CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE – FAC
CURSO DE PEDAGOGIA
LÚCIA HELENA CARVALHO BARROS
A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA FORMAÇÃO COGNITIVA E SOCIAL DE
CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
FORTALEZA
2012
1
LÚCIA HELENA CARVALHO BARROS
A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA FORMAÇÃO COGNITIVA E SOCIAL DE
CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Monografia apresentada ao Curso de
Pedagogia da Faculdade Cearense – FAC,
como requisito parcial para a obtenção do grau
de Licenciatura em Pedagogia.
Orientadora: Luiza Lúlia Feitosa Simões
FORTALEZA – CEARÁ
2012
B277i Barros, Lúcia Helena Carvalho.
A importância do brincar na formação cognitiva e social de
crianças na educação infantil / Lúcia Helena Carvalho Barros. –
2012.
64 f.
Orientador: Profª. Ms. Luiza Lúlia Feitosa Simões.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade
Cearense, Curso de Pedagogia, 2012.
1. Educação infantil. 2. Importância do brincar. 3. Educação teóricos. I. Simões, Luiza Lúlia Feitosa. II. Título.
CDU 373.2.016
CDU 657.6
Bibliotecária Maria Albaniza de Oliveira CRB-3/867
CDU 347.922.6
CDU 338.48(813.1)
CDU 373.2
CDU 658.15
2
LÚCIA HELENA CARVALHO BARROS
A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA FORMAÇÃO COGNITIVA E SOCIAL DE
CRIANÇAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Monografia como pré-requisito para obtenção do título
de Licenciatura em Pedagogia, outorgado pela Faculdade
Cearense _ FAC, tendo sido aprovada pela banca
examinadora composta pelos professores.
Data da aprovação: _____/_____/_____
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________
Professora Ms. Luiza Lúlia Feitosa Simões
_________________________________________________________________
Professor Esp. Bruno Feitosa Policarpo
________________________________________________________________
Professora Esp. Suzanety Franco de Sá e Souza
3
Aos meus pais,
Zeneide e Dionísio Barros, exemplos de
bondade e pessoas responsáveis pela minha
evolução na vida pessoal e acadêmica.
4
AGRADECIMENTOS
A DEUS, meu querido pai eterno, que me deu força e coragem para a realização de mais
uma etapa na minha vida: a acadêmica.
Aos mestres da Faculdade Cearense – FAC, pelas suas valiosas contribuições na formação
do ensino superior do Curso de Pedagogia.
A orientadora, Luiza Lúlia Feitosa Simões, por sua paciência, incentivo e esforço
concedidos para a realização desta monografia.
Aos professores que fizeram parte da Banca.
A minha mãe querida, Zeneide Lima de Carvalho Barros, por todo o suporte concedido
para que eu conseguisse chegar até aqui.
Ao meu pai, Dionísio Durval Barros (in memorian), que sempre me incentivou nos
estudos e se orgulharia desse momento.
As irmãs Maria de Jesus e Laura Carvalho, incentivadoras e auxiliares nas dicas para a
consecução da monografia.
As colegas da faculdade: Lucijane, Aline e Gláucia, pelas palavras de força, pelo auxílio
nas dúvidas e pelo empréstimo de livros na elaboração desta monografia.
E a todos, que contribuíram de alguma forma para que eu avançasse sempre mais, no
crescimento da minha vida acadêmica.
5
―Um homem somente brinca quando ele é
humano no sentido amplo da palavra, e ele
somente é humano no sentido amplo da
palavra
quando
Schiller, 1787).
ele
brinca.‖
(Friederich
6
RESUMO
A inserção de brincadeiras no âmbito da educação infantil vem a cada dia se tornando mais
ativa devido à luta de educadores e profissionais da área que veem nos jogos e no brincar
ferramentas importantes que só agregam valores. O estudo tem como objetivo geral verificar
qual o papel do jogar e do brincar na formação cognitiva e social de crianças na fase escolar
da educação infantil e como objetivos específicos investigar os benefícios do brincar para a
construção da aprendizagem e para o desenvolvimento das inteligências múltiplas. A
metodologia para realizar esse estudo teórico foi a utilização da pesquisa bibliográfica,
recurso importante para a identificação do tema. Os principais teóricos utilizados foram
Piaget, Vygotsky, Wallon, Kishimoto, Gardner e Antunes. Buscou-se estudos e pesquisas
sobre o desenvolvimento cognitivo infantil, inteligências múltiplas e textos que tivessem
como finalidade investigar os benefícios do brincar para a construção da aprendizagem e do
processo cognitivo. Procurou-se também esclarecer professores acerca da importância do
brincar e de desenvolver as múltiplas inteligências na formação da Educação Infantil.
Conclui-se que os jogos, brinquedos e brincadeiras usados como uma ferramenta pedagógica
proporciona o desenvolvimento do ensino-aprendizagem na educação infantil, que a criança
no pré-escolar consegue aprender por meio de ações espontâneas e intuitivas, interagindo e
envolvendo-se no jogo ou brinquedo por meio dos processos: cognitivo, afetivo e social.
Conclui-se, por fim, que o jogo, em um sentido integralizado seja o meio estimulador mais
eficiente para a aprendizagem e o desenvolvimento das inteligências múltiplas, pois no espaço
do jogo, há a permissão para que a criança se potencialize.
Palavras-chave: Brincar e Jogar. Educação Infantil. Aprendizagem. Inteligências Múltiplas.
7
ABSTRACT
The insertion of plays on the scope of childhood education has becoming more active at every
day due the struggle of educators and professionals which see on games and play important
tools that only aggregate value. This monograph aims to verify what is the paper of play in the
cognitive and social training during school early childhood education and as specific aims to
investigate the benefits to play for construction of learning and for development of multiples
intelligences. The methodology of this theoretical study was made by literature, important
resource to identify the subject. The principal authors mentioned were Piaget,Vygotsky,
Wallon, Kismoto, Gardner and Antunes. The paper was made based on studies and researches
about child‘s cognitive development, multiples intelligences and texts to aims to investigate
the benefits to play for building the learning and cognitive process. This study also aimed to
clarify teachers about the importance to play and develop multiples intelligences in the
training of childhood education. The conclusion is that games, toys and play used as a
pedagogical tool provides the development of teaching-learning on childhood education when
the children on kindergarten can learn through spontaneous and instintives actions, interacting
and engaging on game or toys by the process: cognitive, affective and social. The final
conclusion that the game, in a paid toward be the most efficient way to learning and
development of multiples intelligences, because on game space, there is permission so that the
children to leverage.
Keywords: Play. Childhood Education Learning. Multiples Intelligences.
8
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Enfoques do brincar ........................................................................................... 15
Quadro 2 - Modalidades de brincadeiras ............................................................................. 20
Quadro 3 - Fases do desenvolvimento em Piaget ................................................................. 28
Quadro 4 - Tipologia dos Jogos ............................................................................................. 29
Quadro 5 - Estágios do desenvolvimento em Wallon ......................................................... 32
Quadro 6 - Jogos Infantis....................................................................................................... 33
Quadro 7 - Zonas do desenvolvimento em Vygotsky .......................................................... 35
Quadro 8 - Classificação dos Jogos ....................................................................................... 36
Quadro 9 - Precursores do estudo da inteligência ............................................................... 40
Quadro 10 - Inteligência: abordagens e teorias ................................................................... 43
Quadro 11 - Trajetória sequencial da criança até a vida adulta ........................................ 45
Quadro 12 - Tipologia das inteligências ............................................................................... 49
Quadro 13 - Jogos e outros estímulos para as Inteligências Múltiplas .............................. 57
9
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS ......................................................................................................... 08
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10
2 HISTÓRICO DO BRINCAR ............................................................................................. 12
2.1 Origem do brincar ............................................................................................................ 12
2.1.1 Conceitos: Brinquedos, jogos, brincadeiras e brincar ............................................... 14
2.2 Modalidades de brinquedos, jogos e brincadeiras ......................................................... 18
2.3 A Educação infantil - Educação básica ........................................................................ 20
2.3.1 O brincar no Referencial Curricular Infantil ............................................................. 21
3 O BRINCAR E OS TEÓRICOS DA EDUCAÇÃO ........................................................ 26
3.1 Biografia resumida de Jean Piaget ................................................................................ 26
3.1.1 A teoria de Jean Piaget ................................................................................................. 27
3.2 Biografia resumida de Henri Wallon ............................................................................ 30
3.2.1 A teoria de Henri Wallon ............................................................................................. 30
3.3 Biografia resumida de Lev Vygotsky .............................................................................. 34
3.3.1 A teoria de Lev Vygotsky ............................................................................................. 34
4 A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E A RELAÇÃO COM O
BRINCAR............................................................................................................................... 37
4.1 Conceitos de inteligência ................................................................................................. 37
4.2 Estudiosos precursores da inteligência .......................................................................... 39
4.3 As teorias sobre a inteligência ......................................................................................... 41
4.3.1 A teoria das inteligências múltiplas de Gardner......................................................... 43
4.3.2 Biografia resumida de Howard Gardner .................................................................. 51
4.4 As inteligências múltiplas e o brincar ............................................................................. 52
4.4.1 Jogos para estimular as inteligências múltiplas......................................................... 55
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 61
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 63
10
1 INTRODUÇÃO
Brincar é uma ação lúdica, que se desenvolve de muitas formas, através de jogos,
brincadeiras, momentos onde se utiliza o corpo, brinquedos ou palavras, como também a
utilização das artes, pinturas, músicas, teatro. O ato de brincar pode resultar numa ação com
ou sem regras. Brincar na escola significa a construção do aprendizado, principalmente na
educação infantil, que tem suporte de educação básica no país e que necessita assegurar na
educação infantil o brincar como forma de aprender, de obter o conhecimento e desenvolver o
social e o cognitivo infantil.
Os estudos para que a inserção do brincar seja considerada como tema importante
no âmbito da educação infantil é deveras um tema insistente por estudiosos de áreas diversas
do conhecimento e advém de longa data, como se tem observado na historiografia da
educação, como se vê em Platão (420 a.C, apud FRIEDMANN, 2006, p.33): ―A importância
de aprender brincando, em oposição à utilização da violência e da repressão.‖ Ou ainda, em
Huizinga (1938):
O jogo é uma atividade livre conscientemente tomada como não-séria e exterior a
vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa
e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material com a qual
não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais,
próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Huizinga (1938 apud
FRIEDMANN, 2006, p.37).
Dentro desse contexto, observa-se o papel que assume ―o brincar‖ para a educação
infantil e como a pertinência ao tema se desenvolve até os dias atuais, sendo o mesmo objeto
de estudos, onde, a preocupação de pesquisadores debruça-se em pesquisas aprofundadas
sobre o desenvolvimento infantil a partir dos jogos, brinquedos e brincadeiras, bem como no
próprio ato de brincar.
Refletindo acerca do exposto, emerge o interesse em pesquisar sobre o tema e a
motivação para a realização do estudo se dá pela experiência e vivência profissional com
crianças e do desejo de construir algo que se relacionasse com o universo infantil, como
também por ter cursado disciplinas no curso de pedagogia que estimularam a curiosidade
sobre o brincar como instrumento para a formação das crianças na educação infantil.
São diversos os estudos sobre o brincar na formação de crianças em fase escolar,
porém, mesmo com a constância destes textos o brincar ainda não é totalmente aceito pela
sociedade no âmbito escolar, isto é, ainda é visto como algo não-sério, e, partindo desse
11
pressuposto, levanta-se a seguinte problemática: O brincar influencia a formação social e
cognitiva das crianças na educação infantil?
Para a obtenção da resposta para essa problemática, realizou-se pesquisas
bibliográficas, fundamentando-se em Severino (2007, p. 122) que define pesquisa
bibliográfica como: ―Pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro
disponível decorrentes de pesquisas anteriores em documentos impressos como livros, artigos,
teses etc.‖ A busca de dados foi realizada nas bibliotecas da Faculdade Cearense - FAC,
Universidade Federal do Ceará – UFC e Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel.
Também foram realizadas buscas em artigos nos sítios eletrônicos de periódicos da educação
qualificados pela CAPES. Os dados foram coletados, e após uma leitura prévia, foram
fichados, analisados e sintetizados. Os principais autores que referenciaram o estudo foram
Kishimoto (2008, 2005), Piaget (1978), Vigotsky (1984), Wallon (1941), Gardner (2001,
1999) e Antunes (2008, 2002, 1998) e o documento denominado Referencial Curricular
Nacional Infantil – RCNEI (BRASIL, 1998).
O objetivo geral da pesquisa é verificar na literatura da área qual o papel do jogar
e brincar na formação cognitiva e social de crianças na fase escolar da educação infantil e,
como objetivos específicos, pretende-se investigar os benefícios do brincar para a construção
da aprendizagem das crianças na visão dos autores citados e analisar essa relação para o
desenvolvimento das Inteligências Múltiplas.
Para atingir o objetivo proposto, a apresentação deste trabalho monográfico foi
subdividida em quatro capítulos. O primeiro, a introdução, onde se comenta de forma geral o
conteúdo proposto. No segundo capítulo, comenta-se sobre o histórico do brincar, enfatizando
a origem, os conceitos em relação ao brincar, brinquedos, brincadeiras e jogos; comenta-se
também sobre a legislação na Educação Básica e dá-se especial importância ao brincar no
RCNEI. O conteúdo do terceiro capítulo se forma com o estudo mais aprofundado baseado
nos pressupostos teóricos de Wallon, Piaget e Vygotsky, onde se faz uma pequena biografia
dos autores, para em seguida comentar suas teorias acerca do brincar. No quarto capítulo,
buscou-se confirmar a importância do brincar e dos jogos para o desenvolvimento cognitivo e
o desenvolvimento das Inteligências Múltiplas, proposto por Gardner, recorrendo-se
principalmente, ao pensamento de Antunes. Assim, procurou-se ver os conceitos, os
precursores, as teorias e abordagens sobre a inteligência, como também pequena biografia de
Gardner. No quinto e último capítulo, as Considerações Finais, onde é respondido o objetivo
proposto neste trabalho monográfico.
12
2 HISTÓRICO DO BRINCAR
Observa-se que a introdução dos termos ―o brincar na educação‖, ―a importância
do lúdico na educação‖, são bem recorrentes na época de hoje em estudos e pesquisas por
estudiosos da área, assim como foi o assunto ―brincar‖, ao longo da história: com filósofos
como Aristóteles, Platão; com educadores como Rousseau, Froebel; com psicólogos como
Piaget, Vygotsky, Wallon, Winnicott; com historiadores como Huizzinga, Áries; assim como,
entre outras áreas do conhecimento (FRIEDMANN, 2006). Dessa forma, percebe-se que a
arte do brincar remonta a origem da humanidade. Assim, neste capítulo, optou-se em discorrer
sobre a história do brincar, a origem, os conceitos. Todavia, não se tem a pretensão de contála cronologicamente, isto é, fazer um relato histórico aprofundado; ressaltam-se apenas alguns
pontos importantes da mesma.
2.1 Origem do brincar
Tomando como base os estudos de Friedmann (2006) sobre o brincar, a autora
comenta que o brincar sempre existiu, antes mesmo de aparecerem os primeiros estudos sobre
o assunto, o que é óbvio, e que essa preocupação posterior com a inserção do brincar, do
lúdico se deu provavelmente, por no mundo moderno os espaços tanto físicos, quanto
temporais estarem restringidos.
Dessa forma, com a inexistência do espaço para ―o brincar,‖ os educadores, as
instituições escolares e esse novo mundo globalizado (as indústrias de brinquedos, a mídia
televisiva e a eletrônica) influíram diretamente para a retomada do brincar e do lúdico no
universo infantil.
Segundo Friedmann (2006), psicólogos e estudiosos da área como, por exemplo,
Piaget (1964) e Vygotsky (1988), foram alguns dos que desenvolveram teorias a respeito dos
jogos e brincadeiras, tendo como fundamento o estudo do desenvolvimento infantil,
objetivando uma melhor aprendizagem das crianças e um conhecimento mais aprofundado
para os educadores no entendimento do desenvolver dessas crianças, e ainda tornando a
educação das mesmas, mais prazerosa.
Montardo (2008, p. 01), discorrendo sobre os brinquedos informa que
pesquisadores da área têm procurado, por meio de pesquisa em objetos, fotografia e pinturas,
a origem dos brinquedos e que alguns museus têm modelos de brinquedos achados em
escavações de uma época muito remota:
13
Bonecas articuladas que podiam mover-se com barbantes, semelhantes aos atuais
fantoches, eram utilizadas por crianças da Grécia e da Roma antiga, bem como
modelos diminutos de cadeiras, mesas, jarros e outros objetos da vida cotidiana.
Bolas (algumas de couro e cheias de crina, palha e outros materiais), e bonecas de
madeira ou barro cozido também foram encontradas.
O cavalo de pau, cataventos, pássaros presos por um cordão e bonecas
multiplicaram-se principalmente a partir do século XV e alguns deles nasceram do
espírito de imitação das crianças. Elas imitavam as atividades dos adultos,
reduzindo-as à sua escala, como foi o caso do cavalo de pau, numa época em que o
cavalo era o principal meio de transporte e de tração. (Grifo meu).
Esse fato, de ter sido encontrado brinquedos como bolas, bonecas, chocalhos,
piões e peça de jogos desde os mais remotos tempos, para Montardo (2008), se torna algo
muito interessante onde se pode fazer uma analogia com os brinquedos de agora e denotar-se
que as brincadeiras infantis de outrora permanecem ainda hoje, mesmo com o passar dos
tempos.
Dando continuidade a pesquisa histórica do autor, ele informa que na Idade
Média, a fabricação de brinquedos assumiu importância na vida econômica de algumas
cidades e países como na Alemanha, por exemplo. Relata que no século XV os fabricantes de
Nurenberg iniciaram a sua fama por seus brinquedos e que nos séculos XVI e XVII Ulm e
Augburg, (cidades da Alemanha), os fabricantes se reuniam para expor suas construções,
como casas de bonecas, miniaturas de instrumentos musicais e peças de mobiliário e que esse
material se configurava no artesanato, em verdadeiras obras primas.
Segundo Montardo (2008), numa visão geral, na idade média o brinquedo em
forma de jogo não era considerado importante, embora fosse utilizado para divulgar princípios
de moral, ética e conteúdos de disciplinas escolares, pois estava associado ao azar. Relata que
após a idade média, a França começou a comercializar os brinquedos, onde os mercadores os
vendiam nos grandes centros comerciais que existiam naquela época. No final do século XIX
teve início a revolução dos brinquedos com o surgimento das primeiras fábricas, culminando
com a industrialização e comercialização.
No inicio do século XX, os brinquedos de madeira e de pano foram trocados por
materiais de menor custo, tais como borracha, celulóide e metal, refletindo a preocupação
econômica da época. Já no renascimento, o jogo era visto como conduta livre, que favorecia o
desenvolvimento da inteligência e facilitava o estudo. Por isso, foi adotado como instrumento
de aprendizagem de conteúdo escolares (MONTARDO, 2008).
Friedmann (2006), comentando sobre a história do brincar na antiguidade, relata
que não existia separação entre as atividades das crianças e dos adultos, ou seja, as crianças
participavam das mesmas atividades dos adultos como, por exemplo, as festas, rituais e
14
brincadeiras. A participação de todas as pessoas, sem distinção de idade, nos jogos e
divertimentos era um dos principais meios de que dispunha a sociedade para se unirem e
estreitar a aproximação entre eles. Portanto, a criança já participava desde cedo do mundo do
adulto nos trabalhos e entretenimentos. Sendo assim, percebe-se que nesse contexto histórico
à criança, não era voltado um olhar diferenciado como é nos dias de hoje.
Com a evolução tecnológica da indústria existe uma quantidade ínfima de tipos de
brinquedos que fascinam as crianças e também, aos adultos. Se na história antiga, as crianças
participavam da vida adulta, hoje se pode perceber justamente, o contrário, os adultos é que
participam da vida das crianças no que concerne às brincadeiras, pois os brinquedos e jogos
que naturalmente fazem parte da vida da criança encantam também aos adultos, um exemplo
disso são os jogos de computador, inicialmente criados para o entretenimento infantil.
2.1.1 Conceitos - Brinquedos, jogos, brincadeiras e brincar.
No estudo de Friedmann (2006), a autora apresenta um conceito etimológico, isto
é, o estudo da origem e da evolução das palavras, que como também apresenta um conceito
através de glossário, como se vê respectivamente:
Conceitos etimológicos:

Brincar – no estudo etimológico, é: BRINCO + AR. Brinco que vem do alemão
blinklen, que significa cintilar, brilhar cujo sentido, através do tempo, veio a ser
entendido como agitar-se que remete a pular, saltar que em alemão significa Springer,
que remete a divertimento e jogos infantis.

Brincadeira – na etimologia da palavra, é: BRINCADO + EIRA, que tem o significado
de distração, divertimento, passatempo.

Jogo – origina-se do latim com significado de zombaria, escárnio, pilhéria, graça,
gracejo. Essa palavra é no latim, utilizada para as brincadeiras verbais como piadas
enigmas e charadas.

Lúdico – Originalmente vem da palavra latina ludus, que se refere ao brincar nãoverbal e sim a ação propriamente dita. Essa palavra deu origem a outras tais como:
aludir, iludir, ludibriar, eludir, prelúdio etc.
Conceitos de glossário:

Brinquedo – É definido como o suporte para a brincadeira ou o objeto de brincar.
15

Jogo – Significa tanto uma atividade que envolva regras e seja estruturada, quanto
uma atitude.

Brincadeira – envolve a ação de brincar, resulta numa atividade sem regras,
desestruturada.

Brincar – Designa uma ação lúdica, que pode vir a ser qualquer um dos itens
anteriores ou outros objetos, como também o uso do corpo, da arte, da música, das
palavras etc.
A autora (2006, p. 17) comenta que ao estudar esses itens, jogos, brincadeiras e
brinquedos, algumas observações são importantes ressaltar:
 o comportamento das crianças (a brincadeira propriamente dita) no que concerne às
atividades físicas e mentais envolvidas;
 as características de sociabilidade que o brincar propicia (trocas, competições etc.);
 as atitudes, reações e emoções que envolvem os jogadores;
 os objetos utilizados (brinquedos e outros).
Assim, de acordo com as observações surgem as interpretações dos dados e
diferentes formas de análises do brincar e seus comportamentos: linguísticas, sociais,
cognitivas, afetivas, culturais, morais etc. Friedmann (2006), analisa o brincar sob vários
enfoques, como se vê no quadro abaixo:
Quadro 1– Enfoques do Brincar
ENFOQUES
ANÁLISES
SOCIOLÓGICO
Influência do contexto social em que os diferentes grupos de crianças
brincam.
EDUCACIONAL
A construção do brincar para a educação, desenvolvimento ou
aprendizagem da criança.
PSICOLÓGICO
O brincar como meio para compreender melhor o funcionamento da
psique, das emoções e da personalidade dos indivíduos, (exemplo a
ludoterapia).
ANTROPOLÓGICO A maneira como o brincar reflete, em cada sociedade, os costumes e a
história das diferentes culturas
FOLCLÓRICO
O brincar como expressão da cultura infantil através das diversas
gerações, bem como as tradições e os costumes nelas refletidos através
dos tempos.
Fonte: Adaptado do Livro: O Desenvolvimento da criança através do brincar (2006).
Segundo Friedmann (2006) ao brincar o ser humano se mostra na sua essência,
sem sabê-lo, de forma inconsciente. O indivíduo que realiza o brincar consegue a troca, a
socialização, coopera e compete, ganha e perde. Consegue liberar suas emoções, põe em jogo
seu corpo inteiro; suas habilidades motoras e de movimento vêem-se desafiadas.
16
De forma poética a autora, comenta que no brincar, o ser humano imita, medita,
sonha, imagina. Seus desejos e seus medos transformam-se, naquele segundo, em realidade. O
brincar descortina um mundo possível e imaginário para os brincantes. O brincar convida o
indivíduo a ser o seu eu. Portanto, percebe-se a que a importância do brincar é essencial em
especial na infância, como informa Froebel (1912 apud FRIEDMANN 2006, p. 36):
Brincar é a fase mais importante da infância – do desenvolvimento humano neste
período -, a representação de necessidades e impulsos internos. [...] A brincadeira é a
atividade espiritual mais pura do homem neste estágio e, ao mesmo tempo, típica da
vida humana enquanto um todo. [...] Ela dá alegria, liberdade, contentamento,
descanso externo e interno, paz com o mundo. [...] O brincar em qualquer tempo não
é trivial, é altamente sério e de profunda significação.
Em sua pesquisa a autora, relatando sobre Froebel (1912) diz que o mesmo, foi
considerado o psicólogo da infância ao introduzir o brincar para educar e desenvolver a
criança. Froebel concebe o brincar como atividade livre e espontânea, responsável pelo
desenvolvimento físico, moral e cognitivo; e os dons dos brinquedos como objetivos que
subsidiam as atividades infantis.
Nos estudos da autora Kishimoto (2005), informa que a conceituação dos
brinquedos, dos jogos e das brincadeiras torna-se complexo, pois há uma dificuldade em se
separá-los, o que significa que os mesmos estão interligados entre si. Para aumentar a
complexidade surge também a questão cultural, o que normalmente pode ser considerado,
brinquedo, jogo ou brincadeira em determinada cultura, podem divergir em outra.
Kishimoto (2005, p. 16) utiliza-se de teorizações de estudiosos franceses, que
segundo ela fez-se necessário para compreender o significado dos três termos, como se pode
observar:
Para compreender o significado de tais termos foi indispensável a leitura de obras
como a de Brougère (Le jeu dans la pédagogie prescolaire depuis le Romantisme,
1993), Henriot (Sous couleur de jouer - la metháphore ludique, 1989) e Wittgenstein
(lnvestigações filosóficas,1975).
Sobre o brinquedo, a autora comenta que difere do jogo e que o mesmo pressupõe
uma relação mais íntima com o infanto e que nele não há existência de regras para se fazer
uso dele, na verdade a criança é quem as cria conforme suas vontades. Configura-se então,
num brincar livre. Segundo Kishimoto (2005, p.18), nessa configuração o brinquedo se insere
no cotidiano das crianças como a representação de sua realidade:
17
Admite-se que o brinquedo represente certas realidades. Uma representação é algo
presente no lugar de algo. Representar é corresponder a alguma coisa e permitir sua
evocação, mesmo em sua ausência. O brinquedo coloca a criança na presença de
reproduções: tudo o que existe no cotidiano, a natureza e as construções humanas.
Pode-se dizer que um dos objetivos do brinquedo e dar a criança um substituto dos
objetos reais, para que possa manipulá-los.
Sobre o jogo, a autora (2005, p. 16) levanta questionamentos no que se pode
considerar jogo ou não. E o especifica, à luz dos autores franceses, comentando que por
existir uma variedade de fenômenos considerados como jogo, torna-se difícil a sua definição:
Pesquisadores do Laboratoire de Recherche sur le Jeu et le Jouet, da Université
Paris- Nord, como Gilles Brougère (1981, 1993) e Jacques Henriot (1983, 1989),
começam a desatar o nó deste conglomerado de significados atribuídos ao termo
jogo ao apontar três níveis de diferenciações. O jogo pode ser visto como:
1. O resultado de um sistema lingüístico que funciona dentro de um contexto social;
2. um sistema de regras;
3. um objeto.
Esses três níveis de diferenciação em que o jogo pode ser visto são definidos da
seguinte forma:

O resultado de um sistema linguístico que funciona dentro de um contexto social – o
respeito ao uso da linguagem, a imagem e ao sentido que cada sociedade e sua cultura
utilizam.
Ex.: Numa sociedade indígena primitiva, o arco e flecha é um instrumento de trabalho
e em uma sociedade civilizada passa a ser um brinquedo.

Um sistema de regras – permite identificar a modalidade dos jogos.
Ex.: Se pode usar um mesmo objeto como o baralho e a partir dele jogar diversos
jogos (buraco, tranca, etc.) o que vai definir são as regras do jogo.

Um objeto – representa a materialização do objeto.
Ex.: o Jogo de xadrez é representado por um tabuleiro que pode ser de madeira ou
outro tipo de material.
Sobre a brincadeira, Kishimoto (2005, p. 21), comenta que o seu suporte é o
brinquedo e que ambos não se confundem com o jogo, como se vê:
E a brincadeira? É a ação que a criança desempenha ao concretizar as regras do
jogo, ao mergulhar na ação lúdica. Pode-se dizer que é o lúdico em ação. Desta
forma, brinquedo e brincadeira relacionam-se diretamente com a criança e não se
confundem com o jogo.
18
Assim, Kishimoto relata as diferenciações iniciais sobre brinquedo, brincadeiras e
jogos, informando que este último é um tema bem mais abrangente de onde se ramifica várias
―famílias‖, compostas por diferentes tipos de jogos.
2.2 Modalidades de brinquedos, jogos e brincadeiras.
Kishimoto (2005, 2008), discorrendo sobre tipos de brinquedos e brincadeiras
comenta não ter a pretensão de classificá-los e que apenas ressalta em seu texto algumas
modalidades de brincadeiras que se apresentam na educação infantil.
Dentre as modalidades ou tipos de brincadeiras Kishimoto (2005) relata sobre o
brinquedo educativo (jogo educativo), as brincadeiras tradicionais infantis, brincadeiras de
faz-de-conta e brincadeiras de construção:

Brinquedo educativo (jogo educativo): o brinquedo educativo é da época do
Renascimento, e se expande juntamente com a educação infantil, em especial no
século atual, onde o mesmo vem conquistando seu espaço nas escolas, principalmente
na educação infantil, pois além de ser um meio que desenvolve e educa a criança;
ainda o faz de modo prazeroso e dinâmico. Exemplos de brinquedos educativos:
brinquedos de tabuleiros, quebra-cabeças, brinquedos de encaixe.
Tratando sobre a ludicidade e a educação que exercem os jogos e brinquedos na
educação infantil, Kishimoto (2005, p. 37) comenta sobre as funções que exercem:
Ao assumir a função lúdica e educativa, o brinquedo educativo merece algumas
considerações:
1. função lúdica: o brinquedo propicia diversão, prazer e até desprazer, quando
escolhido voluntariamente; e
2. função educativa: o brinquedo ensina qualquer coisa que complete o indivíduo em
seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão do mundo.

As brincadeiras tradicionais infantis: são consideradas como partes da cultura popular.
Por serem consideradas como elemento folclórico, as brincadeiras tradicionais
assumem
características
de
anonimato,
tradicionalidade,
transmissão
oral,
conservação, mudança e universalidade. Não se sabe bem a origem, pois foram
passadas de geração em geração, através da oralidade e transmitidas espontaneamente.
Exemplos de brincadeiras tradicionais: amarelinha, empinar papagaios, jogar
pedrinhas, pião, parlendas.
19

Brincadeiras de faz-de-conta: são conhecidas também como brincadeiras simbólicas,
onde a presença da imaginação flui na criança em torno de dois ou três anos de idade,
surge com a manifestação da linguagem. No faz-de-conta a criança modifica o
significado dos objetos e representa seus sonhos e fantasias. A imaginação inicia-se de
experiências anteriores adquiridas pelas crianças em variados contextos, na sociedade,
família, círculo de amizade e em sala de aula. Exemplos: Contos de faz de conta,
dramatização, cavalo de pau.
O faz-de-conta é uma modalidade que provoca o uso da imaginação, que
influencia fortemente as atitudes e o comportamento do indivíduo. Através das brincadeiras
de faz-de-conta a criança pode amenizar, entender ou modificar as emoções de situações que
vivencia no mundo real e que são difíceis de tolerar. Situações que lhe causam excitação,
medo, tristeza, raiva e ansiedade.

Brincadeiras de construção: os jogos de construção são considerados de grande
importância, no sentido de que estimulam a criatividade, enriquecem a experiência
sensorial e desenvolvem habilidades. O jogo de construção tem uma estreita ligação
com as brincadeiras faz-de-conta, pois a criança na sua imaginação ela constrói,
transforma e destrói. Desta maneira, diante dessas ações, a criança manifesta as suas
representações mentais; todavia para se entender a relevância dos jogos de construção
se faz necessário, considerar tanto a fala como a ação da criança. É importante,
também, saber como elas adquirem os temas, a idéia de suas representações e de como
o mundo real contribui para a sua construção. Exemplos: Jogos de empilhar, jogos de
montar.
As modalidades de brincadeiras segundo Kishimoto (2005) podem ser observadas
com mais clareza no Quadro 2:
20
Quadro 2 – Modalidade de brincadeiras.
MODALIDADES DE
PARTICULARIDADES
EXEMPLOS
BRINCADEIRAS
Brinquedos ou jogos
Desenvolve e educa a criança Brinquedos de tabuleiros,
educativos.
de modo prazeroso e
quebra-cabeças, brinquedos
dinâmico.
de encaixe.
Brincadeiras tradicionais
infantis.
Consideradas como partes da
cultura popular.
Amarelinha, empinar
papagaios, jogar pedrinhas,
pião, parlendas.
Brincadeiras de faz-de-conta
A criança modifica o
significado dos objetos e
representa seus sonhos e
fantasias.
Estimulam a criatividade,
enriquecem a experiência
sensorial e desenvolvem
habilidades.
Contos de faz de conta,
dramatização, cavalo de pau.
Brincadeiras de construção
Jogos de empilhar, jogos de
montar.
Fonte: Elaboração própria.
As brincadeiras e jogos inseridos no contexto infantil, em especial na educação
infantil tende a valorizar cada vez mais o conhecimento e o seu desenvolvimento.
2.3 A Educação infantil – Educação básica
A Educação Básica é composta por Educação Infantil, Educação Fundamental e
Ensino Médio, que são regidos pela Secretaria da Educação Básica, que norteiam o caminho
da educação, no sentido de assegurar às crianças e jovens o exercício da cidadania, como
também subsidiá-los para um futuro em estudos posteriores e progresso nas profissões
escolhidas.
Segundo pesquisas obtidas, no portal do Ministério da Educação – MEC, os
documentos principais na legislação brasileira que asseguram a Educação Básica são dois: a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996 que estabeleceu a Educação Infantil como a 1ª etapa da Educação Básica, como um
direito da criança, opção da família e dever do Estado; e o Plano Nacional de Educação –
PNE, Lei nº 10.172/2001, regidos, pela Constituição da República Federativa do Brasil.
Em pesquisa ao documento Política Nacional de Educação Infantil – PNEI
(BRASIL, 2006) verificou-se que a necessidade de se manter uma base homogênea nos
21
parâmetros curriculares do país na Educação Infantil, a LDB (1996), estabelece a criação de
guias para a orientação dos professores da educação infantil com a criação em 1998, do
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI, que não caracterizava
obrigação e sim orientações, sendo assim no ano seguinte em 1999 foi criado o documento,
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI, com caráter obrigatório
das diretrizes.
Sobre os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, objeto do
estudo da seção seguinte, os mesmos integram a série de documentos que compõe os
Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, estabelecidos no artigo 26 da LDB, e, são
compostos por três volumes: Volume I – Introdução, documento introdutório acrescido do
título, Algumas considerações sobre creches e pré-escola; Volume II – Formação pessoal
e social e Volume III – Conhecimento de mundo. Eles foram planejados com o objetivo de
funcionar como um guia para os profissionais da educação. Nos volumes I e II, os mesmos
têm seção especial sobre o tema brincar na educação infantil, como se vê a seguir:
2.3.1 O brincar no Referencial Curricular Infantil
Em toda essa seção toma-se como base, através de citações diretas ou indiretas o
Volume I do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI (BRASIL,
1998), assim segundo o próprio RCNEI, o mesmo foi desenvolvido de acordo com os
Parâmetros Curriculares Nacionais elaborados pelo Ministério da Educação e do Desporto que
atende as determinações da Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases – LDB (BRASIL, 1996).
Essa lei estabelece que a educação infantil seja a primeira etapa da educação básica.
Dessa forma, o Referencial (BRASIL, 1998, p. 05) surge para definir metas
integradas que envolvam as creches, pré-escolas como se vê:
Considerando a fase transitória pela qual passam creches e pré-escolas na busca por
uma ação integrada que incorpore às atividades educativas os cuidados essenciais
das crianças e suas brincadeiras, o Referencial pretende apontar metas de qualidade
que contribuam para que as crianças tenham um desenvolvimento integral de suas
identidades, capazes de crescerem como cidadãos cujos direitos à infância são
reconhecidos. Visa, também, contribuir para que possa realizar, nas instituições, o
objetivo socializador dessa etapa educacional, em ambientes que propiciem o acesso
e a ampliação, pelas crianças, dos conhecimentos da realidade social e cultural.
(Grifo do autor).
Esse documento representa um grande avanço para a educação infantil, pois busca
soluções para esse segmento. Ele foi criado de maneira a servir como um ―guia de reflexões
22
de cunho educacional‖ para que os profissionais da área, que lidam com crianças de 0 a 6
anos possam buscar no mesmo, orientações didáticas, objetivos e conteúdos para uma melhor
educação infantil, respeitando a diversidade de cultura existente e também os estilos
pedagógicos. (BRASIL, 1998).
Entre outras orientações, no RCNEI (BRASIL, 1998, p. 27), tem uma seção
própria em relação ao brincar na Educação Infantil e informa sobre o brincar:
A brincadeira é uma linguagem infantil que mantém um vínculo essencial com
aquilo que é o ―não-brincar‖. Se a brincadeira é uma ação que ocorre no plano da
imaginação isto implica que aquele que brinca tenha o domínio da linguagem
simbólica. Isto quer dizer que é preciso haver consciência da diferença existente
entre a brincadeira e a realidade imediata que lhe forneceu conteúdo para realizar-se.
Nesse sentido, para brincar é preciso apropriar-se de elementos da realidade
imediata de tal forma a atribuir-lhes novos significados. Essa peculiaridade da
brincadeira ocorre por meio da articulação entre a imaginação e a imitação da
realidade. Toda brincadeira é uma imitação transformada, no plano das emoções e
das idéias, de uma realidade anteriormente vivenciada.
Assim, no RCNEI informa que quando a criança brinca exercita a sua imaginação
e insere contextos de sua realidade constituídos de ―uma nova roupagem‖, isto é, a atribuição
de novos significados. Nesses novos significados as crianças assumem novos papéis,
começam a repensar os acontecimentos que deram origem às brincadeiras, todavia
conscientes de que estão brincando.
Ao brincar, as crianças, melhoram sua auto-estima e conseguem superar
progressivamente de forma criativa às novas aquisições de sua realidade, como também para a
internalização de modelos da vida adulta em vários tipos de grupos sociais; e todas essas
significações passam a fazer parte de um espaço único, singular na sua constituição de
infantil.
Através das brincadeiras as crianças transformam os conhecimentos já adquiridos
em conceitos gerais, como por exemplo, quando assumem um papel em uma brincadeira; esse
conhecimento advém da imitação de um adulto, de uma experiência já vivenciada, de uma
história ouvida etc. E conseguem através dessas brincadeiras conciliarem ou até mesmo a
resolverem problemas. Como se vê no RCNEI (BRASIL, 1998, p. 28):
Para brincar é preciso que as crianças tenham certa independência para escolher seus
companheiros e os papéis que irão assumir no interior de um determinado tema e
enredo, cujos desenvolvimentos dependem unicamente da vontade de quem brinca.
Pela oportunidade de vivenciar brincadeiras imaginativas e criadas por elas mesmas,
as crianças podem acionar seus pensamentos para a resolução de problemas que lhe
são importantes e significativos. Propiciando a brincadeira, portanto, cria-se um
espaço no qual as crianças podem experimentar o mundo e internalizar uma
compreensão particular sobre as pessoas, os sentimentos e os diversos
conhecimentos.
23
Ainda no RCNEI, o brincar pode se apresentar como categorias de experiências
que podem ser diferentes, dependendo dos recursos utilizados e essas categorias podem
incluir:

O movimento e as mudanças da percepção resultantes essencialmente da mobilidade
física das crianças;

a relação com os objetos e suas propriedades físicas assim como a combinação e
associação entre eles;

a linguagem oral e gestual que oferecem vários níveis de organização a serem
utilizados para brincar; os conteúdos sociais, como papéis, situações, valores e atitudes
que se referem à forma como o universo social se constrói;

e, finalmente, os limites definidos pelas regras, constituindo-se em um recurso
fundamental para brincar.
De acordo com o RCNEI (BRASIL, 1998), as categorias de experiências podem
ser agrupadas em três modalidades básicas:

Brincar de faz-de-conta ou com papéis – considerada como atividade fundamental da
qual se originam todas as outras;

brincar com materiais de construção;

brincar com regras.
Todos esses tipos de jogos propiciam a criança, a ampliação dos seus
conhecimentos através do lúdico. É dentro desse universo lúdico que o adulto, no papel de
professor, deve assumir na escola, uma forma de ajudar os infantos na estruturação do campo
dessas brincadeiras, isto é, devem inferir intencionalmente:
A intervenção intencional baseada na observação das brincadeiras das crianças,
oferecendo-lhes material adequado, assim como um espaço estruturado para brincar
permite o enriquecimento das competências imaginativas, criativas e organizacionais
infantis. Cabe ao professor organizar situações para que as brincadeiras ocorram de
maneira diversificada para propiciar às crianças a possibilidade de escolherem os
temas, papéis, objetos e companheiros com quem brincar ou os jogos de regras e de
construção, e assim elaborarem de forma pessoal e independente suas emoções,
sentimentos, conhecimentos e regras sociais. (BRASIL, 1998, p. 29).
24
No volume II do RCNEI, Formação Pessoal e Social (BRASIL, 1998), reforça o
brincar na educação infantil sobre o que já foi informado no volume I, disposto no texto
acima, enfatizando a importância do brincar como fundamental para o desenvolvimento da
autonomia e da identidade. Salienta que nas brincadeiras, as crianças desenvolvem
importantes capacidades ―tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação.‖ Que no
brincar, algumas socializações são amadurecidas, através das interações e experimentações de
regras e papéis sociais:
A diferenciação de papéis se faz presente sobretudo no faz-de-conta, quando as
crianças brincam como se fossem o pai, a mãe, o filhinho, o médico, o paciente,
heróis e vilões etc., imitando e recriando personagens observados ou imaginados nas
suas vivências. A fantasia e a imaginação são elementos fundamentais para que a
criança aprenda mais sobre a relação entre as pessoas, sobre o eu e sobre o outro. No
faz-de-conta, as crianças aprendem a agir em função da imagem de uma pessoa, de
uma personagem, de um objeto e de situações que não estão imediatamente
presentes e perceptíveis para elas no momento e que evocam emoções, sentimentos
e significados vivenciados em outras circunstâncias. (BRASIL, 1998, p. 23).
No referencial, (BRASIL, 1998) explicita que nas brincadeiras de faz-de-conta, as
crianças, buscam imitar, imaginar, representar e comunicar-se com outros personagens, na
condição de que uma pessoa pode ser um super-herói, um animal ou um objeto, que um local
em que esteja, no faz-de-conta é outro. Dessa forma, no referencial, observam os significados
e a importância do brincar, na vida das crianças:

Brincar funciona como um cenário no qual as crianças tornam-se capazes não só de
imitar a vida como também de transformá-la.

Brincar é, assim, um espaço no qual se pode observar a coordenação das experiências
prévias das crianças e aquilo que os objetos manipulados sugerem ou provocam no
momento presente.

Brincar constitui-se, dessa forma, em uma atividade interna das crianças, baseada no
desenvolvimento da imaginação e na interpretação da realidade, sem ser ilusão ou
mentira.

No brincar, quando utilizam a linguagem do faz-de-conta, as crianças enriquecem sua
identidade, porque podem experimentar outras formas de ser e pensar, ampliando suas
concepções sobre as coisas e pessoas ao desempenhar vários papéis sociais ou
personagens.
25

Na brincadeira, vivenciam concretamente a elaboração e negociação de regras de
convivência, assim como a elaboração de um sistema de representação dos diversos
sentimentos, das emoções e das construções humanas.

Por meio da repetição de determinadas ações imaginadas que se baseiam nas
polaridades presença/ausência, bom/mau, prazer/desprazer, passividade/atividade,
dentro/fora, grande/pequeno, feio/bonito etc., as crianças também podem internalizar e
elaborar suas emoções e sentimentos, desenvolvendo um sentido próprio de moral e de
justiça.
Assim, observa-se que a importância do brincar é confirmada, inclusive na
Legislação Brasileira que orienta e diretriza a Educação Infantil, também sobre esse tema,
visto com grande importância por estudiosos da educação como se pode verificar no capítulo
seguinte.
26
3 O BRINCAR E OS TEÓRICOS DA EDUCAÇÃO
Neste capítulo, considerou-se importante discorrer sobre as teorias dos principais
teóricos da educação acerca do brincar: Piaget, Vygotsky e Wallon psicólogos, que muito
contribuíram para o aprimoramento da educação como um todo, e, em especial, sobre o
brincar, sobre os jogos e como esse tipo de ludicidade infere no desenvolvimento da criança e
consequentemente na educação infantil. Inicia-se com uma pequena biografia dos teóricos e,
posteriormente disserta-se sobre suas teorias.
3.1 Biografia resumida de Jean Piaget
Segundo pesquisa de Alessandra Lucchetti (2008), Jean Piaget foi um grande
teórico da educação que nasceu em Neuchâtel, Suíça, no dia 09 de agosto de 1896 e faleceu
em Genebra em 17 de setembro de 1980, com 83 anos. Ele se interessou em estudar a
evolução do pensamento até a adolescência, buscando e se esforçando para compreender os
mecanismos mentais que o ser humano possa utilizar para captar o mundo.
Como epistemólogo, pesquisou o processo de construção do conhecimento. Nos
últimos anos de sua vida se dedicou aos estudos no pensamento lógico-matemático.
Piaget estudou Filosofia e Biologia na Universidade de Neuchâtel, aos 22 anos recebeu o seu
doutorado em Biologia. Na área da educação teve grande realização na Biologia e Psicologia.
Professor de psicologia na Universidade de Genebra de 1929 a 1954 ficou famoso
especialmente por organizar o desenvolvimento cognitivo em uma série de estágios.
Segundo a autora, ele fundou e dirigiu o Centro Internacional para Epistemologia
Genética. Piaget ensinou em diversas universidades européias como também na famosa
Universidade de Sorbonne (Paris, França). Desenvolveu trabalhos no laboratório de Alfred
Binet, em Paris, a partir de testes organizados por ele pesquisou o desenvolvimento intelectual
da criança.
Através deste trabalho adquiriu motivação para desenvolver suas investigações na
área da Psicologia do desenvolvimento. Piaget escreveu mais de 100 livros e artigos, alguns
tiveram a colaboração de Barbel Inhelder1 que mais destacaram foram: Seis Estudos de
Psicologia; A construção do Real na Criança; A Epistemologia Genética; O Desenvolvimento
1
Barbel Inhelder (1913-1997), Suíça, Psicóloga do Desenvolvimento, famosa colega de trabalho de Jean Piaget.
Fonte: Psychology. jrank.org – Acesso em 27/03/11.
27
da Nação de Tempo na Criança; Da Lógica da Criança à Lógica do Adolescente; A
Equilibração das Estruturas Cognitivas.
3.1.1 A teoria de Jean Piaget
De acordo com os estudos de Lucchetti (2008), o ano de 1919 para Piaget foi um
ano de grandes descobertas, ele deu início a seus estudos experimentais sobre a mente humana
e também à pesquisa do desenvolvimento das habilidades cognitivas. Seus estudos na biologia
notaram o desenvolvimento cognitivo de uma criança como sendo uma evolução gradativa.
A maior pesquisa de Jean Piaget foi observar as crianças brincarem e registrar
cautelosamente as palavras, ações e processo de raciocino delas. A grande parte das teorias
estudadas por Piaget teve início pela observação de seus próprios filhos e de outras crianças.
Deduziu em muitas questões, que as crianças não pensam como os indivíduos adultos por lhe
faltarem à capacidade, portanto o modo de pensar é diferente, não somente em grau, como em
classe.
Segundo Lucchetti (2008), a teoria de Jean Piaget, sobre o desenvolvimento
cognitivo, é uma teoria de etapas que pressupõe que os indivíduos passam por uma série de
mudanças ordenadas e previsíveis, como:

Organização – à medida que cresce a maturação da criança, elas estabelecem modelos
físicos ou esquemas mentais em sistemas mais complexos.

Adaptação – habilidade de adaptar as suas estruturas mentais ou condutas para se
adaptar ao meio.

Assimilação – adaptar novas informações para inserir nos esquemas existentes.

Acomodação – transformação dos esquemas existentes pela modificação de antigas
formas de pensar e agir.

Equilibração – vocação para conservar as estruturas em equilíbrio.
Dando continuidade aos estudos das etapas, Piaget (1978 apud OLIVEIRA, 2006,
p. 01) comenta que a brincadeira, o jogo é fundamental na vida da criança, pois é a partir dele
que ocorre a assimilação. Segundo o autor, a criança coloca no jogo aquilo que percebe em
sua realidade e que o mesmo pode não modificar estruturas, porém pode ser capaz de
28
transformar a realidade. Dessa feita, Piaget (1978) classifica em seis fases o desenvolvimento
da criança através dos jogos, como se pode observar no quadro abaixo:
Quadro 3 – Fases do desenvolvimento em Piaget.
FASES
CARACTERÍSTICAS
Primeira fase ou fase da adaptação
Conforme os instintos necessários, como por
exemplo, a sucção como refeição.
Segunda fase ou fase da dualidade
Os processos adaptativos prosseguem,
contudo com uma diferenciação: a dualidade.
Como exemplo, os jogos da voz, as primeiras
lalações.
Terceira fase ou fase das relações circulares O processo permanece, mas a diferença entre
secundárias.
jogo e assimilação intelectual é mais clara.
Nesta fase a criança domina os objetos, e
passa a entender o jogo.
Quarta fase ou fase da coordenação dos As manifestações lúdicas são realizadas por
esquemas secundários.
pura assimilação, por prazer e sem esforço, o
objetivo é atingir uma finalidade. Baseia-se
em repetir e associar os esquemas já
formados, com um fio não lúdico.
Quinta fase ou fase da transição das Transição entre as condutas rituais e o
condutas.
símbolo lúdico. As manifestações lúdicas
surgem com variadas combinações.
Sexta fase ou fase da representação
O lúdico desliga-se do ritual, sob a forma de
esquemas simbólicos, graças ao progresso de
sua representação.
Fonte: Adaptado do texto de Oliveira (2006).
Nos estudos de Maluf (2009) sobre os jogos informa que Piaget (1978) apresenta
uma classificação dos jogos de acordo com a evolução das estruturas mentais, classifica por
três tipos de categorias:

Jogos de exercício – ocorre de 0 a 2 anos de idade e a principal característica do ato
exercida pela criança no período sensório-motor é o aspecto prazeroso. Age para
realizar ou saciar a sua necessidade e obter cada vez mais a oportunidade de garantir
prazer. E é este prazer que traz significado à ação.

Jogos simbólicos – ocorre dos 2 aos 7 anos de idade, no período pré-operatório. No
jogo simbólico a criança encontra o mesmo prazer que tinha antes no jogo de
exercício. A função simbólica já está bem formada e começa a criar imagens mentais,
visto que domina a linguagem falada. Os jogos simbólicos têm as seguintes
29
características: liberdade total de regras (a não ser aquelas criadas pela própria
criança), desenvolvimento da imaginação e da fantasia, ausência de objetivo (brincar
pelo prazer de brincar), ausência de uma lógica da realidade, assimilação da realidade
ao seu mundo (a criança adapta a realidade a seus desejos). Ex.: caso presencie uma
briga, vai brincar de casinha e resolve o conflito por meio das suas bonecas. Com o
progresso do desenvolvimento da criança o jogo simbólico sofre modificações.

Jogos de regras – ocorre a partir dos 7 anos idade no período operatório concreto, nele
está contido o prazer dos jogos de exercício, o lúdico do simbolismo, a criança
aprende a estabelecer os limites no espaço e no tempo. As regras são as leis do jogo,
orienta as ações dos competidores, determina seus limites de ações, durante a disputa
existe a penalidade ou premiação desta decisão. Para ser incluído como um jogo de
regras é necessário que: haja um objetivo claro a ser alcançado, existam regras
dispondo sobre este objetivo, existam intenções opostas dos competidores, haja a
possibilidade de cada competidor levantar estratégias de ação.
Cada etapa das tipologias dos jogos tem uma continuidade na evolução da criança.
A evolução inicia com a fase reflexiva, passando pela assimilação, pelo simbolismo até
aproximar-se à acomodação. Desta feita, pode-se perceber melhor as tipologias dos jogos
segundo Piaget (1978) resumidos no quadro a seguir:
Quadro 4 – Tipologia dos jogos
TIPOLOGIA
Jogos de exercício
Jogos simbólicos
Jogos de regras
Fonte: Elaboração própria.
PERÍODO
Sensório-motor
(0 a 2 anos de idade)
Pré-operatório
(2 aos 7 anos de idade)
Operatório concreto
(a partir dos 7 anos de idade)
CARACTERÍSTICAS
PRINCIPAIS
Aspecto prazeroso
Criação de imagens mentais
Objetivo a ser alcançado bem
definido.
30
3.2 Biografia resumida de Henri Wallon
Segundo Mahoney e Almeida (2002), Henri Wallon nasceu no dia 15 de junho de
1879 em Paris, e viveu toda a sua vida na França entre 1879 e 1962. Ele fazia parte de uma
família que gostava de política, justiça e democracia. Seu avô era historiador e foi político
importante para a história francesa. O pai, Paul Alexandre Joseph Wallon, era arquiteto. Sua
família era composta de sete irmãos. Ele era o terceiro filho de uma família aristocrática.
Wallon viveu uma época de muito agito por causa de duas grandes guerras.
Como médico, na primeira guerra (1914-1918), a sua participação foi importante,
teve oportunidade de estudar lesões orgânicas e seus reflexos sobre processos psíquicos. Na
segunda guerra (1939-1945), ele tomou parte do movimento da Resistência contra os
domínios nazistas, onde acreditou que a escola necessita assumir valores de solidariedade,
justiça social, antirracismo como meio para reformar uma sociedade justa e democrática.
Seu percurso como membro acadêmico divulgou importantes formações em filosofia,
medicina, psiquiatria, áreas que configuraram seus interesses em psicologia.
Suas obras e atividades também se voltaram para a educação e o mais importante,
foi o Projeto Langevin-Wallon, plano organizado, junto com o físico Langevin, para a
correção completa do sistema educacional francês. Wallon ocupou-se primeiro à
psicopatologia com criança de 2 a 15 anos com muitas perturbações de comportamento:
instabilidade, delinquência, perversidade etc. Esse estudo deu origem ao seu livro L’enfant
Turbulent (1925).
Wallon publica os seus melhores livros durante a década de 1940, embora
estivesse ocorrendo à época grandes problemas provocados pela segunda grande guerra
(1939-1945). Os livros são: A evolução psicológica da criança (1941), Do ato ao pensamento
(1942) e As origens do pensamento na criança (1945).
3.2.1 A teoria de Henri Wallon
Segundo Mahoney e Almeida (2002), na opinião de Wallon (1941), o que é mais
importante na formação da criança é o ambiente social em que ela vive e não o meio físico.
Ele dá atenção ao aspecto emocional, afetivo e sensível do ser humano e nomeia a afetividade,
que está relacionada com a motricidade, como desencadeadora da ação e do desenvolvimento
psicológico da criança. Dessa forma, os estágios do desenvolvimento em Wallon são
definidos através de cinco estágios, como se vê:
31

Estágio impulsivo emocional – Na primeira fase, impulsiva (0 a 3 meses) é o
momento em que a criança explora o seu próprio corpo em relação as suas
sensibilidades internas e externas. É uma situação ainda não firme, com movimentos
bruscos, desordenados de enrijecimento e relaxamento da tensão muscular. Na
segunda fase, emocional (3 a 12 meses), começa o método de discriminação de forma
a se comunicar pelo corpo. Podem ser identificados padrões emocionais diferenciados
para o medo, alegria, raiva etc.

Estágio Sensório-Motor e Projetivo – as atividades que realizam buscam a procura
concreta do espaço físico pelo agarrar, segurar, manipular, apontar, sentar, andar, etc.
Essa atividade motora prepara o afetivo e o cognitivo que oferta subsídios à criança
para o próximo estágio.

Estágio do Personalismo – começa o processo de discriminação entre o eu e o outro,
separando-se, distinguindo-se do outro, que se mostra no uso das expressões como eu,
meu, não, etc.

Estágio Categorial – ocorre entre os 6 e 11 anos; a criança acha-se no estágio de
desenvolvimento tanto no plano motor como no afetivo . É uma idade que acontece a
evolução mental, se comparada a uma época de crises profunda que se abrem na
adolescência. A diferenciação nítida entre o eu e o outro, da estrutura sólida para a
exploração mental do mundo físico. Esta organização do mundo físico em categorias
mais bem definidas dá oportunidade também para uma compreensão mais evidente de
si mesmo.

Estágio da Puberdade e Adolescência – ocorre entre 12 e 18 anos. Descobrimento de si
mesmo, como uma identidade autônoma, por meio de atividade de confronto,
autoafirmação, questionamento, ao mesmo tempo em que se acontece à mudança
física pelo amadurecimento sexual, que causa na criança varias modificações corporais
seguidas por uma transformação psíquica. Se sujeita e se apoia nos grupos de pares,
apresenta oposição aos valores tal como interpretados pelos adultos com quem
convive. Posse de categorias cognitivas de maior nível de abstração, nas quais a
dimensão temporal toma relevo, é possível uma discriminação mais nítida dos limites
de sua autonomia e de sua dependência.
32
Os estágios do desenvolvimento infantil que Wallon (1941 apud Mahoney e
Almeida, 2002) definiu, podem ser melhores observados no quadro a seguir:
Quadro 5 – Estágios do desenvolvimento em Wallon
ESTÁGIOS
Estágio Impulsivo Emocional
CARACTERÍSTICAS
Exploração do próprio corpo, com
movimentos bruscos, desordenados de
enrijecimento e relaxamento da tensão
muscular. (0 a 3 meses).
Identificação de padrões emocionais
diferenciados para o medo, alegria, raiva etc.
(3 a 12 meses).
Estágio Sensório-Motor e Projetivo
Estágio do Personalismo
Estágio Categorial
Estágio da Puberdade e Adolescência
Buscam a procura concreta do espaço físico
pelo agarrar, segurar, manipular, apontar,
sentar, andar etc.
Discriminação entre o eu e o outro no uso
das expressões como eu, meu, não, etc.
Estágio de desenvolvimento no plano
motor/afetivo. Idade que acontece a evolução
mental. A diferenciação nítida entre o eu e o
outro, da estrutura sólida para a exploração
mental do mundo físico. (6 e 11 anos).
Identidade autônoma: atividades de
confronto, autoafirmação, questionamentos.
Mudança física pelo amadurecimento sexual,
modificações corporais seguidas por
transformações psíquicas. (12 e 18 anos).
Fonte: Elaborado a partir do texto acima
Como visto acima, para Wallon (1941 apud MAHONEY E ALMEIDA, 2002) é
através do corpo com a sua projeção motora que a criança cria a primeira comunicação
(diálogo tônico) como uma maneira importante para o desenvolvimento da linguagem. A
motricidade tem uma ligação muito grande com as emoções que ao mesmo tempo antecede a
construção da ação com contato ao mundo exterior.
Para o autor toda atividade da criança é lúdica, portanto infantil significa lúdico.
Desta maneira, a natureza livre do jogo é como uma atividade voluntária da criança. Ainda
segundo Mahoney e Almeida (2002), a classificação dos jogos infantis feita por Wallon
apresenta quatro espécies:
33

Jogos funcionais – manifesta-se por movimento simples de exploração do corpo
através dos sentidos. No momento em que a criança compreende os resultados de ato
agradável e interessante conseguido nas suas ações gestuais, a sua escolha é procurar o
prazer usando novamente suas ações.

Jogos de ficção – são jogos lúdicos que se manifesta de modo imaginário através do
faz-de-conta, a criança representa papéis no seu contexto social, brincando de imitar
adultos, casinha, escolhinha e etc.

Jogos de aquisição – estes jogos começam quando a criança passa a ter grande
interesse para compreender, conhecer, imitar canções, gestos, sons, imagens e história.

Jogos de fabricação – são jogos em que a criança, fabrica, cria e improvisa com
atividades manuais o seu brinquedo. Portanto, os jogos de fabricação e jogos de ficção
que se assemelha muito, pois os jogos de fabricação quase sempre as suas causas
permitem uma continuidade do jogo de ficção.
Essas apresentações dos jogos infantis a partir da motricidade são denominadas
por Wallon como atividades voluntárias. Informadas acima, podem ser visualizadas de forma
mais sucinta no quadro abaixo:
Quadro 6 – Jogos Infantis
JOGOS
CARACTERÍSTICAS
Jogos funcionais
Compreensão de atos agradáveis em ações
gestuais, a sua escolha é procurar o prazer
usando novamente suas ações.
Jogos de ficção
Modo imaginário através do faz-de-conta,
representação de papéis no contexto social:
brincando de imitar adultos, casinha,
escolhinha e etc.
Jogos de aquisição
A criança passa a ter grande interesse para
compreender, conhecer, imitar canções,
gestos, sons, imagens e histórias.
A criança, fabrica, cria e improvisa com
atividades manuais o seu brinquedo.
Jogos de fabricação
Fonte: Elaboração própria
34
3.3 Biografia resumida de Lev Vygotsky
Segundo pesquisa de Luchetti (2008), Vygotsky nasceu em Orsha na Bielo-Rússia
em 5 de novembro de 1896 e faleceu em 11 de junho de 1934. Estudou na universidade de
Moscou no curso de Direito, ocupou-se nas pesquisas literárias e também como professor e
pesquisador no campo de artes, literatura e psicologia. Esta época, com a Revolução
Soviética, foi marcada pela interdisciplinaridade o que despertou grande interesse no projeto
de formação do homem novo, da sociedade nova, de uma nova psicologia. Seu empenho pela
psicologia acadêmica teve inicio a partir do estudo de criança com defeitos congênitos.
Nesta época (1924), Vygotsky, ocupou-se mais à psicologia, para estudar a
infância como uma maneira de poder explicar o comportamento humano no geral. Ao longo
do desenvolvimento humano e sua relação com o contexto social ele buscou identificar as
mudanças qualitativas do comportamento.
3.3.1 A teoria de Lev Vygotsky
Vygotsky apresenta em sua teoria um dos mais essenciais conceitos: a zona de
desenvolvimento proximal (ZDP), que afirma que nos indivíduos existem dois níveis de
desenvolvimentos: um nível de desenvolvimento efetivo, indicado pelo que o sujeito pode
realizar sozinho e um nível de desenvolvimento potencial, indicado pelo que o indivíduo
podem realizar com ajuda de outra pessoa mais velha ou mais experiente. Vygotsky (1984),
forma o indivíduo como altamente social e o conhecimento como produto social.
A partir daí ele protege todos os processos psicológicos superiores (comunicação,
linguagem, raciocínio, etc.), que são obtidos primeiramente num contexto social e após, se
internalizam, pois essa internalização é um produto da utilidade de um determinado
comportamento cognitivo social. Então o pensamento teórico de Vygotsky (1984), está no
estudo do desenvolvimento tanto efetivo como em potencial entendendo o processo de
aprendizado pelo guia da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que mede
rigorosamente a distância entre esses dois níveis e que menciona como podemos interferir no
desenvolvimento de uma pessoa e modificá-lo.
Segundo Oliveira (2006), Vygotsky relata que na brincadeira existem três tipos de
características: a imitação, a imaginação e a regra. Elas acontecem em todas as brincadeiras
infantis, como nas tradicionais, nas faz-de-conta, e nas que existem regras.
35
Dessa forma, Vygotsky (1984 apud OLIVEIRA, 2006) informa que sobre os
jogos e brincadeiras, diz que as habilidades humanas começam pelos três anos de idade e que
no brinquedo, a criança projeta-se nas atividades adultas de sua cultura e ensaia seus futuros
papéis e valores. Assim, o brinquedo antecipa o desenvolvimento que só pode ser
completamente atingido com assistência de seus companheiros da mesma idade e também dos
mais velhos. Vygotsky define o desenvolvimento da criança a partir de dois tipos de zonas:

Zona de desenvolvimento real – a bagagem de conhecimento que o indivíduo traz
consigo.

Zona de desenvolvimento proximal – a diferença existente no nível atual da criança, e
o nível que chega a atingir quando recebe auxílio de pessoas mais capazes.
Quadro 7 – Zonas do desenvolvimento em Vygotsky
ZONAS
CARACTERÍSTICAS
Zona de desenvolvimento real
Conhecimento de forma autônoma, já
consolidado pelo indivíduo.
Zona de desenvolvimento proximal
Conhecimentos fora do alcance atual, mas
potencialmente atingíveis.
Fonte: Elaboração própria.
Durante a brincadeira, todos os aspectos importantes da vida da criança tornam-se
tema do jogo. Vygotsky (1984) vê a aprendizagem como um processo social. As interações
com os adultos e a linguagem fazem o desenvolvimento cognitivo acontecer.
Verificando as classificações dos jogos segundo os três teóricos, e fazendo uma
analogia a partir de Jean Piaget, observa-se que as denominações de classificações dos jogos
são diferentes, todavia seus sinônimos e suas características são iguais, assim os Jogos de
Exercícios de Jean Piaget são os jogos funcionais de Wallon e os jogos de imitação de
Vygotsky. Os Jogos Simbólicos de Jean Piaget são os jogos de ficção de Wallon e os jogos
de imaginação de Vygotsky e por último os Jogos de Regras de Jean Piaget são os jogos de
aquisição e de fabricação de Wallon, como também, o mesmo jogo de regras de Vygotsky.
Essas observações podem ser vistas com maior clareza no quadro 08 (oito) abaixo:
36
Quadro 8 – Classificação dos Jogos
TEÓRICOS
CLASSIFICAÇÃO DOS
CARACTERÍSTICAS
JOGOS
Jogos de exercício
Aspecto prazeroso
Jogos simbólicos
Criação de imagens mentais
Jogos de regras
Objetivo a ser alcançado bem definido.
Jogos funcionais
Aspecto prazeroso
Jogos de ficção
Criação de imagens mentais
Jogos de aquisição
Objetivo a ser alcançado bem definido
Jogos de fabricação
Objetivo a ser alcançado bem definido.
Jogos de imitação
Aspecto prazeroso
Jogos de imaginação
Criação de imagens mentais
Jogos de regras
Objetivo a ser alcançado bem definido.
JEAN PIAGET
HENRY WALLON
LEV VYGOTSKY
2
Fonte: Elaboração própria - Segundo os textos sobre os teóricos da educação descritos neste capítulo.
Como o processo cognitivo advém do conhecimento e consequentemente das
interações com o meio, e o brincar e as brincadeiras fazem parte dessas interações, como fora
observado neste capítulo, no capítulo seguinte, a abordagem cognitiva gerada a partir do
brincar será relacionada às inteligências múltiplas.
2
Nos estudos pesquisados sobre Vygotsky, o mesmo não estabelece classificação dos jogos. No quadro 7, foi
adaptado uma classificação, de acordo com as características que o autor propõe para o jogo infantil: imitação,
imaginação e regras. Fonte: Psychology. jrank.org – Acesso em 27/03/11.
37
4 A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E A RELAÇÃO COM O
BRINCAR
Considerar que o indivíduo é portador de não somente um ou dois tipos de
inteligências: a inteligência lógico-matemática e a linguística como são comumente
conhecidas, mas de vários outros tipos também, torna-se imprescindível conhecê-las.
Conforme os estudos realizados pelo psicólogo Howard Gardner que criou a Teoria das
Inteligências Múltiplas, os indivíduos são portadores de outros tipos de inteligência, e essa
informação revolucionou a psicologia e, em especial a educação.
Neste capítulo, a abordagem sobre o processo cognitivo e o brincar serão
relacionadas com as Teorias das Inteligências, detendo-se mais precisamente na Teoria das
Inteligências Múltiplas de Gardner e relacionando-as com os estudos de Celso Antunes, de
como os jogos e brincadeiras favorecem o desenvolvimento dessas inteligências.
4.1 Conceitos de Inteligência
No Dicionário Eletrônico Aurélio (2004), conceitua de forma abrangente a
inteligência, como a qualidade ou capacidade de compreender, a adaptar-se facilmente
enfocando como qualidade: perspicácia, penetração, capacidade e agudeza.
Já no Dicionário Aurélio Online3 conceitua a palavra de forma mais sucinta:
inteligência é a faculdade de conhecer, de compreender. Conceitua também cognição como
faculdade, ato ou ação de conhecer; aquisição de um conhecimento.
Assim, entendendo inteligência e cognição como sinônimas, para Paradela (2007,
p. 23), a cognição, é um processo de busca do conhecimento que envolve também a memória,
o raciocínio, juízo, atenção, percepção, pensamento, imaginação e a linguagem. Ele comenta
que a cognição é algo muito maior, quando informa:
A cognição é, portanto, mais do que simplesmente a aquisição de conhecimento e,
consequentemente, a nossa melhor adaptação ao meio; é, também, um mecanismo
de conversão do que é captado para o nosso modo de ser interno. Ela é um processo
pelo qual o ser humano interage com os seus semelhantes e com o meio em que
vive, sem perder a sua identidade. [...] Ela começa com a captação da informação
pelos sentidos, e, em seguida, pelo desenvolvimento da percepção. É, desse modo,
um processo de conhecimento, que tem como material a informação do meio em que
vivemos e o que já está registrado na nossa memória.
3
Fonte: Disponível em: http://www.dicionariodoaurelio.com. Acesso em 21/02/12
38
Buscando a origem da palavra inteligência, observa-se que deriva do latim
intellingentia, inteligere e obtém-se o seguinte resultado: no latim, inter é intus (pré-fixo) –
que significa entre, ligência é legere (sufixo) – que significa escolhas. Assim, percebe-se que
o indivíduo portador da inteligência tem a faculdade de escolher entre alternativas, que
provavelmente, as convenham em determinadas situações e/ou culturas.
Gardner (2001, p. 47) se utiliza do conceito de inteligência utilizado em seu livro
de 1983, formulado a partir do Projeto Van Leer4: Frames of mind: The Theory of Multiple
Intelligences e o refina neste de 2001: Inteligência: um conceito reformulado, como se pode
verificar:
Comecei definindo uma inteligência como ―a habilidade para resolver problemas ou
criar produtos valorizados em um ou mais cenários culturais‖. Chamei atenção para
os fatos fundamentais sobre a maioria das teorias sobre inteligência: isto é, só se
olhava para a resolução dos problemas e se ignorava a criação de produtos, e se
supunha que a inteligência seria evidente e apreciada em qualquer lugar
independentemente do que era (e do que não era) valorizado numa cultura e num
tempo específicos. Esta é a definição que usei no livro de 1983, que saiu do projeto
Van Leer: Frames of mind: The Theory of Multiple Intelligences. Praticamente duas
décadas depois, apresento uma definição mais refinada. Agora conceituo inteligência
como um potencial biopsicológico para processar a informações que pode ser
ativado num cenário cultural para resolver problemas ou criar produtos que sejam
valorizados numa cultura. Essa modesta modificação no enunciado é importante
porque sugere que as inteligências não são objetos que podem ser vistos, nem
contados. Elas são potenciais – neurais presumivelmente - que poderão ser ou não
ativados dependendo dos valores de uma cultura específica, das oportunidades
disponíveis nessa cultura e das decisões pessoais tomadas por indivíduos e/ou suas
famílias, seus professores e outros.
Celso Antunes (2008, p. 17) educador, especialista em inteligência e cognição,
utiliza a mesma linha de pensamento de Gardner e, discorre que sobre o significado da
inteligência ou cognição existem maneiras diversas de defini-las e diz que qualquer conceito
que se apresente sobre o tema informará que a inteligência humana permite compreender,
conhecer, entender e, sobretudo, aprender: ―A inteligência é assim juízo, discernimento,
capacidade de se adaptar, de conviver. Serve para resolver problemas, vencer desafios e
faculta a possibilidade para criar ideias ou inventar ―coisas‖ que as sociedades acreditam
pertinentes‖.
4
Projeto Van Leer – Gardner se refere à Fundação Bernard Van Leer, que custeou com uma ―generosa bolsa de
cinco anos‖ um projeto sobre potencial humano, o qual, já vinha desenvolvendo em Harvard com um grupo de
colegas, e que lhe deu a possibilidade de escrever o livro sobre as inteligências múltiplas.
Fonte: GARDNER, Howard. Inteligência: um conceito reformulado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
39
4.2 Estudiosos precursores da inteligência
Como informa Gardner (2001) em cada época da sociedade busca-se o ideal de ser
humano. Na Grécia antiga valorizava-se o indivíduo de boa forma física, ágil e virtuoso; em
Roma eram admirados os indivíduos de coragem máscula, na China eram admirados aqueles
que sabiam manejar o arco, o desenho, quem tinha dons para a poesia, música e para a
caligrafia.
Para o autor, nos últimos séculos, em especial nas sociedades ocidentais o ideal é
o do homem inteligente e os ideais para a composição desse indivíduo inteligente variam e
evoluem de acordo com o cenário e o tempo em que ele vive.
Dessa forma, entende-se que em meio a essa busca pelo o ideal da inteligência,
surgiram os estudiosos da inteligência. Segundo Cavalieri e Soares (2007) em suas pesquisas
histórico-evolutivas sobre a inteligência, os precursores estudiosos da inteligência e
preocupados em avaliá-la foram:
 Francis Galton – na Inglaterra (1822 a 1911), entendia que a capacidade do intelecto
dos indivíduos revelava-se através das discriminativas capacidades (sensoriais e
motoras); entendia que o indivíduo ter alguma aptidão era apenas uma simples
manifestação da inteligência; que as características intelectuais não mudariam e
seriam estáveis; que a capacidade mental seria única; avaliava a inteligência
principalmente em índices fisiológicos (tempos em que se dava a reação);
preocupava-se com a eugenia5.
 James Catell – nos Estados Unidos (1860 a 1944), entendia a inteligência na mesma
linha de pensamento de Galton e interessa-se pelo trabalho dele sobre a eugenia. Foi
quem primeiro empregou a expressão teste mentais e, administrou vários testes a seus
alunos. Os tipos de testes eram para medir a amplitude e a variabilidade da
capacidade humana, os testes lidavam com as medidas sensório-motoras, nos testes de
inteligências usava medições mais complexas de habilidade mental.
 Alfred Binet – na França (1857 a 1911) – Não concordando com os entendimento
anteriores, acredita que a capacidade de intelecto do indivíduo revelava-se por
complexas funções superiores; que as características do intelecto poderiam se
5
Eugenia - é um termo cunhado em 1883 por Francis Galton (1822-1911), significando "bem nascido" Galton
definiu eugenia como o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as
qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente. Em outras palavras, melhoramento genético.
Fonte: Psychology. jrank.org – Acesso em 26/02/12.
40
desenvolver, entendia a capacidade mental como algo que se integraria a outros tipos
de capacidades; sua avalição se dava em torno da memória, da aprendizagem, da
capacidade de resolução de problemas e observação no desenvolvimento do
pensamento infantil. Desenvolve em 1905, em parceria com Theodore Simon, escalas
de medidas para as inteligências infantis, introduz o conceito de idade mental, as
escalas serviram de base para todos os testes de inteligências que surgiram mais tarde.
No quadro de nº 09, pode-se observar de forma sintetizada o pensamento dos
estudiosos sobre a inteligência:
Quadro 09 – Precursores do estudo da inteligência
ESTUDIOSOS
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
FRANCIS GALTON
Capacidade intelectual através das capacidades
discriminativas sensoriais e motoras;
Características intelectuais estáveis;
Capacidade mental unitária;
Inteligência centrada em índices fisiológicos;
JAMES CATELL
Preocupação com a eugenia.
Capacidade intelectual através das capacidades
discriminativas sensoriais e motoras;
Características intelectuais estáveis;
Capacidade mental unitária;
Inteligência centrada em índices fisiológicos;
ALFRED BINET
Preocupação com a eugenia.
Capacidade intelectual através de funções
complexas superiores;
Características intelectuais passíveis de
desenvolvimento;
Capacidade mental é vista como um produto que
integra diferentes capacidades.
Fonte: Elaborado a partir do texto de Cavalieri e Soares (2007, p. 07).
41
4.3 As teorias sobre a inteligência
Depois dos precursores estudiosos da inteligência, fazendo uma abordagem sobre
as teorias da inteligência e seus respectivos estudiosos, Cavalieri e Soares (2007), informam
que as mesmas podem ser organizadas em dois tipos: Abordagens tradicionais que se
subdividem em psicométrica e desenvolvimentista e Abordagens contemporâneas que
dentre elas se destacam a do processamento da informação e a cognitivista.
 Abordagem tradicional psicométrica – teve como iniciadores Binet & Simon (1905)
na França, nesse tipo de abordagem a inteligência é concebida como um conjunto de
traços mentais que devem ser testados, e, limitados a constatação dos resultados, onde
é observado e analisado a ―quantidade‖ de inteligência
e de esperteza de cada
indivíduo. Os primeiros testes mentais publicados foram os testes para identificar
crianças com dificuldades na aprendizagem levando em consideração os
conhecimentos práticos e os conhecimentos do cotidiano.
Como continuísta dessa teoria Stern (1925), cria os testes de Quociente de Inteligência
– QI, utilizados até hoje para medir a capacidade cognitiva dos indivíduos.
Spearman (1904) contribui com a psicometria através da teoria dos dois fatores que
explica as relações entre diferentes tarefas sensoriais e as matérias acadêmicas: não
havia relações interdependentes entre as inteligências: geral ou ―g‖ (tarefas
intelectuais) e especificas ou ―s‖ (fatores específicos), isto é, qualquer capacidade que
fosse única para executar determinada tarefa, não havia relação entre elas.
Thurstone (1938) para ele a inteligência é desdobrada em sete fatores identificados
como capacidades mentais primárias: compreensão verbal, fluência verbal, raciocínio
indutivo, visualização espacial, número, memória e rapidez perceptiva. Concebe as
aptidões como unidades funcionais diferenciadas e que explicam ou são à base das
diferenças individuais nas situações de realização cognitiva.
 Abordagem tradicional desenvolvimentista – representada por Piaget (1978) e
Vygotsky (1984), como informado no capítulo 3 (três), a preocupação se dava com a
estrutura e os esquemas internos e com a forma de como se estruturavam esses
esquemas em modos qualitativos no desenvolvimento do indivíduo.
 Abordagem contemporânea do processamento da informação – o enfoque se dá
nos processadores da informação (o tratamento da informação recebida). Neste tipo de
abordagem se importa com a rapidez e exatidões dos processos, fazem da inteligência
uma analogia com o computador ―nos processos de codificação, armazenamento,
42
tratamento e uso da informação que vem do exterior‖. Neisser (1967) escreve "Psicologia Cognitiva" - com estudos numa tentativa de compreensão de como a
informação é codificada, transformada, guardada, relembrada.
O autor Estes (1974), estuda a inteligência computadorizada destacando três
capacidades principais: a de manejo de símbolos, a de avaliação e previsão das
consequências das soluções alternativas e a capacidade de investigação da
sequencialização simbólica.
 Abordagem contemporânea cognitiva - se destaca no enfoque cognitivista,
acentuam a possibilidade de desenvolvimento dos traços cognitivos e dão importância
ao contexto. Entre os estudiosos cognitivistas se destacam Robert Sternberg (1986)
nos Estados Unidos com a "Teoria Triárquica da Inteligência", que enfatiza a
dimensão em que os aspectos da inteligência funcionam, através dos pensamentos:
1. Pensamento analítico – trata da relação da inteligência com o mundo interno
tentando resolver novos tipos de problemas;
2. Pensamento prático – relação da inteligência com o mundo externo tentando
resolver problemas que apliquem o que se sabe aos contextos cotidianos para
adaptação no ambiente, moldar os ambientes presentes para criar e selecionar novos
ambientes;
3. Pensamento criativo – trata da relação da inteligência com a experiência, tentando
resolver problemas conhecidos utilizando estratégias que manipulem os elementos de
um problema ou as relações entre os elementos.
Ainda nas abordagens contemporâneas encontra-se a abordagem dos Processos
Simbólicos criada pelo psicólogo Howard Gardner (1983), a teoria das Inteligências
Múltiplas que posiciona o indivíduo como capaz de desenvolver várias inteligências e não
apenas uma. Na seção seguinte, será abordado sobre esse estudioso e sua teoria, e, no quadro
10 (dez), abaixo, se pode vislumbrar a síntese das abordagens dos estudiosos citados nesta
seção.
43
Quadro 10 – Inteligências: abordagens e teóricos
ABORDAGENS
PRINCIPAIS TEÓRICOS
TRADICIONAL
Binet & Simon
PSICOMÉTRICA
Stern
Thurstone
TRADICIONAL
Piaget
DESENVOLVIMENTISTA
Vygotsky
CONTEMPORÂNEA DO
Neisser
PROCESSAMENTO DA
Estes
INFORMAÇÃO
CONTEMPORÂNEA
Robert Sternberg
COGNITIVA
Howard Gardner
CARACTERÍSTICAS
Preocupação na
mensuração e/ou
quantificação da
inteligência através de
testes.
Preocupação com a
forma de como se
estruturavam os
esquemas internos em
modos qualitativos no
desenvolvimento do
indivíduo.
Preocupação com a
rapidez e exatidões dos
processos, analogia da
inteligência com o
computador:
codificação,
armazenamento,
tratamento e uso da
informação.
Preocupação no
enfoque cognitivo.
Acentuam a
possibilidade de
desenvolvimento dos
traços cognitivos e dão
importância ao contexto
Fonte: Elaborado a partir do texto da seção 4.3. (Elaboração própria)
4.3.1 A teoria das inteligências múltiplas de Gardner
Nos escritos de Gardner sobre a inteligência, em seu livro Mentes Extraordinárias,
Gardner (l999, p.28), o autor tece comentários sobre o desenvolvimento comum da
inteligência, ele cita Freud (1856-1839) e Jean Piaget (1896-1980) como os dois grandes
observadores das crianças e comenta:
Talvez não seja por acaso que dois dos mais famosos estudiosos do desenvolvimento
humano, Sigmund Freud e Jean Piaget, tenham se concentrado nos aspectos
integrais da criança. [...] Jean Piaget (1896-1980) dedicou sua carreira ao
desenvolvimento cognitivo da criança: o crescimento de seus poderes intelectuais.
Como Freud, ele estava interessado nos aspectos universais do desenvolvimento – os
marcos que caracterizavam cada criança.
44
Dessa forma, percebe-se o interesse de Gardner no desenvolvimento de estudos a
respeito da inteligência. Assim ainda nesse livro (1999, p. 30), comenta que: ―[...] a mente
infantil já é um aparelho mental articulado e completamente detalhado. Mesmo a criança de
três ou quatro meses de idade tem plena impressão do que seja um objeto físico‖.
O autor analisa a mente da criança de 1 a 6 anos, como uma mente além da
infância, e usuária de símbolos que é um dos veículos primordiais para a evolução intelectual.
A criança no desenvolvimento dessa etapa de idade é possuidor dos ―principais sistemas
simbólicos de sua cultura‖, sendo ―coroado‖ no final dessa etapa, por volta dos cinco ou seis
anos com habilidades que o permitem fazer referências a objetos e pessoas simbolicamente
separados.
Gardner (1999, p. 33), também analisa a criança como um teórico da mente, e diz
que na década de 80 pesquisadores retomaram uma pergunta de Jean Piaget: ―Como é que as
crianças avaliam a mente humana em geral?‖. E que a resposta a tal pergunta se revela muito
complexa, pois o autor entende que ainda bem pequenas elas já detém algum entendimento da
mente humana, mas para que a criança tenha a compreensão aproximada a do adulto ocorre
uma sequência de desenvolvimento ou marcos, como se vê:
 Aos dezoito meses – as crianças são capazes de fingir. Podem fazer de conta que um
objeto é outro e rir quando entende que alguém a acompanha nesse faz de conta.
 Entre dois ou três anos – as crianças se conscientizam que tem desejos, crenças e
medos diferentes dos outros. Nesta fase apreciam a brincadeira do esconde-esconde.
 Aos quatro anos – ocorre um momento crítico, pois se tornam aptas a avaliar a
representatividade que os outros indivíduos têm em mente, elas entendem que
determinadas crenças ou pensamento de um indivíduo a respeito de um determinado
assunto ou objeto podem ser falsas. Gardner (1999, p. 33) exemplifica da seguinte
forma:
Uma prova experimental intrigante vem de tarefas de ―crença falsa‖. A criança
testemunha uma mudança, digamos, na localização de um objeto, e também vê que
outra pessoa não percebeu a mudança. Perguntam então à criança onde a pessoa que
não viu o movimento do objeto pensará que ele está. Crianças de menos quatro anos
acham que a pessoa sabe a verdadeira localização do objeto. Depois dos quatro,
percebem que a pessoa acha que o objeto está no lugar errado e, portanto, mantém
uma falsa crença. A criança passa a entender a mente como representativa da
realidade, em vez de simplesmente se espelhar nela. Só a mente que cria uma
representação do que está ―lá fora‖ pode criar uma representação errada – e assim a
criança fica ciente de que suas próprias crenças podem às vezes estar erradas.
45
Para o autor, fica claro que a teoria da mente infantil, se torna pouco provável de
estar completa nessa fase de idade, porém já tem adquirido importantes formas de
compreensão, na verdade, a criança juntou o que antes via em separado: o mundo das pessoas
e o mundo dos objetos e está aberta à sua cultura e às novas possiblidades.
Gardner (1999) traça uma trajetória sequencial da criança até a vida adulta do
indivíduo, como se pode observar no resumo do quadro 11 (onze) abaixo:
Quadro 11 – Trajetória da criança até a vida adulta
PERÍODOS
RELAÇÃO COM
RELAÇÃO COM
PESSOAS
OBJETOS
INFÂNCIA
Ligação com o
Conhecimento senso
responsável
motor do mundo
físico
FASE DOS
Primeiros colegas
Regras físicas
PRIMEIROS
básicas
PASSOS
DE 5 A 7 ANOS
Drama edipiano
Teorias iniciais
ANOS
ESCOLARES
ADOLESCÊNCIA
VIDA ADULTA
SISTEMAS
SIMBÓLICOS
Significados
mundanos
Brincar: primeiros
usos dos sistemas
simbólicos.
Conhecimento
esboçado dos
sistemas simbólicos.
Mestria em notações
Amizades
Mestria em domínio
Busca de identidade
(self, comunidade);
Relações sexuais
Família, intimidade,
ensinando outros.
Escolhas vocacionais
Pensamento teórico;
Mundos hipotéticos.
Especialidade em
domínios; Opções da
criatividade.
Criar e transmitir
práticas simbólicas.
Fonte: Adaptado do diagrama de Howard Gardner em Mentes Extraordinárias (1999, p. 43).
Discorrendo sobre a inteligência e as formas como são vistas na sociedade e o
interesse que a mesma apresenta para quantificar a inteligência, Gardner comenta que se está
diante de uma escolha difícil: conservar a visão tradicional de inteligência, e de como ela deve
ser mensurada ou buscar uma forma melhor e diferente de conceituação do intelecto humano.
Sendo optante da última proposição informa Gardner (2001, p.14):
[...] os seres humanos têm um leque de capacidades e potenciais – inteligências
múltiplas – que, tanto individualmente quanto em conjunto, podem ser usadas de
muitas formas produtivas. Os indivíduos podem não só a vir entender suas
inteligências múltiplas, como também desenvolvê-las de formas altamente flexíveis
e produtivas dentro dos papéis humanos criados por varias sociedades. Inteligências
múltiplas podem ser mobilizadas na escola, em casa, no trabalho ou na rua – isto é,
nas varias instâncias de uma sociedade.
46
O autor, dando continuidade ao assunto diz que no futuro, muitas outras
disciplinas, que não somente a psicologia ajudará a definir a inteligência e muitos outros
grupos de interesses compartilharão de suas aferições e de seus usos. Mas que, sob o seu
ponto de vista, o seu enfoque sobre as inteligências múltiplas, conta com o apoio cientifico
mais forte e será mais útil no próximo milênio.
Dessa forma, Gardner (2001) pontua
inicialmente as sete inteligências originais:
1. Inteligência linguística – envolve a sensibilidade para a oralidade e a escrita, a
facilidade no aprendizado de línguas e a capacidade de atingir objetivos através das
mesmas. Os locutores, escritores, poetas e advogados são portadores elevados desta
inteligência.
2. Inteligência lógico-matemática – envolve a capacidade de investigações cientificas,
análise de problemas através da lógica e realização de operações matemáticas. Os
indivíduos exploradores dessa inteligência são matemáticos, cientistas e lógicos.
O autor observa que para quem vive se submetendo a provas e testes ser possuidor
dessas duas inteligências: a linguística e a lógico-matemática é um ser abençoado. Sobre as
três inteligências seguintes (3, 4 e 5), Gardner informa que são notáveis nas artes e que podem
ser usadas de muitas outras maneiras.
3. Inteligência musical – envolve a habilidade na atuação, na apreciação de padrões
musicais e na composição. O autor comenta que em sua opinião esta inteligência tem
uma estrutura quase paralela à linguística e, sendo assim, não se concebe
cientificamente, nem logicamente chamar a linguística de inteligência e a musical, de
talento. Ambas, são inteligências.
4. Inteligência físico-cinestésica – envolve a capacidade de se usar o corpo como, por
exemplo, a boca ou as mãos para resolver problemas ou fabricar produtos. O autor
comenta que os atores, dançarinos e atletas são portadores desta inteligência, mas que
a mesma é também importante para cientistas, artesãos, cirurgiões, mecânicos e outros
profissionais técnicos.
5. Inteligência espacial – envolve a capacidade de reconhecer e manipular os padrões de
espaço utilizados por navegadores, pilotos, como também os padrões de áreas
confinadas como as utilizadas por arquitetos, jogadores de xadrez, cirurgiões, artistas
gráficos e escultores.
47
O autor comenta que as duas últimas da lista original ele chama de inteligências
pessoais:
6. Inteligência interpessoal – envolve a capacidade de entender as motivações, os
desejos e intenções do outro e a partir disso, trabalhar com o outro eficientemente.
Líderes religiosos, políticos, atores, vendedores, professores necessitam ter bem
aguçada esse tipo de inteligência.
7. Inteligência intrapessoal – envolve a capacidade de conhecer a si mesmo, seus
medos, capacidades e desejos, e de usar esse conhecimento para regular com
eficiência seus caminhos.
Sobre a inserção de inteligências adicionais, Gardner (2001, p. 63) informa:
Aqui, considero diretamente as provas para três ―novas‖ possíveis inteligências: uma
inteligência naturalista, uma inteligência espiritual e uma inteligência existencial.
A força das provas para elas varia, e declarar ou não que alguma capacidade humana
seja outro tipo de inteligência certamente é uma decisão de julgamento. Minha
missão aqui é explorar de novo os processos de identificação de uma inteligência e
manifestar minhas reservas quanto a estender o conceito em direções menos seguras.
1. Inteligência naturalista – para o autor o termo naturalista caracteriza um papel
valorizado em muitas culturas. Envolve a capacidade de demonstrar grande
experiência no reconhecimento e na classificação de numerosas espécies – a flora e a
fauna – de seu meio ambiente. Em outras culturas, naturalista pode ser o indivíduo que
aplica melhor as taxonomias folclóricas, um biólogo que reconhece e categoriza
espécimes, na cultura ocidental naturalista é relacionada ao indivíduo que tem grande
conhecimento sobre o mundo vivo.
2. Inteligência espiritual – sobre essa inteligência, Gardner informa ocorrer grande
complexidade em relação às outras, pois qualquer discussão sobre o espírito é assunto
contestado dentro das ciências e provavelmente em todo o meio acadêmico, pois não
se concebe reconhecer o espírito como se reconhece a mente ou o corpo. Para
abordagem dessa área Gardner propõe três diferentes sentidos do espiritual: o
espiritual enquanto preocupação com questões cósmicas ou existenciais, onde o
âmbito do espiritual ―se refere a tudo: á mente, ao corpo, ao self, `a natureza, ao
sobrenatural e, às vezes, a nada!‖; o espiritual como a conquista de um estado, onde
se faz importante distinguir com bastante cautela os dois sentidos clássicos de saber: o
saber como e o saber quê, respectivamente ter domínio de um conjunto de conteúdos e
domínio da arte da alteração da consciência. Gardner (2001, p. 74):
48
Mas as discussões do espiritual baseadas na cognição podem ser complicadas, uma
vez que os observadores interessados veem a essência do espírito [...] como a
chegada a um estado, o que se chama de ―sentimento de entrega‖ e não como um
campo que envolva qualquer campo de resolução de problema ou de produção de
algo. Na verdade, alguns veem o interesse espiritual como algo basicamente
emocional ou afetivo – centrado num sentimento de certo tom ou certa intensidade –
e, portanto, fora do âmbito de uma investigação cognitiva.
O espiritual enquanto efeito nos outros – aqui Gardner comenta que algumas
pessoas causam aos outros um efeito espiritual sejam pelo seu jeito de ser ou pelo trabalho
que realizam. E cita alguns exemplos como o conhecimento da vida de Madre Tereza de
Calcutá, ser abençoado pelo papa ou ouvir uma sinfonia, uma música fazem os indivíduos se
sentirem mais completos ou de bem consigo mesmo. O autor tem muito cuidado em explorar
esse tipo de inteligência e acha mais prudente deixar o termo inteligência espiritual de lado
e chamá-la de Inteligência Existencial que explora a natureza da existência de múltiplas
formas, que tem preocupações com questões primordiais. Uma qualidade essencial do
indivíduo portador desta inteligência seria segundo Gardner (2001, p. 79):
[...] a capacidade de se situar em relação aos limites mais extremos do cosmos – o
infinito e o infinitesimal - e a capacidade afim que é a de se situar em relação a
elementos da condição humana como o significado da vida, o sentido da morte, o
destino final dos mundos físico e psicológico e experiências profundas como o amor
de outra pessoa ou a total imersão numa obra de arte. Note que aqui não há nenhuma
estipulação para se chegar a uma verdade última, como não se estipula que quem
desenvolve inteligência musical precise produzir ou preferir certos tipos de música.
Antes há o potencial de uma espécie para se envolver com preocupações
transcendentais, uma capacidade que pode ser despertada e desenvolvida sob
determinadas circunstâncias.
49
Assim, percebe-se que Gardner fala de nove tipos de inteligências que se pode
observar resumidamente no quadro 12, abaixo:
Quadro 12 – Tipologias de inteligências
TIPOS DE INTELIGÊNCIAS
CARACTERÍSTICAS
Inteligência linguística
Sensibilidade para a
oralidade e a escrita
Inteligência lógico-matemática
Capacidade para análise de
problemas através da
lógica.
Inteligência musical
Habilidade na atuação, na
apreciação de padrões
musicais e na composição.
Inteligência físico-cinestésica
Capacidade de se usar o
corpo como, por exemplo,
a boca ou as mãos para
resolver problemas ou
fabricar produtos.
EXEMPLOS
Locutores, escritores, poetas
e advogados.
Matemáticos, cientistas e
lógicos.
Músicos, maestros, etc.
Atores, dançarinos, atletas,
cientistas, artesãos,
cirurgiões, mecânicos e
outros profissionais
técnicos.
Inteligência espacial
Capacidade de reconhecer
e manipular os padrões de
espaço.
Navegadores, pilotos,
arquitetos, jogadores de
xadrez, cirurgiões, artistas
gráficos e escultores.
Inteligência interpessoal
Capacidade de entender as
motivações, os desejos e
intenções do outro.
Capacidade de conhecer a
si mesmo, seus medos,
capacidades e desejos.
Líderes religiosos, políticos,
atores, vendedores,
professores.
Indivíduos com facilidade
em fazer amigos, liderar,
etc.
Relacionada ao indivíduo
que tem grande
conhecimento sobre o
mundo vivo.
Capacidade de se situar em
relação aos limites mais
extremos do cosmos – o
infinito e o infinitesimal.
Biólogos, paisagistas,
botânicos.
Inteligência intrapessoal
Inteligência naturalista
Inteligência existencial
Indivíduos que se situam em
relação à condição humana
como o significado da vida,
o sentido da morte, o destino
final dos mundos físico e
psicológico e experiências
profundas como o amor de
outra pessoa ou a total
imersão numa obra de arte.
Fonte: Elaborado a partir do texto da seção 4.3.1 - Informações de Gardner e Antunes (Elaboração própria).
50
Segundo Antunes (2008, p. 39), discorrendo sobre as inteligências múltiplas de
Gardner já citadas acima pelo autor, inicia seu texto fazendo um comparativo entre a teoria e a
prática, comenta que as duas palavras andam juntas, todavia a primeira normalmente não é
valorizada como merece e que a segunda é que recebe todos os créditos e aplausos, e,
continua informando que: ―O substantivo feminino ―Teoria‖ significa conhecimento
especulativo, conjunto de princípios fundamentais de uma ciência, ou ainda, uma suposição
[...]‖. Dessa forma, entende que a teoria das inteligências múltiplas é apresentada por Gardner
como um conjunto sistematizado de ideias cientificas, sugerindo assim indiscutível validade
prática.
O autor argumenta que se a existência das inteligências múltiplas, fosse um fato
ao invés de teoria, haveria a possibilidade de se tocá-la, e diz que as inteligências humanas
são como nossos pensamentos não se conseguem tocá-los, todavia eles existem. Comenta que
os argumentos que são levantados por Gardner para mostrar às várias inteligências parecem
ser indiscutíveis, como o argumento de que quando o cérebro humano sofre uma lesão ou
disfunção parcial, somente são afetados no indivíduo inteligências referentes à parte do
cérebro afetada, ficando disponíveis outras. Assim, se o indivíduo fosse possuidor apenas de
apenas uma inteligência, quando sofresse um dano cerebral em parte do cérebro, não
deveriam se apresentar outras e o mesmo ficaria inutilizado.
Outro argumento interessante também são as manifestações de indivíduos de
inteligências extraordinárias como Einstein que era portador não de uma inteligência genial,
todavia de uma genial inteligência lógico-matemática, assim como Shakespeare de uma genial
e específica inteligência linguística, os gênios geralmente se destacam em apenas uma
especificidade de inteligência, provavelmente alguns poucos como Leonardo da Vinci e
Goethe tenham expressado em suas genialidades mais de um tipo de inteligência.
Fazendo a leitura das inteligências múltiplas de Gardner, Antunes (2008, p. 42)
comenta suas impressões por cada inteligência e informa também que inicialmente o autor em
1985 iniciou seus estudos fazendo um levantamento de sete inteligências e que posteriormente
ao aprofundar seus estudos elevou esse número para nove, admitindo ainda, a possibilidade de
ampliação, visto a um aprofundamento no conhecimento da mente humana e que de um modo
geral todos os indivíduos ―sem disfunções cerebrais agudas apresentam em diferentes níveis
de grandeza as inteligências:‖
1. Linguística – compreensão e domínio no mundo da linguagem, a capacidade de se
pensar com palavras e de usar a linguagem para expressar ideias verbais ou escritas.
Ex: jornalistas, professores, oradores, etc,
51
2. Lógico-matemática – confrontação com o mundo dos objetos, ligada a competência
da compreensão dos elementos, permitindo a ordenação de símbolos numéricos e
algébricos, compreensão de quantidades, espaço e tempo. Ex: engenheiros,
contadores, etc.
3. Sonora ou musical – a capacidade de compor melodias e a combinação de sons. A
inteligência sonora destaca indivíduos com extrema sensibilidade para a entoação, o
ritmo, a melodia e o tom. Ex: Músicos, maestros, etc.
4. Cinestésico-corporal – é a representada pelos movimentos, utilizadas no esporte, na
dança, etc. Ex: Ginastas, bailarinas, tocadores de violão.
5. Espacial – permite a percepção do mundo visual com precisão, se configura na
capacidade de perceber o espaço do próprio indivíduo com a correlação do espaço do
todo. Ex: Motorista que tem orientação desenvolta no trânsito.
6. Interpessoal – extremamente nítida em indivíduos que tem elevada compreensão da
natureza humana, os indivíduos portadores dessa inteligência seguem o seu próprio
caminho, sem se importar com o que os outros pensam, são guiados por sentimentos e
idéias e valorizam a privacidade.
7. Intrapessoal – é a inteligência que expressa a facilidade de relacionamentos afetivos
com o próprio eu, construindo uma percepção apurada de si mesmo despontando a
autoestima e o autoconhecimento. Ex: indivíduos com facilidade em fazer amigos,
liderar, etc.
8. Naturalista – conhecida como inteligência ecológica, está associada a sensibilidade
de perceber e compreender a natureza, compreensão coerente e racional da
interdependência entre a vida animal, vegetal e ecossistemas. Ex: paisagista,
botânicos.
9. Existencial – capacidade de se situar sobre os limites mais extremos do cosmos,
relações com elementos da condição humana como o significado da vida, o sentido da
morte, o destino final do mundo físico e outras relações de natureza filosóficas e
metafísicas.
4.3.2 Biografia resumida de Howard Gardner
Segundo pesquisa de Ferrari (2008), Howard Gardner nasceu em Scranton, no
estado norte-americano da Pensilvânia, em 1943, filho de judeus alemães refugiados do
nazismo. Fez ingresso na Universidade Harvard no ano de 1961 para estudar direito e história,
52
porém ao se aproximar do psicanalista Erik Erikson (1902-1994) acabou redirecionando a
carreira acadêmica para as áreas combinadas de psicologia e educação.
Pesquisou o desenvolvimento dos sistemas simbólicos pela inteligência humana
sob a orientação do célebre educador Jerome Bruner, quando estava na pós-graduação. Nesse
período, Gardner integrou-se ao Harvard Project Zero, que era um projeto inicialmente
destinado às pesquisas sobre educação artística. Em 1971, tornou-se codiretor do projeto,
cargo que mantém até hoje. Foi em Harvard que desenvolveu as pesquisas sobre as
inteligências múltiplas. Elas vieram a público em seu sétimo livro, Frames of Mind, de 1983,
que lhe deu uma projeção extraordinária nos Estados Unidos.
O assunto foi aprofundado em outro livro que intensificou sua notoriedade e foi
um campeão de vendas, Inteligências Múltiplas: Teoria na Prática, publicado em 1993. Nos
escritos sobre educação que se seguiram, enfatizou a importância de trabalhar a formação
ética simultaneamente ao desenvolvimento das inteligências.
Dando continuidade ao tema e acrescentando mais alguns tipos de inteligências
além das sete iniciais, publica em 1999 o livro, Inteligência: um conceito reformulado,
publicado no Brasil pela editora objetiva em 2001.
Atualmente, leciona neurologia na escola de medicina da Universidade de Boston
e é professor de cognição e pedagogia e de psicologia em Harvard. Nos últimos anos, vem
pesquisando e escrevendo sobre criadores e líderes exemplares, tema de livros como Mentes
Extraordinárias. Em 2005, foi eleito um dos 100 intelectuais mais influentes do mundo pelas
revistas Foreign Policy e Prospect.
4.4 As inteligências múltiplas e o brincar
Assim como Gardner, Celso Antunes é um educador estudioso da inteligência e
cognição, e busca o desenvolvimento das inteligências através dos jogos e brincadeiras, objeto
desse estudo. Dessa forma, Antunes (2002, p. 114) comenta:
A inteligência é estimulável e, independentemente da carga genética ou da história
biológica e evolucionista de uma pessoa, são inegáveis os efeitos em seu progresso,
ocasionados por um ambiente estimulador e por pessoas empenhadas nesse fim.
Antunes (2002) entende que para ocorrer os estímulos, para os diferentes tipos de
inteligências se faz necessária uma organização como verdadeiros projetos, pois ―se aplicados
acidentalmente ou provocados em circunstancias aleatórias‖ não há como haver uma
produção de resultados significativa. O autor faz uma analogia com a perda de peso e comenta
53
que o indivíduo que entra num regime estabelece metas, mudanças de hábitos, procedimentos
e outras ações visando atingir o objetivo, da mesma forma devem acontecer com o estímulo às
inteligências múltiplas.
Para o autor, o potencial das inteligências é variável de indivíduo para indivíduo e
esse potencial pode tornar-se ainda mais diverso se levar em consideração os fatores genéticos
e os estímulos ambientais desenvolvidos dentro do ambiente escolar ou fora dele. Antunes
(2002, p. 118) observa que o cérebro é comprometido pelo seu desuso, assim há a necessidade
de estimular as manifestações dos diferentes tipos de inteligências ―da vida pré-natal até
idades bastante avançadas, embora as ‗janelas da aprendizagem‘ não se mostrem abertas com
igual intensidade para todas as faixas etárias‖.
Sobre como abordar as inteligências múltiplas em sala de aula e como utilizar os
jogos para estimular a cognição dos alunos, Antunes (2002, p. 118) comenta:
Não existe uma única abordagem pedagógica para se trabalhar as inteligências
múltiplas em sala de aula. Consequentemente, não existe e não pode existir
―proprietários‖ específicos de ―receitas definitivas‖ sobre como trabalhar essa
diversidade de competências humanas. Os jogos estimuladores de inteligências são
válidos desde que desenvolvidos como produto de um projeto pedagógico,
consistente, que deixe claro suas metas, ―os produtos‖ que buscam alcançar, as
estratégias que serão utilizadas e a intensidade com que o treinamento poderá vir a
ser feito.
O autor fazendo um comparativo sobre o potencial de inteligência das crianças de
hoje com os da geração passada, diz que as da geração de hoje cresce significativamente.
Informa também, que estudos recentes mostram que estão ocorrendo mudanças fisiológicas e
anatômicas na microtextura do cérebro dessas crianças, mudanças essas que podem ser
observadas, apesar de ainda não serem compreendidas em sua plenitude.
Algumas razões colocadas como responsáveis sobre essas novas mudanças nas
gerações de hoje, seriam os novos estilos de vida, como uma alimentação mais saudável e de
qualidade, que faz com que hoje os filhos cresçam mais que os pais; famílias menores que faz
com que os pais se dediquem mais aos filhos; as exigências do mercado de trabalho que faz
com que os pais busquem uma aprimoração cultural mais elevada, os novos saberes, estudos e
pesquisas que enfatizam a importância e a prática dos estímulos e que, principalmente,
ensinam como fazê-lo; os equipamentos eletrônicos, que quando bem utilizados podem
exercitar a criança e ainda, e, mais importante ou significativo, os novos perfis das escolas
que buscam e desenvolvem projetos estimuladores para as crianças.
54
Antunes (2002) coloca alguns traços comuns e característicos das inteligências na
infância:
 Curiosidade – a criança perguntadora, xereta, essa curiosidade é importante e
desenvolve-a, sobretudo se os pais e os professores souberem como validar esses
momentos.
 Bom humor – a espontaneidade da alegria, o riso fácil, a facilidade em fazer piadas e
rir delas, são claros indícios de intensas atividades cerebrais.
 Persistência e empenho na satisfação de seus interesses – A ―teimosia‖ são
características de crianças inteligentes, enquanto que crianças apáticas, conformadas e
resignadas, não.
 Facilidade na proposição de ideias encadeadas – busca comparações e destaca
exemplos mesmo não pertinentes, quando se conta algo a elas. Saltam do texto para o
contexto, associam textos a imagens, entre o ontem e o agora, entre a imaginação e a
visualização são traços expressivos de crianças inteligentes.
 Liderança – a facilidade em reunir outras crianças em torno delas e de suas
brincadeiras, ter seguidores, identifica uma atividade cerebral mais forte e uma
inteligência interpessoal.
 Poder de transposição de uma linguagem para outra – inventar uma música para
ilustrar algo que viu ou ouviu ou desenhar uma cena, criar movimentos corporais para
a expressão de sentimentos, transposições são traços expressivos de diversas
inteligências.
 Sentimento de revolta diante do que acredita ser injustiça – a criança emocionalmente
inteligente fica furiosa quando acredita ter sido injustiçada ou quando vê alguém
sendo injustiçado.
 Criatividade e imaginação – o poder de fantasiar e viver as fantasias com
manifestações verbais, visuoespaciais, sonora ou mimicas são formas características
de inteligências.
 Facilidade de adaptação – essas crianças mesmo com um desconforto natural
conseguem superar com facilidade essa sensação, tem uma facilidade maior que seus
colegas com a mesma faixa etária.
 Facilidade em relacionar informações aparentemente diversas – descobre novos
sentidos em situações relativamente parecidas com as que vivenciaram ou que viu
alguém vivenciar ao ver algumas situações numa cena na TV, por exemplo.
55
4.4.1 Jogos para estimular as inteligências múltiplas
Da mesma forma que as autoras Friedman (2006) e Kishimoto (2005, 2008) no
início deste trabalho buscaram conceituar os jogos no capítulo 2, seção 2.1.1 e demonstrar a
importância dos mesmos no desenvolvimento cognitivo infantil, Antunes (1998, p. 11)
também inicia seu estudo sobre os jogos para a estimulação das múltiplas inteligências
conceituando e informando:
A palavra jogo provém de jocu, substantivo masculino de origem latina que significa
gracejo. Em seu sentido etimológico, portanto, expressa um divertimento,
brincadeira, passatempo sujeito a regras que devem ser observadas quando se joga.
Significa também balanço, oscilação, astúcia, ardil, manobra. Não parece ser difícil
concluir que todo jogo verdadeiro é uma metáfora da vida. E essa reflexão exige
cuidado: [...] empregamos a palavra “jogo” como um estímulo ao crescimento,
como uma astúcia em direção ao desenvolvimento cognitivo e aos desafios do viver,
e não como uma competição entre pessoas ou grupos que implica em vitória ou
derrota.
Antunes (1998) comenta que os cincos primeiros anos de vida dos indivíduos são
fundamentais para o desenvolvimento das inteligências, e entende que para ocorrer o
desenvolvimento cerebral com toda a sua potencialidade, o mesmo necessita de estímulos, e
observa que os estímulos devem ser produzidos pelas próprias crianças, por adultos, mas com
tranquilidade, pois o excesso é tão nocivo quanto qualquer outro exagero e que estímulos
excessivos atuam como desestímulos, e deve-se lembrar de que mesmo quando não há a
oferta de estímulos ―o cérebro sabe procurá-los nos desafios a que se propõe‖.
O autor comenta que o jogo num sentido integralizado é o meio estimulador mais
eficiente para as inteligências, pois no espaço do jogo há a permissão para que a criança
realize tudo aquilo que ela deseja, decide sem restrições, no jogo se obtém simbolicamente a
satisfação do desejo de ser grandioso. No âmbito social, o jogo impõe o controle dos
impulsos, pois há a aceitação das regras pelo os que estão no jogo ―e não imposta por
qualquer estrutura alienante‖. Assim para o autor, quando a criança brinca com sua
espacialidade se envolve nas fantasias estabelecidas por elas e constroem um atalho entre o
mundo real e o mundo onde desejaria viver.
Antunes (1998, p. 18) comenta ainda que ―os estímulos são o alimento das
inteligências.‖ E que sem essa ―alimentação‖ a criança crescerá com limitações, que o seu
desenvolvimento cerebral ficará de forma muito significativa comprometido, todavia como já
56
comentado anteriormente, ele ressalta de forma analógica que se deve ter moderação, pois a
alimentação excessiva, além do que a criança necessita, é tão prejudicial quanto a sua
ausência. Sobre essa moderação com os estímulos, reforça sobre o ensinamento da criança em
casa e na escola:
Um berço precisa ser a primeira sala de aula de uma criança e sua primeira escola da
vida é o quarto, a sala e a cozinha, com mães e pais estimulando todas as
inteligências. Mas isso não pode ser feito o tempo todo. A casa ou mesmo a escola
não pode virar um laboratório, onde a criança recebe a toda hora, todas as iniciações
linguísticas, lógico-matemáticas, espaciais, corporais e outras. Cabe ao professor ou
aos pais estarem plugados na criança o tempo todo e sentirem que quando surgir o
apetite pelo desafio do jogo, é importante ter em mão todos os recursos para que
sejam usados com sobriedade, principalmente com a co-participação de outras
crianças e de adultos.
Outro elemento importante para os estímulos, que o autor recomenda é a
observação da criança e a anotação dos seus progressos em uma ficha para cada inteligência,
pois ajudará a compreender melhor a criança. Deve-se perceber a importância da
aprendizagem, pelo progresso e não na manifestação do alcance de uma meta numérica.
Antunes informa analogicamente que as inteligências no ser humano são como
janelas de um quarto que se abrem devagar, aos poucos e que para cada etapa dessa abertura
muitos estímulos acontecem e que presumivelmente essas janelas não se fecham até os 72
anos de idade do indivíduo, e que na puberdade perdem um pouco o brilho, não significando
desinteresse, mas nesse momento ocorre a consolidação do que foi aprendido num período de
maior abertura. Antunes (1998, p. 18-19) continuando, informa ainda, que as inteligências
vistas analogicamente como janelas e em relação às aberturas:
Abrem-se praticamente para todos os seres humanos ao mesmo tempo, mas existe
uma janela para cada inteligência. Duas crianças na mesma idade, possuem a janela
da mesma inteligência com o mesmo nível de abertura, isso não significa, entretanto,
que sejam iguais; a história genética de cada uma pode fazer com que o efeito dos
estímulos sobre essa abertura seja maior ou menor, produza efeito mais imediato ou
mais lento. É um erro supor que o estímulo possa fazer a janela abrir-se mais
depressa. Por isso essa abertura precisa ser aproveitada por pais e professores com
equilíbrio, serenidade e paciência. O estímulo não atua diretamente sobre a janela,
mas se aplicado adequadamente, desenvolve habilidades e estas sim, conduzem a
aprendizagens significativas.
Dessa forma, Celso Antunes elaborou um quadro que sintetiza ―os espaços dessa
abertura das janelas‖ e insere alguns jogos e estímulos possíveis para o desenvolvimento das
inteligências, onde aqui se procurou priorizar o que estaria mais direcionado a educação
infantil e adaptou-se o quadro que segue nas páginas seguintes, nesse intuito:
57
Quadro 13 – Jogos e outros estímulos para as Inteligências Múltiplas.
INTELIGÊNCIAS FAIXA ETÁRIA
LINGUÍSTICA
1 a 2 anos
2 a 3 anos
3 a 4 anos
4 a 5 anos
MUSICAL
Perde o brilho
aos 10 anos
3 anos
4anos
HABILIDADES
Aprende duas palavras novas
por dia.
ESTÍMULOS POSSÍVEIS
Estimular a pensar para
respostas simples como sim e
não.
Constrói frases com até 3
palavras. Repertório de até 40
palavras.
Conversam e respondem
perguntas. Surge o plural.
Repertório de mais de 500
palavras.
Ensinar a imitar os sons de
animais, de avião, automóvel.
Elabora frases e inicia a
compreensão da gramática
Devidamente estimulada pode
falar até 10.000 palavras e
emprega alguns verbos
corretamente
Compreende os sons e associa
aos emissores
Ajudar a aumentar o
vocabulário.
Contar histórias e solicitar
ajuda para a construção dos
personagens.
Desenvolver questões com
suposições.
Evitar respostas
monossilábicas
Estimular a leitura.
Fazer com que conte ―casos‖.
Pode iniciar o aprendizado de
uma língua.
Decifrar frases construídas
fora de ordem
Gravar a voz e fazê-la ouvir a
gravação.
Estimular a identificar sons
diferentes.
Brincar com flauta doce, gaita
ou tambor.
Discrimina ruídos e sons.
Distingue sons de diferentes
instrumentos musicais.
Percebe o ritmo.
Perde o brilho
por volta dos
10/11 anos.
LÓGICOMATEMÁTICA
2 anos
3 anos
4 anos
Perde o brilho
por volta dos 10
anos
Começam a perceber que as
coisas acontecem mesmo que
não as deseje.
Percebem diferenças entre
fino/grosso, largo/estreito, etc.
Começam a perceber o
significado de conjuntos e
grandezas.
Compare valores e conceitos
matemáticos
Trabalhe verbalmente
alternativas de muito/pouco,
grande/pequeno.
Ordenar objetos por tamanho
Propor jogos dos sete erros,
jogos de dominó.
Procurar fazê-lo entender as
horas.
58
INTELIGÊNCIAS FAIXA ETÁRIA
CINESTÉSICO2 anos e 6 meses
CORPORAL
3 anos
NATURALISTA
5 anos
Perde o brilho
por volta dos 12
anos
1 a 3 anos
HABILIDADES
Praticam esportes simples,
andam de triciclo.
Seguram o lápis. Conseguem
manter a atenção por períodos
mais longos. Adoram ouvir e
inventar histórias.
Vestem a roupa
Reconhecem animais e plantas.
São generosas e carinhosas com
amiguinhos e animais.
Faça-a descobrir a chuva, o
sol, o vento.
Retire-a do carrinho.
Faça-a pisar na areia.
Faça-a descobrir amigos.
Estimule passeios.
Valorize suas descobertas
naturais
Não gosta de ficar sozinha.
Agradece as companhias
queridas.
Já dá seus beijinhos.
Reconhecem-se em fotos.
Brincadeiras de ―escondeesconde‖ vão preparando para
as frustações.
Valorize e comece a legitimar
suas emoções. (Ajude-a
descobrir que todas as pessoas
possuem sentimentos de
tristezas e de alegrias, de
afetos e de mágoas).
Faça-a descobrir expressões de
tristeza e de alegrias em
desenhos.
Saiba legitimar as emoções da
criança.
Respeite seu ―espaço‖.
Ajude-a lidar com seus medos.
Não desvalorize ou mude os
seus sentimentos.
3 a 5 anos
PESSOAIS
(Inter e
Intrapessoais)
Perde o brilho
por volta dos 14
anos.
De 1 ano a 18
meses.
2 anos
Tornam-se ―rabugentas‖,
adoram dizer ―não‖.
3 anos
Começam a ficar mais
independentes dos pais.
Perde o brilho
por volta dos 17
a 18 anos.
(Continua na página seguinte)
ESTÍMULOS POSSÍVEIS
Incentive nesses períodos as
brincadeiras de escondeesconde
59
Continuação Quadro 13 - Jogos e outros estímulos para as IM.
INTELIGÊNCIAS FAIXA ETÁRIA
ESPACIAL
2 anos
HABILIDADES
Acreditam em mitos
Amam papai-noel e o Coelhinho
da Páscoa.
ESTÍMULOS POSSÍVEIS
Dê expressões para os
sentimentos.
Invente signos para as cores.
Invente histórias.
Faça caretas e peça que sejam
imitadas.
Trabalhe a espacialidade.
3 anos
Descobrem os monstros e
adoram as histórias em que são
derrotados,
Começam a descobrir o espaço.
Faça- a descobrir roteiros.
Estimule descobrir o ―perto‖ e
o ―longe‖.
Discuta um trajeto a percorrer.
4 anos
Descobrem seus super-heróis e
muitos inventam seus amigos
imaginários.
Inicie a alfabetização
cartográfica da criança.
Ensine a desenhar objetos
vistos por diferentes ângulos.
Perde o brilho
por volta dos 10
anos
Fonte: Adaptado do livro de Celso Antunes: Jogos para estimulação das múltiplas inteligências, 1998 p. 19 - 21.
Os possíveis estímulos recomendados por Antunes no quadro acima, são os jogos
e brincadeiras que o autor numa análise de cada etapa da criança sugere para que as mesmas
desenvolvam-se cognitivamente, a partir de cada inteligência. O autor informa ainda que se
joga com a criança também quando se conversa com ela, quando se faz um passeio, quando se
assiste TV com elas ou até mesmo quando estimulam as interações com os amiguinhos ou
com os avós. Assim, percebe-se que os jogos e brincadeiras estão inseridos em atos que se
realizam comumente no dia a dia e que se pode estimular às crianças de formas diversas, com
brincadeiras simples e não somente com jogos mais sofisticados, que uma maioria nem
sempre tem acesso.
Dando continuidade ao pensamento de Antunes (1998) sobre os jogos,
brincadeiras e as inteligências múltiplas de Gardner, Antunes fala que este autor muito mais
do que qualquer outro ―é da opinião que as habilidades cognitivas podem ser aceleradas‖. E
isso hoje é realidade, quando se verifica, que o desenvolvimento cognitivo infantil de crianças
a partir dos três anos de idade, são mais facilmente desenvolvidos, e isso, não era observado
na época piagetiana, esse desenvolvimento se revela com maior intensidade nos jogos de
linguagem.
Ainda sobre o desenvolvimento cognitivo infantil dos três aos seis anos o autor dá
dicas de como ajudar as crianças nesse período:
60
 Construir a historicidade – deve-se ensinar a criança a pensar em termos de passado
presente e futuro, deve-se ampliar seu vocabulário, fazendo-as construir frases com
mais de cinco palavras.
 Despertar a capacidade lógica – fazer associações de quantidades com números e
contagem, utilizar os conceitos de muito, pouco, grande, pequeno. Ensinar a dar
sentido às cores, mostrar figuras e deixar rabiscar a vontade.
 Estimular associações – associar figuras a sons, estimular a cantar e imitar vozes;
estimular também a escovar os dentes, amarrar os sapatos, comer com talhares e
legitime suas emoções.
 Ensinar a ser um ―mecânico‖- exercitar as habilidades com as mãos fazê-los martelar,
encaixar, parafusar. Ensinar a mexer no computador, a varrer a casa, ―arrumar‖ o
quarto.
 Explorar o lado positivo da TV – planejar com antecedência o que vai ser assistido,
estabelecer limites do tempo diante da TV, não usar a televisão como prêmio ou
castigo. Conversar muito sobre o que é visto, falar de amor, morte, guerra, sexo.
Mostrar outras alternativas além da TV.
 Libertar dos estereótipos – evitar presentes estereotipados como boneca para meninas
e bola para meninos, ensinar que não existem profissões masculinas ou femininas.
Mostrar a diversidade cultural e que pessoas diferentes possuem crenças diferentes.
 Estimular relacionamentos com outras crianças – falar sobre amigos, animar a
participação de atividades em grupos e brincadeiras associativas, ensinar a vencer ou
perder uma disputa.
Antunes (1998) entende que nessa fase a educação infantil deve ser repleta de
brincadeiras que possibilitem exaltar os sentidos, que levem ao domínio de habilidades,
despertem a imaginação, estimulem as cooperações e a compreensão de limite e regras, que
estimulem o respeito, a exploração e ampliação dos inúmeros saberes que toda criança possui.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando tudo o que foi pesquisado no decorrer deste trabalho, considera-se que
o brincar, é uma atividade natural à criança e que a acompanha em todo o seu
desenvolvimento, tanto físico quanto intelectual. Ao longo da contextualização histórica
percebe-se a importância que o brincar faz para esse desenvolvimento. Todas as técnicas e
estudos que foram desenvolvidos pelos estudiosos de áreas diversas, que não só a da educação
tem mostrado que o brincar é tão importante quanto qualquer atividade que a sociedade
considere como necessária para a educação das crianças. Numa perspectiva psicológica,
verifica-se que sem tal construção - a do brincar, às crianças não conseguiriam se socializar e
fazer às descobertas necessárias para cada etapa do desenvolvimento infantil. Percebeu-se
essa confirmação com maior precisão através dos estudos de Gardner e Antunes onde se pode
verificar a influência dos jogos e do brincar para a expansão das inteligências múltiplas.
Respondendo, portanto, ao questionamento inicial desta monografia - O brincar
influencia a formação social e cognitiva das crianças na educação infantil? - conclui-se que o
brincar influencia de forma positiva na formação dos educandos na educação infantil e que
essa inserção do brincar, influenciará o indivíduo por toda a sua vida.
Tendo em vista os objetivos gerais e específicos desta pesquisa, conclui-se que: os
jogos, brinquedos e brincadeiras usados como uma ferramenta pedagógica caminha para a
valorização do desenvolvimento do ensino-aprendizagem na educação infantil; a criança no
pré-escolar consegue aprender através de ações espontânea e intuitiva, interagindo e
envolvendo-se no jogo ou brinquedo por meio dos processos: cognitivo, afetivo e social; o
jogo num sentido integralizado seja o meio estimulador mais eficiente para as inteligências
múltiplas, pois no espaço do jogo há a permissão para que a criança realize tudo aquilo que
ela deseja, decide sem restrições, no jogo se obtém simbolicamente a satisfação do desejo de
ser grandioso; no âmbito social, o jogo impõe o controle dos impulsos, pois há a aceitação das
regras pelo os que estão no jogo.
Observa-se, portanto que o brincar assume forma e modo de uma nova educação,
onde os indivíduos, em especial as crianças, possam sentir-se sujeitos donos de seu caminhar,
portanto,
livres
para
expressarem-se
através
de
conhecimentos
que
se
tornam
transformadores.
O que provavelmente, possa faltar é uma maior conscientização da sociedade
educacional e isso inclui escolas públicas e particulares, pois foi percebido através da
62
legislação específica à educação infantil, que as mesmas, têm buscado inserir o brincar como
etapa essencial para o desenvolvimento infantil, portanto a aplicabilidade do que está escrito
nessa legislação é que deve ocorrer de forma mais efetiva e, para isso uma ampla divulgação e
campanha poderiam ajudar de forma mais significativa.
Dessa forma, sugere-se que educadores e estudiosos da área se empenhem para
que ocorra essa divulgação do que já está escrito na lei e que deve apenas se sedimentar cada
vez mais na educação infantil.
Sugere-se ainda a inserção nas escolas atividades e jogos direcionados para o
desenvolvimento das Inteligências Múltiplas, pois já é comprovado que todos os indivíduos
são detentores de várias inteligências, esse é um assunto deveras importante e urge também o
envolvimento das universidades e faculdades para promover e fazer a sociedade como um
todo compreender que existe a necessidade de valorização do desenvolvimento dessas
inteligências, pois as nossas crianças tem todo um potencial que precisa ser bem direcionado e
a comunidade acadêmica tem que estar atenta a isto.
Recomendam-se as leituras de Howard Gardner e Celso Antunes, que em seus
livros. exemplificam e ensinam como vivenciar e desenvolver as inteligências.
Portanto, ratificando tudo o que já foi exposto, confirma-se que o brincar é um
momento lúdico de valiosa importância para o desenvolvimento cognitivo infantil, e a
inserção do brincar na escola significa fazer aprender de forma mais criativa e interessante, e,
a educação infantil é sem dúvida, um dos suportes principais para fomentar esse tipo de
aprendizado.
63
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BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial curricular nacional para a educação infantil. Ministério da Educação e do
Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. — Brasília: MEC/SEF, 1998. Volume II.
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