O abacaxizeiro:
fonte alternativa
de combustível!
Getúlio Augusto Pinto da Cunha*
D
esde que se descobriu
que os poços de
petróleo no mundo não
eram inesgotáveis, a humanidade passou a se preocupar
com um substituto para o mesmo, principalmente no que diz
respeito ao seu uso como combustível. Surgiu ou ressurgiu a
velha idéia de utilização do
álcool hidratado como sucedâneo automotivo da gasolina,
bem como de outros produtos
para substituírem aqueles derivados do petróleo. E eis que a
solução estava e está nas fontes
de energia renovável que, por
sua vez, são encontradas na
agricultura. Daí poder-se concluir que a solução para o
problema dos nossos combustíveis não era e ainda não é tão
'preta' quanto o petróleo. Pelo
contrário, parece bastante cristalina como o próprio álcool.
Anteriormente, quando se
falava em álcool, estava o mesmo relacionado à cultura de
cana-de-açúcar. Com a crise do
petróleo, entretanto, outras
fontes ou matérias-primas passaram a ser cogitadas, procuradas e pesquisadas. E, como a
principal delas, poderia ser
citada a bem brasileira mandioca, conhecida nos meios
científicos como Manihot
esculenta, Crantz, mas que, no
popular e na prática, é a matériaprima da farinha, “pão nosso, de
cada dia”, principalmente do
nosso caboclo e homem do
campo. Atualmente, pão de fato,
haja vista a realidade da adição
da fécula de mandioca ao pão
tradicional, já chamado de “pão
brasileiro”.
E isso de fato aconteceu.
Foi criado o Pró-Álcool,
programa para estimular a
produção de álcool a partir da
cana-de-açúcar e da mandioca,
a indústria automobilística
investiu na fabricação de automóveis a álcool, e, quando se
pensava que o problema estava
resolvido, tudo deu para trás. E a
gasolina reassumiu seu 'posto'
de rainha dos combustíveis
automotivos. Por que, mais uma
vez, um programa que tinha
tudo para dar certo no país, não
funcionou? Podem ser citadas
várias causas, mas não vamos
entrar neste detalhe, porque
nossa intenção é chamar atenção
para outro aspecto da questão.
Voltando ao caso do álcool
de mandioca, poderíamos
imaginar estarmos diante de um
impasse: deixamos faltar
combustível ou alimento? Será
que para solucionar a falta de
combustível, temos de agravar a
falta de alimentos?
*Engenheiro Agrônomo, DSc., Pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Cruz das Almas - BA; e-mail: [email protected]
12
Bahia Agríc., v.6, n.1, nov 2003
Diminuir a quantidade de
farinha na mesa, para atender a
demanda de combustível! Nesse
caso, poder-se-ia pensar que
estamos mais preocupados em
andar de automóvel do que
sobreviver. E, sendo isso
verdade, então, viva o Carnaval
e o futebol! ...
Preferimos, no entanto, analisar a questão sob outro ângulo,
eliminando essa hipótese, e
passando a admitir (ou desejar?)
que, a cada crise, o homem, na
procura de soluções, torna-se
mais racional e solidário.
Felizmente, várias são as
opções que existem para a
produção de álcool, ou seja,
diversas são as fontes ou
matérias-primas que podem ser
consideradas: celulósicas
(madeira e resíduos vegetais),
amiláceas (mandioca, batatadoce, batatinha, milho, sorgo,
trigo, babaçu), sacarinas
(beterraba açucareira, sorgo
sacarino e cana-de-açúcar). De
todas elas, a cana-de-açúcar
continua sendo, talvez, a
principal e que tem condições de
apresentar resultados mais
imediatos, vindo a seguir, a
mandioca, que já foi testada e
aprovada, conforme acima
referido.
Entretanto, outras fontes
devem ser estudadas, principalmente aquelas que são resultantes de detritos e resíduos folhas, ramas, cascas, bagaços,
etc. Entre estas estão algumas
plantas também bem brasileiras,
a exemplo do abacaxizeiro, cuja
potencialidade de exploração e
produção são quase ilimitadas,
por se tratar de uma cultura
altamente rentável e adaptada a
áreas de baixa fertilidade e
produtividade, inclusive com
limitada capacidade de suprimento de água, tão extensas no
Brasil. O abacaxizeiro possui
algumas características morfológicas, anatômicas e fisiológicas, que permitem sua
exploração econômica nas zonas
Foto: Acervo Biblioteca / SEAGRI
COMUNICAÇÃO
referidas anteriormente, apresentando alto índice de
produtividade e com uma
excelente vantagem: a da
utilização de seu caule após a
colheita do fruto. Isso significa
que a matéria-prima para
produção de álcool seria
constituída de restos de cultura,
que, ademais, dificultam o
preparo de solo para novos
plantios. Acrescente-se a isso
que, desse material, pode ser
extraída, também, a bromelina,
uma importante enzima proteolítica, de uso nas indústrias farmacêuticas (distúrbios digestivos e respiratórios), de produtos
alimentares (amaciamento de
carnes), e como agente depilante
na preparação de couro.
Um rápido exame comparativo entre a cultura de abacaxi
e as de cana-de-açúcar e
mandioca, confere à primeira
algumas vantagens, tais como,
grande área de adaptação, ciclo
curto, menor exigência de água
e, no que concerne à produção de
álcool, o material a ser utilizado
são os restos culturais já referidos. O Quadro 1 apresenta
alguns dados de produção de
álcool e sua relação com o
consumo de água pelas culturas
de abacaxi, cana-de-açúcar e
mandioca.
Pode-se observar que a
eficiência do abacaxizeiro na
produção de álcool, com relação
ao consumo de água, é o dobro
das outras duas culturas.
Quadro 1
Produção de álcool e sua relação com o consumo de água
pelas culturas de abacaxi, cana-de-açúcar e mandioca
Cultura
Álcool
(L Ha-1 mês-1)
Existência de
água mês-1(mm)
Eficiência do
uso de água
( L de álcool /
mm de água)
Abacaxi
964
83
11,6
Cana-de-açúcar
921
180
5,1
Mandioca
611
125
4,9
Fonte: Marzola & Bartholomew (1979). Science n. 205, p. 555 - 559.
Bahia Agríc., v.6, n.1, nov 2003
13
COMUNICAÇÃO
Gráfico 1
Rendimento de outras fontes tradicionais de álcool etílico
1- Caule seco abacaxizeiro
2- Caule fresco abacaxizeiro
3- Mandioca
4- Batata-doce
5- Sorgo Sacarino
6- Babaçu
7- Cana-de-açúcar
Foto: Acervo Biblioteca / SEAGRI
0 50 100 150 200 250 300
Litros de etanol por tonelada
14
Pesquisa efetuada pela
EPAMIG mostrou ser viável a
utilização do caule de algumas
variedades de abacaxi, do grupo
Cayenne, como fontes de amido
para produção de álcool etílico,
já que os valores observados (4,3
a 7,9 t ha-1) aproximam-se das 5,l
-1
t ha da mandioca, quando se
considera uma produtividade de
raízes de 17 t, com um teor de
amido de 30% (CARVALHO et
al., 1985).
Em trabalhos realizados
sobre a fermentação do
abacaxizeiro 'Smooth Cayenne',
observou-se que o caule seco
produziu 282 litros de etanol/t,
enquanto que com o caule fresco
a produção foi de 200 litros/t
(GOMES; CARVALHO, 1988).
Tais valores foram superiores
aos rendimentos de outras fontes
tradicionais de álcool etílico, tais
como a cana-de-açúcar, babaçu,
sorgo sacarino e mandioca,
citados por Alvim e Maia (1979)
(Gráfico 1).
Com base nestes fatos,
julgamos imprescindível o
desenvolvimento ou a continuação de pesquisas para aproveitamento desta importante fonte
de energia renovável potencial,
Bahia Agríc., v.6, n.1, nov 2003
que é a cultura de abacaxi, cujos
restos culturais são, atualmente,
sub-utilizados no Brasil, que é o
terceiro maior produtor mundial
dessa fruta. Essas pesquisas
devem incluir o desenvolvimento do processo para
produção de álcool de abacaxi
em escala industrial.
REFERÊNCIAS
ALVIM, R.; MAIA, W. D. A
contribuição da mandioca como cultura
energética. Informe Agropecuário, Belo
Horizonte: EPAMIG, v.5, n.59/60, p.38, 1979.
CARVALHO, V. D. de et al. Teores de
carboidratos no caule de algumas
cultivares de abacaxi. Pesquisa
Agropecuária Brasileira, Brasília:
Embrapa, v.20, n.2, p.197-200, 1985.
GOMES, R. C.; CARVALHO, V. D. de.
Sacarificação do caule do abacaxizeiro
e sua fermentação por Saccharomyces
cerevisiae. In: SIMPÓSIO
NACIONAL SOBRE FONTES
N O VA S E R E N O V Á V E I S D E
ENERGIA, 1. 1988. Anais ...Brasília:
MME, SETEC, 1988. v.1. p.228-233.
M A R Z O L A ,
D .
L . ;
B A RT H O L O M E W, D . P.
Photosynthetic pathway and biomass
energy production. Science, v.205,
p.255-259, 1979.
Download

O abacaxizeiro: fonte alternativa de combustível! O