37 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) A VIOLÊNCIA NO PROCESSO EDUCACIONAL BRASILEIRO E SEU CONTRAPONTO: UMA EDUCAÇÃO LIBERTADORA PRAÇA, Marco Aurélio Martins 1 RESUMO O processo educacional realizado em espaço formal, isto é, dentro das salas de aulas, desafortunadamente poderá apresentar características de violência durante seu desenvolvimento. Ao tratarmos da educação brasileira, observando os seus primeiros registros escritos em meados do século XVI, o ensino jesuítico apresentase como algo absolutamente imposto, frente à proibição ou total exclusão de quaisquer culturas educacionais já existentes e praticadas pelos índios, isto é, de maneira violenta implantou-se uma nova didática, com novos conteúdos em completa substituição à cultura vigente, proibindo-se a prática anterior e principalmente suprimindo de maneira violenta qualquer discordância do novo conteúdo proposto. Tempos depois, em pleno século XX, observa-se também uma educação com forte cunho autoritário, onde o processo. Esta educação imposta, prescrita, dissertada e que não permite nenhuma participação do aluno, é descrita por Paulo Freire como uma “educação bancária”, sendo ela um instrumento de força, e, portanto, violência. Uma educação libertadora mostra-se como contraponto desse processo violento. Assim o objetivo deste artigo é identificar não somente as características violentas que o processo educacional poderá conter, mas também a visão inversa e sua importância na efetividade e principalmente na construção da autonomia do sujeito. Para tanto, o trabalho foi realizado a partir de pesquisa bibliográfica, de caráter descritivo e análise qualitativa do discurso. Palavras Chave: Autoritarismo. Educação. Violência. Pedagogia. Libertadora. ABSTRACT The formal educational process in space, that is, within the classroom, unfortunately may display characteristics of violence during their development. When dealing with Brazilian education, watching their first records written in the mid-sixteenth century, the Jesuit teaching is presented as absolutely tax front prohibition or total exclusion of any existing and practiced by indigenous educational cultures, ie violently implanted a new teaching with new content on complete replacement to the current culture, forbidding the previous practice and especially violently suppressing any 1 Mestre em Educação e Sociedade pelo ISCTE de Lisboa-Portugal, Professor do Curso de Pedagogia e Administração da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora Aparecida – UNIESP Sertãozinho-SP e Coordenador do Curso de Pedagogia da mesma Instituição. E-mail: [email protected] http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 38 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) dissent from the proposed new content. Later, in the twentieth century, we also observed an education with a strong authoritarian nature, where the process. This education imposed, prescribed, dissertada and do not allow any student participation, is described by Paulo Freire as a "banking education", it is an instrument of force, and therefore violence. A liberating education shows up as a counterpoint this violent process. Thus the aim of this paper is to identify not only the violent characteristics that the educational process can contain, but also the inverse vision and its importance to the effectiveness and mainly in the construction of the autonomy of the subject. To this end, the work was done from bibliographic research, descriptive and qualitative discourse analysis. Key-words: Authoritarianism. Education. Violence. Pedagogy. Liberating. INTRODUÇÃO Entender o modelo pedagógico praticado em um determinado país, obriganos a entender não apenas a história da educação, mas também a história propriamente dita desse país. O Brasil, com toda sua heterogeneidade biológica e cultural, possui em sua história da educação formatos e objetivos diferentes, de acordo com sua época e seu processo histórico. Consideramos o início da história do Brasil o advento dos portugueses à realidade do novo continente, pois entende-se Brasil essa miscigenação e junção de culturas e costumes nunca antes registrado em tamanha diversidade. Essa configuração nos dava uma ilha Brasil, prefigurando no chão da América do Sul, o que viria a ser o país Brasil. Não era, obviamente, uma nação porque eles não se sabiam tantos nem tão dominadores. Eram tão só uma miríade de povos tribais, falando línguas do mesmo tronco, dialetos de uma mesma língua, cada um dos quais, ao crescer, se bipartia, fazendo dois povos que começavam a se diferenciar e logo se desconheciam e se hostilizavam (RIBEIRO, 2011, p.26). No momento anterior à invasão portuguesa, cá no novo mundo, já tínhamos milhões de pessoas vivendo sob um arcabouço social, uma religiosidade, diversos idiomas e, portanto, possuíam um processo educacional puramente oral, que perpetuava essa cultura. http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 39 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) Se deixados ao seu destino, talvez alguma tribo de maior autonomia pudesse fazer-se reinante em todo o território. Todavia, com o surgimento do protagonista europeu, mudou-se o destino desse povo. A política de colonização e exploração do europeu ditou a tentativa, muito próxima do sucesso, de dizimar a cultura indígena e obrigar uma forma educacional, que tentava unificar a língua, a religião, a forma de pensar de um continente diverso e, por isso, complexo por sua diversidade. Os períodos se sucederam e os objetivos educacionais se alteraram, contudo a educação como ferramenta de autonomia, liberdade e valorização da identidade de um povo, talvez nunca chegou a ser prioridade no Brasil. Ao final da primeira matriz educacional que se instalou no Brasil, a cristã com seu ensino jesuítico, a segunda matriz, o pombalismo, surge com suas críticas e alterações. Contudo os novos objetivos, criados, da e para, a elite política portuguesa, novamente deixa o real interessado numa educação libertadora a ver navios, ou caravelas. Já em meados do século XX poderemos observar novo projeto educacional colocado à serviço de uma classe dominadora, o tecnicismo, que trabalhou com toda sua propaganda social para deixar a plenos pulmões a real prioridade do governo militar que dominou o Brasil nos anos de chumbo, o desenvolvimento econômico e perpetuação do poder militar, deixando mais uma vez a autonomia e liberdade, praticadas e conquistadas com o uso de uma educação libertadora, como algo proibido. O presente trabalho tem com objetivo identificar as características violentas desde o momento em que esta educação se instalou e se desenvolveu, inicialmente com o ensino jesuítico, passando pelo período militar e alcançando os dias atuais. A pesquisa foi realizada por meio de revisão literária de caráter descritivo e análise do discurso por meio de abordagem qualitativa, buscando entender como os métodos violentos introjectados no processo de ensino-aprendizagem perpassam os períodos citados da história da educação brasileira, suas causas e suas consequências para educadores, educandos e sociedade. A imposição da cultura, costumes e religião europeia, através de um processo educacional imposto violentamente pelos seus ditames dogmáticos e violência física, encontram eco já em pleno século XX com a empreitada militar do regime ditatorial que assombrou o país entre as décadas de 60 e 80, também impregnando as salas http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 40 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) de aulas de conceitos enrijecidos pelos interesses de um governo, que proibia seus docentes e alunos, de pensarem com liberdade. Dessa forma, a matriz liberal, que anteriormente postou-se como evolução da matriz cristã, mostrou-se também ineficaz, também violenta. A liberdade pretendida implica fundamentalmente em conscientização de realidade e posição do sujeito em sua sociedade. Estes fatores eram e são pontos rejeitados pelos grupos, políticos ou economicamente, dominantes, pois a conscientização e consequente autonomia do sujeito implicam quase que automaticamente em término da opressão ou dominação. Esta postura crítica inaugura um novo segmento da história da educação do Brasil, uma matriz crítica, que propõe analisar o percurso das matrizes anteriores, barrando os tropeços e fomentando os avanços, na busca de uma educação que permita a autonomia do indivíduo: uma educação libertadora. Construir ou resgatar a consciência social e política do indivíduo deve ser o objetivo principal do processo educativo, e a observação crítica dos acontecimentos que permearam a fundamentação da educação, durante toda a história do Brasil, podem ajudar na configuração de um processo, que permita maior democracia na condução da educação. O INÍCIO DA EDUCAÇÃO FORMAL NO BRASIL E SEUS ASPECTOS VIOLENTOS Quando as caravelas de Cabral levantaram-se no horizonte do nordeste brasileiro, algo grandioso estava para acontecer no novo mundo, não necessariamente algo bom, positivo ou maravilhoso, mas grandioso seguramente. A substituição de valores, a instalação de uma nova sociedade, não apenas em caráter físico, com suas cidades e centros de estratificação, mas principalmente a maneira como a Europa invade o pensar do novo continente, muda os rumos históricos e sociais de um povo que já existia, e dessa forma, já possuía uma história de vida, cultura e educação. Esta substituição de valores, lamentavelmente se fez de maneira imposta, prescrita e, portanto, violenta. Em 1549 os jesuítas chegam ao Brasil, chefiados pelo padre Manoel da Nóbrega, que inaugura a educação formal à sua maneira, isto é, marcada e http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 41 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) recheada de conceitos, ideias e práticas religiosas. A educação desta forma tinha por principal objetivo ser um meio de cristianização dos “selvagens”, deixando para segundo plano os objetivos educacionais propriamente ditos, e para nenhum plano, a finalidade de contribuição social ou proteção da cultura ou identidade daquela população, pois como afirmou o rei de Portugal Dom João III “Porque a principal coisa que me moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse a nossa santa fé católica, de modo que os gentios possam ser doutrinados e ensinados nas coisas de nossa santa fé” (SAVIANI, 2011, p.25). O politeísmo, o idioma, os costumes que perpassaram toda a vida daqueles nativos, não estiveram nos planos educacionais daquele momento, reduzindo toda essa cultura à uma simples memória que não devia ser consultada, para dar lugar a novos costumes, nova religião, novo idioma, nova cultura e uma nova vida. O não diálogo e a maneira impositiva desse novo olhar, fundamentou-se de forma caracteristicamente violenta. Não apenas os jesuítas impuseram sua verdade absoluta e dogmática, mas governadores de capitanias e políticos de Lisboa também olhavam o Brasil como uma terra a ser mandada. É possível ilustrar como exemplo de dogmatismo e intransigência, a “política dos diretórios” decretada por Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal em 1757, que determinou o uso do português como língua obrigatória nas comunidades rurais e pelas populações indígenas, tendo por finalidade transformar os índios em colonos, como mão de obra assalariada. Essa lei, além de “obrigar” os índios a falarem o novo idioma, também os obriga, em sentido contrário a não mais falarem seus idiomas originais. Sendo esta lei imposta, mostra-se, portanto, violenta. As determinações e atos violentos, contudo, não se restringem apenas ao processo educativo e aculturamento de um povo dito “sem cultura”, mas também no plano associativo, isto é, no que concerne aos modos de organização da vida social e econômica, com o objetivo de se estabelecer núcleos de “civilização” na nova terra. Os portugueses tomaram providências como: Introdução da escravatura indígena, logo substituída pelo tráfico de escravos africanos, que permitiu aos setores mais dinâmicos da economia prescindir da população original no recrutamento de mão de obra (RIBEIRO, 2011, p.68). http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 42 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) É possível vermos, através dessa citação do professor Darcy Ribeiro, que o processo de imposição de uma nova cultura não limitou-se apenas à educação formal, mas derramou-se por todo e qualquer assunto da vida do homem nativo. No plano ideológico, ou seja, o relativo às formas de comunicação, ao saber às crenças, à criação artística e à autoimagem étnica, também aconteceram alterações obrigatórias, tais como: Uma Igreja oficial, associada a um estado salvacionista, que depois de intermediar a submissão dos núcleos indígenas através da catequese impõe um catolicismo de corte messiânico e exerce um rigoroso controle sobre a vida intelectual da colônia, para impedir a difusão de qualquer outra ideologia e até mesmo do saber científico (RIBEIRO, 2011, p.69). Particularmente, este período de “descobrimento” trouxe em seus anos e personagens características e particularidades que de alguma forma fomentou a violência propriamente dita, antes mesmo da violência intelectual que este artigo se refere. Segundo o professor Darcy Ribeiro: A atuação mais negativa dos jesuítas, porém, se funda na própria ambiguidade de sua dupla lealdade frente aos índios e à Coroa, mais predispostos, porém, a servir a esta Coroa contra índios aguerridos que a defendê-los eficazmente diante dela. Isso, sobretudo no primeiro século, quando sua função principal foi minar as lealdades étnicas dos índios, apelando fortemente para o seu espírito religioso, a fim de fazer com que se desgarrassem das tribos e se atrelassem às missões. A eficácia que alcançam nesse papel alienador é tão extraordinária quanto grande a sua responsabilidade na dizimação que dela resultou (RIBEIRO, 2011, p.51). As intenções talvez nunca tenham sido exclusivamente educacionais. Quando chegaram, os portugueses, com suas caravelas e um mundo novo, foram recebidos de forma generosa pelos índios, pois a generosidade é parte do alicerce da cultura indígena: “mesmo porque, no seu mundo, mais belo era dar que receber” (RIBEIRO, 2011, p.38). O mesmo autor, também complementa, afirmando que mais tarde, com a destruição das bases da vida social indígena, a negação de todos os seus valores, o despojo, o cativeiro, muitíssimos índios deitavam em suas redes e se deixavam morrer, como só eles tem o poder de fazer. Morriam de tristeza, certos de que todo o futuro possível seria negação mais horrível do passado, uma vida indigna de ser vivida por gente verdadeira. http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 43 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) A imposição cultural extrapola os ambientes da educação formal e destrói não apenas a cultura do índio, mas também sua identidade, sua consciência. Por estes pontos de vista, podemos observar um cenário de imposições e prescrições, onde a desobediência era punida, e por isso, podemos concluir que este início de educação formal brasileira mostrou-se violento, pois impediu aqueles que aqui estavam de discordar, debater, viver, falar ou mesmo pensar de maneira diferente, oprimindo pessoas e enrijecendo mentes, na busca da impregnação de uma verdade absoluta, que poderia até conter informações importantes, contudo, oferecida sob aquela forma de ensino, tira a consciência, rouba a identidade, impede a existência. Após esse período de matriz cristã, que deu início propriamente dito à educação formal no Brasil, com a chegada do Marquês de Pombal, deu-se sua substituição por nova matriz, a liberal, que ao instalar-se critica e combate determinadas práticas jesuíticas, estabelecendo novas regras e desenvolvendo o processo educacional de forma diferente. Contudo novos problemas surgiram, novas ou ao menos diferentes formas de opressão continuam instaladas no processo de ensino da educação formal. As reformas pombalinas tinham caráter mais qualitativo que quantitativo e tinham como principal objetivo formar uma escola útil aos fins do Estado em substituição àquela que servia aos interesses eclesiásticos. Desta forma, era norma instituir umas poucas escolas bem aparelhadas e voltadas para setores estratégicos, antes que multiplicar o seu número. Agora, com a estatização do ensino, o conteúdo a ser tratado passava obrigatoriamente pela Real Mesa Censória, que regulava o que poderia ou deveria ser ensinado e censurava livros. O isolamento cultural do Brasil era evidente e tinha por principal motivação evitar ideias emancipacionistas que por ventura algum estudioso pudesse ter. Mais uma vez, o processo de ensino e aprendizagem é colocado nas salas de aula como algo imposto, obrigatório, sob a égide de alguma classe dominante, que antes era a jesuítica, e neste momento posterior o Estado. Independentemente de quem conduzisse a educação, ela seria sempre tratada com características violentas, pois era imposto e descartado verdades de acordo com interesses próprios. E sempre de maneira violenta. http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 44 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) A INEXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA DO POVO BRASILEIRO E SUAS CONSEQUÊNCIAS A história do Brasil e suas características influenciam diretamente a história da educação do Brasil. As práticas, ou mesmo não práticas políticas e culturais afetam diretamente o desenvolvimento da educação no país. A colonização brasileira possuiu forte cunho predatório e teve por base a exploração econômica, onde o poder do senhor zelava desde as terras até às gentes e o trabalho escravo. Dentre outros pontos históricos, o Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravatura, levando esse episódio em conta, percebemos um país com uma grande marca autoritária e, portanto, violenta. Desde a época do descobrimento, o Brasil viu-se em meios de alguém que manda e outro que obedece, não contemplando, pensando ou exercendo em nenhum momento de sua história qualquer autonomia. O trabalho escravo, primeiro nativo e depois africano, não teria criado condições necessárias ao desenvolvimento de uma mentalidade permeável, flexível, característica do clima cultural democrático, no homem brasileiro. “Teria sido a experiência de autogoverno, de que sempre, realmente, nos distanciamos e quase nunca experimentamos que nos teria propiciado um melhor exercício da democracia” (FREIRE, 2011, p.90). Os grandes latifundiários se apropriavam de terras e de gentes que ali trabalhavam, que sentiam-se protegidos pelos seus senhores e desta forma acostumavam-se à obedecer, ou seja, uma fase de “mandonismo” e de “protecionismo”, que se por um lado protegia, por outro domesticava e extinguia a identidade do indivíduo. É neste ponto que percebemos que essa cultura de dominação transborda-se para a escola, para o processo didático praticado nas salas de aulas brasileiras. Naquelas raízes que se estabeleciam fundamentalmente paternalistas, surgia por consequência o “mutismo”. As sociedades a que se nega o diálogo – comunicação – e, em seu lugar, se lhes oferecem “comunicados”, resultantes de compulsão ou “doação”, se fazem preponderantemente mudas. O mutismo não é propriamente inexistência de resposta. É resposta a que falta teor marcadamente crítico (FREIRE, 2011, p.93-94). http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 45 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) Os latifundiários que comandavam toda sua micro sociedade e os seus homens, com o argumento de protegê-los estabeleciam regras rígidas, onde ficava subentendido que a crítica, a contra-argumentação ou discordância de quaisquer resolução do patrão não seria aceita, fato este que facilitava aos proprietários de terras e de homens a os conduzirem com rédeas curtas. Essa forma de opressão ganhas as salas de aula e o professor, afim de colocar suas verdades e evitar discussões, assimila esta forma de proceder, colocando em seu processo de ensinoaprendizagem todo o rigor do mandar, deixando aos alunos a única via permitida: obedecer. O mutismo toma conta então não apenas das ruas e do costume do brasileiro, mas também instala-se nas escolas. Alunos mudos que apenas obedecem, aprendem, quando aprendem, todo o material ali imposto pelo professor, contudo não aprendem a argumentar e criticar, sendo este ponto um enorme prejuízo em sua missão de construir uma autonomia, capaz de formar um cidadão livre no futuro que consiga se autogovernar. Não há autogoverno sem dialogação, daí ter sido entre os brasileiros, desconhecido ou dele termos raras manifestações. Em muitas nações europeias, as sociedades evoluíram, desde seus primórdios, sob um regime de senão democracia, mas de vivência política, já entre os brasileiros, pelo contrário, o que predominou foi o mutismo do homem. Mutismo à sua vida política, à sua vida social, à sua educação. Mutismo imposto, e portanto, violento. Não há então, vivência da participação popular na política. Uma consciência dominadora afasta a possível criação e manutenção de outra consciência, essa mais livre e criadora, indispensável às sociedades democráticas, autônomas, que permitem ao cidadão o autogoverno, a autonomia. Essa cultura de mandonismo que acompanha a história do país chega e se instala nas salas de aula, não permitindo que o indivíduo pratique a democracia, pratique a participação popular em questões de ordem pública, ou mesmo em decisões individuais. Esse hábito trouxe ao país uma inexperiência democrática que amarra o processo educativo em um cais de formalidades e burocracias, impedindo a implantação de uma educação democrática, que proponha a liberdade de argumentação e crítica aos alunos e professores. http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 46 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) Essa inexperiência democrática talvez tenha ajudado a conduzir a história do Brasil a um dos seus capítulos mais sombrios, a Ditadura Militar, que assolou o país e também suas salas de aula entre os anos de 1964 a 1985, praticando e deixando marcas de violência em sua educação. A EDUCAÇÃO TECNICISTA PRATICADA NOS ANOS MILITARES DO BRASIL Com o advento do regime militar, o lema positivista “Ordem e Progresso” inscrito na bandeira do Brasil metamorfoseou-se em “Segurança e desenvolvimento”. Guiando-se por esse lema, o grande objetivo perseguido pelo governo dito revolucionário era o desenvolvimento econômico com segurança (SAVIANI, 2011). Mais uma vez a educação ou um projeto educativo não era prioridade, e desta vez nem ao menos enunciado como prioridade. Se até então a educação era tratada como algo prioritário e as críticas recaíam sobre o tipo de educação praticada e seus objetivos, agora, no período militar, o projeto educativo deixa mesmo de ser colocado como algo primado, deixando lugar para o desenvolvimento econômico. No entanto, não se é possível desvincular a educação de um povo de quaisquer outros assuntos de Estado, isto é, para elaborar-se e instalar-se qualquer objetivo sociopolítico, é imprescindível que coloque-se um projeto educativo, se não prioritário, ao menos como instrumento fundamental. Diante do objetivo do desenvolvimento econômico e “segurança”, essa apenas para a classe políticodominante enquanto o terror assombrava todo e qualquer cidadão que ousasse discordar de qualquer ditame dos generais, um entrave a ser removido eram os altos índices de evasão e repetência, além da baixa produtividade do ensino e também o reduzido índice de atendimento da população em idade escolar. O então governo brasileiro era próximo ao governo americano, e este estreitamento de relações político-econômicas; trouxeram para o Brasil empresas internacionais, com seu modelo organizacional, que necessitavam de mão de obra preparada. Esta nova necessidade, acaba por ditar a tendência pedagógica da época, e dessa forma, instala-se no Brasil uma linha pedagógica que treina, que prepara o indivíduo ao trabalho do futuro que se aproxima, e de preferência o anula culturalmente, proibindo-o ou ao menos desencorajando-o, a refletir ou buscar http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 47 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) quaisquer possibilidade de autonomia, formando obrigatoriamente e portanto de maneira violenta, não mais um estudante, mas um futuro funcionário da indústria. A anulação da capacidade crítica, argumentativa e consequente autonomia do sujeito, mostra que a educação novamente tinha objetivos diversos, menos o de preservar a identidade do povo. Difundiram-se, então, ideias relacionadas à organização racional do trabalho, ao enfoque sistêmico e ao controle do comportamento que, no campo educacional, configuram uma orientação pedagógica que podemos sintetizar na expressão pedagogia tecnicista (SAVIANI, 2011, p.369). Contudo, alguns professores e intelectuais da época, entendendo que esse modo pedagógico atendia as necessidades da economia e do desenvolvimento político do então governo militar, mas não atendia pressupostos importantes da educação, tais como a liberdade de pensamento e expressão entre tantas. Tentam indicar um outro caminho àquelas tendências tecnicistas, automatizantes e porque não dizer alienantes. Nesse cenário, haviam duas posições contraditórias : De um lado, a demanda dos jovens estudantes ou postulantes a estudantes universitários e dos professores que reivindicavam a abolição da cátedra, a autonomia universitária, mais verbas para desenvolver pesquisas e mais vagas para ampliar o raio de ação da universidade; e de outro, a demanda dos grupos ligados ao regime instalado com o golpe militar de 1964 que buscavam vincular mais fortemente o ensino superior aos mecanismos de mercado do capitalismo internacional (SAVIANI, 2011, p.374). Estes professores, que defendiam a educação como instrumento de autonomia e liberdade, buscavam uma linha pedagógica que fosse alternativa àquela, que mostrava-se violenta por ser obrigatória. Buscavam também e principalmente, uma linha pedagógica que se contrapusesse aos objetivos e ditames do Estado militar. Se o governo suprimia a democracia polícia, os anseios buscavam a democracia em sala de aula, se a educação “oficial” minimizava a importância dos argumentos do povo, aqueles professores sugeriam uma educação que ouvisse as experiências e participação dos alunos, se o governo ditador impedia a liberdade, essa educação proposta colocava a autonomia do sujeito e sua liberdade como seu principal objetivo. http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 48 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) EDUCAÇÃO REACIONÁRIA, EDUCAÇÃO BANCÁRIA Poucas coisas são tão violentas quanto um processo pedagógico que, ao invés de buscar a liberdade dos seus atores, busca sim a anulação de suas consciências. Impedir que um indivíduo possa entender a realidade que o circunda, ou ainda desencorajá-lo a qualquer tipo de análise mais profunda de todo assunto colocado à sua mesa, foi,e por muitas vezes ainda é, o principal objetivo de uma educação opressora. Usada nos dois períodos citados nos parágrafos anteriores, esta ferramenta de alienação ainda se faz presente nas salas de aula dos nossos dias. À esta educação que oprime, que esteriliza, e que impede a construção da consciência, Anísio Teixeira chama de educação reacionária, pois toda ela é composta por homens reacionários, que presos ao passado, não entendem e portanto não aceitam o novo, o contrário, o diferente, pois julga o reacionário que toda vez que lhe renovam as roupas ou os pensamentos ele irá perder qualquer coisa. A função dessa escola é “suplementar, com algumas informações dogmáticas, uma educação que o lar e a comunidade ministravam ao indivíduo, em uma ordem, por assim dizer, estática” (TEIXEIRA, 2007, p.45). Dogmatismo do conceito e imobilidade do conhecimento, esta é a tônica de uma educação que busca a alienação e supressão de todas consciências. Todas, porque inconsciente é o aluno, produto desse projeto infértil, contudo inconsciente também é o professor que participa desse jogo de imposições e obediências irrefletidas. Trata-se, nesse processo educativo, por muitas vezes estranho ao mundo do aluno, o conhecimento como algo parado, estático, que não pertence ao ouvinte, que está ali apenas para mostrar o talento intelectual do professor, ou no máximo fazer o aluno ser aprovado nas provas. Nas linhas a seguir, o professor Anísio Teixeira nos mostra o grito do reacionário, ao ver ou, ao simplesmente perceber a aproximação do novo: As escolas passam, com efeito, por transformações alarmantes. A velha autoridade dos mestres já não é a mesma, se é que existe ainda. A própria autoridade dos livros começa a ser posta em dúvida. Há, pelo menos, uma porção de livros, e de opiniões adversas – todos sendo igualmente compulsados e lidos. Critica-se tudo e tudo se questiona. Nada é sagrado (TEIXEIRA, 2007, p.28). http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 49 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) É possível observarmos acima, o trecho que traz a luta que o reacionário descrito por Teixeira trava para não perder a sua forma de “ensinar”, e assim manter as consciências submersas. A esta educação incólume, outro pesquisador se levanta, descrevendo-a em todas as suas faltas. Paulo Freire denomina-a de educação bancária. A mesma linha de crítica aproxima os dois autores acima citados. Vejamos agora as descrições trazidas no livro Pedagogia do Oprimido, que de acordo com Freire (2011), quanto mais analisamos as relações educadoreducandos, na escola, em qualquer de seus níveis (ou fora dela), parece que mais nos podemos convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e marcante – o de serem relações fundamentalmente narradoras e dissertadoras. O professor concebe a sala de aula como uma espécie de oratório, onde somente ele comunica os “saberes” aos demais, que deverão apenas ouvir. Narração de conteúdos que, por isso mesmo, tendem a petrificar-se ou a fazer-se algo quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da realidade. Narração ou dissertação que implica um sujeito, o narrador, e objetos paciente, ouvintes – os educandos (FREIRE, 2011, p.65). O conteúdo morto, assim o é porque lhe é vetada a possibilidade de discussão, e dessa forma assume um caráter dogmático, interessante apenas àqueles que não o querem ver crescer ou mudar de rumo, pois a atual situação de alguma forma o favorece. Aos demais atores dessa relação de opressão, caberá apenas aceitar e obedecer o conteúdo colocado pelo professor, imposto na verdade, sem contestação, sem ao menos ter a chance de observá-lo por um ângulo diferente. Os alunos que assim ousarem fazer serão taxados de maus alunos, agitadores que não aceitam agradecidamente, o valioso conteúdo que bondosamente lhes é dado, pelo inquestionável dono do saber, o professor. Essa incontestabilidade, somada com a posição de único protagonista da relação de ensino-aprendizagem, coloca a aula expositiva como única forma didática, e disto resulta um processo de ensino-aprendizagem violento, pois em nenhum momento considera a opinião do aluno, chegando a julgá-lo absolutamente ignorante, desprezando toda e qualquer experiência que ele posa ter trazido de sua casa, de seu mundo. http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 50 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) As informações colocadas pelo professor tem por único objetivo, encher cada vez mais a cabeça “vazia” do aluno, e ainda, será taxado como excelente professor aquele que conseguir preencher ao máximo as aulas e a cabeça/vasilha dos alunos com seus conteúdos ensaiados e proibidos de discussão. Ao mesmo tempo, será destacado como melhor aluno, aquele que conseguir memorizar a maior quantidade de informação possível, sem contestá-la, sem perder tempo de pensá-la de maneira distinta àquela apresentada pelo professor. O produto dessa forma de educar será jovens desacostumados a reflexão, porque esta lhe é desencorajada pela educação bancária. Alunos que não criticam e não argumentam desde jovens, jamais assumirão a postura de adultos perguntadores, críticos e argumentadores. A liberdade de pensamento, expressão e escolha não lhes parecerá importante para a vida futura, pois como se acostumaram a fazer, deixarão todos esses direitos nas mãos de outrem, isto é nas mãos dos opressores, que violentamente surrupiam deles estes e o mais importante de todos os direitos, o de serem livres. UMA EDUCAÇÃO LIBERTADORA Se a educação anterior não permite a construção de consciência, seja do aluno, seja do próprio professor, o problema, ou como chamou Paulo Freire a “enfermidade” deve estar em suas características, em seus componentes (FREIRE, 2010). A fundamentação de toda a prática de uma educação bancária é feita sobre a narração, sobre a dissertação. Narrativas e dissertações feitas por um único personagem do processo, o professor, que trás a imagem do detentor do saber que vem doar aos ignorantes sua dose de “sabedoria”. Toda e qualquer experiência que o aluno possa ter trazido para a escola, é desprezada, ignorada. Ora, se apenas o professor fala, dá-se um monólogo por vezes sonolento, que perpassa toda a aula, que quase sempre é dissertativa. Se essas e demais características já citadas nas linhas anteriores caracterizam uma educação que não permite a construção de consciência da realidade que circunda o aluno, será lógico que características contrárias possam produzir efeitos diferentes. http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 51 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) Em uma educação libertadora será imprescindível o diálogo entre o professor e o aluno, entre o aluno e o professor, entre o aluno e o aluno, isto é, todos poderão participar da “conversa”, expondo suas ideias e interpretações do assunto colocado. Não se trata aqui de um diálogo comum, costumeiramente desenvolvido por todos, desinteressadamente e sem propósito, mas um diálogo onde todos os interlocutores escutam com grande atenção o que o outro está dizendo, atenção essa capaz de gerar comentários e críticas sobre o que se acabou de ouvir. Esse diálogo possui objetivo claro, a reflexão acerca do objeto proposto ao estudo. A partir dessa reflexão, será possível, através da liberdade colocada para ambos atores do processo de atuar, o treinamento inicialmente da reflexão, e posteriormente da argumentação e criticidade. Todo esse arcabouço de ações culminará em consciência, despertando em quem não a possui ou lapidando em quem já a trouxe para a carteira da escola. Esta consciência não servirá apenas para o trato dos assuntos acadêmicos, mas principalmente para a vida social. Se o conhecimento não é testado pela discussão, não é repensado, refletido pelo sujeito, terá sempre seu tamanho, será petrificado. Contudo se for possível a problematização de cada tema colocado pelo professor, ambos, professor e aluno terão a oportunidade de aprender e desta forma de aumentar o conhecimento. O conhecimento trazido sob forma de prescrição, imposição violenta de ideias e interpretações, apresentado de forma mecânica e segmentada mostrar-se-á sem função na vida do aluno, onde o professor dá muito mais valor ao som da palavra, do que ao seu real significado. Será nesse ponto verbosidade oca e terá por serventia apenas a memorização. Agora já não há mais o depósito. Ao invés de memorização mecânica do conteúdo dos manuais ou apostilas, uma educação que prioriza a construção de consciência do aluno, será imperioso que aconteça o desafio. Um dado não será apenas uma ação de memorização de suas características e prescrição de seus efeitos, mas agora, um projeto libertador. Um dado será um desafio, para todos pensá-lo em conjunto, em inúmeras formas, com inúmeras interpretações, descrições e críticas, proporcionando assim uma atividade que resultará em algo maior que a simples memorização, o treinamento da problematização, que busca http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 52 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) inicialmente a pergunta e posteriormente a resposta. “Precisamos preparar o homem para indagar e resolver por si os seus problemas” (TEIXEIRA, 2007, p.40). Perguntar e responder individualmente requer a construção de consciência, de percepção de realidade à sua volta, de individualidade, de identidade, e portanto, de liberdade. Dessa forma, praticar esse tipo de educação irá seguramente resultar em alunos questionadores, críticos e argumentadores, algo que o adepto da educação bancária menos quer em suas salas de aula. Querem o contrário. Querem obedientes profissionais. Executadores que não pestanejam, nem refletem sobre o que fazem na escola ou na rua, pois dessa forma, serão adultos de muito mais fácil dominação, de muito mais tranquila opressão. A essa educação, algumas críticas atiradas pelos reacionários surgirão. Dirão que esse tipo de operação resultará em uma escola sem regras, em um ambiente anárquico. Não se trata de uma coisa nem de outra. Não se pode confundir autoridade com autoritarismo. Enquanto a educação bancária funciona à base do autoritarismo “disciplinador”, a educação libertadora funciona fundamentada na liberdade, sem desmanchar nem diminuir a figura da autoridade. Contudo essa autoridade não é imposta, mas sim inspirada pelo professor, com regras claras construídas em conjunto com os alunos. A educação agora não é prescrita ou doada, mas construída desde suas regras básicas em conjunto, sem contradição professor x aluno, sabedoria x ignorância. O professor agora engaja-se com o projeto final da educação, a libertação do aluno, que só se fará com a construção de sua consciência. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para quem é a escola? Como conhecemos nos dias de hoje em toda sua formalidade, as escolas nasceram como um fenômeno urbano, limitado a burguesia, em primeiro sentido acomodado a um setor da pequena burguesia, vinculando o candidato a vincular-se a funções eclesiásticas, burocráticas ou militares. Dessa maneira, a falta de conceitos democráticos e possíveis características de violência perpassaram, e http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 53 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) lamentavelmente ainda perpassam, todo o processo de educação formal, que ocorre nas nossas escolas. Quer por necessidades de mercado, políticas, religiosas ou por qualquer outra justificativa, impor determinada interpretação de fatos ou assuntos dentro da sala de aula, fará do professor um sujeito violento. É indiscutivelmente um episódio violento impedir que um aluno veja mais do que uma interpretação do caso apresentado pelo manual, desencorajá-lo a buscar outras fontes de conhecimento ou discordar da opinião do professor. Sem a liberdade de reflexão, esta capacidade cai em desuso, e culmina na inconsciência, posto que o único treinamento desta educação violenta é a obediência. No Brasil, as primeiras manifestações da escolaridade formal, chega recheada de etnocentrismos e violências, desde físicas (somente proibida em meados do século XX), até intelectuais, sendo estas, problemas comuns até os dias de hoje. As características da educação bancária persistem em nossas salas de aula, tendo por provável explicação, serem ferramentas de opressão, que impedem o indivíduo perceber-se, de perceber sua situação no mundo à sua volta, e por isso, não almejar mudanças. A pedagogia que oprime, que não produz ou que retira a consciência do aluno, é um processo violento. A escola dos dias atuais já não se atém aos objetivos clérigos, militares, políticos ou acadêmicos. A escola trás em sua rotina, missão mais ampla. Temos que construir a nossa escola, não como preparação para um futuro conhecido, mas para um futuro rigorosamente imprevisível isto é, o objetivo da escola dos nossos dias é preparar o indivíduo para a sua sociedade, para o seu mundo, e certamente, para alcançar este fim, é preponderante a construção de consciência. A escola libertadora/problematizadora propõe ao aluno a possibilidade dele pensar por si mesmo, de refletir e argumentar, de questionar e criticar, de libertar-se e dessa forma construir consciência, buscando existir em sua sociedade, buscando a cada dia, a sua autonomia. http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/ 54 PRAÇA, M. A. M., v. 05, nº 2, p. 37-54, JUL-DEZ, 2013. Revista Eletrônica “Diálogos Acadêmicos” (ISSN: 0486-6266) BIBLIOGRAFIA ENGUITA, M. F. Igualdad, equidad, solidaridad. En: Educação e Sociedade.. Campinas: CEDES, 2001. FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2011. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2010. RIBEIRO, D. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. SAVIANI, D. História das Ideias Pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2011. TEIXEIRA, A. Pequena introdução à Filosofia da educação. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. http://www.uniesp.edu.br/fnsa/revista/