Protocolo Transplante de células-tronco hematopoiéticas nos erros inatos do metabolismo Versão eletrônica atualizada em Abril – 2012 I. Introdução Os erros inatos do metabolismo (EIM) são um conjunto de doenças raras, de caráter hereditário, compreendendo as doenças dos lisossomos e peroxissomos, entre outras. Desde o primeiro relato de correção do defeito metabólico com TCTH em um paciente com síndrome de Hurler por Hobs et al. em 1981, quase 20 diferentes tipos de EIM foram tratados por TCTH, porem nem todos com sucesso. Grandes barreiras para o sucesso do TCTH nestas patologias são: a alta incidência de falha de enxertia, a mortalidade relacionada ao tratamento e a dificuldade de encontrar doadores compatíveis com a urgência necessária no transplante da maioria destas doenças. O TCTH tem sido primariamente usado para tratar EIM pertencentes as famílias das doenças lisossomais e peroxissomais. As doenças de depósito lisossomal são doenças causadas por mutações em genes codificadores de enzimas lisossomais, levando a um defeito na hidrólise de macromoléculas exógenas e conseqüente acúmulo de substratos tóxicos. As doenças dos peroxissomos, como a adrenoleucodistrofia (ALD), são causadas por um defeito na proteína transportadora de membrana ABCD1, gerando defeitos no metabolismo dos ácidos graxos de cadeia longa. A maioria das doenças lisossomais e peroxissomais afetam múltiplos órgãos e sistemas, envolvendo o sistema nervoso central e periférico. Geralmente são de caráter progressivo e fatal, em conseqüência do acúmulo de produtos tóxicos e da deficiência no produto da reação enzimática acometida. As enzimas lisossomais são sintetizadas no retículo endoplasmático e posteirormente são transportadas para o complexo de Golgi onde sofrem modificações. Após, são incorporadas em endossomos e maturadas nos lisossomos. A partir do complexo de Golgi, uma grande quantidade destas enzimas recémproduzidas são secretadas diretamente no citoplasma, e podem ser endocitadas por células vizinhas. In vitro, este transporte intercelular pode corrigir defeitos metabólicos de fibroblastos de pacientes deficientes quando colocados em cultura com células normais ("cross-correction”). Tanto o TCTH quanto a reposição de enzimas exógenas utilizam-se deste mecanismo de “cross-correction” para seus efeitos terapêuticos. A terapia de reposição enzimática (TRE) deve ser administrada durante toda a vida, não atravessa a barreira hemato-encefálica (inefetiva em pacientes com acomentimento central) e com o tempo pode levar à produção de anticorpos contra a própria enzima sintética. Já o TCTH, pela enxertia das células normais do doador, gera uma fonte constante de enzimas de reposição. Além desta vantagem, as células do doador podem cruzar a barreira hemato-encefálica estabelecendo-se como células da glia (derivadas dos monócitos), bem como instalar-se em vários outros órgãos como fígado e pulmão. A resposta ao TCTH varia muito conforme o tipo de defeito enzimático e até mesmo entre diferentes pacientes acometidos pela mesma mutação. Um dos grandes determinantes do sucesso do transplante nestas doenças é a situação clínica dos pacientes no momento em que são encaminhados para o tratamento. II. Indicações de TCTH A maior experiência de TCTH nestas doenças concentra-se em pacientes com síndrome de Hurler (MPS I), doença de Krabbe e Adrenoleucodistrofia ligada ao X. Em outras variantes destas doenças a analise dos desfechos do TCTH é difícil pois são poucos os casos relatados na literatura. O dano cerebral, quando instalado, é irreversível, constituindo uma contraindicação do TCTH nestes pacientes. * OBS: cada doença específica tem seus próprios critérios de indicação de TCTH III. Escolha de doador e fonte de células Recomendações para a escolha de doador para estes transplantes foram publicadas pelo grupo europeu de estudos em TCTH, e estão descritas abaixo de forma hierárquica: 1. Doador HLA idêntico aparentado (não heterozigotos para a doença) 2. Doador de medula óssea não-aparentado (10/10 nível alélico) ou cordão umbilical não-aparentado (6/6 - >3 x 10e7 CNT/Kg) 3. Cordão umbilical não-aparentado (5/6 - >3 x 10e7/Kg) 4. Cordão umbilical não-aparentado (4/6 - >5 x 10e7/Kg) ou doador familiar com 1 mismatch 5. Cordão umbilical não-aparentado (3/6) ou doador haploidêntico IV. Regimes de condicionamento e profilaxia da doença do enxerto- contra-hospedeiro Doador Condicionamento Irmão Busulfano HLA idêntico (IV) Profilaxia DECH – 480mg/m2 (dose total) em 4 dias, uma vez ao dia, em 3 horas, de D9 a D-6 Ciclosporina A – 3mg/Kg/dia (IV), início no D-1 (manter níveis 200400 ng/mL) Ciclofosfamida – 200mg/Kg em 4 dias, uma vez ao dia, em 2 horas, de D-5 à D-2 Methotrexate – D+3, 6 e 11 – 10mg/m2 (50mg/Kg/d) Doador não- Busulfano (IV) – 480mg/m2 (dose total) em 4 dias, uma vez ao Ciclosporina A – 3mg/Kg/dia (IV), aparentado dia, em 3 horas, de D-9 a D-6 início no D-1 de MO (manter níveis 200Ciclofosfamida – 200mg/Kg 400 ng/mL) em 4 dias, uma vez ao dia, em 2 horas, de D-5 à D-2 (50mg/Kg/d) Methotrexate – D+3, Timoglobulina (coelho) – 4 6 e 11 – 10mg/m2 x 2,5mg/Kg em 4 dias, de D -4 a D -1 OU Campath – 3 x 0,3mg em 3 dias (D -9 a D -7) de Sangue Busulfano (IV) – 480mg/m2 cordão (dose total) em 4 dias, uma vez ao umbilical dia, em 3 horas, de D-9 a D-6 Ciclosporina A – 3mg/Kg/dia, início no D-3 (manter níveis 200400 ng/mL) Ciclofosfamida – 200mg/Kg Metilprednisolona em 4 dias, uma vez ao dia, em 2 horas, de D-5 à D-2 (50mg/Kg/d) – 1mg/Kg/d Timoglobulina (coelho) – 4 (até D+28) x 2,5mg/Kg em 4 dias, de D -4 a D -1 OU Campath – 3 x 0,3mg em 3 dias (D -9 a D -7) * Profilaxia de GVHD: a ciclosporina será mantida até 9 meses com redução progressiva até a retirada até 12 meses apos o transplante, caso o paciente não apresente sintomas de DECH crônica. V. Particularidades da avaliação pré- e pós-transplante a. Mucopolissacaridoses i. Momento da avaliação Pré-TCTH (até no máximo 2 meses antes do transplante); Pós-TCTH: 6, 12, 24, 36 e 60 meses pós-transplante. ii. História e Exame físico detalhados História de apnéia do sono; Sinais de obstrução de vias aéreas superiores; Rinorreia; Hepatoesplenomegalia; Avaliação das articulações; iii. Exames complementares Medida da atividade da enzima lisossomal alpha-L-iduronidase (IDUA) nos leucócitos; Dosagem urinária de glicosaminoglicanas (GAG) - dermatan sulfato e heparan sulfato; Ultrassonografia de abdome (avaliação de hepatoesplenomegalia); Ecodopplercardiograma (avaliação de hipertensão pulmonar e alterações valvares); Tomografia computadorizada/Ressonância nuclear magnética de crânio; Avaliação da função neurocognitiva (teste neuropsicomotor – MDI mental development index); Avaliação oftalmológica (opacidade corneana; degeneração da retina); Potencial evocado visual (atrofia do nervo óptico); Avaliação otorrinolaringológica; Potencial evocado auditivo; RX de esqueleto; Avaliação ortopédica; Avaliação odontológica b. Adrenoleucodistrofia i. Indicação de TCTH Somente na forma cerebral rapidamente progressiva, com os seguintes critérios: a. Score de Loes < ou = 9 (RNM); b. Avaliação neuropsicológica com QI de performance > ou = 80. ii. Momento da avaliação Pré-TCTH (até no máximo 2 meses antes do transplante); Pós-TCTH: 6, 12, 24, 36 e 60 meses pós-transplante. iii. Exames complementares: Dosagem dos ácidos graxos de cadeia muito longa; Avaliação endocrinológica: cortisol, aldosterona, atividade da renina, ACTH; Eletroencefalograma; Ressonância magnética (com avaliação do Score de Loes); Teste neuropsicológico (Wechsler Intelligence Scale for Children – WISC-III; Wechsler Preschool and Primary Scale of Intelligence) Potencial evocado auditivo; Potencial evocado visual.