V SEMINÁRIO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS: CULTURA, DESIGUALDADE E DESENVOLVIMENTO. 02, 03 E 04 DE DEZEMBRO DE 2015, EM CACHOEIRA, BA, BRASIL. GT 6 – BIOPODER: CORPO, DISCIPLINA E GOVERNAMENTALIDADE. POR UMA EDUCAÇÃO PARA ALÉM DA REPRODUÇÃO: CONTRIBUTO DO PENSAMENTO DE PIERRE BOURDIEU Nadjane Gonçalves de Oliveira Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS Maily dos Santos Santana Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS Edson Luís Gonçalves de Oliveira Universidade do Estado da Bahia – UNEB – CAMPUS V 2 POR UMA EDUCAÇÃO PARA ALÉM DA REPRODUÇÃO: CONTRIBUTO DO PENSAMENTO DE PIERRE BOURDIEU1 Nadjane Gonçalves de Oliveira – UEFS. Maily dos Santos Santana – UEFS. Edson Luís Gonçalves de Oliveira – UNEB – CAMPUS V. RESUMO O presente artigo é resultado de uma pesquisa bibliográfica e tem como objetivo refletir e discutir o contributo que os estudos de Pierre Bourdieu oferecem para compreendermos qual o lugar da educação no campo da organização social do Estado. Para este teórico as culturas e as práticas sociais, com seus mecanismos de produção e manutenção; as relações de força e a produção simbólica, existentes em cada campo na luta por poder e reconhecimento, são preocupações centrais. Concluímos através deste estudo que a escola reproduz a dominação de uma classe que impõe a sua própria cultura, dando-lhe um valor incontestável, configurando o arbitrário cultural dominante, concretizando o papel que a escola desempenha de marginalizar os alunos das classes populares. Dessa forma, concordamos que Bourdieu nos apresenta uma importante contribuição quando afirma que o enfrentamento a essa dominação simbólica, se inicia por levantar essa discussão, seguido de uma tomada de atitude frente a essa inquietante problemática social, sobretudo por acreditarmos que a tarefa fundamental da escola é capacitar os estudantes a compreenderem a natureza do mundo material e social, visando agir sobre ele para alcance dos objetivos individuais e coletivos. Palavras-chave: Bourdieu. Educação. Escola. INTRODUÇÃO É inegável a valiosa contribuição que o renomado sociólogo francês2, Pierre Bourdieu, nos apresenta. Suas obras versam sobre variados temas, conseguindo assim, produzir conhecimentos extremamente importantes à sociedade e para as gerações vindouras. A sua teoria, desenvolvida ao longo de décadas de pesquisa, e com elevado 1 Trabalho apresentado no V Seminário da Pós Graduação em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdade e Desenvolvimento - realizado entre os dias 02, 03 e 04 de dezembro de 2015, em Cachoeira, BA, Brasil. 2 A década de 1960 marcou, principalmente na França, uma insatisfação geral com a escola. O caráter autoritário e elitista do sistema educacional e o baixo retorno social e econômico, advindo dos certificados escolares, frustravam a expectativa das classes subalternas francesas que buscavam obter mobilidade social e econômica a partir da formação escolar (Nogueira & Nogueira, 2004). 3 grau de complexidade, nos traz instrumentos teóricos preciosos que nos permitem analisar e compreender a realidade social. Bourdieu nos apresenta importantes conceitos que compõem toda sua teoria, como conceito de habitus, de campo, de capital, de dominação, de distinção e de violência simbólica. E esse vasto campo de objetos de estudos se constitui em uma característica específica da teoria bourdiana. Ao apropriar-se de Marx3, Bourdieu demarca uma forte presença do paradigma da dominação e das relações de força e conflitos sociais daí gerados, enfatiza rupturas e questionamentos para melhor compreender a luta de classes4. Ele não reconhece a classe teórica como real e efetivamente mobilizada e considera o economicismo reducionismo grave da realidade. Dessa forma, Bourdieu não se propõe a romper com o objetivismo, que ignora as lutas simbólicas que ocorrem nos diferentes campos, adotando a noção de capital, que amplia para outros âmbitos, além do econômico, como o social, o cultural e o simbólico. Bourdieu amplia a concepção marxista de capital, entendendo que este termo não traduz apenas o acúmulo de bens e riquezas econômicas, mas sim, todo recurso ou poder que se manifesta em uma atividade social. Assim, além do capital econômico é decisiva para o sociólogo a compreensão de capital cultural, compreendido naqueles saberes e conhecimentos reconhecidos por diplomas e títulos; O capital social, configurado através das relações sociais que podem ser convertidas em recursos de dominação. Em resumo, refere-se a um capital simbólico (aquilo que chamamos prestígio ou honra e que permite identificar os agentes no espaço social). Ou seja, desigualdades sociais não decorreriam somente de desigualdades econômicas, mas também dos entraves causados, por exemplo, pelo déficit de capital cultural no acesso a bens simbólicos. Quando se apropria dos estudos de Weber5 ele nos traz a noção de representação, em relação ao sentido conferido pelos agentes para suas ações (dimensão 3 Karl Heinrich Marx foi um filósofo, cientista político, e socialista revolucionário muito influente em sua época, até os dias atuais. É muito conhecido por seus estudos sobre as causas sociais. Teve enorme importância para a política europeia, ao escrever o Manifesto Comunista, juntamente com Friedrich Engels, que deu origem ao “Marxismo”, citado adiante. Foi um ativista do movimento operário europeu, no chamado International Workingmen‟s Association (IWA), também conhecido como First International. < http://www.infoescola.com/sociologia/ karl-marx-e-o-marxismo/>. 4 5 BOURDIEU, Pierre, 2001. Maximilian Weberfoi um economista e sociólogo alemão, e é considerado atualmente um dos fundadores do estudo moderno da sociologia e administração pública. Começou sua carreira na Universidade de Berlin, e depois passou para várias outras instituições. Teve grande influência política na Alemanha, sendo um dos negociadores de seu país no Tratado de Versalhes, e membro da comissão que criou a Weimar Constitution, a Constituição do Estado Alemão. Ele foi o responsável pela inserção do Artigo 48 nesta 4 simbólica)6. E nos apresenta também a noção de legitimidade, ou a qualidade de adesão, aceitação e reconhecimento de algo pelos agentes. São aplicadas para a compreensão dos mecanismos de dominação e de seu processo de produção, transmissão e manutenção, na sociedade. Ao apreender os estudos de Durkheim7, Bourdieu retoma a discussão de defesa da constituição da Sociologia como ciência, buscando identificar as “leis objetivas” que orientam a realidade social e atribuindo uma explicação e ordem ao aparente caos da sociedade8. Como a educação é objeto de discussão neste artigo, vale ressaltarmos que o processo educacional não está isento de intenções e motivações, e nesse processo cabe considerar o papel do Estado representado na escola através das ações dos agentes presentes nas dimensões administrativas e pedagógicas e neste ensaio, procuramos refletir a importância da teoria bourdiana para a compreensão do Estado, no que tange a educação, discutindo o papel da escola enquanto reprodutora de uma estrutura coercitiva e dominante, considerando os mecanismos pelos quais a violência simbólica é exercida pela instituição escolar e pelos seus agentes, que infelizmente contribuem para essa legitimação social e para a conservação das estruturas sociais. CONTRIBUTO TEÓRICO E CONCEITUAL Tentaremos aqui apresentar de maneira sistematizada, alguns conceitos importantes para a compreensão do legado teórico deixado por Pierre Bourdieu, sem a pretensão de considerar que apenas esse recorte teórico será suficiente para a compreensão de sua importante obra. constituição, que mais tarde foi usado por Adolf Hitler para reprimir a oposição e conseguir poderes ditatoriais. Até hoje as contribuições de Weber para a política alemã continuam controversas. <http://www.infoescola.com/sociologia/ max-webermaximilian-weber/>. 6 BOURDIEU op. cit. 2001. 7 Émile Durkheim foi um dos responsáveis por tornar a sociologia uma matéria acadêmica, sendo aceita como ciência social. Durante sua vida, publicou centenas de estudos sociais, sobre educação, crimes, religião, e até suicídio. Um dos focos de Durkheim era em como as sociedades poderiam manter a sua integridade e coerência na era moderna, quando as coisas como religião e etnia estavam tão dispersas e misturadas. A partir disto, ele procurou criar uma aproximação científica para os fenômenos sociais. Descobriu a existência e a qualidade de diferentes partes da sociedade, divididas pelas funções que exercem, mantendo o meio balanceado. Isto ficou conhecido como a teoria do Funcionalismo. < http://www.infoescola.com/sociologia/emile-durkheim/>. 8 BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas, 2004. 5 Iniciaremos abordando o espaço social, que para Bourdieu pode ser compreendido como um sistema de posições sociais que se definem umas em relação às outras, que se faz em determinado espaço e tempo físicos, e que tendencialmente se reproduz pela conformação consensual, em geral inconsciente, de seus agentes. Dessa forma, os espaços sociais podem abranger campos distintos, que se inter-relacionam, e assim, cada elemento do campo é considerado um agente, que pertencente a determinado campo partilha de um conjunto de interesses e de capital comum, sem, no entanto, deixarmos de considerar que nesse mesmo campo existem lutas e concorrências oriundas das relações de poder existentes no interior deste campo. O espaço é relacional: “(…) conjunto coexistentes, exteriores umas às outras por por relações de proximidade, vizinhança também, por relações de ordem, como (BOURDIEU, 1996, p. 18) de posições distintas e sua exterioridade mútua e ou de distanciamento e, acima, abaixo e entre”. Vale destacar que todos os campos caracterizam-se por possuírem características próprias, com dinâmicas, regras e capitais específicos e por um grupo dominante e outro dominado, com possíveis gradações intermediárias e conflitos constantes, e definidos de acordo com seus valores internos. Segundo Bourdieu (2008, p. 21), “O habitus é esse princípio gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de práticas”. Ressaltamos que o habitus é ao mesmo tempo coletivo e individual, sobretudo, porque a dominação ocorre nos agentes e nos espaços coletivos, representados pelas instituições. O habitus preenche uma função que, em uma outra filosofia, confiamos à consciência transcendental: é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse mundo , de um campo, e que estrutura tanto a percepção desse mundo quanto a ação desse mundo. (BOURDIEU, 1996, p. 144) Interessante perceber a ênfase que Bourdieu atribui a característica de incorporação do habitus no agente, e segundo ele, essa incorporação dá-se de tal maneira que se torna o próprio agente, tendo em vista que ocorre em um processo de interiorização, reproduzindo, no plano interno do agente, as estruturas externas do 6 mundo. Essa lógica contribui para a reprodução da ordem social, na medida em que esta não pode se dar sem a adesão, o reconhecimento e mesmo a ação dos agentes e instituições envolvidas; porém, este processo se dá de forma sutil, em geral inconsciente por parte dos agentes. E para esclarecer esse pressuposto Bourdieu afirma que A lógica especifica de um campo se institui em estado incorporado sob a forma de um habitus especifico, ou melhor, de um sentido do jogo, ordinariamente designado como um "espírito" ou um "sentido" (“filosófico „litenirio‟; “artístico” etc.”.), que praticamente jamais e posto ou imposto de maneira explicita. Pelo fato de operar de modo insensível, ou seja, gradual, progressiva e imperceptível, a conversão mais ou menos radical (conforme a distância) do habitus originário requerido pela entrada no jogo e consequentemente aquisição do habitus específico acaba passando despercebida quanta ao essencial. (BOUDIEU, 2001, p. 21). De acordo com o referido teórico é preciso conhecer a história, a gênese e as estruturas vigentes na sociedade e em determinado campo em especial, para compreender a constituição do habitus. Em contra partida, compreende-se também que as funções sociais são verdadeiras ficções, tendo em vista que a imagem social é forjada pelo Estado, por meio da representação, e institui-se assim, as funções sociais que, para serem cumpridas, necessitam de adesão do agente ao jogo social. Dessa forma, compreendemos que a constituição do habitus implica em uma dialética entre ele e as significações prováveis percebidas pelo agente, no sentido de que este tenderá a observar na realidade elementos que reconhece e pensa compreender, resultando em práticas que reforçam essa visão de mundo. E para uma melhor compreensão deste conceito, Bourdieu propõe a seguinte fórmula: [(habitus) (capital)] + campo = prática (BOURDIEU, 2007, p.97). Esta formula é compreendida como resultado da relação dialética entre as estruturas e a conjuntura em que elas estão inseridas, sendo intermediada pelo habitus, que se constituí nessa relação dialética, configurando um movimento entre as estruturas e a conjuntura, e entre o habitus e estas estruturas e conjuntura, levando à prática. Nessa dinâmica a prática fundamenta a noção de estratégia, que também pode ser individual ou coletiva, e visa à manutenção, apropriação ou expansão do capital disponível e desejado, sobretudo porque dependem do capital disponível e de seu valor em determinado campo e conjuntura. Entretanto, as estratégias dependem e recorrem 7 aos diferentes tipos de capital. Na teoria bourdiana os campos organizam-se hierarquicamente no interior do campo de poder a partir do capital que se subdividem em capital social, capital cultural, capital econômico e o capital simbólico acrescentado por Bourdieu como sendo “um crédito, é o poder atribuído àqueles que obtiveram reconhecimento suficiente para ter condição de impor o reconhecimento [...].” (BOURDIEU, 2004, p.166). Para o autor o capital simbólico confere poder (simbólico) ou legitimidade ao agente ou grupo que o detém, considerando o reconhecimento dentro de um campo determinado. Todo esse processo desencadeia o que Bourdieu denomina de violência simbólica, que para o teórico é “uma violência que se exerce com a cumplicidade tácita dos que a sofrem e também, com frequência, dos que a exercem, na medida em que uns e outros são inconscientes de exercê-la ou de sofrê-la” (BOURDIEU, 1997, p. 22), sendo exercida por agentes dominantes ou instituições, que estabelecem o que é reconhecido como legítimo dentro do campo. Bourdieu e Passeron (2002, p. 27), ao tratarem do princípio de que a cultura, ou o sistema simbólico, é arbitrário, uma vez que não se assenta numa realidade dada como natural, afirmam que se trata de uma construção social e que a sua manutenção é fundamental para a perpetuação de uma determinada sociedade, através da interiorização da cultura por todos os membros da mesma. Nessa perspectiva, a violência simbólica se expressa na imposição legitimada e dissimulada, através da interiorização da cultura dominante, reproduzindo as relações do mundo do trabalho. Na prática os dominados não se opõem ao seu opressor, considerando que não possuem formação crítica para se perceberem como vítima do processo de dominação, em contra partida, envolvido nesse campo, o oprimido considera a situação natural e inevitável. Corroborando com essa discussão a professora Lúcia Bruno ao estudar o Poder Político e Sociedade9, questiona De onde vem este sentimento hoje tão presente nas consciências, da impossibilidade de engendrarmos a partir de nós mesmos o político? O político aqui entendido como a capacidade de tomarmos decisões, 9 BRUNO, Lúcia. Poder Político e Sociedade: Qual objeto? Disponível em <www.usp.br/prolam/downloads/nespi_023ok.pdf.> 8 apoiados no sentimento de pertencimento a um grupo, a uma comunidade que não seja apenas decorrente de um ou mais aspectos isolados de nossas práticas, mas de um conjunto integrado, ainda que contraditoriamente, de aspectos de práticas compartilhados e que nos definem como humanos? (BRUNO, 1993, p.3). A citada autora pontua que a racionalidade anunciada ou esperada do Estado, carrega consigo o resíduo inevitável da violência e da usurpação que acabou por converter-se em irracionalidade e esta minou as suas bases possíveis de legitimação. Para Bruno (1993, p. 5), atualmente só a manutenção da preeminência da massa pode sustentar esta situação, na qual o Estado, apesar do grau de ilegitimidade que o caracteriza, continua a ser visto como inevitável, quando não, como solução. SISTEMA EDUCATIVO: A ESCOLA E AÇÕES PEDAGÓGICAS Podemos perceber a importância dos estudos de Bourdieu para pensarmos a educação brasileira quando refletimos a cerca da realidade das nossas escolas. Infelizmente ainda temos uma escola a serviço dos interesses de um Estado dominante que não prioriza um projeto social com amplitude para suprir as reais necessidades sociais. A escola efetivada pelos seus agentes não compreende a enorme responsabilidade que possui através da sua função social, sobretudo por não pertencer a um sistema de educação que se proponha formar e capacitar os filhos e filhas das camadas populares, continuando assim por perpetrar as desigualdades sociais que separam a classe dominante das classes dominadas. Podemos comprovar essa perpetuação do poderio do Estado na fala de Carlos Nelson Coutinho quando nos diz que Menos consensual é a constatação de que muitos dos traços dessa formação estatal brasileira ora em crise têm raízes já no início da nossa história. Isso significa que o Brasil se caracterizou até recentemente pela presença de um Estado extremamente forte, autoritário, em contraposição a uma sociedade civil débil, primitiva, amorfa (COUTINHO, 2006, p. 173). 9 Ao traçarmos uma ligação dessa afirmativa com os fundamentos teóricos bourdianos, percebemos que a dinâmica da dominação simbólica é trazida para dentro da escola que dissimuladamente contribui para que essa cultura dominante continue transmitida como tal e dessa forma acaba favorecendo alguns alunos em detrimento de outros. As crianças e adolescentes desfavorecidos são justamente aqueles que não tiveram contato, através da família, com o capital cultural, seja este representado na falta de livros, representações concretas e por não terem ido a lugares e recebido informações facilmente acessíveis aos mais ricos. Considerando esse pressuposto, ao tratarem da ação pedagógica, Bourdieu e Passeron (2013), explicitam que as relações de força presentes na ação pedagógica são consideradas como sendo simultaneamente autônomas e dependentes, e para os autores dependem das relações de força presentes na estrutura social e conseguem constituir-se como instituição autónoma para a reprodução dessa mesma estrutura. A ação pedagógica é exercida pelos membros educados de um grupo social, podendo ser exercida pelas famílias, ou por quaisquer outros agentes mandatados para o efeito. A ação pedagógica reproduz a cultura dominante, reproduzindo também as relações de poder de um determinado grupo social (BOURDIEU e PASSERON, 2013). Dessa forma, os autores chamam a atenção para o fato de a Ação Pedagógica perpetuar a violência simbólica através de duas dimensões arbitrárias: o conteúdo da mensagem transmitida e o poder que instaura a relação pedagógica exercendo-o por autoritarismo. A autoridade pedagógica que visasse destruir a violência simbólica destruiria a si própria, pois se trata do poder que legitima a violência simbólica. Nesse sentido, Nogueira e Nogueira (2004), ao estudarem a obra de Bourdieu destacam que este teórico preocupava-se com os alunos e chamava a atenção para a forma como estes eram vistos pelo sistema educativo Uma das teses centrais da Sociologia da Educação de Bourdieu é a de que os alunos não são indivíduos abstratos que competem em condições relativamente igualitárias na escola, mas atores socialmente constituídos que trazem, em larga medida, incorporada uma bagagem social e cultural diferenciada e mais ou menos rentável no mercado escolar (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2004, p. 18). 10 Assim, pensando a ação pedagógica, Bourdieu e Passeron (2013), afirmam que e trata de “força pura e pura razão” que recorre a meios diretos de constrangimento na imposição de significações, pois, segundo eles pelas relações de força e sua reprodução, o arbítrio cultural dominante tende a ficar sempre em posição dominante, o que origina a ação pedagógica dominante (classes superiores) que tende a impor e a definir o valor do mercado econômico e simbólico à ação pedagógica dominada (classes inferiores). Bourdieu destaca que paradoxalmente só recuperam sua necessidade se os recolocarmos na lógica, puramente sociológica, do campo onde foram gerados e onde funcionaram enquanto estratégias simbólicas nas lutas pela dominação simbólica, ou seja, pelo poder sobre um uso particular de uma categoria particular de signos e, desse modo, sobre a visão do mundo natural e social (BOURDIEU, 2004, p. 174). Nessa perspectiva, os professores constituem uma autoridade frente aos alunos e se tornam legitimadores das mensagens que transmitem, fazendo com que seus alunos recebam e interiorizem as informações, configurando assim, uma reprodução cultural e social da classe dominante. Ressaltamos com isso, que os próprios professores pertencem a esta classe, mesmo sendo também, manipulados pelo sistema de dominação simbólica, tendo em vista que a violência simbólica é estabelecida a partir do momento em que se hierarquizam os cargos na escola, e do mesmo jeito que essa dominação não é natural, esta relação hierárquica de poder também se constitui arbitrária. Segundo Bourdieu e Passeron (2013), toda a ação pedagógica produz uma autoridade pedagógica, operação pela qual concretiza a sua verdade objetiva de exercício de violência. Sem autoridade pedagógica não é possível levar-se a cabo a ação pedagógica, pois estas detêm o direito de imposição legítima de significações. Dessa forma, as representações de legitimidade da ação pedagógica variaram ao longo da história. Assim, toda a ação pedagógica deverá ter como pressuposto a autoridade pedagógica que exercerá um trabalho de inculcação de um arbítrio cultural. Este trabalho de inculcação implica sempre o exercício de violência simbólica por parte da autoridade pedagógica. 11 Sendo a escola o espaço de formação intelectual e social dos sujeitos, citamos Mendes (1983), quando este nos apresenta questionamentos extremamente importantes para refletirmos sobre a função social da educação Se se pode promover uma sociedade com cem ou mil pessoas exercendo o papel ditatorial, por que educar dez milhões ou cem milhões, para exercer a democracia? Se o “desengrossamento” do povo, até a limpidez é tão dispendioso e “incerto”, por que não admitirmos a meia-educação? (MENDES 1983, p. 58). A escola é um dos importantes lugares onde o conhecimento deve ser transmitido de forma democrática para todos, entretanto, infelizmente termina por enfatizar as diferenças e reforçando o sentimento de incapacidade nas crianças e adolescentes que não detêm capital cultural equivalente aos dos filhos e filhas pertencentes à elite dominante. Dessa forma, mesmo não se lançando diretamente a estudar o universo da escola, uma vez que seu foco de estudo era a análise do social e dos aspectos relacionais da vida em sociedade, os conceitos10 de Bourdieu nos auxiliam a refletir sobre as instituições educacionais e sobre as experiências dos agentes sociais quanto aos fatores influenciadores para o êxito escolar, sobretudo porque a escola não se encontra neutra em relação à configuração social preexistente. BREVES CONSIDERAÇÕES Somos cientes quanto ao fato dos estudos de Bourdieu corresponderem a um sistema de ensino francês, com especificidades culturais, históricas e políticas diferenciadas do contexto brasileiro, entretanto, identifica-se claramente em seus estudos a existência de elementos em comum com a realidade educacional em nosso país, considerando também a pertinência teórica dos seus estudos, uma vez que a sociologia da educação crítica elaborada por Bourdieu atribui à escola papel destacado como dispositivo a serviço da manutenção e legitimação de privilégios sociais. Infelizmente na sociedade brasileira, o conteúdo transmitido nas escolas é aquele que interessa à perpetuação da hegemonia cultural da classe dominante, ainda hoje a realidade do sujeito branco, urbano e economicamente bem sucedido é transmitida de 10 A reprodução (BOURDIEU & PASSERON, 2013); Escritos de Educação (BOURDIEU, 2014). 12 forma natural e nessa perspectiva, Bourdieu considera os agentes do campo educacional de extrema importância para a efetivação da democracia, entretanto, para este estudioso, essa efetivação só poderá acontecer através da ação de um contra poder reivindicado pelos intelectuais, os quais o autor considera de “primeira grandeza”. Através dos estudos de Bourdieu apreendemos que a violência simbólica pode ser exercida por diferentes instituições da sociedade, a exemplo do Estado, da igreja, da mídia e da própria escola, etc. Nessa perspectiva, importante se faz perceber que a educação, no entanto, está no centro desta discussão e que é através da educação que o indivíduo poderá ser capaz de perceber a violência simbólica que o envolve e poderá oportunizar o protagonismo de tornar-se um ator social que contraponha a sua legitimação. Em meio a toda essa complexidade a escola configura-se como o principal agente educacional da sociedade contemporânea e, de maneira lamentável continua enfrentando barreiras histórico-politica e social, no que diz respeito a contribuir com a formação crítica de sujeitos que sejam autônomos na construção de suas identidades e que promovam ações emancipatórias, sendo agentes de uma realidade que se contraponha ao que está imposto por um Estado dominador e coercitivo, que impõe padrões e controle através dos seus aparelhos. Os estudos de Bourdieu são imprescindíveis para pensarmos um processo de mudança no papel das instituições, e assim, discutirmos a ruptura de uma escola que não esteja a favor da manutenção do poder do Estado e da legitimação da sua violência simbólica, favorecendo a disseminação de agentes ideologicamente dominados, e sim, que haja um investimento na construção de uma escola a favor das classes menos favorecidas, uma escola que esteja para além da reprodução. Ele defende um tratamento igualitário para aqueles que são diferentes e enfatiza que a educação deve possibilitar a todos as mesmas oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, tendo em vista que a escola não pode ignorar as desigualdades existentes na escola, considerando que agindo dessa forma poderá favorecer ainda mais os já favorecidos. 13 REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Lean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Tradução de Reynaldo Bairão. 6ª Edição. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2013. BOURDIEU, Pierre. Meditações pascalianas. Tradução Sergio Miceli. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2001. ______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Tradução: Mariza Corrêa. Campos, SP: Papirus, 1996. ______. Escritos de educação. NOGUEIRA, A. M e CATANI, A. (Orgs.). 15ª Edição – Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. ______. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007. ______. Coisas ditas. 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