aware Newsletter 41 Novembro | 2010 Área de Prática de Contencioso grupo de contencioso de cobrança Editorial | 1 Reserva de propriedade ou hipoteca sobre bens móveis a favor da entidade financiadora? | 2-4 EDITORIAL A concessão de crédito para a aquisição de bens do crédito, analisamos o regime da hipoteca e o da móveis sujeitos a registo, assume, cada vez mais, reserva de propriedade sobre bens móveis sujeitos a em Portugal, um papel preponderante na evolução da registo, designadamente quando o bem financiado se economia e da própria noção de consumo. Aqui, con- trata de um veículo automóvel. siderando a relação triangular que, não raras vezes, Natália Garcia Alves | Advogada, Sócia AB se estabelece entre comprador/vendedor/financiador e as garantias que se titulam para assegurar o cumprimento do contrato e a consequente recuperação [email protected] aware Reserva de propriedade ou hipoteca sobre bens móveis a favor da entidade financiadora? Nos contratos de compra e venda, geralmente a propriedade tem-se por transferida logo no momento da conclusão do contrato. No entanto, existem excepções a este regime. Na verdade, as partes podem estipular a transmissão posterior da propriedade, figura essa que é denominada de pactum reservati dominii, e que permite que o vendedor reserve para si a propriedade da coisa até ao pagamento total desta ou à ocorrência de determinado evento especificado, como a entrega, o registo, uma data específica, etc. Impõese, no entanto, distinguir o direito de reservar a propriedade da coisa e a própria propriedade da coisa. Com efeito, o primeiro visa apenas a garantia do cumprimento do contrato que o vendedor da coisa pretende assegurar e, a segunda, o desfrute da coisa vendida pelo seu titular. Na verdade, a reserva de propriedade caracteriza-se por ser constituída, apenas, como garantia de que o preço será efectivamente pago. A inclusão desta cláusula num contrato determina que o comprador não adquire a propriedade plena da coisa mas, tão-somente, uma expectativa jurídica. Com efeito, enquanto perdure a reserva de propriedade, o comprador, apesar de poder usufruir do bem, não pode aliená-lo. Só com o integral pagamento do preço cessará a reserva de propriedade e se dará, por fim, a transferência da propriedade para o comprador. Não obstante o referido, a evolução da sociedade despontou a necessidade de concessão de crédito por parte de terceiros que não os vendedores dos bens – entidades financeiras – tendo, inclusive, sido criados instrumentos jurídicos que visam precaver o risco de incumprimento por parte do comprador, ou ainda da sua insolvência, de modo a permitir ao vendedor a recuperação da coisa, evitando o concurso de outros credores ou de terceiros, que, entretanto, tenham adquirido direitos sobre ela. Assim, a compra e venda financiada por um terceiro poderá integrar um contrato de compra e venda, celebrado entre o vendedor e o comprador e um contrato de mútuo, celebrado entre o comprador e o terceiro financiador, numa relação tripartida, em que o capital mutuado se destina ao pagamento total e imediato do preço, pelo comprador ao vendedor. Isto é, o preço é pago, por inteiro, ao vendedor, ficando a entidade financiadora sub-rogada nos respectivos direitos daquele, e, por inerência, na titularidade da reserva de propriedade simultaneamente constituída sobre o bem. (continuação na página seguinte) Durante este iato de tempo, as faculdades sobre a coisa estão, portanto, distribuídas entre as partes, sendo que o gozo da coisa encontra-se vulgarmente atribuído ao comprador, razão pela qual o vendedor titular da reserva de propriedade não pode ser visto como um proprietário pleno. Em termos de tipicidade social, é vulgar a venda a prestações com reserva de propriedade, acompanhada de tradição imediata da coisa para o comprador. www.abreuadvogados.com 2 2 aware Reserva de propriedade ou hipoteca sobre bens móveis a favor da entidade financiadora? (continuação) Mas porquê optar pela reserva de propriedade sobre o bem quando a constituição de uma hipoteca sobre o mesmo também protegeria o interesse do vendedor/financiador como forma de garantir o cumprimento do contrato? Com efeito, a hipoteca é um direito real de garantia, ou seja, um direito que atribui ao credor o poder de, pelo valor de uma coisa ou pelo valor dos seus rendimentos, obter o pagamento do seu crédito com preferência sobre todos os outros credores. Incide sobre coisas imóveis ou havidas como tais e, excepcionalmente sobre determinados bens móveis (sujeitos a registo), como sejam os navios, os veículos automóveis e as aeronaves. Como é sabido, a hipoteca tem que ser registada, sob pena de não produzir efeitos nem “inter partes”, nem em relação a terceiros. Sobre o mesmo bem podem ser constituídas diversas hipotecas. De outro enfoque, a reserva de propriedade impede que eventuais credores do comprador possam registar definitivamente ónus sobre o bem financiado (uma vez que a propriedade do mesmo permanece do comprador/financiador durante a execução do contrato), com excepção da penhora de expectativa de aquisição do bem. (continuação na página seguinte) Para lançar mão desta garantia, na falta de pagamento da dívida garantida, o credor com hipoteca registada a seu favor tem o direito de fazer vender a coisa hipotecada em execução judicial, para ser pago com preferência sobre os demais credores, exceptuando alguns privilégios creditórios e o direito de retenção. Na verdade, durante o processo de execução e posterior venda judicial poderão surgir credores reclamantes que beneficiem de eventuais privilégios creditórios ou de direito de retenção, que, por isso, poderão ter prioridade no pagamento dos créditos sobre o credor titular da hipoteca sobre o bem. Acresce que a hipoteca (originariamente constituída) apenas garante o ressarcimento dos juros de mora dos últimos três anos, ainda que se possa constituir nova hipoteca sobre os restantes juros vencidos que representará maiores custos para o credor. Uma última nota para salientar que, geralmente, a hipoteca é uma garantia associada ao crédito a habitação e que, em termos comerciais, não é bem aceite para outros bens que não imóveis. www.abreuadvogados.com 3 2 aware Reserva de propriedade ou hipoteca sobre bens móveis a favor da entidade financiadora? (continuação) Ao invés, sobre um bem hipotecado podem ser registados outros ónus, como penhoras e outras hipotecas, uma vez que o comprador é neste caso o proprietário do bem, sendo tais situações responsáveis pelo atraso no andamento do processo judicial para execução da hipoteca. Acresce que, havendo reserva de propriedade sobre o bem, na eventualidade de ser decretada a insolvência do comprador, aquele ónus impede que o bem financiado integre a respectiva massa insolvente e fique, assim, à disposição de outros credores. Ora, a constituição de hipoteca sobre determinado bem não impede a transferência da propriedade do mesmo para o comprador, razão pela qual, se este for declarado insolvente, o bem integrará imediatamente a respectiva massa insolvente impondo ao credor hipotecário que reclame os seus créditos no processo de insolvência, aguardando o desfecho do mesmo para ser pago, ainda que com privilégio sobre a maioria dos restantes credores. A reserva de propriedade sobre um bem móvel sujeito a registo permitirá assim uma recuperação mais rápida e eficaz do bem financiado, impedindo a desvalorização do mesmo. Este facto é especialmente relevante no que diz respeito aos veículos automóveis, bens sujeitos a uma acentuada desvalorização. Relativamente a este tipo de bens, abordemos, por fim, qual tem sido o entendimento dos tribunais nacionais quando é necessário recorrer à via judicial para accionar a reserva de propriedade. Existe uma corrente doutrinal que vai no sentido de afirmar que apenas poderia reservar para si o direito de propriedade sobre um bem, suspendendo a sua transmissão, quem celebra o próprio contrato de compra e venda na posição de vendedor pois só ele é o titular do direito reservado. Isto significa que, apenas o vendedor do próprio bem poderia requerer a apreensão cautelar do mesmo, sendo que, o terceiro financiador, atenta a posição que assume no negócio, nunca o poderia fazer, muito menos, autonomamente. Porém, tal posição tem vindo a ser abandonada em virtude de se ter tornado necessário efectuar uma interpretação actualista da lei, adaptando-a à relação tripartida entre comprador/vendedor/financiador, razão pela qual, é hoje maioritariamente aceite que o terceiro financiador lance mão da reserva de propriedade, requerendo providência cautelar de apreensão de veículo. Assim, para o comércio de bens móveis sujeitos a registo, e nomeadamente para veículos automóveis que são vendidos por determinada entidade e financiados por outra, a reserva de propriedade parecenos ser a garantia que mais facilmente se ajusta à realidade actual, melhor defendendo os interesses da entidade que financia a aquisição do bem. Natália Garcia Alves | Advogada, Sócia AB [email protected] Francisco Simas | Advogado Estagiário [email protected] Esta Aware contém informação e opiniões de carácter geral, não substituindo o recurso a aconselhamento jurídico para a resolução de casos concretos. Para esclarecimentos adicionais contacte [email protected] | Visite o nosso site www.abreuadvogados.com © ABREU ADVOGADOS 2010 * ( ) LISBOA* | SEDE PORTO * MADEIRA * Av. das Forças Armadas, 125 - 12º 1600-079 Lisboa, Portugal Tel.: (+351) 21 723 1800 Fax.: (+351) 21 7231899 E-mail: [email protected] Rua S. João de Brito, 605 E - 4º 4100-455 Porto Tel.: (+351) 22 605 64 00 Fax.: (+351) 22 600 18 16 E-mail: [email protected] Rua Dr. Brito da Câmara, 20 9000-039 Funchal Tel.: (+351) 291 209 900 Fax.: (+351) 291 209 920 E-mail: [email protected] WWW.ABREUADVOGADOS.COM LISBOA PORTO MADEIRA ANGOLA (EM PARCERIA) MOÇAMBIQUE (EM PARCERIA)