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Campinas, 19 a 25 de outubro de 2015
Pesquisa investiga fluxo
salivar de transplantados
Cirurgião-dentista avalia pacientes submetidos a tratamento de doenças oncohematológicas
Foto: Antoninho Perri
CARMO GALLO NETTO
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Transplante de Medula Óssea ou Transplante
de Células-Tronco Hematopoiéticas (TCTH) é
uma modalidade terapêutica amplamente utilizada para a cura de doenças hematológicas
ou de outros tecidos, de insuficiências medulares e de distúrbios congênitos da hematopoiese. Apesar
dos recentes avanços, o TCTH alogênico – aquele em que a
medula óssea ou células progenitoras hematopoiéticas provêm de um doador compatível — não está isento de complicações. Cerca de 80% dos pacientes submetidos ao TCTH
alogênico apresentam complicações orais, que podem ser
classificadas em agudas e tardias, de acordo com o momento em que se manifestam e o tipo de sequela gerada.
As complicações orais agudas mais frequentes incluem
a mucosite oral (feridas na boca), infeções recorrentes,
dor, e sangramento. Dentre as complicações tardias orais,
destacam-se a Doença do Enxerto-Contra-Hospedeiro, cáries progressivas, o desenvolvimento de novos tumores em
boca, além de alterações na composição e fluxo da saliva,
que podem gerar problemas sérios e irreversíveis.
Diversas complicações orais estão relacionadas às alterações salivares encontradas nos pacientes submetidos
ao TCTH alogênico, tais como a hipossalivação; xerostomia (sensação de boca seca); alterações do paladar; cáries
progressivas e generalizadas; infecções fúngicas, virais e
bacterianas recorrentes, entre outras. Estas complicações
impactam significativamente na qualidade de vida destes
pacientes, gerando importante morbidade.
Embora estudos tenham correlacionado a presença de
danos de variável extensão às glândulas salivares e, consequentemente, à saliva destes pacientes como uma sequela
tardia do TCTH alogênico, a sua influência sobre as alterações precoces do fluxo salivar, assim consideradas aquelas
que ocorrem antes do esperado, não estão completamente
elucidadas. Soma-se a isso a inexistência de um critério padronizado para a avaliação clínica da hipossalivação (diminuição da excreção de saliva) para este grupo de pacientes,
o que dificulta um diagnóstico precoce e retarda medidas
que contribuam para minimizar seus efeitos deletérios.
O Grupo de Odontologia e Medicina Oral da Unidade
de Transplante de Células-Tronco Hematopoiéticas, do
Centro de Hematologia e Hemoterapia do Hospital de Clínicas/Hemocentro da Unicamp vem estudando, ao longo
das últimas duas décadas, as alterações orais relacionadas
ao TCTH alogênico, com o objetivo de melhor compreendê-las e manejá-las da forma mais adequada.
Diante desse cenário, o cirurgião-dentista Vinicius Rabelo Torregrossa avaliou em sua dissertação de mestrado
a influência do TCTH alogênico sobre alterações precoces
do fluxo salivar, correlacionando os resultados obtidos do
fluxo salivar com dados clínicos do transplante. Além disso, também foram validados critérios clínicos para o diagnóstico da hipossalivação nestes pacientes, através do desenvolvimento de um sistema de pontuação que permita
caracterizar as situações de boca seca.
Pós-graduando pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-Unicamp), onde a dissertação foi apresentada,
ele realizou o trabalho no Hemocentro da Universidade,
sob a orientação da também cirurgiã-dentista e professora
Maria Elvira Pizzigatti Correa, coordenadora do ambulatório de odontologia do Hemocentro Campinas.
Maria Elvira lembra que após a quimioterapia, a boca e
a saliva apresentam alterações, causando sequelas que podem se estender pelo resto da vida. Para ela, “um diagnóstico precoce das alterações quantitativas salivares, aliado
à análise individual do risco de complicações orais, pode
permitir um manejo preventivo adequado, essencial para o
suporte de pacientes submetidos ao TCTH”.
O trabalho do cirurgião-dentista na equipe multidisciplinar oncohematológica visa propiciar ao paciente um
atendimento holístico integral, onde são realizados tratamentos que ele teria dificuldade em conseguir fora do
Hemocentro.
Publicação
Dissertação: “A influência do transplante alogênico
de células-tronco hematopoiéticas no fluxo salivar”
Autor: Vinicius Rabelo Torregrossa
Orientadora: Maria Elvira Pizzigatti Correa
Unidades: Faculdade de Odontologia de Piracicaba
(FOP) e Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
A orientadora, professora
Maria Elvira Pizzigatti Correa,
e o autor do estudo,
Vinicius Rabelo Torregrossa:
critérios clínicos específicos
O TRABALHO
No primeiro capítulo da publicação o autor apresenta
um estudo prospectivo e retrospectivo, com base na coleta
pacientes e utilização de um banco de dados disponível na
unidade, que envolveu 69 pacientes adultos submetidos ao
primeiro TCTH alogênico, entre os anos de 2010 e 2014,
no Hospital de Clínicas da Unicamp/Hemocentro. Nesse
período, foram realizadas coletas de amostras de saliva e
determinação do fluxo salivar, além da avaliação da condição de saúde oral e grau de mucosite dos pacientes.
Também foram aplicados critérios clínicos específicos
para o diagnóstico de hipossalivação, antes do início do regime de condicionamento, e após 8 a 10 dias da infusão da
medula, para efeito de um acompanhamento sistemático e
comparativo. Os resultados mostraram que a hipossalivação não foi um achado comum no período avaliado. Além
disso, o aumento do fluxo salivar encontrado durante a
fase de mucosite pode ter sofrido influência do efeito sinérgico causado pela presença de uma saliva mais viscosa
aliada à dificuldade de deglutição, responsáveis por gerar
um aumento do volume residual de saliva na cavidade oral
desses pacientes, dando uma falsa impressão de hipersalivação entre os dias 8 e 10 pós-transplante.
O segundo capítulo da dissertação envolveu um estudo transversal desenvolvido entre os anos de 2006 e 2014,
onde foram avaliados 120 pacientes submetidos ao primeiro TCTH alogênico no Hospital de Clínicas da Unicamp/
Hemocentro. Foram validados cinco de um total de oito
critérios clínicos de hipossalivação, que possibilitou o desenvolvimento de um Sistema de Pontuação para a Boca
Seca (SPBS), baseado nos seguintes critérios: 1) alta aderência da espátula de madeira na mucosa jugal; 2) ausência
de lago sublingual; 3) saliva espessa e viscosa; 4) ausência
de secreção salivar após ordenha do ducto protídeo; 5) impressão do paciente sobre a sensação de boca seca.
Para os autores, o SPBS mostrou-se uma ferramenta
confiável para o diagnóstico de hipossalivação na população estudada.
Para Vinicius e Maria Elvira, o grande diferencial deste
segundo estudo está no fato de propor uma ferramenta capaz de diagnosticar a condição de hipossalivação através de
parâmetros clínicos fáceis de serem aplicados pela equipe
de enfermagem e médica, que está em contato constante
com os pacientes, que não são de uso exclusivo do cirurgião dentista.
DECORRÊNCIAS
A caracterização da boca seca pode determinar dois
tipos de ações. A mais imediata é a introdução de medidas paliativas que contribuam para melhor lubrificação da
boca e conforto do paciente, de efeito temporário. A outra
envolve o enquadramento dos pacientes com o diagnóstico de hipossalivação em um protocolo específico, com
o objetivo de minimizar os efeitos adversos advindos da
falta de saliva. Nele são considerados, por exemplo, o
controle de infecções periodontais e das cáries dentais,
e principalmente a educação em saúde bucal através de
melhorias higiene bucal, que pode ser acompanhada da
prescrição de bochechos à base de flúor em maior intensidade e/ou frequência.
Como no Hemocentro esses pacientes são acompanhados sistematicamente após o transplante de medula, as
orientações previstas no protocolo são revistas e reforçadas, quando necessário. A preocupação é sempre minimizar ao longo do tempo os inevitáveis efeitos adversos na
boca dos indivíduos submetidos ao TCTH, contribuindo
para a manutenção da saúde bucal e maior conforto dos
pacientes. Todavia, mais que isso, o estudo permite que as
complicações orais decorrentes do TCTH alogênico sejam
mais bem compreendidas e dimensionadas, possibilitando
o seu manejo mais adequado.
A orientadora considera que duas grandes lições podem
ser tiradas do estudo. A de que as alterações salivares acontecem em uma fase muito precoce do transplante, logo nos
primeiros dias após sua realização, e que provavelmente o
padrão salivar mantenha-se alterado, mesmo após a recuperação do paciente. Por esse motivo, as alterações salivares no contexto do TCTH precisam ser mais bem estudadas
e entendidas para um melhor atendimento dos pacientes.
A segunda é a de que o teste proposto pode ser utilizado como ferramenta eficaz para caracterizar e diagnosticar a hipossalivação na população estudada, possibilitando
pronta adoção das medidas necessárias.
MULTIDISCIPLINARIDADE
A professora Elvira destaca a importância do conhecimento adquirido pelo cirurgião-dentista na atuação em
uma equipe multidisciplinar de oncohematologia. “Temos
que agradecer a oportunidade de aprendizado proporcionada pela convivência com uma equipe multidisciplinar como
a nossa, que permite um diálogo franco, além da paciência
e generosidade dos pacientes durante as consultas. É uma
experiência que não se vivencia nos cursos de graduação”.
Merece também destaque o empenho e a trajetória de
Vinicius. Em 2011, ele se inscreveu no então recém-criado
curso de Residência Multiprofissional Integrada em Saúde, oferecido pelo Hospital Universitário Professor Edgard
Santos, da Universidade Federal da Bahia, quando acabara
de concluir a graduação. Selecionado, ele concluiu o curso
de dois anos, que tinha o objetivo de formar um profissional com condições de trabalhar em um hospital, dentro de um ambiente multiprofissional, possibilidade esta
que dificilmente ocorre na graduação em odontologia. “No
hospital tive contato com a rotina da UTI, com as enfermarias das áreas de transplantes, de cardiologia, enfrentando
situações com que aprendi a lidar. Fiquei apaixonado pelo
trabalho e me interessei particularmente pelo atendimento
aos pacientes com doença oncohematológica”, diz ele.
Terminada a residência ele se candidatou a uma vaga
no curso de pós-graduação em estomatopatologia, em nível de mestrado, oferecido pela FOP/Unicamp, realizando o sonho de fazer uma pós-graduação na Unicamp, por
considerá-la uma experiência enriquecedora. Diante do seu
interesse em trabalhar na área de hematologia, foi encaminhado ao Hemocentro do HC da Universidade para ser
orientado por Maria Elvira. Entusiasmado, ele afirma: “A
experiência se confirmou maravilhosa e dentro das expectativas do que eu pretendia e desejava. Aqui existe uma
gama de pacientes com perfis que pretendia estudar, que
vão desde as coagulopatias hereditárias ou adquiridas, passando pelos portadores de doenças oncohematológicas, até
o transplante de medula óssea. Além do que, contei com
a experiente e dedicada orientação da professora Elvira”.
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