Aula de enzimas em conversão de biomassas Tema Produção de enzimas de origem extrativa e microbiana Prof. Adriane M. F. Milagres Departamento de Biotecnologia - Escola de Engenharia de Lorena Universidade de São Paulo – USP [email protected] Sumário: 1) Extratos vegetais 2) Extratos animais 3) Enzimas microbianas Enzimas de microrganismos extremófilos 4) Processos microbianos para produção de enzimas – cultivo submerso – cultivo no estado sólido 5) Cinética do crescimento e produção de enzimas Introdução: As células constituem-se, até hoje, o único meio para obtenção de biocatalisadores, visto que ainda não é possível destacar-se sua fabricação por síntese química. As enzimas podem ser provenientes de: • tecidos de organismos diferenciados (células animais e vegetais) renina usada na elaboração de queijos, proteases vegetais usadas em anti-inflamatórios, amilases para a preparação de mostos de cerveja papaína, extraída do latéx do papaya, bromelina, obtida do talo da pinha • microrganismos. Enzimas de origem animal 1) Pancreatina: apresenta atividade amilolítica, proteolítica e lipolítica Pâncreas de porco Antigamente: realçar sabor de queijos Atualmente: Auxiliar digestivo 2) Renina: usada na elaboração de queijos Estomago de bezerro quimosina 3) Pepsina: • Origem: Mucosa do estômago de porco • Auxiliar digestivo Enzimas de origem vegetal 1) Papaína: Enzima proteolítica Origem: latex do fruto verde do mamão Clarificação da cerveja, amaciamento de carne, auxiliar digestivo Extraída como suco prensado deste componente e posteriormente purificada A adição de água e cloreto de sódio perfazem um preparado chamado de papaína bruta 2) Bromelina: Enzima proteolítica Origem: talo e fruto do abacaxi Clarificação da cerveja, amaciamento de carne, auxiliar digestivo Obtida do caule do abacaxi após moagem, prensagem, filtração e precipitação (sulfato de amônio, metanol isopropanol ou acetona) do suco deste talo. Enzimas de origem vegetal 3) Malte: Proteases, lipases e hemicelulases, oxiredutases e amilases (alfa-amilases:no grão durante a germinação; beta-amilase presente no grão antes da germinação) Origem: malte de cevada Após germinação é feita secagem: paralisação da atividade biológica do grão e reduzir teor de umidade Enzimas microbianas Enzimas de fungos Fungos: São organismos heterotróficos que obtêm nutrientes por absorção, ou seja, lançam enzimas aos substratos onde colonizam e absorvem os nutrientes através da parede e membrana celular hifas Micélio - agrupamento intenso de hifas constituem o micélio Enzimas microbianas • Microrganismos: 1) Temperatura de crescimento: Psicrófilos - crescem abaixo de 20 oC Mesófilos - 20 a 50 oC Termófilos - crescem acima de 55 oC Hipertermófilos – crescem acima de 80 oC 2) pH Acidófilos Neutrófilos Alcalófilos 3) O2 Aeróbicos obrigatórios (a) Anaeróbicos obrigatórios(b) Anaeróbicos facultativos(c) Microaerófilos (d) Aerotolerantes (e) 4) Pressão osmótica (NaCl): Halotolerantes Halófilos Halófilos extremos Enzimas de microrganismos extremófilos Processos Industriais Enzimas psicrófilas •Extremozimas – Taq polimerase •Alta atividade catalitica e estabilidade em baixas temperaturas •Alta salinidade •Maior flexibilidade – menos pontes dissulfeto e de hidrogênio •pH inferior a 2 ou superior a 10 •Estresse nutricional Enzimas termoestáveis •Archae: temperaturas elevadas (~ 100 oC) Processo típico de cultivo microbiano Engenharia de Bioprocessos: propagação de células microbianas Aplicação comercial: bactérias, fungos filamentosos e leveduras; Produção de enzimas extracelulares industriais: Bacillus e Aspergillus (80-85% do mercado de enzimas extracelulares) Cultivo submerso : batelada Cinética de produção de celulases de Trichoderma reesei em batelada, mostrando a instabilidade após o pico de produção Produção industrial de enzimas •Cultivo semi-sólido e Cultivo submerso Por que do interesse em SSF? A maioria dos processos submersos dão melhores rendimentos que SSF e é muito mais fácil de operar. Contudo, em casos específicos há razões para se operar em SSF: -Quando o produto pode apenas ser produzido por SSF (alimentos fermentados – Koji (A. orysae em soja), Tempe (Rhizopus oligosporus em soja) -Quando o rendimento é significantemente maior em SSF (é o caso das enzimas de fungos) -Quando se deseja utilizar um determinado substrato sólido Fermentação em estado sólido: valorização dos resíduos lignocelulósicos O que é? O termo fermentação em estado sólido, ou fermentação semi-sólida, ou fermentação em meio semi-sólido aplica-se ao processo de crescimento de microrganismos sobre substratos sólidos sem a presença de água livre. A água presente nesses sistemas encontra-se ligada à fase sólida, formando uma fina camada na superfície das partículas. (Raimbault, 1998) FSS – Vantagens: - Meios de baixo custo Elevado rendimento em produto Menor esforço em etapas de downstream Produto com melhor qualidade Tecnologia simples Menor gasto energético FSS – Desvantagens: - Ampliação de escala e controle dos biorreatores é mais difícil - Baixa homogeneidade - Problemas com temperatura - As diferenças encontradas nos rendimentos e na qualidade ainda não são totalmente compreendidas – não sendo possível tirar partido destas condições Cinética do crescimento e produção de enzimas Em processos biotecnológicos, parâmetros como velocidade específica de crescimento, consumo de substrato,e fatores de conversão são importantes por diversas razões: •Otimização ou comparação entre processos •Otimização ou comparação entre linhagens •Identificação do estado fisiológico das células •Controle do processo •Obtenção de dados necessários à análise técnico-economica e viabilidade de processos Parâmetros de transformação A cinética de um processo consiste na análise da evolução dos valores de concentração de um ou mais componentes do sistema em função do tempo. Podemos avaliar por exemplo: - biomassa (X); - metabólitos (P); - substrato (S). -Fator de conversão: Substrato em produto -Produtividade • A fase exponencial é de primeira ordem: • A taxa de crescimento ao tamanho da população •Entrão lnX vs. t é linear, inclinação = m • m unidade é 1/t (i.e. h-1) dX X dt Medidas do crescimento microbiano Medidas diretas : massa seca; contagem celular (Câmaras de Petroff-Hausser e Contagem dos viáveis) de Neubauer; Medidas indiretas: a) Turbidimetria b) Medida de um constituinte celular (quitina, ergosterol, ácidos nucleicos, proteína) c) Medida da atividade biológica (ATP, atividade enzimática, taxa respiração, atividade imunológica) d) Consumo de nutriente Para representar o crescimento , o indicador deve ser constante durante o desenvolvimento fúngico e deve ser o mesmo independente do meio de cultivo Correlação entre teor de ergosterol e biomassa fúngica Crescimento de L. edodes em meio líquido 400 90 350 70 300 y = 4,09594 x - 3,34879 250 R = 0,8682 2 Ergosterol (ug) Biomassa fúngica(mg) 80 60 50 40 30 20 200 150 100 50 10 0 0 0 5 10 15 Tempo (dias) 20 25 0 20 40 60 Biomassa Fúngica (mg) 80 100 Cinética da Produção de Enzimas • As enzimas como agentes metabólicos terão o caráter de metabólitos primários ou secundários dependendo da sua função metabólica; • Maioria das enzimas comerciais: enzimas degradativas (catabolismo) e têm as características dos metabólitos primários. Isto não é absoluto! • Modelo de Ludecking & Piret para a cinética de produção de metabólitos por fermentação: Metabólitos primários: Metabólitos secundários: • Situações intermediárias são freqüentes na prática. Ex.: a-amilase de Bacillus subtilis, glucoamilase de Aspergillus niger e lactase de Escherichia coli Por que os fungos produzem mais enzima em SSF que em SmF? •Cultivos em SSF ocorrem em finas camadas com uma grande área superficial para troca de gases •SmF com agitação os fungos formam pellets com grande diâmetro e pequena área superficial para trocas gasosas •SmF sem agitação formam micélios dispersos mais sujeitos a repressão catabólica •SSF apresenta melhor condição fisiológica e produz menos enzimas proteolíticas que na SmF Biochemical Engineering Journal 13 (2003) 157–167 Advantages of fungal enzyme production in solid state over liquid fermentation systems G. Viniegra-González, E. Favela-Torres, C.Aguilar,S.Rómero-Gomeza, G. D´ıaz-God´ınez , C. Augur Parâmetros de transformação O estudo cinético de um processo consiste inicialmente na análise de evolução dos valores de concentração de um ou mais componentes do sistema de cultivo em função do tempo de fermentação. a) Velocidades instantâneas de transformação: rx = dX dt rs = dS dt rp=dP dt rx- velocidade de crescimento celular X – concentração de células viáveis t-tempo rs – velocidade de consumo de substrato rp = Velocidade de síntese de produto Produtividade: Px = Xm – X0 Pp = Pm – Po tf tfp Velocidades específicas de transformação: μ X = 1 . dX X dt ; μS = 1. (-dS) X dt μP = 1. dP X dt Fatores de conversão: YX/S = X-X0 S0 –S YX/P = X-X0 P-P0 YP/S = P-P0 S0-S YX/S = Xm-X0 S Considerar os valores instantâneos: YX/S = dX -dS YX/P = dX dP YP/S = dP -dS Um determinado consumo de substrato (S0-S) não produzirá sempre um aumento proporcional de biomassa (X-X0), sendo que uma parcela de energia, é destinada a manutenção das condições vitais Aplicações biotecnológicas • Produção de xarope de frutose a partir do amido: Extração Liquefação amilase – Bacillus licheniformis T > 90 oC e pH ~ 6,5 Pululanase – B. coagulans, B. circulans Gomificação Sacarificação Enzima Isomerização Atividade catalítica α-amilase Hidrólise de ligações glicosídicas α(1→4) β-amilase Hidrólise de ligações glicosídicas α(1→4) Glicoamilase Hidrólise de ligações glicosídicas α(1→4) Pululanase Hidrólise de ligações glicosídicas α(1→6) Enzima bacterianas usadas na produção de HFCS CH2OH glicoisomerase O O OH CH2OH OH OH HO OH α-D-glicopiranose alfa-D-glicose OH HO OH β-D-frutopiranose alfa-Dfructopiranose • O xarope que deixa a coluna é composto por cerca de 42-45 % de frutose e 55-58 % de glicose (ponto de equilíbrio da reação). Isomerase – Streptomyces rubiginosis, Actinoplanes missouriensis e Ampullariella spp Isomerização • Em Produção de HFCS base mássica, a glicose apresenta poder de edulcoração 30 % inferior à sacarose. Soluções concentradas cristalizam à temperatura ambiente, enquanto soluções diluídas favorecem o crescimento de microrganismos. • A frutose é 30% mais doce que a glicose. É muito solúvel em água (até 2 vezes mais solúvel que a glicose). Soluções concentradas não cristalizam à temperatura ambiente Produção de HFCS Poder edulcorante da sacarose: 1.0 Poder edulcorante da glicose: 0.7 Poder edulcorante da frutose: 1.3 Qual o poder edulcorante de um xarope constituído por 55% de frutose e 45% de glicose? E1T1 + E2T2 = E 1.3 x 0.55 + 0.7 x 0.45 = E 0.7 + 0.3 = E E = 1,0 HFCS - 55 Em base mássica, o xarope apresenta poder adoçante igual ao da sacarose, entretanto é mais solúvel e mais barato que a sacarose! Produção de HFCS Enzima imobilizada Zeólitas 58 % 42 % 10 % 90 % Qual o poder edulcorante de um xarope constituído por 90% de frutose e 10% de glicose? E1T1 + E2T2 = E 1.3 x 0.90 + 0.7 x 0.10 = E 1.170 + 0.07 = E E = 1,240 HFCS - 90 Em base mássica, o xarope apresenta poder adoçante superior ao da sacarose ($$$$)! Enzimas bacterianas usadas na formulação de detergentes • Proteases: - Mais utilizadas em detergentes - Removem manchas de ovo, sangue, suor, extratos vegetais,... - Detergentes sem enzimas: ineficiente para remover manchas de proteinas • - Proteases Alcalinas: • Possuem pH ótimo alcalino e atuam em T elevada (Europa) • - Ex.: savinase (B. clausii), alcalase (B. licheniformis), subtilisin novo (B. amiloliquefaciens) Lipases: - Lavagem de roupas em T baixa: difícil remoção de óleo e gorduras - Primeira lipase em detergente: produzida por Humicola lanuginosa - lipases bacterianas: Pseudomonas alcaligenes atividade em pH compativel com detergentes (lipomax) - LIPOLASE (Novo Nordisk) - 1988 Remove manchas de batom, frituras, azeite, molhos, etc lipases TG Ácidos graxos, mono, di- glicerídeos e glicerol - Estáveis em pH alcalino Material para leitura: 1) Cold-Adapted Enzymes Khawar Sohail Siddiqui and Ricardo Cavicchioli Annu. Rev. Biochem. 2006. 75:403–33 2) ENZIMAS TERMOESTÁVEIS: FONTES, PRODUÇÃO E APLICAÇÃO INDUSTRIAL Eleni Gomes*, Marcelo Andrés Umsza Guez, Natalia Martin e Roberto da Silva Quim. Nova, Vol. 30, No. 1, 136-145, 2007