215-221
Medeiros ER et al.
Artigo original
Avaliação da capacidade funcional e do
risco de hospitalização de idosos
Avaliação da capacidade funcional e do risco de
hospitalização de idosos
Evaluation of functional capacity and risk of hospital admission of elderly
Érica Renata Medeiros1
Karla Débora Neres Pereira1
Tarciso Schirmbeck1
Curso de Medicina da Escola Superior
de Ciências da Saúde - ESCS/FEPECS da
Secretaria de Estado de Saúde do Distrito
Federal, Brasília-DF, Brasil.
1
Correspondência
Tarciso Schirmbeck
Condomínio Solar de Brasília, Quadra 02,
Conjunto 17 casa 06. Jardim Botânico.
Brasília-DF. 71680-349, Brasil.
[email protected]
Recebido em 05/setembro/2012
Aprovado em 20/fevereiro/2013
RESUMO
Objetivo: avaliar a capacidade funcional e o risco de hospitalização
estimado para idosos em Samambaia.
Método: utilizou-se um questionário validado, Avaliação Funcional
Breve, para avaliação do risco de hospitalização e um questionário para
avaliação da capacidade funcional de 101 idosos.
Resultado: houve predominância do sexo feminino (64,4%) e idade
entre 65-74 anos (68,3%). Observou-se que 75,2% dos entrevistados
não foram internados no último ano e maior incidência de internação
e consultas no sexo feminino. Com relação ao risco, 21% apresentaram
risco baixo, 28% médio, 22% médio-alto e 30% alto. A prevalência de
diabetes foi 30,7% e doenças cardiovasculares 18,8%. O déficit visual
foi o mais frequente (73%).
Conclusão: apopulação estudada apresentou grande proporção de idosos com alto risco de hospitalização, por isso, um atendimento diferenciado deve ser adotado para este grupo. Entretanto, observou-se a preservação da capacidade funcional da maioria dos idosos entrevistados.
Palavras-chave: Idoso; Instrumentos de detecção precoce; Saúde coletiva
Com. Ciências Saúde. 2012; 23(3):215-221
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Medeiros ER et al.
ABSTRACT
Purpose: to evaluate functional capacity and risk of hospital admission
of elderly in Samambaia – Federal District.
Methods: we used a validated questionnaire to identify risk of hospital
admission and a questionnaire to evaluate functional capacity of 101
elders.
Results: patients were predominantly female (64.4%), aged 65-74
years (68.3%). It was observed that 75.2% of respondents had no hospital admission in past year. Higher incidence of hospital admission
and doctor visit was presented in females. In risk assessment, it was
shown that 21% had low risk, 28% medium, 22% medium-high and
30% high. Prevalence of diabetes and cardiovascular diseases was, respectively, 30.7% and 18.8%. Among the sensory deficits, most common
was visual impairment (73%).
Conclusions: our study showed a high proportion of elders at high
risk of hospital admission, therefore, a differentiated service should be
adopted for this group. However, we observed preservation of functional capacity of majority of them.
Keywords: Elderly; Screening; Public health
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos tem-se evidenciado um aumento crescente da longevidade não só da população
brasileira como também da população mundial.
Atualmente, a população brasileira possui cerca
de 15 milhões de idosos, podendo ultrapassar 30
milhões em 2020, o que representaria 13% da população1.
Com o envelhecimento surgem processos incapacitantes que afetam a funcionalidade dos idosos,
dificultando o desempenho de suas atividades cotidianas e comprometendo sua qualidade de vida.
Comumente ocorrem alterações visuais, auditivas,
de membros superiores e inferiores com aumento
de risco de quedas, sintomas depressivos, incontinência urinária e déficits cognitivos2.
O custo da saúde dos idosos é o maior entre todas
as faixas etárias, em 2002, apesar de representarem
8,5% da população, os idosos foram responsáveis
por 24,5% dos gastos em saúde3. Com o objetivo
de diminuir os gastos públicos e, principalmente,
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trazer melhorias à saúde do idoso, faz-se necessária a adoção de medidas para avaliar a capacidade
funcional dos idosos, prevenindo a piora da saúde
e da qualidade de vida.
A utilização de questionários validados em outros
estudos e que permitam avaliar a população de
idosos de uma região consiste em importante instrumento neste contexto. A Avaliação Funcional
Breve (AFB), questionário sucinto e de fácil aplicação, é capaz de mensurar o risco de adoecimento
dos idosos4-6. A avaliação da capacidade funcional
pode ser efetuada utilizando-se questões que avaliem áreas específicas, como visão, audição, memória e autonomia7.
Este trabalho objetivou identificar a capacidade funcional e o risco de admissão hospitalar de
idosos em Samambaia, bem como propor ações
de saúde para aprimoramento do atendimento de
saúde desta população.
Avaliação da capacidade funcional e do risco de hospitalização de idosos
MÉTODO
Foram entrevistados 122 idosos com idade acima
de 65 anos, residentes na área de abrangência do
Centro de Saúde n.º 4 de Samambaia, no período de 01/08/2008 a 01/07/2009 selecionados por
amostragem aleatória simples. O critério de exclusão foi o não entendimento do questionário ou
não concordância em participar do projeto, dessa
forma foram incluídos 101 idosos no trabalho.
Utilizou-se o questionário padronizado “Avaliação
Funcional Breve” para avaliação e classificação do
risco de hospitalização4-6 e outro questionário com
oito itens para a avaliação da capacidade funcio-
nal, em que foram abordadas questões relacionadas à visão, audição, memória e autonomia.
Os dados levantados foram analisados utilizando-se o SPSS, versão 13.0, para análise estatística foi
utilizado os testes T-Student e Qui-quadrado com
nível de significância p<0,05. O projeto foi aprovado no Comitê de Ética da Secretaria de Estado
de Saúde do Distrito Federal (148/2008).
RESULTADOS
A amostra entrevistada apresentava predominância do sexo feminino (64,4%), com maior proporção na faixa de 65 a 74 anos (figura 1).
Faixa etária
%
80
70
60
50
40
30
20
10
0
65 a 74
75 a 79
80 a 84
>85
Idade
(anos)
Figura 1.
Faixa etária em anos dos idosos entrevistados
Observou-se que 75,2% dos entrevistados não
haviam sido internados no último ano e somente
8,9% esteve internado por mais de duas oportunidades. Constatou-se uma maior taxa de internação no sexo feminino (p=0,048). Observou-se um
maior número de consultas por ano no sexo feminino (média 3,6 consultas versus 2,22 no sexo
masculino; p<0,0001).
Os pacientes diabéticos apresentaram mais déficit visual (p=0,012), pior percepção da saúde (p=0,015) e maior número de consultas (
p=0,002). Os pacientes com doença cardiovascular apresentaram maior dificuldade para se alimentar (p=0,038), vestir-se (p=0,018) e tomar
banho (p=0,008).
Em relação às doenças crônicas, verificou-se uma
maior porcentagem de diabetes (30,7%) do que
doenças cardiovasculares (18,8%), ambas mais
prevalentes em mulheres (p=0,013 e p=0,024,
respectivamente).
Dentre os déficits sensitivos, o visual foi referido
por 73% dos idosos e o de memória ocorria em
mais da metade deles (tabela 1). A autonomia para
realização de atividades diárias é mostrada na tabela 2.
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Tabela 1.
Frequência e repercussão dos déficits sensitivos e de
memória observados
Déficit
Frequência
Atrapalham dia-a-dia
Visual
73%
46%
Memória
51%
32%
Auditivo
40%
29%
Tabela 2.
Autonomia em executar tarefas diárias sem ajuda
Atividade
Autonomia
Alimentar-se
99%
Vestir-se
97%
Tomar Banho
95%
Deambular
81%
Observou-se uma elevada porcentagem de idosos
com alto risco de admissão hospitalar (tabela 3).
Estes pacientes apresentavam maior proporção de
diabetes (53%), internação no último ano (43%)
e elevado número de consultas (56%) (tabela 4).
Tabela 3.
Risco de adoecimento dos idosos
Risco de adoecimento
Frequência
Baixo
21%
Médio
28%
Médio-Alto
22%
Alto
30%
Tabela 4.
Características dos idosos com alto risco de adoecimento
Risco Alto
Frequência
Saúde Ruim
50%
65-74 anos
50%
Doença Cardiovascular
33%
Diabetes
53%
Internação
43%
>6x médico
56%
DISCUSSÃO
A maior proporção de idosas do sexo feminino
(64,4%) confirma dados de outros trabalhos3,8, segundo o IBGE, 55% dos idosos brasileiros são mulheres, sendo que nos grupos mais idosos, com 80
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anos ou mais, esse percentual aumenta para 65%9.
Vários motivos explicam esta diferença de expectativa de vida: tipo de trabalho, melhor alimentação, maior participação nas atividades sociais e,
sobretudo, maior cuidado com a saúde10. Este trabalho identificou que mulheres apresentam maior
número de consultas no último ano em relação
aos homens, sugerindo uma melhor prevenção de
sua saúde. Por outro lado, a maior freqüência de
internação em mulheres necessita maior avaliação,
pois pode refletir uma maior detecção de doenças,
mas em estágio menos avançado.
A pesquisa mostrou que 18,8% dos idosos apresentam algum tipo de doença cardiovascular. Em
2002, o Ministério da Saúde avaliou os fatores de
risco presentes na população de idosos que desenvolve doenças cardiovasculares, foram observados
dieta inadequada, inatividade física, obesidade,
tabagismo e consumo de risco de álcool. Além
disso, foram referidos hipertensão arterial (50%),
dislipidemias (33% ) e diabetes (18% ); a presença de dois ou mais fatores de risco foi observada
em 71,3% dos idosos. Os autores concluíram que
a associação entre doença arterial coronariana é
maior quando há uma aglomeração de fatores de
risco, provavelmente, refletindo um maior risco
acumulado ao longo da vida11.
Deve-se ressaltar que a doença coronariana é a
causa de 70 a 80% de mortes, tanto em homens
como em mulheres, e a insuficiência cardíaca congestiva o motivo mais comum de internação hospitalar, morbidade e mortalidade na população
idosa12,13.
O presente trabalho também evidenciou que pacientes com doença cardiovascular apresentaram
maior dificuldade para se alimentar, vestir-se e tomar banho. Assim sendo, recomenda-se a prevenção das doenças cardiovasculares no idoso para
um aumento da expectativa de vida, diminuição
das morbidades associadas e melhora da autonomia para execução das atividades diárias.
O diabetes mostrou-se presente em 30,7% dos
idosos, taxa maior que a prevalência da doença
no Brasil (17,3%)3. Este dado torna-se preocupante, pois a presença de diabetes está relacionada a
diversas doenças, como neuropatia periférica, nefropatia e retinopatia14, além de ser um dos itens
relacionados a um maior risco de hospitalização.
Além disso, o presente trabalho mostrou que os
idosos diabéticos referiam maior déficit visual,
pior percepção da saúde e maior número de consultas, resultando em uma pior qualidade de vida.
Avaliação da capacidade funcional e do risco de hospitalização de idosos
Estima-se que o grande contingente de idosos com
diabetes esteja relacionado aos hábitos de vida inadequados, já que o risco de desenvolver diabetes torna-se 80% menor entre os indivíduos com níveis de
atividade física acima da média, dieta saudável, não
fumante e que ingeriam álcool de forma esporádica11.
A presença de déficits visuais nestes pacientes
ocorre em 73,3%, porém, somente 46,5% referem
que tal fato atrapalha nas atividades do dia-a-dia.
Este dado corrobora uma pesquisa que identificou
que a qualidade visual autorrelatada por meio de
questionário de função visual não tem correspondência direta com a medida da acuidade visual de
um paciente15.
Sabe-se que os idosos que enxergam melhor sofrem menos quedas, cometem menos erros com
medicações, apresentam menos depressão e menor isolamento social, são mais independentes e
têm melhor qualidade de vida16. Dessa forma, é
de extrema importância a realização de oftalmológicos regulares em todos os idosos, e, sobretudo,
naqueles que apresentem queixas.
A pesquisa demonstrou uma menor proporção de
déficit auditivo (39,6%) em relação ao visual e de
memória. Mesmo assim, nos idosos acometidos, o
declínio auditivo pode representar uma condição incapacitante, levando a um impacto considerável em
sua vida. Em muitos casos, o declínio da capacidade
de comunicação resulta em uma queda importante
na qualidade de vida, isolamento social e depressão17.
Na presente pesquisa foi evidenciado que apenas
uma minoria da população apresenta dificuldades
para alimentar-se (1%), vestir-se (3%), tomar banho (5%) e deambulação (9%). Não houve diferenças estatísticas com relação ao sexo nestes casos, exceto no item deambulação, com maior dificuldade
no sexo feminino. Estes dados corroboram achados
da Pesquisa Nacional por Domicilio (2003), onde
85% dos participantes do estudo com mais de 60
anos de idade relataram não ter problemas para se
alimentar, tomar banho ou ir ao banheiro18.
A capacidade funcional é um dos grandes componentes da saúde do idoso, reflete a independência
que este possui para realizar suas atividades físicas e mentais básicas do dia-a-dia e tem grande
importância em sua autoestima8. Calcula-se que
a cada ano, cerca de 10% da população adulta,
a partir dos 75 anos perde a independência em
uma ou mais atividades básicas da vida diária19.
A presença de doenças e deficiências físicas, além
de fatores socioeconômicos, culturais e psicossociais atuam no nível de independência apresentada pelo idoso. Neste contexto, observamos que os
pacientes entrevistados, apesar da alta prevalência
de doenças, ainda apresentam elevado nível de
capacidade funcional, o que pode ser reflexo da
influência destes outros fatores.
O uso do questionário da Avaliação Funcional Breve permitiu a estratificação do risco dos pacientes
entrevistados em serem admitidos em hospitais
para atendimento4,20, considerando-os de baixo,
médio, médio-alto e alto risco. Observou-se o aumento proporcional de doenças cardiovasculares,
diabetes mellitus, internação e número de consultas com a progressão do risco.
Os pacientes de baixo risco caracterizaram-se por
apresentarem idade entre 65-74 anos, não apresentarem doenças cardiovasculares, internações
ou mais de 6 idas ao médico. Já em relação aos
pacientes de alto risco apenas 50% estavam entre
65-74 anos, e grande parte apresentava doenças
cardiovasculares (33%), diabetes (53%), internação (43%), e mais de 6 consultas (53%). Dessa
forma, pode-se sugerir que pacientes mais jovens
e sem comorbidades desenvolvem um menor risco de adoecimento.
A população estudada apresentou maior proporção idosos de alto risco em relação a outros trabalhos5,6, o que revela um risco maior de piora da
saúde e da qualidade de vida. Assim sendo, deve-se realizar um atendimento diferenciado a este
grupo, buscando proporcionar níveis de complexidade adequados às suas necessidades. Com
isso, será possível manter a capacidade funcional
do paciente, e consequentemente, uma adequada
qualidade de vida.
A aplicação desse questionário mostrou-se simples
e de fácil utilização tornando possível discernir o
nível de atendimento demandado por cada idoso.
Pacientes de baixo risco poderiam ser encaminhados para acompanhamento em nível primário de
atendimento, e, à medida que o risco se tornasse
mais elevado, o paciente seria encaminhado para
níveis crescentes de complexidade. Dessa forma, o
atendimento respeitaria as demandas de cada indivíduo, possibilitando uma atenção à saúde com
profundidade e abrangência adequadas. Além disso, trabalhos posteriores devem ser efetuados com
o uso destes instrumentos, para avaliação do grau
de risco de hospitalização e da capacidade funcional dos idosos de outras localidades.
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Por fim, devemos ter em mente que o objetivo
principal do atendimento ao idoso deve ser manter a saúde e sua qualidade de vida, sendo necessário, para tanto, que utilizemos os instrumentos
necessários para a identificação dos indivíduos em
risco e dos fatores que comprometem sua saúde1,2.
Ressaltamos que outros estudos com um maior
número de participantes e em outras localidades
do país devem ser efetuados para verificação da
adequação do instrumento de avaliação utilizado.
CONCLUSÃO
A população estudada apresentou grande proporção de idosos com alto risco de hospitalização,
por isso, um atendimento diferenciado deve ser
adotado para este grupo. Entretanto, observou-se
a preservação da capacidade funcional da maioria
dos idosos entrevistados.
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