósofo profissional, já que dedicou
toda a sua vida adulta a ensinar Filosofia, a verdade é que o seu caminho em
direcção à cátedra universitária não foi uma curta linha recta. Depois de
alcançar o grau de mestre em Filosofia, em 1790, com apenas 20 anos, Hegel
defende a sua dissertação e renuncia à profissão de pastor, para a qual se havia
preparado, durante a juventude. Em 1793, torna-se preceptor em Berna. Seria
necessário esperar mais oito anos para alcançar o cargo de "privat dozent"," na
Universidade de Iena, mas só, em 1805, consegue a nomeação para professor
extraordinário, na mesma Universidade. De 1808 a 1816, exerce o cargo de reitor
do liceu de Nuremberga, após o que atinge o topo da sua carreira académica, com
a nomeação para a cátedra de filosofia da Universidade de Heidelberga e, dois
anos depois, para a cátedra de filosofia da Universidade de Berlim, em
substituição de Fichte, entretanto falecido.
Embora o estudo da pedagogia não tenha sido um campo a que tivesse dedicado o
seu talento intelectual, é possível conhecer as suas ideias sobre a educação,
graças aos discursos proferidos durante os oito anos em que foi reitor do Liceu
de Nuremberga (1).
Os Discursos sobre Educação
Pouca gente conhece a faceta pedagógica do grande filósofo alemão, apesar de o
exercício da docência ter sido uma componente forte da vida de Hegel. Em
Dezembro de 1808, Hegel foi nomeado reitor do "ginásio" de Nuremberga, uma
escola fundada pelo humanista Melanchton, em 1526. Exerceu o cargo até 1816, ano
em que conseguiu obter um cargo de professor na Universidade. Os seis discursos
sobre educação datam desse período.
São seis discursos destinados a uma audiência composta pelos professores,
autoridades educativas, alunos e pais. Ressalta desses discursos, um pensamento
pedagógico seguro e sólido, baseado no realismo, bom senso e profundo respeito
pela cultura clássica e humanista. Neles, é possível antever o neohumanismo
hegeliano e a sua oposição a algumas correntes utilitaristas da pedagogia
humanista, em particular as ideias educacionais de Rousseau. Ao optimismo
naturalista de Rousseau, Hegel opunha a superioridade da perspectiva
antropológica assente na razão.
Convém ter presente que, naquela época, existiam duas perspectivas com alguma
influência nos meios pedagógicos: o neohumanismo e o filantropismo. O primeiro
defendia um ensino geral, fortemente centrado na transmissão da herança cultural
clássica. O segundo reduzia a educação à aquisição de aptidões técnicas que
conduzissem ao exercício de uma profissão. Naquele tempo, como hoje, essas duas
importantes perspectivas marcavam, decididamente, as políticas educativas.
Hegel, como racionalista e idealista, fortemente defensor da tradição cultural
clássica e do humanismo grego e latino, estava com a primeira perspectiva.
Ao longo dos seus discursos, nota-se a defesa de uma escola cultural, com um
currículo pequeno mas profundo, onde o latim, o grego, o alemão, as matemáticas,
a física, a geografia e a história tinham um papel preponderante. O liceu de
Nuremberga, dirigido por Hegel, procurava transmitir às novas gerações um
tradição cultural sólida, baseada em saberes constituídos e testados pelo crivo
do tempo, embora sem descurar uma componente extra-curricular, igualmente forte,
que dava o tom ao liceu e permitia a construção de pontes com a comunidade
envolvente. As comemorações, as festas religiosas e as actividades culturais
constituíam essa componente extra-curricular. Apesar dos seis discursos terem
sido proferidos ao longo de oito anos, revelam as mesmas preocupações
pedagógicas e evidenciam a sua visão dialéctica. Em todos os discursos, Hegel
insiste na seriedade do trabalho pedagógico, na responsabilidade individual, na
exigência de aplicação por parte dos alunos, no rigor intelectual, no respeito
pelos professores e no uso da razão e da reflexão.
Uma leitura dos discursos sobre educação permite-nos isolar as seguintes linhas
de força: os métodos pedagógicos, a questão da disciplina, a formação ética dos
jovens, as relações escola e família e a escola como instrumento de transmissão
da herança cultural. Procurando dar a palavra a Hegel, sempre que possível,
vamos passar em revista aquelas linhas de força.
Os métodos
Os métodos de ensino propostos "não se afastam da forma como o próprio Hegel
orientava as suas aulas, segundo o testemunho dos seus antigos alunos. Em
relação a cada tema, Hegel ditava um parágrafo, em seguida procedia à explicação
oral, recorrendo também ao questionar de vários alunos. O ditado tinha de ser
passado a limpo e a explicação oral devia ser resumida por escrito. No início de
cada aula um aluno apresentava uma síntese oral da aula anterior. Os alunos
podiam sempre interromper para colocarem as suas dúvidas" (2).
Hegel aplicava o método dialéctico à pedagogia, recusando a unilateralidade das
correntes pedagógicas que, ou acentuavam a liberdade ou a obediência, o
indivíduo ou a sociedade, a liberdade ou a disciplina, a formação ética ou a
formação intelectual. Cada corrente pedagógica assumia apenas um dos pólos da
realidade, sendo necessário que à tese ou afirmação, à antítese, ou negação,
fosse associada a síntese, ou negação da negação. Graças ao método dialéctico,
Hegel soube recusar os extremismos pedagógicos, tomando partido pelo realismo e
pelo equilíbrio. Em suma, sem recusar a necessidade de boas exposições pelo
professor, bem como uma posição de escuta por parte do aluno, Hegel considerava
que essa polaridade devia ser superada pelo apelo à reflexão do aluno e à sua
intervenção activa no processo de descoberta da verdade.
Mas, mais importante do que os métodos pedagógicos, é o entusiasmo do professor
e a sua alma interior. Com efeito, Hegel remete a eficácia do ensino não só para
os factores associados aos saberes, mas também para a vocação. Só um professor
com vocação para ensinar, com entusiasmo intelectual, que saiba servir de
exemplo, que desempenhe o papel de mentor intelectual e que tenha conhecimentos
profundos sobre aquilo que ensina pode ser um bom profissional. Oiçamos o
filósofo alemão: "Esta alma interior do professor é que proporciona a eficácia
do ensino. Vós, professor excelente, haveis-nos apresentado neste campo, a nós,
vossos colegas da profissão docente, um grande exemplo, que respeitosamente
admiramos e do qual aspiramos zelosamente nos aproximar. Seja em que disciplina
for, o homem notável torna-se um exemplo de grande influência" (3).
O currículo
O currículo é entendido como o conjunto das aprendizagens nucleares, referentes
aos saberes constituídos, dignos de serem transmitidos às novas gerações, não
com o objectivo fixista de conservar a herança, mas sim com a finalidade de a
ampliar. A escola é vista como o templo do saber e o professor o guardião dos
tesouros, pelo que lhes são exigidos respeito, escuta activa e adesão. Oiçamos
Hegel: "o tesouro da cultura, dos conhecimentos e das verdades, no qual
trabalharam as épocas passadas, foi confiado ao professorado, para o conservar e
o transferir à posteridade. O professor tem de se considerar como guarda e o
sacerdote dessa luz sagrada, para que ela não se apague e a humanidade não
recaia na noite da antiga barbárie" (4). Ou, mais adiante: "o espírito e o fim
do nosso estabelecimento é a preparação para o estudo erudito, e com efeito, uma
preparação que está edificada na base dos gregos e dos romanos. Desde alguns
milénios é este o solo no qual assentou toda a cultura, (Hegel estava a referirse apenas à cultura ocidental!) do qual toda ela brotou e com o qual esteve em
permanente conexão. Assim como as organizações naturais, plantas e animais, se
desprendem da gravidade, mas não podem abandonar este elemento da sua essência,
do mesmo modo toda a arte e ciência brotaram daquele solo; e embora se tenham
tornado em si independentes, não se libertaram ainda da recordação daquela
antiga cultura" (5).
Não se veja naquelas palavras, uma mera defesa do papel conservador da escola.
Hegel não rejeita, antes defende, ou não fosse ele um dialéctico, a função
transformadora da educação: "mas a sabedoria do governo, elevada acima deste
remédio aparentemente fácil, cumpriu da forma mais verdadeira a necessidade do
tempo, na medida em que colocou o antigo numa nova relação com o todo e deste
modo tanto conservou o essencial deste como o modificou e renovou" (6). O que
Hegel rejeita profundamente é a falsa ideia, tão comum na nossa época, de que é
possível criar e inovar a partir do nada ou que é possível superar a tradição e
a herança cultural sem as conhecer bem e as respeitar. Eis o que ele nos diz a
esse respeito: "O progredir da cultura não pode ser visto como a tranquila
continuação de uma cadeia em que os elementos seguintes se venham juntar aos
anteriores, ainda que tendo-os em consideração, mas a partir da sua própria
matéria e sem que este trabalho de prolongamento se dirija contra os primeiros.
Antes pelo contrário, a cultura tem de ter uma matéria e um objecto anterior,
sobre o qual trabalha, modificando-o e dando-lhe uma nova forma. É necessário
que conquistemos o mundo da Antiguidade, tanto para o possuir, como ainda mais
para ter algo que nós transformemos" (7). A este respeito, Hegel chega a afirmar
que quem desconhece a cultura clássica, ignora o que é o belo.
A disciplina
Um outro eixo fundamental das ideias educacionais do grande mestre da dialéctica
é a questão da disciplina, da ordem e da serenidade na sala de aula e na escola.
A este respeito, chega a afirmar, num dos seus discursos, que a haver alguns
alunos que não sejam capazes de respeitar as relações de cortesia e as regras da
boa conduta, então o reitor deve devolver esses alunos às respectivas famílias,
para que elas façam aquilo que às famílias compete fazer, ou seja, fazer
respeitar as regras da convivência social. Importa referir que esta afirmação
foi feita no quadro de uma escola que se destinava a preparar alunos para a
Universidade, numa época em que a educação secundária e superior estava
reservada a uma minoria.
A formação ética dos alunos é considerada, por Hegel, tão importante como a sua
formação intelectual. As metodologia utilizadas para a transmissão dos valores e
a formação do carácter incluem, em primeiro lugar, o "tom da escola", ou como
hoje chamaríamos, o clima da escola, o hábito de fazer as coisas bem feitas, o
exemplo do professor, a exortação, a reflexão e a leitura das grandes narrativas
clássicas.
Defensor de uma escola ordeira e serena, porque sem ordem e disciplina não é
possível aprender, Hegel afirma no 3º discurso: "Mas para que o ensino dado na
escola dê frutos para os estudantes, para que estes, através desse ensino, façam
progressos efectivos, para tal é tão necessária a sua própria aplicação pessoal
como o próprio ensino. A regularidade na entrega dos trabalhos escritos, de
preparação e repetição e de outras composições exigidas, aumentou devido à
conduta séria dos professores e tornou-se um hábito. Não pode haver nada mais de
essencial do que perseguir com toda a seriedade o mal do desleixo, o atraso ou a
omissão dos trabalhos, e manter-se numa ordem, de tal modo inalterável, que
entregar os trabalhos exigidos dentro do prazo fixado se tenha de tornar em algo
de tão inevitável como o sol voltar a nascer. Estes trabalhos não só são
importantes para, por meio deles, imprimir mais fortemente na mente do aluno,
através da repetição, o que se tem de aprender na escola, mas quase mais para
com eles a juventude ser conduzida de uma mera compreensão, a uma auto-
actividade, ao esforço próprio. Pois que a aprendizagem como mera recepção é uma
aspecto incompleto do ensino" (8).
Hegel mostra, desta forma, a sua defesa de uma pedagogia equilibrada e realista
que recusa quer o império da recepção, quer o monopólio da auto-descoberta, uma
e outra oposições polares, que necessitam de uma síntese construtiva que
compreenda ambas. Oiçamos Hegel: "Assim como a vontade, o pensamento deve
começar pela obediência. Mas se o aprender se limitasse a uma simples recepção,
o seu efeito não seria melhor do que se escrevessemos as frases sobre a água;
pois não é o receber mas só a autoactividade da compreensão e a capacidade de o
utilizar de novo que fazem de um conhecimento propriedade nossa. Se,
inversamente, a orientação se dirige predominantemente para o próprio raciocinar
arguente, desse modo nunca a disciplina e a ordem chegam ao pensamento, nem a
coerência e a conexão chegam ao conhecimento. A recepção deve conduzir
necessariamente ao esforço próprio, não como produção de uma invenção, mas como
aplicação do que foi aprendido, como tentativa de, através do que se aprendeu,
conseguir obter resultados imediatamente noutros casos singulares, noutras
matérias concretas" (9).
Voltando à questão da disciplina, é preciso notar que, para Hegel, a disciplina
não deve constituir uma finalidade da escola, mas sim a formação ética. A
disciplina, isto é o respeito pelas regras de conduta, a obediência e a atitude
responsável, deve ser uma preocupação da educação familiar, sendo de supor que
"uma instituição de ensino não tem que começar por obter a disciplina dos seus
alunos, mas antes que pressupô-la" (10). E, mais à frente, adianta: "Para a
frequência das nossas escolas é apropriado um comportamento calmo, a habituação
a uma atenção persistente, um sentimento de respeito e de obediência para com os
professores, uma conduta correcta, modesta em relação aos mesmos e em relação
aos condiscípulos" (11). A este respeito, convém notar que Hegel é um acérrimo
partidário de uma formação integral da pessoa, uma vez que afirma "a formação
geral está, segundo a sua forma, ligada, do modo mais íntimo, à formação moral;
pois não devemos de modo nenhum limitá-la a alguns princípios e máximas, a uma
honradez geral, uma boa intenção e disposição moral honesta, mas antes acreditar
que só um homem como uma boa formação geral pode ser também um homem com
formação moral" (12).
Escola e Família
Vejamos, agora, quais eram as ideias de Hegel face às relações da escola com a
família. Convém notar que Hegel considerava que à escola competiam funções que a
família não podia desempenhar. Esta compete-lhe criar, no aluno, uma boa
disposição e atitude para o estudo, o conhecimento e a apreço pelas relações de
cortesia, os bons costumes e as regras de conduta. À escola compete a formação
intelectual, moral, espiritual e física do aluno, a formação integral, portanto.
Apesar da distinção das funções e dos papéis, Hegel considera que é necessário
um diálogo e um bom entendimento entre a escola e a família. Oiçamos Hegel: "Só
através de uma acção comum e concordante de pais e professores se pode alcançar
um êxito efectivo em casos importantes, particularmente os erros morais. Assim
como os pais têm de esperar toda a colaboração, neste campo, por parte dos
professores, também estes podem esperar que pais bem-intencionados se
comprometam ao mesmo, em casos em que se possa tornar necessário dirigir-se-lhes
e convidá-los a colaborar" (13).
O ensino público
Hegel foi, também, um defensor da generalização das escolas públicas. O liceu de
Nuremberga, por ele dirigido, era um bom exemplo, para o seu tempo, do papel que
o ensino público podia ter na melhoria das condições sociais e culturais da
população.
A sua preocupação com o apoio social aos alunos mais carenciados é um tema
recorrente em quase todos os discursos. Na ausência de um política estatal de
apoio social aos mais necessitados, Hegel foi capaz de mobilizar a população
local para que, através de doações e bolsas, fosse possível garantir o ensino
aos alunos pobres com capacidade e interesse pelos estudos superiores. Oiçamos
Hegel: "Um outro aspecto de meio externo é o apoio aos alunos do nosso
estabelecimento necessitados de meios externos para estudar. As colectas
anteriores, que eram organizadas recorrendo ao cantar nas ruas em frente das
residências, tinham fundamentalmente este objectivo...A quantos, nascidos de
pais sem recursos, foi assim dada a possibilidade de se elevarem acima do seu
estatuto social ou de se manterem no mesmo e desenvolverem talentos que a
pobreza teria adormecido ou deixado tomar uma má direcção!" (14). Esta
preocupação pelo assegurar de um ensino gratuito de qualidade para todos e de
uma distribuição justa das bolsas e apoios pelos alunos mais necessitados é uma
constante, sobretudo no 3º discurso, proferido em 1810.
A escola e a vida
Hegel recusava quer a posição dos que olham para a escola como um espaço isolado
da sociedade e da vida, quer a perspectiva dos que vêem na escola um local que
deve estar o mais próximo possível da vida e da comunidade. Utilizando, mais uma
vez, a sua perspectiva dialéctica, Hegel opta por uma posição mais abrangente
que integra e supera as duas primeiras posições, defendendo a necessidade de a
escola reservar alguma distância em relação à comunidade, sem perder de vista a
finalidade de preparar para uma vida boa. Oiçamos Hegel, de novo: "A escola é
portanto a esfera mediadora que faz passar o homem do círculo familiar para o
mundo, das relações naturais do sentimento e da inclinação para o elemento da
coisa. Isto é, na escola começa a actividade da criança a receber, no essencial
e de forma radical, um significado sério, na medida em que deixa de estar ao
critério do arbítrio e do acaso, do prazer e da inclinação do momento; aprende a
determinar o seu agir segundo uma finalidade e segundo regras" (15).
A herança cultural e os conteúdos
Por último, vejamos a questão da transmissão da herança cultural. Hegel não via
qualquer oposição entre competências e conteúdos. Essa falsa contradição, que
ocupa inutilmente o tempo de alguns dos nossos pedagogos actuais, era
completamente estranha à visão educacional de Hegel. Eis como Hegel se referia à
importância dos conteúdos: " A ciência, as aptidões que são adquiridas, só
atingem a sua finalidade essencial na sua aplicação fora da escola. Além disso,
só são tomadas em consideração na escola na medida em que são adquiridas por
estas crianças; a ciência não se desenvolve com isso, antes só se aprende o já
existente, e, na verdade, apenas segundo o seu conteúdo elementar; e os
conhecimentos escolares são algo que outros já sabem há muito. Os trabalhos da
escola não têm o seu fim completo em si mesmos mas fundam apenas a possibilidade
de uma outra obra, a obra essencial" (16).
Igualmente estranho ao pensamento educacional do grande mestre alemão, era a
ideia da necessária igualdade nos resultados escolares. Para Hegel, a igualdade
de oportunidades não podia prescindir do esforço individual, da vontade de
aprender, do espírito de sacrifício e do querer ir mais além. Eis as suas
palavras: "Os professores, se pensassem só em si, ver-se-iam de boa vontade
libertos daqueles cuja falta de atenção e de aplicação, assim com outros
comportamentos impróprios, tiveram de combater ao longo de um ano. Mas
considerações mais elevadas impõem-lhes o dever de, contra o que lhes seria mais
agradável, contra as expectativas dos alunos e em certa medida dos pais, só dar
a passagem em consequência do mérito" (17). E, mais adiante: "Não é difícil de
ver que é inteiramente para seu próprio proveito que são, de acordo com as suas
classificações, mantidos numa classe mais tempo do que poderia acontecer. Pois
que o ensino de um nível mais elevado, sem estarem predispostos para ele, sem
apresentarem as bases necessárias, seria em grande medida, perdido para eles; em
vez de avançarem, atrasar-se-iam antes cada vez mais, quando, pelo contrário,
podem, efectivamente, participar nas lições de um nível inferior e através dessa
participação, irem progredindo" (18).
Reflectindo o espírito e a realidade do seu tempo, Hegel afirma, a propósito da
necessidade de a escola ser exigente: "os estabelecimentos de ensino públicos
são sobretudo viveiros de servidores do Estado; têm, perante o governo, a
responsabilidade de não lhe fornecerem elementos inaptos, assim como têm,
perante os pais, a responsabilidade de não lhes criarem esperanças infundadas,
que aliás seriam mais tarde desmentidas, e só arrastariam consigo custos inúteis
e o negligenciar de uma formação mais apropriada" (19).
Embora Hegel se afastasse das concepções românticas da educação, partilha um
optimismo sobre a bondade dos efeitos de uma educação de qualidade: "os tesouros
interiores que os pais dão aos filhos, através de uma boa educação e pela
utilização de estabelecimentos de ensino, são indestrutíveis, e mantêm o seu
valor em todas as circunstâncias; é o melhor e mais seguro bem que podem
proporcionar e deixar aos filhos" (20).
Comentário
As ideias educacionais de Hegel podem considerar-se realistas e avançadas
para o seu tempo. Contudo, importa verificar que, no tempo de Hegel, não
existia, ainda, uma escola secundária de massas, pelo que, não nos pode parecer
estranho, a sua defesa de uma escola secundária exigente e selectiva.
Evidentemente, a necessidade de exigência e rigor não deixou de ser pertinente,
nos dias de hoje, porque uma boa formação das novas gerações depende da
qualidade da educação. Contudo, actualmente, as escolas são confrontadas com
exigências e responsabilidades ainda maiores do que no tempo de Hegel. Agora,
trata-se de conseguir associar a qualidade da educação a uma educação para
todos.
Notas
Hegel (1994). Discursos sobre Educação (Tradução e apresentação de Ermelinda
Fernandes). Lisboa: Edições Colibri
Idem, p.12
idem, p.23
idem, p.23
ibidem, p. 29
ibidem, p. 29
ibidem, p. 34
ibidem, p. 45
ibidem, p. 46
ibidem, p. 47
ibidem, p. 48
ibidem, p. 49
ibidem, p. 50
ibidem, p. 52
ibidem, p. 61
ibidem, p.64
ibidem, p.72
ibidem, p. 73
ibidem, p. 73
ibidem, p. 76
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