UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: FORMAÇÃO HUMANA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE IURE COUTRE GURGEL PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIAS DE PROFESSORES DE ALUNO COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA ESCOLA MUNICIPAL RURAL ANTONIA EURLÍ DE BRITO DE JANDUÍS/ RN. MOSSORÓ/RN Junho de 2015 IURE COUTRE GURGEL PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIAS DE PROFESSORES DE ALUNO COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA ESCOLA MUNICIPAL RURAL ANTONIA EURLÍ DE BRITO DE JANDUÍS/RN. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em EducaçãoPOSEDUC, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, na linha de Pesquisa Formação Humana e Desenvolvimento Profissional Docente, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da Professora Dra. Ana Lúcia Oliveira Aguiar. MOSSORÓ/RN JUNHO/2015 Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Gurgel, Iure Coutre Práticas pedagógicas : narrativas de experiências de professores de aluno com deficiência visual na Escola Municipal Rural Antonia Eurlí de Brito de Janduís/ RN. / Iure Coutre Gurgel. – Mossoró, RN, 2015. . 135 p. Orientador: Profª. Dra. Ana Lúcia Oliveira Aguiar. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em Educação 1. Educação - Deficiência Visual. 2.Narrativas (Auto) Biográficas. 3. Práticas Pedagógicas - Inclusão. I. Aguiar, Ana Lúcia Oliveira. II.Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III. Título. UERN/BC CDD 371.911 Bibliotecária: Jocelania Marinho Maia de Oliveira – CRB 15 319 IURE COUTRE GURGEL PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIAS DE PROFESSORES DE ALUNO COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA ESCOLA MUNICIPAL RURAL ANTONIA EURLÍ DE BRITO DE JANDUÍS/RN. Apresentação da Dissertação em:11/06/2015. BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________________ Profª. Dra. Ana Lúcia Oliveira Aguiar Orientadora- UERN/FE/POSEDUC ______________________________________________________________ Profª. Dra. Lia Matos Brito de Albuquerque Examinadora Externa – UECE/ CED/ PPGE ______________________________________________________________ Profª Dra. Francileide Batista de Almeida Vieira (Examinadora -Titular Interna- UERN) ______________________________________________________________ Profª Dra. Luzia Guacira dos Santos Silva Examinadora -Suplente Externa UFRN/PPGED Profª Dra. Giovana Carla Cardoso de Amorim Examinadora - Suplente Interna POSEDUC/FE/UERN Dedico esta dissertação a todas as pessoas que acreditam na possibilidade da construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva. AGRADECIMENTOS Ao pensar na trajetória desta pesquisa reporto-me a muitas pessoas que sem dúvida foram o pilar de sustentação que me ajudaram a desenvolver este trabalho. Pessoas estas que serei grato por tudo o que colaboraram para a realização deste sonho. Agradeço à minha companheira Ariana, que sempre está ao meu lado me ajudando nas situações da vida; À minha mãe, Marineide que é motivo de satisfação por tudo que tem feito para me proporcionar uma vida mais digna, humana e justa; À minha Avó, Juraci, que com seus ensinamentos e humildade me ajudou a chegar onde hoje estou e, que através de todo sacrifício me educou com princípios que contribuíram para a minha formação humana; À minha tia, Marinalva, por toda dedicação que tem comigo, por todos os obstáculos que enfrentou para me ver crescer; À minha orientadora, Dra. Ana Lúcia Oliveira Aguiar, uma amiga, educadora no sentido pleno da palavra, uma outra mãe que tive que incansavelmente está ao meu lado, sempre contribuindo para o meu engrandecimento tanto pessoal como profissional e por ter acreditando na possibilidade de desenvolvermos este trabalho; Às docentes que fazem parte da minha banca de qualificação, à Profª Dra. Francileide Batista de Almeida Vieira, à Profª Dra.Giovanna Carla Cardoso de Amorim, Luzia Guacira dos Santos Silva e Profª Dra. Lia Matos Brito de Albuquerque, o meu imenso obrigado pelas valiosas contribuições que propuseram para o enriquecimento deste trabalho. À todos os que fazem o Programa de Pós-Graduação pelo compromisso e desenvolvimento de um trabalho sério e compromissado. Aos meus colegas de trabalho, tanto da Escola lócus da minha pesquisa, quanto do Campus Avançado de Patu- CAP/UERN, pela força, pelas conversas e trocas de ideias que me ajudaram a refletir e desenvolver este trabalho; Aos meus colegas da turma do Mestrado, por tudo o que edificamos juntos ao longo dessa trajetória, pelos desafios, alegrias, tristezas e satisfações que vivenciamos juntos. Enfim, a todos os que contribuíram direta ou indiretamente para a solidificação deste sonho, o meu muito obrigado. A rua de acesso à inclusão não tem um fim porque ela é, em sua essência, mais um processo do que um destino. Peter Mittler RESUMO Este trabalho é fruto de experiências e desejo em problematizar a temática inclusão no contexto educacional, na perspectiva de possibilitar, aos docentes, reflexões acerca da reorganização de suas práticas pedagógicas voltando-se para a inclusão de uma criança com deficiência visual em uma escola rural. O mesmo apresenta como temática: Práticas Pedagógicas: Narrativas de Experiências de Professores de Aluno com deficiência visual na Escola Municipal Rural Antonia Eurlí de Brito de Janduís/RN.O estudo tem como propósito refletir sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores da escola pesquisada, como direito à aprendizagem de uma criança com deficiência visual, com vistas à inclusão. A metodologia utilizada para a realização deste trabalho caracteriza-se pela valorização do método (Auto) biográfico, onde buscamos enfatizar as narrativas de experiências vivenciadas pelos sujeitos participantes desta pesquisa. Os sujeitos da pesquisa são duas docentes dos Anos Iniciais do Ensino fundamental da referida instituição de ensino. Para solidificar o nosso trabalho, foram realizadas sessões autobiográficas, gravações e anotações dos diálogos estabelecidos entre entrevistando/entrevistador. O embasamento dispensável para a construção desta dissertação está pautado nas ideias de: Brasil (1995); Carvalho (2004, 2007); Josso (2010); Mantoan (2003); Mazzota (1996); Mynaio (2010); Ramos (2005); Sassaky (1997); Souza (2006). Pretende-se identificar se as práticas pedagógicas desenvolvidas pelos educadores promovem o processo de inclusão de uma criança com deficiência visual. Dessa forma, entre os resultados alcançados destacamos a melhoria do (re) pensar do trabalho pedagógico desenvolvido na escola pesquisada, proporcionando a todos os que compõem a instituição a acreditar que é possível construirmos uma escola inclusiva. Acredita-se que as narrativas que alimentam a trajetória da pesquisa serão necessárias para dar vida e voz às experiências desenvolvidas pelos educadores de uma criança com deficiência visual. Suas dúvidas, angústias e inquietações resultam em aprendizados e servirão como uma nova forma de repensar o processo de educação inclusiva dentro do contexto escolar, como meio de criar uma escola que valorize as diferenças e remova as barreiras da exclusão. Por conseguinte, é necessário repensar o papel do professor frente à educação inclusiva como forma de redimensionar a sua prática pedagógica, buscando desenvolver um trabalho coletivo, dinâmico e que venha proporcionar a construção de práticas efetivas e inclusivas, entre todos os educandos e professor, a fim de construirmos uma escola inclusiva e que valorize as singularidades de cada aluno. Palavras- Chave: Deficiência Visual. Narrativas (Auto) Biográficas. Práticas Pedagógicas. Inclusão. ABSTRACT This work is the result of experiences and desire in problematize the thematic inclusion in the educational context, in the perspective to enable to the teacher reflections about the reorganization of their pedagogical practices turning round to the inclusion of a child with visual impairment in a rural school. The same presents as thematic: Pedagogical Practices: Narratives of Teacher's Experiences of the Pupil with Visual Impairment at Rural Municipal School Antonia Eurlí de Brito in Janduís/RN. The studying has as purpose to reflect about pedagogical practices developed by teachers in the early years of the basic education of the Rural Municipal School Antonia Eurlí de Brito, as right to the learning of a child with visual impairment, with a view to inclusion. The methodology used for the realization of this work characterized by appreciation of the method (Auto) biographic, which we seek emphasize narratives of experiences lived by participants subjects of this research. Subjects of the research are three teachers of the early years of the basic education of the educational institutional cited. To solidify our work, it was realized autobiographic sessions, recordings and notes of dialogues established between interviewing/interviewer. The dispensable basis for construction of this dissertation is lined in ideas of: Brasil (1995); Carvalho (2004, 2007); Josso (2010); Mantoan (2003); Mazzota (1996); Mynaio (2010); Ramos (2005); Sassaky (1997); Souza (2006). It is intended identify if pedagogical practices developed by educators of the Rural Municipal School Antonia Eurlí de Brito promote the inclusion process of a child with visual impairment. Thereby, it believes that narratives that feed the trajectory of the research are necessary for give life and voice to experiences developed by educators of a child with visual impairment. Their doubts, anguishes and unquietness result in learning and will serve as a new way to rethink the process of inclusive education in the school context, as way to create a school that valorize differences and remove barriers of exclusion. Consequently, it is necessary rethink the role of the teacher in front of the inclusive education as way of resize his pedagogical practice, searching develop the collective work, dynamic and that will provide the construction of effective and inclusive practices, among all students and teacher, in order to construct an inclusive school and that values singularities of each pupil. KEYWORDS: Visual impairment .Pedagogical practices, Inclusion, narrative (auto) biographics. Inclusion. LISTA DE SIGLAS CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEC- Council for Exceptional Children CNE- Conselho Nacional de Educação EMAEB- Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educação MEC - Ministério de Educação e Cultura ONU – Organização das Nações Unidas PNE- Plano Nacional de Educação POSEDUC- Programa de Pós-Graduação em Educação PPGED – Programa de Pós-Graduação em Educação PPP – Projeto Político Pedagógico RCNEI- Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil UERN - Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UFRN- Universidade Federal do Rio Grande do Norte UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. ZDP- Zona de Desenvolvimento Proximal SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10 INICIANDO NOSSA VIAGEM... ........................................................................................... 10 CAPÍTULO 1: A ESCOLA COMO LUGAR DA PESQUISA: SEU CONTEXTO, SUAS SUBJETIVIDADES E SUAS AÇÕES .................................................................................. 20 1.1 Eu e a escola: entrecruzando sonhos, construindo histórias¹ .......................................... 22 1.2 Entre o fazer e o dizer: a escola municipal Antônia Eurlí de Brito nas trilhas da inclusão ............................................................................................................................................... 33 1.3 A escola hoje: enfrentando os desafios e (re)construíndo sua identidade ...................... 44 CAPÍTULO II: UM CAMINHAR PELA DISCUSSÃO TEÓRICA ENVOLVENDO CRIANÇAS E PROFESSORES: O QUE DIZEM? O QUE PENSAM? ......................... 57 2.1 A Socialização em sala de aula: Conhecimentos e saberes entrelaçados a partir de vivências entre educandos-educador..................................................................................... 57 2.2 Trajetórias Profissionais de Professores que atuam em Ambiente Escolar Inclusivo .... 69 2.3 Professora, meu coleguinha não enxerga. Como ele vai aprender? Práticas Pedagógicas Inclusivas: reflexões e contribuições para o processo de ensino-aprendizagem numa ótica inclusiva. ............................................................................................................................... 80 CAPÍTULO III: NARRATIVAS (AUTO) BIOGRÁFICAS DAS PROFESSORAS PARTICIPANTES DA PESQUISA ...................................................................................... 93 3.1 Entre o sabor e o saber: as docentes da Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito ante a Inclusão ................................................................................................................................. 93 3.2 Experiências Docentes e Práticas Pedagógicas Inclusivas: construindo uma aprendizagem de qualidade ................................................................................................. 101 3.3 Eu não sou você, você não é eu: a importância de valorizar as diferenças em sala de aula ............................................................................................................................................. 107 3.4 Tudo o que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo: relatos sobre o olhar/ fazer docente na construção de uma Escola inclusiva ........................................................ 113 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 121 REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 127 APÊNDICES ........................................................................................................................ 134 10 1 INTRODUÇÃO INICIANDO NOSSA VIAGEM... A educação inclusiva é, hoje, tema discutido por muitos estudiosos, servindo como ponto reflexivo para que a escola repense a forma como tem garantido a acessibilidade bem como a permanência com qualidade das crianças, que apresentam deficiência e, para o caso deste estudo, a deficiência visual. Ao conhecer, na escola de atuação, uma criança, à época com 5 anos de idade, com deficiência visual, vivendo em uma comunidade rural, sem contato algum com outras crianças e trancada em um quarto, como se fosse algo sem valor, desprezado, surgiu em mim, docente da instituição, o interesse em analisar a questão da deficiência visual, mais precisamente voltada para o contexto escolar. Decidi, pois, verificar como as práticas docentes podem contribuir para a inclusão de uma criança com deficiência visual na escola. A partir daí, me senti motivado a pesquisar a temática da inclusão, mais, especificamente da deficiência visual, como forma de colaborar com a melhoria do trabalho desenvolvido na instituição, onde leciono. Foram brotando várias angústias e inquietações, que me levaram ao sentimento de que deveria fazer algo para ajudar essa criança excluída da escola, que não “enxergava” sequer o meio onde vivia, limitando-se, assim, a conviver com seus pais. Inicialmente fui, na companhia de outra professora, à casa dessa criança, para conhecer sua família, sua rotina e um pouco de sua história de vida e do seu dia a dia. Como professor, o primeiro contato com essa criança foi inesquecível, marcante e emocionante. Ao vê-la deitada sobre um colchão, ao chão, em um quarto escuro, com a janela fechada, sozinha, “isolada” do mundo, tive a sensação de uma prisão, onde os detentos não teriam contato com ninguém e não saberiam o que era o mundo exterior. Enfim, vimos uma criança com todo um futuro pela frente, capaz de enxergar, brincar, arengar, correr com outras crianças e que, por vontade da família, por questão da super- proteção, seus direitos básicos foram negados. 11 A mãe permitiu que tocasse e conversasse com seu filho e assim o fiz. O chamava por seu nome e ele vivamente tentava saber quem estaria falando com ele. Ficava atento, mas percebi algumas limitações, ou seja, essa criança não conversava, era calada; não tinha um momento diário ao sol, ao luar; não ia ao quintal de sua casa para escutar o cantar dos pássaros. Ficou nítido que seu mundo se limitava ao quarto com a porta fechada e que seus conhecidos, eram seu pai, sua mãe, seu irmão e seu avô. Então pensei: como pode, em pleno século XXI, uma realidade como esta? Tal realidade contraria as orientações legais do país, pois a Constituição Brasileira (1988) diz que “a educação é para todos” e a LDB (9394/96) estabelece o direito e acesso de alunos com deficiência em uma escola regular. Como é possível, então, uma situação em que uma criança com 5 anos de idade é totalmente excluída da sociedade? É possível perceber que, por falta de fiscalizações por parte do poder público, muitos problemas, especificamente, relacionados a crianças e jovens que apresentam algum tipo de deficiência, permanecem latentes na sociedade, não tendo estes cidadãos sequer o direito de frequentar uma escola pública de qualidade, de conhecer outras crianças para, assim, desenvolverem suas habilidades cognitivas. Foram necessários muitos períodos na história das civilizações para que a criança com alguma necessidade especial fosse reconhecida como um sujeito de direitos, capaz de aprender, ensinar e socializar vivências construídas no decorrer do desenvolvimento da sociedade. Mesmo assim, nos dias de hoje, presenciamos situações de exclusão, de preconceitos em relação às pessoas com deficiência, o que nos leva a acreditar que construir uma sociedade para todos ainda está longe de acontecer. Para que construamos uma sociedade fundamentada em princípios inclusivos e de equidade, primeiramente precisamos florescer em nossas ações, sentimentos e atitudes verdadeiramente inclusivas. Atualmente, apesar das dificuldades enfrentadas pela escola em relação à educação inclusiva, ao papel do professor, bem como às práticas que o mesmo deve desenvolver a fim de possibilitar a inclusão das crianças, é preciso que a escola desenvolva um trabalho voltado para a valorização e interação entre os educandos, com o propósito de possibilitar a convivência com a diversidade. Portando-se dessa forma a convivência com a heterogeneidade em sala de aula bem como o respeitar das limitações dos educandos existirão. 12 Diante de tais proposições, surgiram alguns questionamentos acerca da temática em análise como forma de refletir e repensar as ações inclusivas que devem acontecer no contexto escolar: O que é inclusão? Que práticas pedagógicas têm desenvolvido os professores para promoverem realmente a inclusão? Que saberes, conhecimentos e ou competências deve possuir o educador para trabalhar com crianças que tenham deficiência visual? Que ações ou práticas a escola pode desenvolver a fim investigar situações de resistência ou superação ao processo de inclusão por parte do aluno e da família? Tais questionamentos me inquietaram e me levaram à construção dessa pesquisa, com o objetivo de identificar de que forma as práticas desenvolvidas pelos professores da Escola Municipal Rural Antonia Eurlí de Brito podem contribuir para o processo de inclusão de um aluno com deficiência visual. Posto isso, escolhi como lócus desta pesquisa, uma escola localizada em área rural, na qual a maior parte das famílias é analfabeta, sobrevivendo, a grande maioria, à base da agricultura. Tais dificuldades, responsáveis pela falta de conhecimento dos pais em relação à inclusão da criança com deficiência visual em uma escola regular, como também pelo desinteresse do próprio professor em buscar conhecimentos e formações na área, é quem instigaram a pesquisar sobre tal problemática. Assim, nasceu a ideia de que esta dissertação contribuirá para a reorganização do trabalho desenvolvido na escola lócus da pesquisa, que apresenta, de certa forma, carência em pesquisa na área da inclusão, limitações em relação à formação docente e por tal temática se encontrar, ali, ainda fragmentada. Ademais, possibilitará uma melhor reflexão sobre a prática desenvolvida pelos educadores para a promoção da inclusão da criança cega, melhorando, assim, suas concepções e conhecimentos acerca da temática e garantindo um trabalho eficaz na referida instituição educacional. Durante a elaboração do estado da arte, nos direcionamos, inicialmente, para uma pesquisa na base de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), extremamente respeitada no meio acadêmico. Através desta, foram escolhidos periódicos que seriam analisados para a realização do nosso trabalho, destacando que devem 13 estar inclusos em um índice de avaliação. Assim, buscamos o QUALIS 1, por ser o referencial de maior relevância para a CAPES. Então, busquei conhecer o site do QUALIS dentro do sistema de pesquisa da CAPES para ver toda sua estrutura e processo de utilização e por apresentar uma infinidade de teses acerca da educação especial. Procurei, pois, filtrar o nosso assunto, buscando temas que apresentassem uma relação próxima com o objeto de estudo. Diante de muitas buscas e por, na maioria das vezes, não encontrar o que estava pesquisando, resolvi fazer uma busca através de palavras-chave, que seriam utilizadas para a localização dos artigo. Assim, os termos delimitados para este trabalho foram: deficiência visual e escola rural. Na sequência, foram lidos todos os títulos das teses existentes nos sumários de cada número, de cada periódico selecionado, dentro do período de estudo, focado entre o ano da Declaração de Salamanca (1994) a 2013, no intuito de averiguar, que transformações ocorreram durante este período. Vale salientar que foi enfatizado o ponto inicial de busca a partir da Declaração de Salamanca, pois este é um período ímpar na história da educação mundial, mostrando que é dever do Estado ofertar a qualquer criança com algum tipo de deficiência o acesso a uma instituição de ensino regular, com professores qualificados, com infraestrutura acessível, visando garantir uma educação de qualidade e respeitando as diferenças existentes entre os educandos. Da Declaração de Salamanca foi elaborada uma carta de intenções que reafirma, em nível internacional, o compromisso de educação para todos, a qual foi assinada por 92 países, dentre os quais destacamos a participação do Brasil no apoio e valorização das crianças com Necessidades Especiais. Tal declaração é tida como“ [...] o mais importante marco mundial na difusão da filosofia da educação inclusiva” (MENDES, 2006, p. 7). Desta forma, dentre 217 teses pesquisadas no site da CAPES, localizamos somente duas relacionadas à nossa pesquisa, uma delas com o tema: A Atitude dos Professores em relação à Inclusão de alunos com deficiência visual na Escola e na Sala de Aula (2012), cujo autor é Luís Manuel Ferreira Silva2. 1 QUALIS é uma classificação feita pela CAPES dos veículos utilizados pelos programas de Pós-graduação para a divulgação da produção intelectual de seus docentes e alunos, cujo objetivo é atender às necessidades específicas da avaliação da pós-graduação realizadas por esta agência. 14 O referido trabalho mostra a importância da construção de uma escola inclusiva na sociedade vigente, analisa a opinião dos educadores de escolas de referência sobre a importância da acessibilidade de alunos com deficiência visual nessas instituições. O trabalho aponta que, para alguns educadores, é possível esse ingresso, enquanto outros afirmam que é impossível, tendo em vista a falta de formação, bem como a estrutura física e pedagógica do ensino. Diante do exposto, considero que esse trabalho traz à luz uma questão coerente com esta pesquisa, no que diz respeito à acessibilidade de alunos com deficiência visual na escola, bem como a necessidade de formação específica necessária ao educador. Então, surge a seguinte pergunta: será que só inserir um aluno com deficiência visual na escola representa uma atitude inclusiva? Dessa forma, a leitura do trabalho acima possibilitou o amadurecimento de ideias, além de contribuir para reflexões e desenvolvimento deste projeto. Outra tese encontrada foi intitulada: A Deficiência Visual no Ensino Regular, tendo como autora Flávia Ceccon Moreira Gil. Este trabalho fala das condições de aprendizado de um aluno com deficiência visual e o trabalho docente. Porém, destaca a falta de condições reais para se efetivar na prática a construção de uma escola inclusiva. O texto faz referência também ao fato de que não se pode pensar em uma escola inclusiva somente a partir da existência da integração de um aluno com deficiência com as demais crianças, sendo preciso criar situações de aprendizagem em sala de aula para que, assim, o direito à educação seja efetivado. Após pesquisar no banco de dissertações e teses da CAPES, fomos a investigação foi direcionada ao banco de teses e dissertações da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), do programa de Pós-Graduação em Educação- PPGED/UFRN. Ali, averiguou-se que, de 461 teses e dissertações pesquisadas no período entre 2008 a 2013 2, apenas uma dissertação apresentou uma relação próxima a nossa pesquisa, intitulada: A inclusão da pessoa com Deficiência Visual na UFRN: A Percepção dos Acadêmicos. Embora não trate da questão da Deficiência visual numa Escola Rural, ou pelo menos em uma Escola de Educação Básica, considera-se que foi produtivo fazer a leitura dessa pesquisa, pois foi possível conhecer o processo de inclusão sob a ótica dos alunos, tomando ciência do que sabem sobre a deficiência visual, sobre as barreiras que impedem as pessoas com deficiência de estudarem e quais as dificuldades que encontram no relacionamento. Foi possível conhecer os desafios 2Não foi possível conseguir teses e dissertações de anos anteriores voltadas a essa temática. 15 enfrentados pela instituição de ensino superior para garantir o direito à educação aos deficientes. O referido trabalho mostra que os dados coletados apontam para o fato de que a inclusão para as pessoas com deficiência visual possibilita a superação de várias barreiras e a quebra de tabus, entre eles o de que “quem é cego não pode estudar, pois não enxerga”. Portanto, os resultados apontam que, embora muito ainda precise ser feito para promover a educação inclusiva, a universidade já vem dando os primeiros passos de suma importância para promover a sociabilidade e integridade de todos os acadêmicos. Finda a investigação no banco de teses e dissertações da UFRN, partiu-se para a pesquisa no banco de monografias da Universidade do Estado do Rio Grande do NorteUERN, do Departamento de Educação, incluindo os níveis de graduação e pós-graduação. Nessa perspectiva, foram encontradas apenas uma monografia de Pós-Graduação Latu Sensu em Educação, com o título: Estudo de Caso do Desempenho de uma Criança com Deficiência Visual no Ensino Regular3. O trabalho citado, objetivou analisar e discutir o desempenho escolar de uma criança com deficiência visual inserida no ensino regular de uma Unidade de Educação Infantil do município de Mossoró/RN. Como metodologia, destacou o estudo de caso com vistas ao desenvolvimento cognitivo de uma criança deficiente visual. Como Fundamentação teórica, respaldou-se nas ideias de Mantoan (2006), Nascimento (2008), Silva (2010), como também em algumas publicações da Revista Inclusão (2005). Como resultados alcançados, o estudo evidencia a necessidade de uma formação contínua para o professor, bem como a precisão de ações coletivas por toda escola, visando à superação da exclusão. Assim posto, fica claro que o trabalho em equipe numa instituição escolar é de grande valia para o alcance de bons resultados. Considera-se, portanto, que as pesquisas desenvolvidas nos sites supracitados serviram para nortear o desenvolvimento da nossa dissertação, além de permitirem uma leitura reflexiva para o planejamento deste trabalho, possibilitando uma longa caminhada na estrada 3Vanessa Gosson Gadelha de Freitas Fortes. A Inclusão da Pessoa com Deficiência Visual na UFRN: A percepção dos Acadêmicos. Monografia. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.30\11\2005. 16 acadêmica, com diferentes desembarques que alicerçaram a sua qualidade e que contribuíram para a reflexão acerca da importância da construção de uma escola inclusiva. O embasamento teórico base para a construção da pesquisa está pautado nas ideias de: Brasil (1995); Carvalho (2004, 2007); Josso (2010); Mantoan (2003); Mazzota (1996); Mynaio (2010); Ramos (2005); Sassaky (1997); Souza (2006). Para a realização deste trabalho, considerou-se a abordagem qualitativa como melhor opção, pois é orientada para a análise dos casos concretos em sua particularidade temporal e local, partindo das expressões e atividades das pessoas em seus contextos naturais (FLICK, 2004). Uma abordagem qualitativa visa compreender as atitudes das pessoas ou de um grupo frente à realidade. Assim, possui algumas características próprias. A primeira firma-se no campo de estudo, ressaltando que “[...] a fonte direta dos dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 47). O pesquisador que se embasa na abordagem qualitativa aceita a complexidade da realidade do estudo, documentando-a no seu dia a dia, não sendo sua intenção manipular o cenário, chegando a resultados pré-determinados, mas entendendo os fenômenos que ocorrem em seu estado natural. Por essa razão, foram desenvolvidas aqui estratégias metodológicas que servirão para a construção do passo a passo na realização do projeto, que consiste em: fazer uma investigação qualitativa sobre uma criança cega; caracterizar o campo da pesquisa, no caso a escola foco das investigações, diálogos e análises do assunto, espaço este que trará grandes contribuições para a realização deste trabalho; levantamento da população e da amostragem que irão compor o projeto; e continuação da busca por técnicas e instrumentos de coleta de dados, através da análise documental e da aplicação de questionários com os professores envolvidos na pesquisa. O estudo está fundamentado na metodologia da História Oral, bem como na pesquisa (auto) biográfica, a partir da qual se buscará valorizar as histórias de vida e as experiências, tanto do aluno com deficiência visual como dos professores, pretendendo, alicerçá-las na expressão da subjetividade como experiência existencial, narradas pelos próprios sujeitos. O intuito é promover a aproximação entre a investigação e a formação desencadeada pelas abordagens biográficas de investigação, que balizarão a presente pesquisa e pelas 17 contribuições de teóricos que discutem o assunto. Dessa forma, a pesquisa adquirirá a sustentação e consistência necessária para a sua construção. A valorização das histórias de si, produzidas por si mesmos, tende a desencadear processos de reflexão e ressignificação dos sujeitos, constituindo-se, assim, além de espaços de investigação, também lugar de formação (PINEAU, 2006; NÓVOA; FINGER, 2010). Com esse entendimento, o trabalho de pesquisa foi estruturado de forma a apresentar um corpo teórico, que propicie refletir sobre aspectos diversos da proposta de educação inclusiva, privilegiada pelas políticas educacionais da atualidade e implementada no sistema educacional do país. Procurou-se delimitar o assunto partindo-se do mais amplo enfoque para atingir o mais específico, com os resultados da pesquisa realizada em escola do município de Janduís. Para cumprir com os objetivos propostos, a primeira parte do trabalho compreende o capítulo: A ESCOLA LÓCUS DA PESQUISA: CONTEXTO, SUBJETIVIDADES E AÇÕES, referente à (re) construção das ações desenvolvidas na escola. Este capítulo inicial possui como primeiro tópico Eu e a escola: entrecruzando sonhos, construindo histórias, composto por minhas narrativas advindas do primeiro contato enquanto docente da instituição. Aqui são resgatadas as lembranças de todo processo formativo inicial e o encontro com a criança deficiente visual, protagonista da pesquisa. No segundo tópico, intitulado Entre o fazer e o dizer: a Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito nas trilhas da inclusão, discuto fatos relevantes narrados por alguns funcionários da instituição, que serviram de alicerce para a contextualização do trabalho. Destacam-se os seguintes aspectos: convívio com uma criança com deficiência visual, dificuldades vivenciadas e aprendizados construídos ao longo da trajetória do trabalho desenvolvido com uma criança que não enxerga. O terceiro tópico, A escola hoje: enfrentando os desafios e (re)construindo sua identidade, traz uma discussão sobre o papel da escola hoje, na visão dos teóricos. Procurei estabelecer um diálogo com os discursos dos sujeitos, que compõem a escola lócus da pesquisa, valorizando suas narrativas e escutando suas vozes. Dessa forma, de relacionei elementos teóricos com o papel da escola no contexto atual, a fim de favorecer a construção de uma educação inclusiva de qualidade. 18 Na perspectiva de relacionar a escola lócus desta pesquisa, suas ações, desafios e sonhos, com a visão dos teóricos estudados, organizei o segundo capítulo, intitulado: UM CAMINHAR PELA DISCUSSÃO TEÓRICA ENVOLVENDO CRIANÇAS E PROFESSORES: O QUE DIZEM? O QUE PENSAM? Este capítulo surge com o propósito de fomentar discussões acerca das vivências das crianças, que estudam com uma criança com deficiência visual na escola lócus da pesquisa. Busquei, também, averiguar o processo de socialização e as experiências vivenciadas pelas professoras, que participaram do presente trabalho. No primeiro tópico, apresento A Socialização em sala de aula: narrativas (auto) biográficas das crianças envolvidas em nossa pesquisa, as falas das crianças que estudam na Escola investigada, para valorizar as experiências construídas entre os educandos e a criança deficiente visual. No segundo tópico, relato as Vozes que lutam pela inclusão: trajetórias profissionais de educadoras em busca de construir uma escola inclusiva. Neste ponto, saliento as narrativas das educadoras, que fizeram parte da pesquisa, que, incansavelmente, lutam dia a dia para construir uma escola inclusiva, que acolha e valorize a todos. No terceiro tópico, valorizo uma interrogação de uma criança em sala de aula: Professora, meu coleguinha não enxerga. Como ele vai aprender? Abordo, aqui, como é desenvolvido o trabalho pedagógico para garantir a uma criança deficiente visual o direito à aprendizagem. Apresento recortes do trabalho desenvolvido por duas educadoras do Pré II, na promoção do processo de aprendizagem desta criança. No terceiro Capítulo: NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS DAS PROFESSORAS PARTICIPANTES DA PESQUISA: SABERES E FAZERES QUE PROMOVEM A INCLUSÃO, apresento as narrativas (auto)biográficas das professoras, e estabeleço relações com às ideias defendidas pelos teóricos, que discutem a temática pesquisada. Este capítulo tem como primeiro tópico Entre o sabor e o saber: os docentes da Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito frente à inclusão. Nesse tópico, narro os sabores sentidos desde o início, quando os docentes se depararam com uma criança com deficiência visual, até 19 os saberes que foram construídos, paulatinamente, conforme as vivências estabelecidas com esta criança. No segundo tópico, exponho e discuto as Experiências docentes e práticas pedagógicas inclusivas: a difícil missão de garantir uma aprendizagem de qualidade. Nesse tópico, valorizo as narrativas das educadoras envolvidas na pesquisa, que contêm suas experiências pedagógicas construídas ao longo do caminho rumo à inclusão e a construção de uma aprendizagem significativa. No terceiro tópico, aponto as dificuldades de valorização das diferenças existentes em sala de aula, recebendo o título Eu não sou você, você não é eu: a difícil missão de valorizar as diferenças em sala de aula. Através dos relatos das professoras, ressalto as dificuldades e avanços em possibilitar a remoção das barreiras, que impedem a inclusão de todos no espaço escolar. No último ponto do terceiro capítulo abordo Tudo que se vê não é igual ao que a gente viu a um segundo: relatos sobre o olhar/fazer docente na construção de uma escola inclusiva. Tive como objetivo conhecer o olhar e o fazer docente frente à construção de uma escola contemporânea inclusiva, através do empenho de todos, que a compõem. Nas considerações finais, exponho ganhos pessoais, contribuições acadêmicas e sociais. Esta dissertação me ajudou a refletir sobre a questão da inclusão, mais especificamente o caso de um criança com deficiência visual e, sobretudo, seu potencial de aprendizagem. Posso afirmar, que com a academia, tendo proporcionado reflexões sobre as possibilidades da construção de uma escola inclusiva, na qual o professor é um mediador do processo de ensino-aprendizagem. Além disso, na escola, promovi debates e reflexões, sobre a construção de uma sociedade inclusiva, baseada em princípios éticos e igualitários. 20 CAPÍTULO 1: A ESCOLA COMO LUGAR DA PESQUISA: SEU CONTEXTO, SUAS SUBJETIVIDADES E SUAS AÇÕES ¹ Com a apresentação da escola, lugar do estudo, visa-se compreender melhor o seu histórico e a porção geográfica do município em que a está localizada, com o objetivo de situar o leitor. Vê-se ainda como relevante fazer (re)visitação ao cotidiano da instituição e destacar os seguintes aspectos: surgimento; realização de seus fazeres e práticas; caminhada que vem sendo construída, cotidianamente; enfrentamento de dificuldades e de entraves, que surgem na construção de aprendizagens rumo à consolidação de uma educação inclusiva de qualidade. A escola localiza-se no município de Janduís, pertencente ao Estado do Rio Grande do Norte, na Região Oeste Potiguar, distante a 286 km de sua capital, Natal. A cidade desenvolveu-se no território de uma tribo indígena, denominada Janduís. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano 2008, sua população era estimada em 5.569 habitantes em uma área territorial de 305 km². No começo, era habitado pelos índios Janduís. Mas, com a colonização portuguesa, como ocorreu em todo o território brasileiro, os povos foram misturados, formando uma etnia diversa. Considerando, apenas, os aspectos étnicos atuais, afirma-se que a povoação teve início no final do século XIX, com a expansão das fazendas de algodão ao longo da região, com principal destaque ao fundador do município, Canuto Gurgel do Amaral. O solo é propício à agricultura e está apto para culturas especiais de ciclo longo, tais como: algodão arbóreo, feijão, caju e coco. Janduís, no fim do século XIX, era um vilarejo denominado São Bento Velho, cuja principal atividade econômica era o cultivo do algodão. Próximo do cruzamento de vários caminhos para localidades importantes do Rio Grande do Norte e Paraíba, a fazenda de Vicente Gurgel do Amaral destacava-se entre as outras da localidade. Com a morte do proprietário das terras, a administração passa para um de seus onze filhos, o senhor Canuto Gurgel do Amaral, considerado o fundador do município. ________________ ¹Durante algumas passagens do texto, ocorrerá mudança da pessoa verbal tendo em vista relatar alguns momentos usando a 1ª pessoa, quando explicito vivências, sentimentos e ações em que vivenciei diretamente, sendo necessária, portanto, esta mudança. 21 Figura 1: Foto do centro da cidade de Janduís/RN. Fonte:Wikipédia Segundo as atas, ofícios e um livro escrito por um antigo historiador da cidade, Canuto Gurgel, em pagamento a uma promessa feita a São Bento, construiu a primeira igreja do município em 1912. O fazendeiro também construiu prédios comerciais e instalou a primeira feira em 1926, ganhando rapidamente popularidade na região e promovendo o desenvolvimento do povoado. Todavia, era comum a ocorrência de tumultos e troca de bofetes na rua. Daí o nome de São Bento do Bofete, denominação pela qual a região ficou conhecida por muitos anos. Em 1938, em homenagem ao então Presidente da República, Getúlio Vargas, São Bento Velho recebeu o nome de Distrito Getúlio Vargas. Apenas, em 1943, passou a ser chamado de Janduís, em homenagem aos índios da região, tendo sido desmembrado do município de Caraúbas em 1962, através da Lei Nº 2.746, de 7 de maio de 1962, e instalado em 12 de junho de 1962 e em 23 de agosto de 1962. No município são promovidos espetáculos artísticos, destacando-se o teatro como atividade que alimenta a cultura e o desenvolvimento da cidade sede, que já recebeu vários prêmios de âmbitos nacional, regional e estadual, pelo trabalho de incentivo à cultura, desenvolvido por algumas décadas. Os moradores têm oportunidades de contatos diretos e valorativos com a arte. Neste município, que respira arte, desenvolve a criatividade de seus habitantes e encanta os espectadores, está localizada, na zona rural, a Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito, lugar desta pesquisa. 22 1.1 Eu e a escola: entrecruzando sonhos, construindo histórias¹ Meu primeiro contato com a Escola Municipal Rural Antônia Eurlí de Brito ocorreu quando prestei um concurso público para professor da rede municipal de ensino no município de Janduís/RN. Fui aprovado em primeiro lugar, o que me trouxe grande honra e alegria e, também consolidou meu desejo de ter uma carreira profissional estável. Comecei a exercer a docência, na educação básica na referida escola, que me recebeu para a prática da tão sonhada profissão. Após ser nomeado, no dia 02 de junho de 2009, fui designado para lecionar em uma instituição, localizada na comunidade de Permissão, distante cerca de vinte e dois quilômetros da minha casa. De início, fiquei receoso, pois não conhecia o local, mas, com outras professoras, organizamos um transporte que, diariamente, nos conduzia até escola. Figura 2: Foto da Escola Municipal Antônia Eurlí de Brito/Janduís-RN Fonte: Acervo fotográfico da escola No primeiro dia, durante o percurso até a escola, fiquei pensativo e muitas questões vinham a minha mente, dentre elas: Como seria essa escola? Quem seriam meus companheiros de trabalho? Como seriam meus alunos? Quais alunos estariam em minha sala _________ ¹ O texto apresenta em alguns momentos mudanças de pessoa verbal com o propósito de, em algumas ocasiões trabalhar com as narrativas (auto)biográficas do autor. 23 de aula? Foram muitas interrogações que surgiram. Quando chegamos ao local, fomos recepcionados pelo porteiro, pelas auxiliares de serviços gerais e pela diretora, que nos trataram muito bem. Dessa forma, estabeleceu-se uma relação de reciprocidade e afetividade, que nos confortou e tranquilizou para desempenharmos as nossas funções. No primeiro dia, durante o percurso até a escola, fiquei pensativo e muitas questões vinham a minha mente, dentre elas: Como seria essa escola? Quem seriam meus companheiros de trabalho? Como seriam meus alunos? Quais alunos estariam em minha sala de aula? Foram muitas interrogações que surgiram. Quando chegamos ao local, fomos recepcionados pelo porteiro, pelas auxiliares de serviços gerais e pela diretora, que nos trataram muito bem. Dessa forma, estabeleceu-se uma relação de reciprocidade e afetividade, que nos confortou e tranquilizou para desempenharmos as nossas funções. Considero esse primeiro instante como um momento ímpar, que ficou marcado em minha memória de forma positiva. Apesar da simplicidade da escola, ali existiam pessoas de grande coração, acolhedoras, hospitaleiras e humildes, que nos acolheram muito bem. Com o passar do tempo, pesquisei, busquei informações e conheci a história da escola e de seu processo de construção. Muitos funcionários estavam trabalhando há alguns anos, mas não tiveram a curiosidade de conhecer profundamente os detalhes referentes ao percurso daquele estabelecimento que oferece, até hoje, a educação dos filhos da comunidade. As informações levantadas dão conta de que a Escola Municipal Antônia Eurlí de Brito foi fundada em 06 de março de 2000, e dispõe da seguinte estrutura física: duas salas de aula, dois banheiros, uma secretaria e uma cozinha. Inicialmente, funcionou como um anexo¹ da Escola Municipal Aluízio Gurgel, localizada na zona urbana do município. Somente no ano de 2006, a referida instituição foi considerada independente, através do Decreto Municipal Nº 03/2006. Este fato é favorável ao desenvolvimento do município, que ampliou a quantidade de escola, em diversos distritos. 24 Figura 3: Atividade cultural desenvolvida na escola Fonte: acervo fotográfico da instituição As escolas e o ensino interferem diretamente no desenvolvimento da sociedade e do mundo, por conseguinte, é necessário situar a Escola Municipal Antônia Eurlí de Brito e o período de sua fundação, em um contexto mais global, lembrando que de 2000 a 2006, o cenário mundial fora marcado pelo avanço da ciência, por exemplo: mapeamento o DNA humano e avanços de cura de doenças. A acentuada evolução da medicina e os avanços técnico-científicos provocaram fortes impactos na sociedade. No ano 2000, foi comemorado o aniversário de 500 anos do Brasil e houve destaque para o momento de desenvolvimento político, histórico-cultural. Muitos políticos afirmavam, em seus slogans de campanha, “Este é o país do futuro”. Para alguns, estava na hora do Brasil crescer e reduzir as altas taxas de desemprego e desigualdades sociais. Certamente, essas ideias de desenvolvimento influíram as decisões do poder político local em relação à escola em foco. Em 2006, merece destaque, também, a aprovação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pela Organização das Nações Unidas (ONU). Esse documento trouxe a seguinte inovação: a deficiência é considerada como um conceito em evolução e, sobretudo, ____________________ ¹ Escola anexa é aquele que não tem autonomia administrativa em tomar suas decisões próprias para a melhoria do funcionamento. 25 é resultante da interação entre as pessoas com deficiência e a sociedade. A referida convenção, em seu Artigo 3, Parágrafo1 estabelece: O respeito pela dignidade inerente, independência da pessoa, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e autonomia individual; A não-discriminação; A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; A igualdade de oportunidades; A acessibilidade; A igualdade entre o homem e a mulher; e O respeito pelas capacidades em desenvolvimento de crianças com deficiência e respeito pelo seu direito a preservar sua identidade. Tais reflexões abriram espaço para o debate sobre as barreiras encontradas nas atitudes e nos ambientes escolares, o que poderá trazer uma plena e efetiva participação desses indivíduos no meio social. Dessa forma, os direitos das pessoas com deficiência começaram a ser reconhecidos e intensificou-se a busca pela conscientização da população quanto a isso. Para alcançar resultados e estabelecer medidas mais avançadas, a ONU (2006) tinha como objetivos primordiais: Combater estereótipos, preconceitos e práticas nocivas em relação a pessoas com deficiência, inclusive os baseados em sexo e idade, em todas as áreas da vida; Promover a consciência sobre as capacidades e contribuições das pessoas com deficiência. Em relação à educação, o Artigo 24 da Convenção, reconhece o direito das pessoas com deficiência, garantindo-lhes, através dos Estados, “[...] um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda vida”. Objetivando a realização deste direito, os Estados assegurarão o “[...] acesso ao ensino fundamental inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem” (ONU, 2006). Como apontado anteriormente, a Escola Municipal Antônia Eurlí de Brito foi inaugurada nesse contexto de discussão sobre a inclusão das pessoas deficientes. Nesse 26 mesmo ano de 2006, tornou-se Unidade de Ensino Independente, deixando de ser um anexo pertencente à outra instituição municipal, portanto, passou a ter autonomia administrativa. Houve uma reforma e ampliação de sua estrutura física, pois foram construídas mais três salas de aula, um laboratório de informática e um banheiro para os funcionários. Hoje, dispõe de cinco salas de aula, portanto, oferece espaços mais adequados às atividades de ensino e aprendizagem das crianças, adolescentes e jovens O quadro de funcionários está composto: quinze professores, dez auxiliares de serviços gerais, três vigilantes, uma diretora e um supervisor pedagógico. Quanto aos alunos, comporta um total de duzentos e dez matriculados, desde a Educação Infantil (creche) ao 9º Ano do Ensino Fundamental. Através de conversas com alguns funcionários, moradores antigos da comunidade, e também com alguns estudantes sobre o porquê do nome da escola ser Antônia Eurlí, recebi a seguinte informação: trata-se de uma homenagem à esposa de um fazendeiro, que havia doado a terra para sua construção. A homenageada era mãe de alunos da escola. O fato interessante é que, geralmente, os nomes das escolas reportam-se a ex-professores, políticos, mas, dessa vez a homenagem foi a uma mãe de estudantes, mesmo havendo o reconhecimento da doação de terras para a construção da instituição. Figura 4: Apresentação da turma do 1º Ano na Hora Cívica Fonte: Momento Cívico- Apresentação realizada pela turma do 1º Ano. 27 Quando comecei a lecionar na escola, tomei conhecimento de que havia uma aluno com deficiência, que era cego de nascença. Isto me comoveu e procurei identificar era essa criança e seus pais; e, sobretudo, tentei conhecer sua vida diária em decorrência de suas limitações físicas. Percebi que ele não frequentava regularmente a sala de aula. O fato é que seus pais tinham medo de deixá-lo, na escola, somente em companhia das professoras, alunos e demais funcionários. A escola não tinha a estrutura física necessária para acolher essa criança, por conseguinte, seus pais preferiam não mandá-lo todos os dias para assistir as aulas. Esse assunto foi me causando cada vez mais incômodo. Como poderia um aluno matriculado regularmente na escola não frequentar assiduamente, devido à falta de confiança dos pais na instituição? À procura de respostas, eu e uma colega fomos à casa dessa criança, visitá-la e conhecer seus pais. Quando chegamos, a mãe nos recebeu com receio, pois não me conhecia, o que era natural. A timidez e o medo da mãe eram reflexos de não saber nada sobre mim e, possivelmente, julgava que eu poderia ‘zombar’ de seu filho, uma criança cega. Talvez, pensasse que eu poderia desfazer da educação oferecida pela família. Mesmo assim, não hesitei e começamos a conversar. A mãe foi nos contando toda a história da criança, desde o nascimento. A partir daí, comecei a me interessar, ainda mais, pela educação inclusiva. Percebi que aquela criança com deficiência visual, deveria ser vista e respeitada como pessoa com direitos à cidadania. Comecei a pensar que era possível mudar essa história e construir um novo (re)começo na sua educação. Cada situação contada pela mãe da criança me deixava interessado, atento a cada detalhe, procurei conhecer todo o caminhar trilhado pela família para vivenciar e gerenciar o problema vivido. Dentre os depoimentos da mãe, um detalhe chamou minha atenção, quando ela disse, com os olhos cheios de lágrimas: “Meu filho é tudo o que tenho de mais importante!” Aquele momento foi forte, marcante e emocionante, pois via em seu discurso e em suas memórias, que seu filho era o presente mais valioso, que, apesar de sua limitação e das inúmeras dificuldades enfrentadas por toda família, ela o amava com toda dedicação. A mãe dessa criança, ao relatar informações e vivências ocorridas em sua trajetória, destacou um assunto que também me intrigou: a recepção da escola, pois um funcionário afirmou: “Não adianta ela colocar essa criança na escola, pois ele não vai aprender nada 28 mesmo!” Outro dizia: “Para que esse menino estudar se é cego?” A mãe declarou que tais palavras iam tomando conta de seu eu e provocaram profundas mágoas, por isso, ela não via a escola como um espaço inclusivo. Não podia compreender a escola como um local propício ao desenvolvimento de seu filho, que trouxesse resultados positivos para a aprendizagem e, assim, traria alegria e felicidade para toda a família. Nesse momento, pude falar, com toda propriedade, e que isso não era verdade, que ela deveria mandar seu filho diariamente à escola, pois ele precisava interagir com outras crianças, tendo, também, o que ensinar e aprender. Mas, mesmo assim, senti que a mãe era insegura, pois tinha medo de que seu filho fosse excluído, discriminado e até ser motivo de risos para os demais alunos da escola. Vi esse pensamento como natural, uma vez que ela não tinha o conhecimento científico necessário para contornar sozinha tal situação. Considerava que era melhor seu filho ir para a escola, esporadicamente, passando a maior parte de sua vida em casa, trancado, sem sentir a brisa ou o calor do sol, sem o contato com outras pessoas, para que não fosse motivo de risos. Essa mãe não via a escola como um lugar de sujeitos diferentes, mas de pessoas uniformes, com as características prontas para aprender. Ou seja, escola era lugar de indivíduos iguais, sem nenhuma limitação. No pensamento dessa mãe, na escola, havia preconceito contra seu filho, porque ele não era do mesmo jeito dos outros alunos. Sua concepção de relação social estava distante do ideário, que se firmava naquele momento sobre a educação inclusiva. Conforme Beyer (2006, p. 73) destaca, que a educação inclusiva caracteriza-se: “[...] como um novo princípio educacional, cujo conceito fundamental defende a heterogeneidade na classe escolar, como situação provocadora de interações.” Além disso, o autor ressalta a necessidade de se propor, na inclusão, uma pedagogia que faça dilatar as diferenças do alunado, que devem ser trabalhadas na escola, tendo em vista a formação para a diversidade. De acordo com Mittler (2003, p. 34) a educação inclusiva está: “[...] baseada em um sistema de valores que faz com que todos se sintam bem vindos, e celebra a diversidade”. Sob tal perspectiva, o professor, os funcionários da escola e, em especial, a família precisam fazer parte desse sistema de valores e, sobretudo, conceber as diferenças como aspectos ligados à humanidade e aos demais seres presentes no mundo. 29 A partir dessa definição, é conveniente destacar que a educação inclusiva tem como objetivo valorizar as diferenças, acreditar no potencial humano e enxergar a heterogeneidade existente, na sala de aula, como um princípio necessário à construção de valores úteis à sociedade, que respeita as singularidades de cada sujeito. Nesse sentido, passei a refletir e surgiram diferentes questionamentos, tais como: o que fazer para ajudar essa família? Que ações a escola poderia desenvolver para promover a inclusão da criança? Daí em diante, me tornei um amigo próximo daquela família, alguém que estaria ali para somar e contribuir com o processo de inclusão da criança, que precisava ser incluída na escola e no seio social. Agora, o problema, também, me dizia respeito, pois eu era docente da instituição, na qual a criança estuda. Desde então, me aproximei mais dessa criança e passei a conversar com ela, a fim de motivá-la e, também, mostrar à família que era preciso confiar na escola e vê-la como um espaço indispensável ao desenvolvimento de habilidades físicas e intelectuais desta criança. Porém, confesso que, apesar de toda a confiança que já depositava na família, quando me aproximei da criança, fiquei com certo medo, pois não sabia utilizar estratégias, que pudessem ajudá-la a interagir, por exemplo, o sistema braile. Nunca havia me deparado com uma situação semelhante, por conseguinte, busquei alternativas, que colaborassem com a permanência e com o desenvolvimento dessa criança, que estava em processo de formação. O momento de minha aproximação com a criança trouxe-me preocupações, pois a escola não dispunha sequer de material didático especializado, que pudesse ser utilizado a favor do aprendizado do aluno. Além disso, esse menino era o primeiro com deficiência visual recebido pela escola e todos afirmavam não saber trabalhar com ele; diziam que seria quase impossível essa criança ficar no espaço escolar, devido às condições precárias. Mas, a determinação de ajudar me encorajou a lutar, pois apesar de toda purgação, dificuldades e barreiras existentes, também, acreditei que poderia existir alguma saída para esse problema. Para alimentar a esperança de mudança e enriquecer as colocações expostas aqui, tomei como referência Stainback e Stainback, Omote (2005). Esses autores afirmam que os ganhos positivos da educação voltada para a ampla diversidade atingem os fatores relativos à aprendizagem dos conhecimentos escolares e, sobretudo, são vantajosos para o desenvolvimento de atitudes favoráveis à pessoa com deficiência. Dessa forma, o desenvolvimento de habilidades sociais prepara o indivíduo para a vida em comunidade, 30 consegue diminuir o seu isolamento e segregação. Também são esperados melhores resultados na “[...] aceitação e valorização das diferenças individuais [...] na autoestima [...] na capacidade genuína de amizade e na aquisição de novas habilidades” (POWER-DEFUR; ORELOVE apud OMOTE, 2005, p. 35). Após o período de contato com essa criança com deficiência visual, durante minha atuação como pesquisador e docente, percebi a relevância da interação que tivemos, para o meu crescimento pessoal como profissional e para sua evolução como um indivíduo com limitações. Além disso, até a minha chegada como amigo da família, aquela criança vivia trancada em casa, sem contato com outras da sua mesma idade. Considero que os contatos com a família e as narrativas da mãe dessa criança me deram coragem de buscar garantir o seu direito de acesso e a permanência na escola. Além disso, tais relações me impulsionaram a não desistir e procurar construir, de modo coletivo, uma escola inclusiva e que valorize as diferenças de seus aprendizes. É necessário sempre lembrar que a educação inclusiva, ou melhor ainda, que as escolas inclusivas são escolas para todos, como afirma Carvalho (2005, p. 29), quando trata de definir o sistema de educação inclusiva: [...] implica num sistema educacional que reconheça e atenda às diferenças individuais, respeitando as necessidades qualquer dos alunos. Sob essa ótica, não apenas portadores de deficiência seriam ajudados e sim todos os alunos que, por inúmeras causas, endógenas ou exógenas, temporárias ou permanentes, apresentem dificuldades de aprendizagem ou no desenvolvimento. A mesma autora, quando expõe seu conceito de escola inclusiva, afirma que esta “[...] pressupõe uma nova maneira de entendermos as respostas educativas que se oferecem, com vistas à efetivação do trabalho na diversidade” (CARVALHO, 2005, p. 36). Tal conceito se baseia na defesa dos direitos de acesso, ingresso e permanência com sucesso em escola de qualidade, de integração com colegas e educadores, de apropriação e construção do conhecimento e exige em mudança de atitude diante das diferenças, “[...] desenvolvendo-se a consciência de que somos todos diferentes uns dos outros e de nós mesmos, porque evoluímos e nos modificamos” (CARVALHO, 2005, p. 36). 31 A escola tem essa tarefa: garantir a todas as crianças uma educação digna e de qualidade, fundamentada nas políticas públicas, que defendem o direito ao acesso e ao desenvolvimento integral do educando. Professores, gestores e funcionários precisam desenvolver um trabalho focado na coletividade, que promova mudanças e impulsione melhorias no âmbito educacional. Nesse sentido, me debrucei sobre a Constituição de 1988 e procurei investigar os principais artigos que tratam do referido assunto. Destacam-se, pois, o Artigo 208, Inciso III, no qual a Lei determina que “[...] o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Também a Lei Nº 9.394/96, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), pela qual o Brasil institui a política educacional como inclusiva, em seus princípios, prevê a “[...] igualdade de condições para o acesso e permanência nas escolas”. A LDB dispõe sobre o direito à educação e prioriza, ainda, em seu Artigo 4º, Inciso III “[...] atendimento educacional especializado, gratuito, aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1996). Na continuação, o capítulo V da LDB é todo dedicado à Educação Especial prevendo: Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns. Nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, instituídas pela Resolução Nº 02/2001, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), encontram-se muitos avanços referentes à perspectiva da universalização do ensino. Essa resolução se tornou um marco fundacional, no que diz respeito à diversidade na educação brasileira. Vê-se ainda no Artigo 2º a seguinte disposição: 32 Art. 2º. Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos (BRASIL, 2001b). Outro referencial que amplia o entendimento da disposição legal para com a Educação Inclusiva no sistema educacional brasileiro é o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei Nº 10.172/2001, que destaca em seu texto: “O grande avanço que a década da educação deveria produzir seria a construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade humana” (BRASIL, 2001a). A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) estabelece que as diretrizes para a construção dos sistemas educacionais inclusivos são “[...] a garantia do direito de todos à educação, o acesso e as condições de permanência e continuidade de estudos no ensino regular” (DUTRA, 2008, p. 1). Essa mesma política orienta que os sistemas de ensino devem garantir: •Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior; •Atendimento educacional especializado; •Continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino; •Formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão escolar; •Participação da família e da comunidade; •Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação; e •Articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008, p.34 ). Como descrito acima, há diversas diretrizes específicas para a educação inclusiva, portanto, cabe à escola se adequar às políticas públicas para garantir os direitos dos estudantes e, a cada dia, procurar favorecer uma educação inclusiva. A partir desse aprendizado, comecei a entender que a convivência com as diferenças nos fortalece e nos torna mais humanos. Percebi também que toda criança tem o direito a uma escola pública de qualidade, pois é capaz de aprender e, sobretudo, deve ser reconhecida como cidadã. 33 1.2 Entre o fazer e o dizer: a escola municipal Antônia Eurlí de Brito nas trilhas da inclusão A escola é um espaço considerado necessário ao crescimento e ao desenvolvimento dos alunos, pois é um ambiente, no qual estão presentes os seguintes fatores: organização curricular, regras pré-definidas, aulas e atividades didáticas, que viabilizam o processo de ensino e aprendizagem. Sob essa ótica, Santos (2007, p.19) afirma que cabe à escola: “[...] tomar decisões e criar condições de processos democráticos, funcionando como um centro cultural e educacional dos alunos e do restante da comunidade escolar”. Segundo esse autor, a escola deve promover o desenvolvimento integral do aluno, na perspectiva de preparação para a vida social, profissional, tendo como base os princípios de cidadania. Assim sendo, a instituição escolar comporta a pluralidade de saberes dos alunos. As individualidades e particularidades individuais exigem que a organização da ação didática seja voltada paras as reais necessidades dos estudantes, tendo como ponto de partida o respeito às diferenças. Por conseguinte, o trabalho deverá ser focado na heterogeneidade em sala de aula. É necessário informar que a instituição lócus da presente pesquisa é uma unidade de ensino, que está funcionamento há pouco tempo, porém, atende alunos de diferentes comunidades rurais, que apresentam necessidades variadas. Em geral, o aluno vivencia uma realidade familiar, que pouco contribui com o seu desenvolvimento intelectual, portanto, necessita do ambiente escolar, considerado como único espaço, no qual tem acesso à cultura letrada. Figura 5: Aula de leitura numa turma da pré-escola Fonte: Acervo fotográfico da escola. 34 Para iniciar presente estudo, foi imprescindível conhecer a escola, em algumas de suas dimensões: físicas, administrativas e pedagógicas, mesmo sem a pretensão conhecer, minuciosamente, a instituição em sua globalidade. Desta forma, para compreender o funcionamento da escola, conversei com a gestora e apresentei meu projeto de pesquisa, tendo enfocado a necessidade de reflexão do trabalho, que vem sendo desenvolvido pela instituição, a fim de melhorá-la. O intuito maior foi oferecer um ensino eficiente, que atenda às necessidades dos educandos. A gestora disponibilizou todos os documentos, tais como: ofícios, atas e declarações, que possibilitaram a compreensão da esfera gerencial da entidade educacional. Durante as atividades de investigações, constatei que a escola não possuía o Projeto Político Pedagógico (PPP), documento, que tem a função de nortear suas ações. Essa lacuna dificultava a identidade da instituição, portanto, era impossível identificar seus objetivos e metas, possibilidades, dificuldades, necessidades e pretensões, ou seja, onde pretendia chegar e que alunos desejava formar. A não existência desse documento dificulta o trabalho de planejamento institucional a curto, médio e longo prazos. Verifiquei que, em sua trajetória, a instituição encontrou algumas dificuldades, dentre as quais, destaca-se o recebimento de uma criança com deficiência visual, não escolarizada. Com base na Convenção dos Direitos da Criança (1989) e na Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994), entre outros documentos, é preciso citar alguns princípios, que precisam ser contemplados pelo currículo escolar. O currículo proposto para uma criança deve favorecer experiências em um ambiente, no qual: • A criança aprenderá quem ela é, seu valor enquanto pessoa, sua cultura e seu país. • A criança deverá estar segura em um ambiente que não a agride física, emocional ou socialmente, e não vivencia abuso ou discriminação. • A criança tem garantido o direito à saúde e ao bem-estar. • A criança vivencia experiências positivas, pacíficas e afirmativas. • Seu contexto de aprendizagem é rico em estímulo, motivador e alegre. • As experiências deverão estimular sua curiosidade e a exploração ativa, considerando sempre seu ritmo e seus interesses. A importância do brincar deverá ser sempre reconhecida, e o tempo para pensar e fantasiar deverá ser garantido. • A criança deverá aprender a conservar seu ambiente físico e cultural. • Os profissionais e a família observam criteriosamente seu progresso, estabelecendo objetivos apropriados para sua aprendizagem, provendo um ambiente enriquecido no qual a experiência da criança seja bem sucedida e desafiadora para novas aquisições, e onde o seu potencial para aprender seja reconhecido. 35 • A aprendizagem não é limitada por discriminação sexual. • A aprendizagem não é limitada por discriminação de raça ou pela cor. • As decisões sobre a educação da criança deverão ser compartilhadas com sua família. • Os conflitos são resolvidos pacificamente. • A importância da família e do lar é reconhecida. • A aprendizagem é reconhecidamente um processo para toda a vida e inclusive para os adultos que acompanham a criança e que estão também em processo de aprendizagem. • Todas as pessoas têm o direito de terem implementados esses princípios (BRASIL, 1994). Tais princípios têm por objetivo integrar os alunos, reconhecer suas diferenças, promover aprendizagens significativas e atender às necessidades de todos. A Declaração de Salamanca (1994) concebe que o princípio básico da inclusão está na resposta educativa, que a escola proporciona ao indivíduo após identificar suas necessidades e, assim, proporcionar uma educação de qualidade para todos. Como podemos perceber na fotografia abaixo, a escola ao desenvolver suas atividades didático-pedagógicas buscava atender as especificidades dos educandos e planejar ações que favorecessem a interação entre todos. Figura 6:Atividade desenvolvida no dia do estudante. Fonte: Acervo fotográfico da escola. Inicialmente, foi muito difícil para a instituição lócus da pesquisa receber o aluno objeto deste estudo, pois, conforme já citado, alguns professores afirmavam não saber lidar com uma criança com deficiência visual e outros falavam não ter preparação adequada. Dessa 36 forma, o desenvolvimento cognitivo do aluno ficou prejudicado. Os funcionários não compreendiam que a educação inclusiva está baseada em um novo paradigma, em termos educativos. Significa pensar em uma nova concepção de escola, a partir da qual todas as crianças, sem exceção, têm a mesma igualdade de oportunidades, independentemente, de valores culturais, de limitações físicas e/ou intelectuais. É indispensável refletir sobre tal proposição, que não é necessário capacitar um profissional específico para trabalhar com a inclusão. Não há uma receita pronta para trabalhar com uma criança com deficiência visual, pois, tal desafio deve ser vencido, cotidianamente, cabendo ao professor buscar estratégias, que dinamizem as atividades didáticas e garantam, que aprendizagem seja efetivada, mesmo de maneira processual. Essa tarefa exige compromisso de todos e consciência da abrangência do trabalho do docente. Neste sentido, a Política Nacional de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva, orienta que os profissionais da escola desenvolvam estratégias e recursos especiais, quando existirem alunos, que se encaixem na perspectiva da inclusão, pois todos precisam ter oportunidade de usufruir do ensino em uma classe regular. Para isso: [...] o professor deve criar estratégias considerando que alguns alunos podem demandar ampliação do tempo para a realização dos trabalhos e o uso [...] de informática ou de tecnologia assistiva como uma prática cotidiana. [...] Cabe aos sistemas de ensino, ao organizar a educação especial na perspectiva da educação inclusiva, disponibilizar as funções de [...] monitor ou cuidador dos alunos com necessidade de apoio nas atividades [...] que exijam auxílio constante no cotidiano escolar (BRASIL, 2008). De acordo com essa orientação, os direitos da criança, relativos à educação inclusiva, não se limitam à assistência ao ensino, mas a outros aspectos, que vão além de uma vaga em sala de aula regular. No caso do lócus desta pesquisa, que se situa em um espaço rural carente de recursos financeiros e pedagógicos, muitas vezes, enfrenta alguns problemas que prejudicam, diretamente, o aprendizado das crianças. As principais carências são: falta de investimentos adequados às reais condições de atendimento; não existência de tecnologia assistiva e não formação especializada do professor. Além disso, existem outros problemas, tais como: no período do inverno, as enchentes impedem algumas crianças de frequentar a escola; o analfabetismo de muitas famílias; o preconceito e o descaso do poder público com as zonas 37 rurais, deixando-as esquecidas no tocante ao atendimento educacional. Por isso, é necessário que a instituição desenvolva posturas voltadas para a inclusão e mostre aos educandos, que a sociedade é composta por pessoas diferentes, por exemplo, nos seguintes aspectos: pensamentos, ações e aparência física, mas, todos são merecedores de respeito. Conforme pesquisado, diante das dificuldades, a referida unidade de ensino desenvolvia ações voltadas, apenas, para as crianças ditas “normais”. O trabalho didáticopedagógico era pensado e planejado para atender aos educandos que, aparentemente, não apresentavam nenhum tipo de deficiência. Quando essa criança com limitações chegou à escola, houve necessidade de inúmeras mudanças em relação à estrutura arquitetônica e às práticas pedagógicas desenvolvidas pelos docentes, com a finalidade de garantir a sua inclusão. Somente, assim, foi possível reconhecer a necessidade de melhorar o trabalho que vinha sendo desenvolvido na escola em foco. Como melhoria do trabalho desenvolvido pela escola, podemos destacar a implementação de aulas-passeio no currículo escolar como estratégia metodológica para contribuir com a melhoria do processo de ensino-aprendizagem, além de motivar os educandos na construção do conhecimento de forma dinâmica e interativa, além de favorecer a socialização e a prática do lazer. Figura 7: Aula de Campo em comemoração ao dia do Estudante Fonte: Acervo fotográfico da unidade educacional. 38 Na parte física da escola, as mudanças foram iniciadas com a organização da sala de educação infantil. As mesinhas passaram a ser dispostas de modo que todas as crianças ficassem próximas umas das outras, o que permitiu maiores interações e transmissão de afetos, que são indispensáveis para esta faixa etária. Essa estratégia visava o acolhimento das crianças com mais afetividade e, também, a identificação das dificuldades dos educandos. Após o cadastramento de uma criança com deficiência visual, no censo escolar, a instituição recebeu um recurso financeiro do Governo Federal, via Ministerio da Educação, para favorecer sua acessibilidade. No entanto, até o momento, nada foi feito em termos de construções ou reformas. Nos encontros pedagógicos, foram inseridos, com mais consistência, estudos, leituras e discussões relativas à temática da educação inclusiva. Os professores buscaram subsídios para nortear a práxis de toda a equipe escolar. As orientações são para reorganizar o trabalho pedagógico, no sentido de dar mais atenção a essa e às outras crianças, propiciar um ambiente mais comunicativo, afetivo e dialógico, tendo em vista o desenvolvimento integral de todos os alunos. Segundo Porter (1998) e Correia (2005), a educação inclusiva é um sistema, no qual os alunos com necessidades educativas especiais frequentam ambientes de sala de aula regular, apropriados para a idade, com colegas que não têm deficiência/dificuldades. Em tais espaços, devem ser oferecidos apoios necessários às suas necessidades individuais, que lhes permitirão atingir os mesmos objetivos de seus pares, mas, por caminhos diferentes. Na escola pesquisada, há um trabalho pioneiro, pois todos começaram a trabalhar de forma mais participativa. Com isso, foi percebido que o trabalho coletivo deveria fazer parte da rotina diária. São desenvolvidas atividades que promovem a integração de todos. Nesse contexto, é mister ressaltar que a interação afetiva deve existir entre todos os envolvidos na educação, pois favorece o desenvolvimento integral do ser humano. O sujeito desta pesquisa vivenciou muita solidão, pois ficava em casa, na companhia de seus pais, sem conviver com outras crianças. De certa forma, tal situação provocou um retrocesso no seu aprendizado. Essa opinião está apoiada em Vygotsky (1989), quando enfatiza que o indivíduo depende do meio para se desenvolver. Kelman (2010) ressalta que Vygotsky (1989) considera que existe, no ser humano, uma continuidade e uma ruptura entre o que é biológico e o que é cultural: o cultural supõe o biológico, ao mesmo tempo em que o transforma. 39 O meio em que essa criança está inserida é vital para o seu crescimento biológico e cultural. Buscando realizar atividades, que propiciassem a integração entre os educandos e o desenvolvimento das ações planejadas, foi constatado grande avanço conquistado pela escola investigada, no sentido de garantir a matrícula de um aluno com deficiência visual e, também, reestruturar o seu currículo para promover ações inclusivas e socializadoras. No decorrer do ano letivo de 2011, foram muitas atividades realizadas pela instituição, dentre as quais se destacam: uma gincana no dia do estudante, quando foi planejada uma serie de atividades, que exigiam esforço físico, mental visual e cooperativo. O objetivo nessa atividade foi possibilitar aos educandos vivenciarem situações, que apresentassem algum tipo de dificuldade, para que vissem a necessidade de ajudar ao próximo e valorizar suas capacidades, independente de suas limitações. No dia dessa gincana, muitas tarefas interessantes foram realizadas, atividades que, de certo modo, todos já conheciam, mas receberam um grau a mais de dificuldade, objetivando que os alunos percebessem o quanto uma criança que não enxerga precisa de ajuda. Enfim, foram propostas tarefas que exigiam a integração e a colaboração de toda a equipe. Vale citar uma que consistia no seguinte: cada equipe escolhia um representante para encher uma garrafa pet com capacidade para dois litros, porém, cada escolhido teria uma venda nos olhos e, ao ir enchendo, derramava a água fora do recipiente, pois não estava enxergando, portanto, necessitava do apoio dos demais da equipe. Outra tarefa realizada foi corrida em duplas. Cada equipe elegia dois representantes, um seria o guia e o outro o que estaria com uma venda nos olhos, sendo guiado pelo companheiro. Esta corrida foi muito interessante, pois algumas crianças, embora tivessem o apoio do guia, não se sentiram seguras, achando que as orientações não estavam certas e que poderiam se machucar, o que causou certo receio, levando-as a caminhar lentamente. Essas atividades integraram os estudantes, que se sentiam felizes em desenvolver coletivamente as tarefas propostas. E, sobretudo, cada um teve a chance de estar no lugar daquele, à quem não é dado o privilégio de visualizar as coisas em seu dia-a-dia. Como é possível verificar, a gincana foi essencial para confirmar que a escola pode não, somente, fornecer o acesso ou garantir uma vaga, cumprindo com o dever de matricular a criança com deficiência. Há necessidade de desenvolver meios, que trabalhem valores voltados para o respeito e compreensão, o que contribuirá para o relacionamento pessoal do 40 aluno com necessidades educacionais especiais e com toda a comunidade escolar. Agindo desta forma, relativamente aos benefícios que a educação inclusiva traz aos alunos, Correia (2005, p.54) afirma: [...] que a filosofia da inclusão tem benefícios para os alunos com necessidades educativas especiais, mas também traz vantagens para os alunos sem necessidades educativas especiais, uma vez que lhes permite perceber que todos somos diferentes e, por conseguinte, que as diferenças individuais devem ser respeitadas e aceitas.” [...] a inclusão promove a conscientização e a sensibilização dos membros de uma determinada comunidade, porque permite uma maior visibilidade das crianças com necessidades educativas especiais. Assim, a sociedade recepciona essas crianças como parte de um todo, aceitando-as, progressivamente, como tal. Pensando nesses benefícios e em vê-los operar no meio da comunidade escolar, após a realização das tarefas, a escola e sua equipe organizaram um momento de autoavaliação da atividade, para que todos fossem ouvidos e, tivessem a oportunidade de relatar as aprendizagens construídas ao longo da gincana, incluindo os medos, as expectativas, as emoções. Nesse momento, cada um avaliou a gincana para, a partir daí, planejar outras atividades, que tivessem esse propósito de integrar os educandos, que poderão conhecer as individualidades uns dos outros. A gincana trabalhada permitiu reflexões, que levaram ao entendimento da necessidade de questionar, debater e conjecturar sobre as diferenças na escola, o que proporciona a experiência de grandes variedades de situações para a construção da aprendizagem. Reconhecendo tais limitações e dificuldades, os professores podem executar tarefas, que para uns são simples, mas, para outros já apresentam certo grau de desafio, criando, assim, uma atmosfera positiva na escola. Convém ressaltar que toda a escola sentiu necessidade de mudar sua prática, por mais simples que fosse. Foi preciso reconhecer que ali estava matriculada uma criança que também necessitava de atenção, de afeto, carinho e que, acima de tudo, precisava aprender. É preciso perceber que a criatividade e a dinâmica de trabalho do educador deveriam fazer parte, continuamente, de suas ações, para colaborar com a evolução dessa criança. Diante de tantas mudanças, destacou a prática docente em relação ao desenvolvimento de um trabalho, que atendesse às individualidades e à coletividades de cada educando. Cabe ao educador refletir sobre sua ação didática com o intuito de não excluir nenhum aluno, mas 41 tentar integrá-los ao ambiente escolar. Para cada professor foi relevante reconhecer que o seu papel não é simplesmente sistematizar os conteúdos, mas mediá-los, e desenvolver uma relação de afeto e cooperação entre todos. Com tal concepção de prática docente, esse aspecto da inclusão insere reflexões sobre as relações pessoais e sociais em comunidade. Ser professor no século XXI é ser alguém que, sobretudo, sabe relacionar-se pessoalmente com cada aluno e com cada pessoa, respeitando a diferença que identifica cada um. Esta atitude implica um processo crítico, reflexivo e construtivo do professor capaz de promover a educação dos sentimentos, do amor e dos valores, como forma de ajudar os outros a serem felizes, a encontrarem-se a si próprios, a aprenderem a ser e a saberem respeitar o outro (GOMES apud SANTOS, 2007, p. 201). É perceptível que não é fácil lidar com a heterogeneidade em sala de aula, pois cabe ao professor para atender cerca de quinze a vinte crianças. Entretanto, com criatividade e responsabilidade, é possível conseguir planejar um trabalho voltado para a inclusão, uma criança deficiente visual ou com qualquer limitação. Mediante tal proposição, durante um encontro pedagógico realizado na escola para o planejamento de atividades, a coordenadora pedagógica iniciou a atividade com a leitura de um texto intitulado “Muito obrigado meu aluno problema”. De início, achei o título convidativo, pois, sem uma leitura prévia, me interrogava: Quem era esse aluno problema? Que problema seria enfrentado por esse aluno? Como poderia um educador agradecer a uma criança com problemas sobre seu trabalho? Enfim, foram surgindo várias inquietações saciadas somente com a leitura do texto que segue: Muito obrigado meu aluno problema (Elyanne Brasil)4 Sua letra não é legível, seu caderno não tem capricho, a capa está arrancada, o dever, incompleto, as “orelhas” se multiplicam. Seus lápis quando existem, nunca estão apontados. Você se distrai com o ruído de uma mosca. É o último a responder as ordens, o primeiro a liderar o barulho. Se você levanta a mão, reluto em lhe dar a palavra – só vem besteira- você já chega amarfanhado de casa, com a cara suja de vestígio de lágrimas – você brigou na rua, ou foram os tapas de seu pai que já perdeu a paciência há muito tempo? As avaliações são um pesadelo para você. E o resultado... Ah! Meu 42 Deus, como eu gostaria de não ser professora, desistir de tudo para não enfrentar os seus olhos...onde a cada dia morre a esperança. Eu já tentei de tudo com você – bons modos, maus modos, gritos, chantagens, exigi, insisti, gritei, implorei...você continua não respondendo a minha didática elaborada, a minha experiência de tantos anos. Por você, me tornei insegura. Analisei os conteúdos, constatei a validade de alguns, aprofundei, condenei, revi meus critérios de avaliação. Por você, fiquei humilde. Achei pouco os meus recursos. Pedi ajuda. Comparei meus instrumentos de aprendizagem. Discuti com os colegas. Fui ao supervisor, ao orientador. Por você eu estudei, fui buscar conhecimento que me faltavam, achei tempo para uma pesquisa mais elaborada das causas de seus problemas. Por você, eu criei. Não me limitei ao existente. Criei novas formas de abordagem do conteúdo, novas estratégias, novas motivações, nova distribuição do tempo. Por você, procurei conhecer uma criança “normal”. Como ela pensa? Como ela age? O que ela tem que você não tem? Que sobra em você? O que lhe falta? Por você, revi meus conceitos de fracasso, de sucesso, de felicidade, de normalidade. Por você, me aceitei fracassada, limitada, deficiente, incapaz de fazê-lo aprender. Eu passei a ser um problema também. E na minha angústia, eu entendi muito bem como você se sente. Ai, então, MUDOU VOCÊ, OU MUDEI EU? O texto acima traz lições desde a visão estereotipada sobre os alunos, que são a préjulgamentos, sem que o professor conheça seus problemas. É oportuno dizer que este texto trouxe ensinamentos, que alegram, motivam e conduzem à luta constante, à pesquisa, e que o trabalho docente não está pronto e acabado. A realidade vivenciada pelo professor do texto não é tão diferente de muitos professores, mas as diferenças estão na vontade de mudar e inovar. Posto isso, o texto trabalhado me trouxe uma nova inspiração para compreender aqueles alunos que, no início do ano, são rotulados como aqueles que não vão aprender, que são indisciplinados, que têm dificuldades de aprendizagem. As palavras da autora me levaram _______________________ 1 Esse texto foi extraído do material trabalhado no Encontro de Professores/SEMEC-Janduís 43 a enxergar que, antes de tudo, é urgente conhecer de perto o aluno, de onde vem e como é o seu meio social para, a partir daí, desenvolver um trabalho voltado para atender suas necessidades. O texto, em sua essência, me fez voltar ao passado e me lembrei do meu primeiro contato com a criança com deficiência visual tratada aqui: da sua casa, de seu minúsculo quarto, dos contatos iniciais que vivenciei na sala da educação infantil com a presença dessa criança. No início, julgava ser impossível haver socialização entre todos em sala e, também, não tinha certeza em relação ao desenvolvimento integral desse aluno. Na mesma direção dessas reflexões, Glat (2007, p.16) afirma que a educação inclusiva representa mais do que uma proposta educacional, pois considera que a escola precisa buscar por respostas educativas que respondam às “[...] necessidades apresentadas por seus alunos, em conjunto, e a cada um deles em particular”, implicando isso em um processo de reestruturação dos seus aspectos constitutivos. “Oferecer um ensino de qualidade para todos os educandos, inclusive para os que têm alguma deficiência ou problema que afete a aprendizagem”, como propõe a educação inclusiva, não é tarefa simples (GLAT, 2007, p. 30). Igual ideia é partilhada por Rodrigues (2005) ao considerar que a educação inclusiva abrange todos os alunos, que frequentam a escola, permitindo que ela seja, ao mesmo tempo, para cada um, na medida em que atende às necessidades individuais, e também para todos, quando acolhe a qualquer aluno. Ainda o mesmo autor, acompanhando o que se propõe como objetivo da educação inclusiva, considera que, por meio das mudanças de práticas tradicionais, é possível remover o que se apresenta como barreira à aprendizagem do aluno e valorizar as suas diferenças. Organiza e promove um conjunto de valores e práticas que procuram responder a uma situação existente e problemática de insucesso, seleção precoce ou abandono escolar. Promove a heterogeneidade em lugar da homogeneidade, a construção de saberes em lugar da sua mera transmissão, a promoção do sucesso para todos em lugar da seleção dos academicamente mais aptos e cooperação em lugar da competição (RODRIGUES, 2008, p. 11). Destaco como relevante na Escola Municipal Antônia Eurlí de Brito, que durante o planejamento pedagógico, quando um professor apresentava uma proposta de atividade, alguém questionava: e como fazer para propiciar a participação de nosso aluno cego? Será 44 que dessa forma, dará certo o nosso trabalho? Tais questionamentos eram positivos, pois já seriam um primeiro passo repensar ações, que poderão incluir todos os educandos, independente de suas limitações. Moreira e Candau (2008, p. 35) enfatizam que “[...] é importante que consideremos a escola como um espaço de cruzamento de culturas e saberes. [...]”. Essa colocação me leva a repensar a forma como lidamos com nossos alunos, sobretudo os que possuem necessidades educacionais especiais, que, muitas vezes, são discriminados por serem considerados incapazes. Para isso, o caminho adequado para a eliminação das marcas da exclusão, se inicia com a valorização das capacidades dos aprendizes e o repensar das nossas práticas pedagógicas, a fim de melhorarmos a qualidade do nosso trabalho. Sobre isso, destaco as palavras de Sanchez (2005, p.11): A filosofia da inclusão defende uma educação eficaz para todos, sustentada em que as escolas, enquanto comunidades educativas devem satisfazer as necessidades de todos os alunos, sejam quais forem as suas características pessoais, psicológicas ou sociais (com independência de ter ou não deficiência). Afirmo que na escola em questão já são desenvolvidas ações rumo à construção de uma instituição inclusiva, pois os primeiros tijolos já estão sendo colocados, alicerçam ideias e edificam sonhos. Tenho procurado sempre melhorar o meu trabalho, nos momentos de estudos, quando sempre existem discussões acerca da inclusão ou, no desenvolvimento das práticas diárias. Mesmo havendo dúvidas e necessidades de socialização de uma experiência fracassada, os professores têm procurando fazer da escola um espaço coletivo. 1.3 A escola hoje: enfrentando os desafios e (re)construíndo sua identidade A sociedade atual encontra-se rodeada de informações e o avanço tecnológico invadiu os costumes e as vidas dos indivíduos e, sobretudo, influencia suas ações e comportamentos. Em sua égide, a globalização trouxe disputas, portanto, a sociedade precisa repensar seus objetivos e traçar metas, que contribuam com o desenvolvimento de todos. 45 Na escola, os impactos trazidos pelo desenvolvimento científico-tecnológico são inúmeros, tais como: a necessidade de lidar com os instrumentos da informação; e alunos que detém mais conhecimentos em determinada área da informática do que o professor, a questão da tecnologia assistiva, bem como a implementação de programas de computador para cegos, como o braile. Isso exige que educador busque aperfeiçoamentos e novos conhecimentos tecnológicos, que poderão ser aplicados em sala de aula. Tais instrumentos poderão contribuir com desenvolvimento das práticas pedagógicas e com a melhoria do processo de ensinoaprendizagem. Traçando um paralelo entre a escola do passado com a atual, têm-se inúmeras diferenças, que levam a instituição de hoje a desempenhar um trabalho, que obtenha respostas em curto prazo. A escola precisa lidar com o processo educativo e com a sociedade em si, o que exige muito mais dessa instituição. O seu trabalho perpassa pelas questões de valores, conhecimentos e a educação para a formação cidadã, o que, requer uma responsabilidade bem maior por parte de todos. Para ilustrar tal colocação, podemos apresentar a fotografia abaixo, que mostra um dia de formação continuada na escola, discutindo a temática sobre o Projeto político Pedagógico, através da realização de oficinas e estudos de textos voltados para o assunto em destaque. Figura 8: Palestra sobre o Projeto Político Pedagógico e a Inclusão Fonte: Acervo fotográfico da escola 46 No contexto atual, a escola convive com salas de aulas heterogêneas, nas quais os alunos apresentam conhecimentos diferentes e que necessitam ser sistematizados. É preciso enxergar os educandos com ‘outros olhos’; olhos que acreditam em seu sucesso. Cabe ao professor ajudá-los, nas diferentes situações cotidianas, por conseguinte, é preciso ver o invisível. Nesse sentido, a inclusão educacional pressupõe a melhoria da resposta educativa da escola em qualquer das ofertas educacionais. Segundo o MEC (2002, p. 14), “[...] a metáfora da inclusão sugere a imagem de uma escola em movimento, em constante transformação e construção, de enriquecimento pelas diferenças”. E esse movimento a ser desenvolvido na escola, essas construções e transformações a serem realizadas, visando melhorias e adaptações pressupõe uma melhoria na reforma curricular, buscando adaptar as práticas pedagógicas que, até então, só direcionavam-se a crianças consideradas “normais”. Atualmente, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB n° 9394/96, toda instituição tem o dever de receber qualquer aluno com algum tipo de necessidade educacional especial e garantir a efetivação do seu aprendizado. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1999, p. 35-45) as adaptações no currículo podem ser classificadas da seguinte forma: Adaptações pouco significativas ao currículo – quando o contexto de sala de aula sofre pequenos ajustes e algumas modificações no planejamento, tais como modificações didáticas, priorização de determinados aspectos, seja do desenvolvimento, seja do conteúdo de aprendizagem. Estas adaptações podem ser organizativas, (agrupamento de alunos, atividades específicas, disposição física do mobiliário, previsão de tempo diferenciada para os alunos com necessidades educacionais especiais), relativas aos objetivos e conteúdos (priorização de unidades, conteúdos e objetivos que enfatizam capacidades e habilidades, reforço de aprendizagem, sequenciação de conteúdos e eliminação dos menos relevantes);adaptativas avaliativas (modificações sensíveis nos instrumentos e nas técnicas de avaliação e adequação da linguagem) e adaptações na temporalidade (alterações no tempo previsto para realização das atividades e aprendizagem dos conteúdos e objetivos). Uma ou mais de uma dessas possibilidades podem ajudar a eliminar possíveis dificuldades. Adaptações significativas ao currículo – quando constituem estratégias para eliminar as dificuldades encontradas no processo de aprendizagem e valorizar as possibilidades do aluno, tais como adaptações de avaliação (eliminação de objetivos básicos e introdução de objetivos específicos alternativos e complementares para substituir outros que não possam ser alcançados temporária ou permanentemente); adaptações de conteúdos (introdução de novos conteúdos e eliminação de alguns, mesmo essenciais ao currículo); adaptações didáticometodológicas (modificações expressivas no planejamento e na atuação docente e 47 organização significativamente diferenciada da sala de aula). Como alguns objetivos básicos podem ser modificados, isso acarretará, naturalmente em modificações na avaliação e no tempo previsto para a aprendizagem. O resultado de algumas modificações significativas no currículo pode implicar em parcelamento ou alargamento no tempo de escolarização, adotado sempre para favorecer o bom desempenho do aluno na sua trajetória escolar. As adaptações significativas que podem ser feitas no currículo têm como base as dificuldades dos educandos. Os conteúdos precisam ser trabalhados de forma flexível e aplicar estratégias e metodologias adequadas ao ritmo de desenvolvimento dos aprendizes, favorecendo, assim, a construção do conhecimento de forma sistematizada. Na medida em que reestrutura o currículo, a escola procura atender os desafios impostos pela sociedade e garantir a inclusão dos educandos, como uma forma de desenvolver uma prática educativa baseada em princípios de equidade e respeito às singularidades dos aprendizes. Para Carvalho (2004, p. 79), a educação inclusiva pode ser considerada como um “processo que permite colocar valores em prática, sem pieguismos, caridade, filantropia, pois, está alicerçada em princípios que conferem igualdade de valor a todas as pessoas”. Por conseguinte, a reformulação do processo educacional precisa garantir currículos, que valorizassem as diferenças como elementos constituintes da sociedade e não como deformações diante de padrões estabelecidos socialmente. Outro desafio enfrentado pela escola, no contexto atual, refere-se à necessidade de aprimoramento e de formação do corpo docente e dos demais técnicos e funcionários que fazem parte da escola. Tais requisitos são indispensáveis à prática pedagógica, que está voltada para o potencial humano. Sendo assim, a escola lócus desta pesquisa também se configura como uma instituição que necessita reorganizar seu currículo, a fim de oportunizar um trabalho voltado para a inclusão da criança deficiente visual. Além disso, precisa elaborar metas que favoreçam o desenvolvimento de ações, que enriqueçam o seu trabalho e colaborem para o crescimento dos estudantes. 48 O currículo é construído de acordo com a realidade da instituição e necessita da participação de todos, os que compõem a unidade educacional (pais, alunos, professores, demais funcionários e comunidade local). Dentre as dificuldades detectadas na escola onde atuo, podemos elencar as mais emergentes, são elas: dificuldades humanas, no tocante à equipe pedagógica, que é insuficiente para atender a demanda da instituição, ocasionando um trabalho incompleto e com lacunas. As barreiras arquitetônicas também são exemplos de dificuldades a serem superadas para a escola, possibilite o acesso a todos os que a compõem. Dentre alguns momentos mais significativos que realizávamos em busca de planejar ações que propiciassem a melhoria do nosso trabalho, destacamos uma reunião pedagógica para discutir sobre o que fazer para ajudar o desenvolvimento do nosso aluno cego. Nesse encontro, uma das professoras participantes apontou que precisaríamos primeiramente, desenvolver um trabalho para “educar” as famílias dos nossos alunos, como forma de quebrar velhos paradigmas referentes à inclusão, mais especificamente, a deficiência visual, problema que vivenciávamos. Naquele momento, aquelas palavras me tocaram e fiquei refletindo. Realmente, achei interessante a contribuição da professora, pois sempre pensávamos em desenvolver ações que favorecessem a inclusão dentro do espaço escolar, nos esquecendo de que, se dentro da escola tais ações se efetivassem, como se operacionalizariam lá fora? Como ficaria o nosso trabalho se fosse desfeito além dos limites da escola? Que resultados teríamos atingido se conscientizássemos os nossos alunos ao respeito e valorização do próximo, independentemente de suas limitações, especificamente para com esta criança com deficiência visual, se fora da escola a comunidade o via como mais um excluído da sociedade, como alguém incapaz de aprender e que só viria à escola para ocupar um lugar? Em nossa experiência, quando realizamos o primeiro plantão pedagógico, vimos que a quantidade de pais presentes foi insuficiente e que não havia atendido às nossas expectativas, portanto, planejar outras estratégias, que pudessem sanar tal dificuldade. Então, fizemos o seguinte: no dia do nosso plantão pedagógico estabelecemos que seria um dia letivo e, desse modo, o pai ou responsável, que não participasse, levaria seu filho a ficar com falta. Essa uma estratégia é um pouco absurda, mas que surtiu grande efeito. Cada pai tinha seu nome numa lista, uma espécie de chamada, e então, o professor faria o acompanhamento. Desse 49 modo, atingimos satisfatoriamente os nossos objetivos e, a partir daí, os pais não queriam mais faltar, pois elaboramos um cronograma de atividades diversificadas, para mostrar às famílias que a relação é vital para o processo de ensino e aprendizagem. Era uma aproximação necessária para o futuro dos nossos educandos. Figura 9: Plantão Pedagógico desenvolvido na Escola com os pais Fonte: Acervo fotográfico da escola Dando continuidade às atividades planejadas e executadas, convém citar também as nossas festividades, para as quais organizamos um calendário com programação anual. As atividades foram as seguintes: O I Carnaval Rural da EMAEB, com a participação de toda comunidade em um dia de apresentações e festividades, ocorrendo concursos do rei momo, da rainha, do bloco mais animado e do pai mais criativo na fantasia. Foi um dia inesquecível para todos. Realizamos, também, o projeto “Pai Nota Dez”, que seria um prêmio a ser dado ao pai mais presente nas atividades escolares e que mais colaborou com nossas ações. Essa atividade foi muito bem aceita e repercutiu fora de nossa comunidade. Muitos pais estavam empenhados em ajudar e valorizar a escola, na qual seu filho estudava. Foi realizada, ainda, a festa das mães, promovida pelos alunos. Eles desenvolveram as homenagens, apresentações, sorteios dos presentes e ajudavam a servir o lanche. Prosseguindo, realizamos o Arraiá da Cumade Eurlí, o nosso grande São João, com direito a passeio de carroças, casamento matuto, apresentações de quadrilhas, sorteio do balaio junino. 50 Neste evento, cada família ficou com a incumbência de colaborar com um prato típico, o que nos surpreendeu, pois a participação foi muito boa. Figura 10: Arraiá da Cumade Eurlí Fonte: Acervo fotográfico da escola Uma atividade marcante, merecendo também ser destacada, foi o desfile cívico que organizamos, trabalhando com a temática “O mundo em que vivemos”. A partir deste tema, cada escola do município organizou o seu desfile. A nossa escola achou pertinente apresentar a origem da criação do mundo, narrada pela Bíblia Sagrada. Portanto, foi destacado o que Deus havia criado em cada dia da semana, através de diversas alas. Após a criação do mundo, organizamos outra ala, com ênfase na sociedade atual: impactos da globalização, influências da tecnologia e da industrialização na vida moderna. No final, apresentamos as oito maneiras de mudar o mundo, de acordo com as propostas da Organização das Nações Unidas. São elas: 1. Acabar com a fome e a miséria; 2. Educação básica de qualidade para todos; 3. Igualdade entre sexos e valorização da mulher; 4. Reduzir a mortalidade infantil; 5. Melhorar a saúde das gestantes; 6. Combater a aids, a malária e outras doenças; 7. Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente e a 8. Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento. Fico emocionado, quando recordo a união de toda comunidade escolar, o empenho de muitos pais, o entusiasmo dos alunos em desfilarem pela primeira vez fantasiados. Víamos nos olhos de muitos, a alegria e a satisfação em desfilarem. Nos pais, era latente aquele ar de realização, pois se seus filhos tinham o direito de participar dessas 51 atividades. Um pai afirmou que não estava acreditando, que, em uma escola de zona rural com tantas dificuldades, houvesse aquela apresentação. Continuando nossas atividades, realizamos o dia da criança, comemorado com um piquenique num sítio próximo a nossa escola, em uma localidade em que residia um aluno nosso. O “banho no tanque” foi um sucesso, pois não havia piscina. Comemos manga, goiaba, tomamos água de coco, comemos tapioca, bolo de milho, grude5, frutas. Enfim, foi um dia de interação para aquelas crianças, inclusive do nosso aluno deficiente visual, apesar das suas limitações. Mas, em companhia de sua mãe, ele também participou e, certamente, foi um dia excelente sair da escola, de casa, e sentir outro ar, estabelecer uma relação mais natural com o meio e poder sentir a presença de muitas crianças em um momento de integração. Figura 11: Piquenique realizado no da criança Fonte: Acervo fotográfico da escola Finalizando as atividades programadas, tivemos o nosso Natal, festa que encerrou as atividades escolares. Afirmamos que foi muito satisfatório, pois organizamos um evento coletivo com toda a escola. Fizemos a brincadeira do amigo secreto, apresentações com as 5 Espécie de iguaria (bolo doce) confeccionada à base de fécula de mandioca e coco. 52 crianças, discursos de funcionários, que desejaram a todos boas festas e servimos um lanche. Esse momento foi de confraternização, reflexão e planejamento. Pudemos perceber os grandes avanços de muitos educandos, na oralidade, na interação, no respeito ou na valorização do próximo. Constatamos que a função social da escola, vem sendo desempenhada, na prática, pelos protagonistas do sistema educacional: os nossos alunos. Após a realização da atividade natalina, nós (equipe educacional) tivemos uma reunião de avaliação das ações desenvolvidas durante o ano, para verificar os aspectos positivos e negativos. Dessa forma, amadurecemos inúmeras ideias, que poderão ser colocadas nas práticas pedagógicas do ano vindouro. Todo esse caminhar contribuiu para minha formação contínua, em um processo a ação-reflexão-ação e, também, trouxe benefícios para minha pesquisa. Quando relato esta experiência, me reporto à Dominicé (1988) e sua fala sobre a necessidade de se considerar a vida como espaço de formação. As vivências só têm sentido, porque partem de uma vida, de um sujeito histórico que se reconhece como sujeito, por conseguinte, reflete sobre as suas ações e tenta modificá-las, ao longo do seu percurso de vida. Não há como separar o “eu pessoa” do “eu professor”, pois ambos estão imbricados, inter-relacionados e são constituídos, paulatinamente, nas relações diárias e no processo formativo humano, partindo vida de cada um. Os desafios enfrentados pela escola são inúmeros, no entanto, quando o planejamento é um trabalho coletivo, surgem oportunidades de sucesso no trabalho desempenhado, há melhoria nas relações humanas estabelecidas no ambiente, que contribuem para o crescimento da instituição. Conforme relatado, na realização das atividades acima citadas, em alguns momentos, existiam pessoas pessimistas, que afirmaram que era impossível uma criança com uma necessidade educacional diferenciada interagir com as demais. Muitos diziam que ela poderia se machucar e, também, o professor não teria condições de dar atenção somente a um aluno, pois os demais ficariam dispersos. Na prática, quando olhamos o desenvolvimento das ações, embora não tenham sido sempre perfeitas, pois havia erros, que mereciam mais atenção, percebemos que, em sua maioria, o desenvolvimento foi satisfatório. 53 Refletindo sobre essas experiências, é pertinente o pensamento de Omote (2005, p. 35), relativo à educação inclusiva, que afirma: “[...] tem sido constantemente lembrada a necessidade de uma profunda mudança nas atitudes por parte de todas as pessoas envolvidas no processo”. A integração total da comunidade escolar, no que concerne às mais variadas diferenças apresentadas pelos alunos, possibilita inúmeras aprendizagem a todos. Cumpre assinalar também a compreensão de Carvalho (2005) a respeito da relação entre escola e educação inclusiva, como uma consequência do trabalho dos profissionais que atuam nesse contexto: [...] um cenário do qual devem fazer parte inúmeros atores e autores, além do professor e dos alunos. Todos os que convivem com os aprendizes devem ser considerados atores, embora alguns não estejam presentes no cenário de aprendizagem que ocorre na sala de aula (CARVALHO, 2005, p. 114). Nas últimas décadas, essa escola tem-se defrontado com a temática da educação inclusiva nos sistemas de ensino e assume uma perspectiva de “[...] ampla diversidade de diferenças que podem representar as mais variadas necessidades educacionais especiais a serem atendidas pelo sistema educacional, tem, principalmente, incorporado alunos com deficiência no ensino comum; o seu maior desafio” (OMOTE, 2005, p. 35). Na contemporaneidade, o enfrentamento do desafio de uma escola inclusiva não significa que a instituição deva diminuir o nível de exigência dos educandos. É indispensável trabalhar os conteúdos estabelecidos nas propostas curriculares. Compete à escola acompanhar o discente e ajudá-lo a superar as barreiras impostas no cotidiano, de modo a superá-las e obter sucesso em sua aprendizagem. Segundo Porter (1997, p.57), existem quatro princípios norteadores do sucesso da escola inclusiva: Formação contínua – a formação de professores, quer do ensino regular quer de educação especial, é fundamental para a monitorização de conhecimentos e competências; Diferenciação curricular – o currículo comum deve assegurar um ensino diversificado, de modo a possibilitar o acesso à aprendizagem de todos os alunos do grupo-turma; Ensino com níveis diversificados - o professor do ensino regular deve preparar as unidades curriculares de acordo com as necessidades dos alunos; Equipes de resolução de problemas – a existência dessas equipes são uma valia para a escola inclusiva, no sentido de contribuírem para a resolução dos problemas escolares, bem como, por fazerem um acompanhamento direto a todos os professores. 54 Os princípios citados contribuem de forma integrada para a construção de uma melhoria no processo ensino-aprendizagem, pois proporcionam à instituição a possibilidade reorganizar o seu trabalho e construir ações eficazes na melhoria do progresso do aluno. No entanto, é necessária a realização de um trabalho cooperativo, contínuo e diversificado. Como ser pensante, reconheço que necessito a cada dia refletir sobre as minhas ações como sujeito/professor, em busca de melhorá-las, tentando reservar tempo para escutar o próximo, sentir e reconhecer sua relevância para o meio em que vivemos. Na sociedade atual, precisamos escutar o próximo e valorizar suas aptidões, para, juntos, construirmos laços de amizade. Sob essa ótica, cito a letra de uma canção utilizada no último dia de confraternização da escola, que sintetiza as reflexões desenvolvidas acerca dos desafios da escola no mundo contemporâneo. A referida letra enfoca que temos necessidade de acreditar, que é possível alcançar nosso objetivos. Em alguns momentos da vida, desprezamos algumas pessoas, desvalorizamos outras, e esquecemos de reconhecer a sua utilidade. Mas, acima de tudo, é preciso acreditar que a escola tem condições de vencer os obstáculos e contribuir com a construção de uma nova página na história de vida dos nossos educandos. A música “Mais uma Vez”, cuja letra segue abaixo, tenta transmitir, não só aos nossos alunos, mas a todos os que fazem parte da escola, que qualquer mudança começa em nós mesmos. No entanto, é indispensável que cada um acredite em si próprio e no trabalho coletivo. MAIS UMA VEZ Renato Russo Mas é claro que o sol vai voltar amanhã Mais uma vez, eu sei Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã Espera que o sol já vem Tem gente que está do mesmo lado que você Mas deveria estar do lado de lá Tem gente que machuca os outros Tem gente que não sabe amar Tem gente enganando a gente 55 Veja a nossa vida como está Mas eu sei que um dia a gente aprende Se você quiser alguém em quem confiar Confie em si mesmo Quem acredita sempre alcança! Mas é claro que o sol vai voltar amanhã Mais uma vez, eu sei Escuridão já vi pior, de noitecer gente sã Espera que o sol já vem Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena Acreditar no sonho que se tem Ou que seus planos nunca vão dar certo Ou que você nunca vai ser alguém Tem gente que machuca os outros Tem gente que não sabe amar Mas eu sei que um dia a gente aprende Se você quiser alguém em quem confiar Confie em si mesmo Quem acredita sempre alcança! A melodia e a letra dessa música produzem em mim uma retrospectiva de todos os momentos vividos durante a descoberta da criança sujeito desta pesquisa. As sensações do primeiro contato, as relações estabelecidas em sala de aula e o desenvolvimento de práticas desenvolvidas pelos docentes fortaleceram a crença de que é possível descobrir, em nós mesmos, sentimentos e atitudes que, muitas vezes, são desconhecidos. Quando tais ações afloram, descobrimos o engrandecimento existente no ser humano. Esse capítulo objetivou apresentar as narrativas, desde o contato inicial que tive com a Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito, até as vivências desenhadas por mim durante toda trajetória do desenvolvimento do trabalho, em busca de fortalecer a construção das aprendizagens construídas no decorrer da construção desta dissertação. Todos os momentos contribuíram com o meu engrandecimento pessoal e profissional, pois me fizeram enxergar a 56 vida na perspectiva do outro. Comecei a reconhecer que somos seres incompletos, portanto, a cada dia, necessitamos do outro, que nos completa e, também, nos leva ao autoconhecimento. 57 CAPÍTULO II: UM CAMINHAR PELA DISCUSSÃO TEÓRICA ENVOLVENDO CRIANÇAS E PROFESSORES: O QUE DIZEM? O QUE PENSAM? Este segundo capítulo versa acerca de questões teóricas respaldadas no processo de interação educando-educador, voltando-se para a socialização em sala de aula e a construção mediada pelo processo de ensino e aprendizagem numa perspectiva inclusiva. Para tanto, foram enfatizadas as narrativas (auto)biográficas dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa. Apresentamos, pois, as falas de crianças e professores, revelando o que dizem e o que pensam a respeito da relação entre educando-educador. Destacamos as vivências das crianças durante a socialização em sala de aula. Ademais, com o objetivo de aquecer e enriquecer nossas discussões, trazemos também as trajetórias profissionais de Professores que atuam em ambiente escolar inclusivo. Por último, enfatizamos as práticas pedagógicas inclusivas, desenvolvidas para contribuírem no processo de aprendizagem de uma criança com deficiência visual, através do método autobiográfico. 2.1 A Socialização em sala de aula: Conhecimentos e saberes entrelaçados a partir de vivências entre educandos-educador Companheirismo, união, dúvidas, incertezas, aprendizados e desafios. É assim, que se configura a sala de aula no contexto atual, caracterizada pela heterogeneidade presente no ambiente escolar e que reflete diretamente no trabalho docente, através das singularidades, dos avanços e dificuldades de cada criança. Destarte, no intuito de desvendar o ambiente da sala de aula e as relações nele estabelecidas iniciamos nossa caminhada rumo a reflexões e discussões acerca da sua importância como espaço propício para o fazer pedagógico e para a interação dos educandos. A sala de aula é, pois, o lugar propício para a reflexão do educador, que deve (re)pensar constantemente o seu trabalho, buscando construir estratégias que favoreçam a inclusão de todas as crianças. Fazendo uma retrospectiva histórica em relação ao surgimento da escola, encontramos respostas para as nossas dúvidas, pois, como sabemos, a escola quando surgiu, no século, realizava aulas ao ar livre, sem, necessariamente, serem desenvolvidas em espaço fechado, como é atualmente. Nessa perspectiva, não existia a organização dos alunos conforme a faixa etária, sendo a sala de aula um espaço coletivo, composto por alunos de diferentes idades e níveis 58 cognitivos. Dessa forma, o professor tinha que trabalhar buscando atender a todos de uma só vez, sem focar nas especificidades dos educandos e nem, muito menos, sem atentar para a busca de formação capaz de contribuir com a melhoria de seu trabalho. Podemos verificar que na história da educação brasileira o ensino não era gratuito e muito menos a escola, que era considerada um espaço de poucos, onde só poderiam estudar os filhos dos coronéis, a alta burguesia. Percebemos aí que a escola se restringia a ser um espaço da nobreza, sendo excludente das pessoas pobres, isto é, dos filhos dos trabalhadores, de escravos e de mães solteiras. Entretanto, Cury (2005, p.84), destaca que em 24 de janeiro de 1967, foi promulgada uma Carta Constitucional que entrou em vigor em 15 de março de 1967. No campo educacional, em seu Art. 168, o documento reafirma a educação como direito de todos, concedida no lar e na escola, e mantém os princípios do texto redigido em 1946, garantindo a ampliação do período de escolarização gratuita e obrigatória para a faixa etária dos 7 aos 14 anos. Contudo, cai a vinculação de impostos para o financiamento da educação escolar (CURY, 2005). Vale ressaltar que somente na Emenda Constitucional Nº1, em seu Art. 175, § 4º, é dada pela primeira vez atenção especial “à educação dos excepcionais”. Mais tarde, essa matéria foi detalhada pela Emenda Constitucional Nº 12, de 1978, aprovando, em seu artigo único, o seguinte: Artigo único - É assegurado aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica especialmente mediante: I - educação especial e gratuita; II - assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do país; III - proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho ou ao serviço público e a salários; IV - possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos A partir da gratuidade do ensino público, surgiram vários questionamentos, entre eles: como se deu inicialmente o acesso das crianças com deficiência a escola? Para responder a esta indagação, nos reportamos a Martins (2006), que destaca: 59 No Brasil, o atendimento educacional às pessoas com deficiência foi iniciado apenas no final do século XIX, com a criação, no Rio de Janeiro, do Imperial Instituto de Meninos Cegos, que, depois, foi denominado de Instituto Benjamin Constant-IBC. Surgiu por influência de José Álvares de Azevedo, que havia estudado no Instituto Nacional para Jovens Cegos, em Paris. Ele conseguiu convencer o imperador D. Pedro II sobre a necessidade de criar a instituição, o que ocorreu através do Decreto Imperial nº 428, de 12 de setembro de 1854. Conforme podemos perceber na fala de Martins, o acesso das crianças com deficiência à escola só veio ocorrer após muito tempo da gratuidade da educação pública. Enquanto isso não ocorreu, essas crianças foram excluídas da sociedade, vistas como fruto do pecado, seres que não tinham nenhuma capacidade de conviver com os “ditos normais”. Até 1929, havia poucas instituições especializadas para pessoas com deficiência no Brasil, graças à iniciativa de profissionais e de várias pessoas interessadas pela causa, que encontravam precário apoio governamental (JANNUZZI, 1985). De forma geral, prevalecia o desinteresse pela educação da população como um todo. A partir daí, os alunos com deficiência começaram a ter o acesso à educação. Embora com precariedade, já se encontravam nas salas de aula, interagindo com outras pessoas e, assim, construindo novas aprendizagens. Para tanto, se fez necessário que as instituições educacionais se estruturassem, buscando atender aos educandos e desenvolvendo um trabalho que fosse capaz de fortalecer a prática educativa. Logo, foi necessário que a escola, enquanto instituição formadora de cidadãos, buscasse se adequar estrutural e pedagogicamente com o propósito de atender as necessidades dos educandos. Ao professor, coube melhorar sua formação, procurando inserir em sua prática estratégias que contribuíssem para o desenvolvimento de um trabalho voltado para a diversidade e à inclusão social. Desde então, entende-se que para que possa desenvolver um trabalho em sala de aula que respeite as especificidades de cada aprendiz e que promova a interação é necessário que o educador desenvolva uma postura investigativa, capaz de conhecer melhor o seu aluno, para, assim, focar no seu trabalho, possibilitando a melhoria do processo de ensino e aprendizagem. Nessa perspectiva, a proposta das Diretrizes para a Formação de Professores da Educação Básica (LDB, 2000, p. 5) estabelece as exigências para o desempenho do papel docente frente às novas concepções de educação no mundo contemporâneo: 60 Orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos; responsabilizarse pelo sucesso da aprendizagem dos alunos; assumir e saber lidar com a diversidade existente entre os alunos; incentivar atividades de enriquecimento curricular; elaborar e executar projetos para desenvolver conteúdos curriculares; utilizar novas metodologias, estratégias e material de apoio; desenvolver hábitos de colaboração e trabalho em equipe. Diante do exposto, vemos que a educação, atualmente, exige do educador inúmeras capacidades para lidar com as diferenças em sala de aula, devendo desenvolver um trabalho que respeite as necessidades dos educandos e que busque potencializar suas diferenças. Todavia, muitas vezes, a falta de preparo e informação impedem que o professor desenvolva uma prática pedagógica sensível às necessidades do aluno especial incluído. Figura 12: Atividade de leitura em sala de aula Fonte: Acervo fotográfico da escola Voltando-se para a sala de aula, na qual desenvolvemos esta pesquisa, vimos, inicialmente, que a mesma era um espaço inadequado para atender às necessidades vigentes. O espaço físico encontrava-se pequeno para possibilitar a circulação das crianças, os 61 momentos de brincadeiras ou mesmo as atividades lúdicas, que possibilitassem a interação entre os educandos. Observamos também a questão da arrumação, sendo preciso conversar com as professoras, incentivando-as a buscar um meio de organizarem a sala de modo que fosse valorizada a posição geográfica de cada aluno. Reorganizado o espaço físico, propusemos algumas sugestões em relação à decoração da sala de aula, para que fosse possível explorar os materiais que lá estavam expostos, que poderiam colaborar no desenvolvimento da turma. Consideramos que a sala de aula é “o laboratório do educador”; um espaço ímpar para o professor conhecer melhor seu aluno e desenvolver um trabalho, que venha favorecer a permanência e satisfação dos educandos. Para tanto, se faz necessário que o educador construa estratégias de ensino, bem como adapte atividades e conteúdos não só em relação aos alunos considerados com deficiência, mas para todos os inclusos na prática educativa, diminuindo, assim, a segregação, a evasão e o fracasso escolar. Baseado nas habilidades e concepções necessárias aos educadores para o desenvolvimento de um trabalho em sala de aula que propicie a prática inclusiva, enfatizamos o Council for Exceptional Children ¹ (CEC), que registra o seguinte: A partir da ideia de que ‘todos os alunos podem aprender’, valorizando as potencialidades de aprendizagem de cada um; reafirmar que a aprendizagem é um processo individual, ocorrendo de maneira ativa em cada pessoa, de tal maneira que é o aluno que controla o seu processo de aprendizagem, sempre partindo do que sabe e influenciado por sua história pessoal e social; Desenvolver a autoestima como uma das condições de aprendizagem, uma vez que o sentimento de pertencer a um grupo social, sentindo-se útil e valorizado, possibilita o agir e o crescer com o outro; Estimular a autonomia dos alunos mediante a construção de sua aprendizagem; Avaliar permanentemente as aprendizagens; Avaliar o progresso de cada aluno segundo seu ritmo, do ponto de vista da evolução de suas competências ao resolver problemas de toda ordem e na participação da vida social; Desenvolver a cooperação entre os alunos e certas formas de ensino mútuo, pois toda pedagogia diferenciada exige cooperação ativa dos alunos e dos seus pais, diminuindo a discriminação entre eles; Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho, despertando o desejo de aprender e propondo tarefas cognitivas de maneira lúdica e interessante, a partir das quais deveria ser desenvolvido no educando a capacidade de autoavaliação; Inserir-se no universo cultural dos alunos. (VALLE; GUEDES, 2003, p. 5253). Conforme as proposições acima elencadas, fica evidente a necessidade do educador criar condições de trabalho, que envolvam e acolham os alunos, desenvolvendo atitudes de 62 colaboração e respeito mútuo para a construção de uma escola inclusiva, que valoriza e respeita a diversidade. Se a educação é um processo coletivo, que exige a interação dos indivíduos, concordamos com Teixeira (1968, p. 170), quando afirma que “[...] educação é o processo pelo qual se formam as disposições essenciais do homem - emocionais e intelectuais –para com a natureza e para com os demais homens”. Ao examinar a educação junto à sociedade, o autor entende-a como um processo fundamental e intencional da vida, posto que a ela se subentende “[...] a contingência de mobilidade, transformação e perpétuo vir a ser” que é inerente à evolução natural do mundo. Buscando atingir esses objetivos é que a escola, muitas vezes, necessita desenvolver ações em que a criatividade, o encantamento e cooperação se façam presentes. Sabendo que numa sala de aula existem crianças advindas de diferentes locais, apresentando suas particularidades, seus saberes, necessitando desenvolver a criticidade, a reflexividade, é que a escola precisa assumir-se como um espaço formativo. Nessa premissa, Candau (2001) considera que é, no reconhecimento da dimensão histórica e social do conhecimento, que a escola, necessariamente, deve se localizar, assumindo-se como espaço da ação crítica e reflexiva sobre esses mesmos conhecimentos, com o objetivo de formular, pretendendo a formulação de uma perspectiva crítica plural. Diante do que foi dito, surgem algumas indagações que merecem ser apresentadas, a saber: como a sala de aula pode tornar-se um espaço de troca de experiências e de acolhimento a todos os alunos se, muitas vezes, só vemos as cadeiras enfileiradas, o professor escrevendo e as crianças em total silêncio? Seria essa a forma de garantir o direito pleno a todos os alunos a uma educação pública inclusiva e de qualidade? O que é preciso para realmente tornarmos a sala de aula um espaço viabilizador de aprendizagens e vivências? Inicialmente, é preciso enxergarmos a sala de aula como um espaço que remove as barreiras da exclusão, que acolhe e procura contribuir para a efetivação de uma aprendizagem com qualidade por parte do aluno. Nesse sentido, concordamos com a ideia de Rodrigues (2008), quando afirma ser a sala de aula um local capaz de remover o que se apresenta como barreira à aprendizagem do aluno, valorizando as suas diferenças. O referido autor ainda destaca que a sala de aula inclusiva: 63 Organiza e promove um conjunto de valores e práticas que procuram responder a uma situação existente e problemática de insucesso, seleção precoce ou abandono escolar. Promove a heterogeneidade em lugar da homogeneidade, a construção de saberes em lugar da sua mera transmissão, a promoção do sucesso para todos em lugar da seleção dos academicamente mais aptos e cooperação em lugar da competição (RODRIGUES, 2008, p. 11). Essa é uma tarefa a ser empreendida pela educação. Eis o desafio do educador deste novo século: construir uma escola pautada nas diferenças, no respeito ao próximo, na ética e nos princípios morais. Figura 13: Aula expositiva dialogada Fonte: Acervo fotográfico da escola Mediante observações desenvolvidas na escola lócus desta pesquisa, mais precisamente, na sala de aula em que estuda o seu protagonista, percebemos que a inclusão se faz presente em alguns momentos, como no ato do brincar e durante as tarefas. Nessas situações, víamos a preocupação estampada no rosto de algumas crianças e da professora. Enfim, sempre surgia a indagação: tia quem é que vai ajudar o nosso coleguinha cego? 64 A partir de algumas constatações, fica visível a necessidade de desenvolvimento de um trabalho cooperativo em sala de aula que propicie aos educandos e educador experiências plurais envolvendo a questão de crianças com deficiência para que, assim, seja possível reconhecer a importância da escola para o aprimoramento sócio-cognitivo dos sujeitos. Cumpre assinalar, portanto, a compreensão que tem Carvalho (2005, p. 114) a respeito da relação escola e educação inclusiva, quanto ao trabalho dos profissionais, que atuam nesse contexto. A autora menciona a escola como: [...] um cenário do qual devem fazer parte inúmeros atores e autores, além do professor e dos alunos. Todos os que convivem com os aprendizes devem ser considerados atores, embora alguns não estejam presentes no cenário de aprendizagem que ocorre na sala de aula. É relevante salientar, como afirma Carvalho, que todos os funcionários que compõem a instituição de ensino são fundamentais no processo de inclusão dos discentes, pois a escola é um local privilegiado para o desenvolvimento da ação socializadora, onde as crianças desenvolvem habilidades de conhecimentos, interesses e atitudes que preconizam e elevam a autoestima e motivação do educando. Em se tratando de observações que realizamos durante a execução de nossa pesquisa, percebemos inúmeras situações de envolvimento, de afeto e de confiança por parte do educador, reconhecendo que todos os educandos são capazes de aprender, de desenvolver-se no sentido pleno da palavra. Com isso, acreditamos que o momento das aulas na escola, quando os professores planejam e desenvolvem sua ação didática, é um momento relevante, pois contribui para as situações desafiadoras, interativas e construtivas do aprendizado. Assim, trazemos uma reflexão de Libâneo (2013,p.195), afirma que: Na escola, a aula é a forma predominante de organização do processo de ensino. Na aula se criam, se desenvolvem e se transformam as condições necessárias para que os alunos assimilem conhecimentos, habilidades, atitudes e convicções e, assim, desenvolvem suas capacidades cognoscitivas. 65 Destarte, para que a aula seja vista como um momento ímpar no processo de construção de conhecimentos por parte do professor-aluno, torna-se necessário que o docente planeje situações diversificadas, a fim de favorecer as habilidades das crianças, principalmente, quando na sala de aula há alguma criança com deficiência. Em tais ocasiões, o educador precisa desenvolver estratégias metodológicas, que possibilitem a interação e a troca de informações entre todos. Com base nas discussões postas até aqui, indagamos sobre uma questão que norteia a nossa pesquisa: como a escola lócus da nossa pesquisa realiza as atividades de socialização em sala, envolvendo uma criança com deficiência visual? Conforme preceitua Gasparin (2007, p.6) |a Se tomarmos como princípio a perspectiva idealista, podemos afirmar que o processo de socialização se realiza por meio da inculcação e doutrinamento ideológico, onde, através dos conteúdos, teorias, condutas, explícitos no currículo, é imposta a ideologia dominante. Mas, podemos dizer, também, que, tendo como suporte a sociologia da educação e a psicologia social no terreno pedagógico, a socialização ocorre na escola como resultado das práticas sociais e das relações sociais que se desenvolvem nessa instituição. Convém, ainda destacar que vivenciamos situações reais de socialização na escola, nas quais encontrávamos crianças interagindo. Embora algumas o fizessem de forma tímida e lenta, havia a interação, o envolvimento, elementos necessários para potencializar o aprendizado dos alunos. O processo de socialização na escola não é linear nem mecânico, mas complexo e marcado por contradições e resistências individuais e de grupos. Nas palavras de Fernández Enguita: “A escola é um cenário permanente de conflitos. [...] O que acontece na aula é o resultado de um processo de negociação informal que se situa em algum lugar intermediário entre o que o professor/a ou a instituição escolar querem que os alunos/as façam e o que estes estão dispostos a fazer” (ENGUITA (ano) apud PÉREZ GÓMEZ, 2000, p.19). Nessa linha de pensamento, defendemos a socialização educacional numa ótica inclusiva, como um meio favorecedor para a quebra de barreiras, que impediam qualquer criança com deficiência de aprender, de se relacionar com outras crianças, de tornar os momentos em sala de aula como ricos e propulsores para uma aprendizagem mais humana e autônoma, extrapolando, dessa forma, a função educativa da escola. Nas palavras de Pérez Gómez (2000, p. 22): 66 A função educativa da escola, portanto, imersa na tensão dialética entre a reprodução e a mudança, oferece uma contribuição complicada mas específica: utilizar o conhecimento, também social e historicamente construído e condicionado, como ferramenta de análise para compreender, para além das aparências superficiais do status quo real – assumido como natural pela ideologia dominante -,o verdadeiro sentido das influências de socialização e os mecanismos explícitos ou disfarçados que se utilizam para sua interiorização pelas novas gerações”. Deste modo, a escola, pela compreensão dos mecanismos de socialização, pode ter uma relativa autonomia na construção complexa e condicionada de um indivíduo adulto autônomo. (Grifos do autor) Voltando-se para a sociedade atual, caracterizada pelo avanço desenfreado de informações e pela exigência de uma instituição de ensino, que realmente contribua para o processo de formação de sujeitos autônomos, íntegros e inclusivos, a função educativa na escola deve pautar-se nos seguintes eixos complementares de intervenção: • Organizar o desenvolvimento radical da função compensatória das desigualdades de origem, mediante a atenção e o respeito pela diversidade. •Provocar e facilitar a reconstrução dos conhecimentos, das disposições e das pautas de conduta que a criança assimila em sua vida paralela e anterior à escola (PÉREZ GÓMEZ, 2000, p. 22). Para uma compreensão adequada desses dois pontos do processo educacional é necessário partir do pressuposto de que a escola não pode compensar as diferenças de classe, de condições econômicas, sociais e políticas dos educandos. Conforme acentua Gómez, (2000, p.16), o que a escola pode é atenuar os efeitos e desmistificar o caráter inevitável dessas diferenças, mas somente se assumir uma política com compromisso para compensar as consequências individuais da desigualdade social e da exclusão. Deve-se, pois, substituir a lógica da homogeneidade pela lógica da diversidade. Não há como andar na linha contrária. Nós, enquanto educadores, escola, sociedade de um modo em geral, estamos convocados às mudanças que são pertinentes de serem realizadas e necessárias na escola. Precisamos nos comprometer com a concretização de práticas eficazes de inclusão, removendo barreiras físicas, arquitetônicas e sociais, que impedem qualquer educando com deficiência de frequentar a escola, construindo um lugar aberto às mudanças, ao respeito e à efetivação das políticas públicas. 67 Acreditamos ser através da socialização em sala de aula que se inicie o processo de inclusão, que não ocorre do dia para noite ou em um só dia, mas, através de um trilhar contínuo, no dia a dia, no respeito por parte de todos para com os sujeitos com alguma limitação, a fim de que os educandos, também, aprendam com os seus próprios limites. Ademais, complementamos nosso argumento com as seguintes palavras de Mantoan (2003, p. 67): A inclusão não prevê a utilização de práticas de ensino escolar específicas para esta ou aquela deficiência/e ou dificuldade de aprender. Os alunos aprendem nos seus limites e se o ensino for, de fato, de boa qualidade, o professor levará em conta esses limites e explorará convenientemente as possibilidades de cada um. No entanto, o primeiro passo para conseguir integrar com responsabilidade na instituição de ensino, valorizando e acreditando na pluralidade de saberes dos sujeitos, iniciase através de ações educativas que permitam essa integração de forma heterogênea, segundo a qual alunos e professores se ajudem mutuamente. Posto isso, a escola deve garantir a todos diferentes modalidades de atendimento educacional que permitam lhes assegurar o êxito na aprendizagem e na participação. (CARVALH0, 2004, p. 16). Prosseguindo com a pesquisa, trazemos um recorte de um momento que consideramos pertinente destacar para enriquecer as reflexões aqui postas. Trata-se de um momento relevante durante as observações realizadas na turma, quando estava estudando um projeto sobre os animais, no momento da roda de conversa em sala. A professora lia para as crianças um texto que mostra que, atualmente, existe um grande número de animais, que estão em extinção, sendo que, anterior à leitura, a docente havia feito questionamentos sobre o que era extinção, indicando também que o principal responsável por esta ação desumana seria o homem. Foi uma discussão bem enriquecedora. Nesse caminho, a professora perguntou se os educandos conheciam alguns animais que estavam em extinção e alguns falaram que o tatu-bola, o mico-leão-dourado, etc. Mas teve uma criança que comentou que o preá também estava extinto, pois havia escutado em casa seu pai falar que não estava mais pegando nenhum preá, acreditando que teriam ido embora. 68 Considero esse depoimento fantástico, embora saibamos que o preá não está em extinção. Mas é relevante destacar que para a criança e para seu pai o fato de não haver pego nenhum preá seria uma possibilidade de extinção. Esse exemplo revela a inocência do educando em querer socializar para a turma uma informação, com o intuito de mostrar conhecimento em relação a temática. São, portanto, atividades como essas que contribuem para a evolução da aprendizagem do educando. Embora a escola lócus da pesquisa apresente algumas limitações, verificamos que fazem parte da rotina diária dos professores observados momentos de interação, de conversas e de oportunizar a cada criança expor suas vivências ocorridas fora do ambiente escolar, mas que possuem uma relação próxima com os conteúdos trabalhados em sala de aula. Sendo assim, alguns questionamentos surgiram a partir dessas observações: o que faz uma escola ser considerada de sucesso? Como o professor pode desenvolver atividades que permitam a interação de forma mais efetiva entre as crianças? Por onde começar o trabalho numa perspectiva inclusiva em sala de aula? Com os pés fincados no chão da sala aula e nas experiências que construí e continuo construindo como educador considero que uma escola pode ser vista como excelente, quando se preocupa em desenvolver um trabalho coerente com a realidade e com o contexto em que todos os protagonistas que a compõem estão inseridos, bem como a valorização dos conhecimentos prévios da criança como o ponto de partida para que o docente possa promover um processo interacionista de maior qualidade. Em relação ao início do trabalho docente numa visão inclusiva, acredito que o mesmo inicia-se na medida em que o educador realmente coloca em mente que todos os educandos presentes em sala de aula são capazes de se desenvolver cognitivamente. Por essa vereda, Mittler (2003, p. 236), expressa que: Não há nenhuma estrada de realeza para a inclusão, porém há um consenso de que ela é um processo e uma jornada, e não um destino. Não obstante, os estudos de escolas em ação tornam claro que algumas delas viajaram muito além das outras [...] não somente porque elas têm mais alunos com necessidades excepcionais ou até mesmo porque oferecem bons serviços de apoio para tais estudantes[...]. 69 Acompanhando o trajeto educacional rumo à inclusão, vemos que as escolas que conseguiram dar saltos qualitativos em relação a esse processo viajaram muito além, como diz o autor. Essa viagem se refere justamente ao desenvolvimento de um trabalho fundamentado na cooperação entre todos, na construção de metas a serem cumpridas com seriedade e responsabilidade, garantindo a muitas instituições os mais brilhantes resultados. Apresentadas as principais reflexões, pesquisas, observações e diálogos estabelecidos acerca da importância da socialização em sala de aula através das narrativas (auto)biográficas de algumas crianças, partimos para a análise dos comportamentos e metodologias dos educadores responsáveis por essa socialização. Destarte, para enriquecer ainda mais e finalizar este tópico trazemos o pensamento de Carvalho (2000, p. 68), quando explicita que: Pretende-se uma escola aberta à diversidade, consciente de suas funções sócio-políticas, ao lado das pedagógicas, uma escola sintonizada com os valores democráticos. Mais importante do que conceber a escola como transmissora de conteúdos é concebê-la como o espaço privilegiado de formação e de exercício da cidadania. Como a escola também é o espaço dos escritos há que, nela, favorecer a apropriação e a construção de conhecimentos com reflexão crítica. Entendemos, pois, que a construção da escola como um espaço privilegiado para o acolhimento à diversidade e para a apropriação de saberes e construção de reflexões críticas compete a nós. Enquanto sujeitos que compõe este espaço, devemos promover ações viabilizadoras de direito a uma educação mais humana e de qualidade, que dê voz e vez aos discentes e que acredite em seu potencial. 2.2 Trajetórias Profissionais de Professores que atuam em Ambiente Escolar Inclusivo A sociedade atual, caracterizada pela informação desenfreada e pelo avanço tecnológico, tem preocupado a escola, que não está conseguindo acompanhar o ritmo desenfreado de informações. Em se tratando do trabalho docente, do papel do educador nessa nova era, não é diferente. Os professores, hoje, se deparam com inúmeras situações delicadas em sala de aula, no que diz respeito à evasão escolar, às dificuldades de aprendizagem dos educandos e à ausência do acompanhamento familiar no processo educacional dos alunos. 70 Tudo isso tem interferido decisivamente na qualidade da educação oferecida aos nossos alunos. Assim posto, ser professor hoje não significa dizer que o profissional possua um curso superior que o habilite, de fato, a atuar em sua área. Entretanto esse é um critério estabelecido pela Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional, lei nº 9394/96. Além disso, segundo o documento, é preciso que o docente disponha de conhecimentos interdisciplinares para resolver os diferentes conflitos em sala de aula. Todavia, se observarmos o percurso histórico da educação brasileira, vemos que, até meados de, ser professor, no Brasil, significava saber ler, escrever e dominar as operações básicas. Atendendo a esses princípios e devido à expansão da criação de escolas no país, muitas pessoas conseguiram um emprego de professor. Trilhando pela história da educação brasileira, vemos que a influência jesuítica no nosso país, em 1549, contribuiu para a criação da primeira escola elementar de ler e escrever. Cinco anos mais tarde, em 1554, foi criado o Colégio de São Paulo. A atuação jesuíta por mais de duzentos anos no Brasil dedicou-se exclusivamente à catequese dos índios, à educação dos filhos dos colonos e à formação de sacerdotes mestres. Após a expulsão da Companhia Jesuíta, pelo Marquês de Pombal, no ano de 1759, iniciou-se no país uma desestabilização e retrocesso na educação, visto que as escolas jesuítas, por vários anos, atuavam na formação de professores e na educação disciplinar dos alunos. Para ilustrar esse pensamento trazemos a fala de Silva (2011, p. 89): Esse episódio histórico fez surgir a necessidade de se contratar professores leigos para assumir as novas instituições de ensino criadas para atender a demanda na época. Entretanto, os docentes eram considerados incompetentes e mal pagos por não terem o preparo para atuarem profissionalmente com os alunos. A esse respeito, Vianna (2004, p. 27) situa que o “[...] incipiente salário gerou na época e gera ainda hoje profissionais despreparados, impossibilitados de buscar aperfeiçoamento profissional e pessoal, melhores condições de trabalho. Conforme a citação acima, verificamos que, devido à ausência de formação, capaz de contribuir para um melhor aperfeiçoamento em sala de aula, os docentes leigos, limitavam-se a um trabalho basicamente caracterizado pela cópia, ditados e resoluções de cálculos matemáticos, deixando de lado a questão da formação humana do indivíduo. 71 Em se tratando da formação docente no Brasil, Saviani (2009) situa que durante todo o período colonial até a chegada da família real ao Brasil, não existia uma preocupação explícita com a formação de professores, o que veio ocorrer apenas com a promulgação da lei das Escolas de primeiras Letras, em 1827. Baseado nessas colocações, indagamos o seguinte: como ocorria a preparação docente para a atuação em sala de aula já nesse período? Para responder a esta pergunta trazemos as contribuições de Silva (2011, p.37): A preparação de professores para escolas primárias e escolas normais preconiza uma formação específica que deveria guiar-se pelas coordenadas pedagógicas da didática. Contudo, predominou a preocupação com o domínio de conteúdo a serem transmitidos nas escolas de primeiras letras. Assim, pretendia-se que os professores dominassem os conhecimentos que lhes caberiam transmitir às crianças, desconsiderando-se, dessa forma, a preparação didática. Pautados no método de ensino caracterizado pela transmissão e assimilação de conteúdos, vimos que o fracasso escolar foi iminente e caracterizado pelo descaso para com a formação docente, sendo ideal para o poder dominante da época manter o domínio sobre uma população sem formação. Diante dos problemas enfrentados pela educação no Brasil, era urgente a necessidade de melhorias no campo educacional, com a ideia enriquecer os conteúdos curriculares e enfatizar as atividades práticas no ensino, como meio de reverter a situação caótica que enfrentava a educação na época. Os responsáveis pela formação dos educadores, centralizavam a preparação dos docentes por meio de exercícios práticos, como forma de acabar com métodos de ensinos caracterizados pela memorização e pelo distanciamento do sujeito com o objeto de aprendizagem. “[...] estavam assumindo o entendimento de que, sem assegurar de forma deliberada e sistemática por meio da organização curricular a preparação pedagógico-didática, não se estaria, em sentido próprio, formando professores” (SAVIANI, 2009, p.145). Estabelecidas as reformas educacionais, a Escola Normal de São Paulo, tornou-se referência no país, para onde docentes de outros estados brasileiros vinham a fim de realizarem estágios e conhecerem as experiências exitosas. Entretanto, a expansão das Escolas Normais, dentro desse novo modelo, não possibilitou avanços muito significativos, por ainda 72 serem marcadas pela preocupação com o domínio dos conhecimentos a serem transmitidos aos alunos (SAVIANI, 2009; TANURI, 2000). Continuando nossa viagem sobre a história da profissão docente no Brasil, destacamos a reforma de 1934, através da qual Anísio Teixeira propôs que as escolas normais fossem transformadas em Escolas de Professores, cujo currículo contemplava aspectos teóricos e práticos no primeiro ano, como apresenta Silva (2011) As disciplinas de biologia educacional, sociologia educacional, psicologia educacional, história da educação e introdução ao ensino, contemplando três aspectos: a) princípios e técnicas; b) matérias de ensino abrangendo cálculo, leitura e linguagem, literatura infantil, estudos sociais e ciências naturais; c) prática de ensino, realizada mediante observação, experimentação e participação. Mediante tais mudanças ocorridas em âmbito educacional, percebemos que uma nova fase se iniciava na educação brasileira, com o propósito de alavancar e melhorar a qualidade da formação docente, bem como da prática pedagógica do educador em sala de aula, buscando melhorar o sistema educacional. Com a promulgação da Constituição Federal, publicada em 1934, o sistema educacional passa a ser um direito de todos, independentemente de cor, raça e níveis sociais. Mas, pesquisas mostraram que, em se tratando do atendimento educacional às crianças com alguma deficiência, existiam poucas instituições que ofertavam tal modalidade de ensino. Saviani (2009) ressalta que, a partir da construção dos Institutos de Educação, em nível universitário, foram organizados os cursos de formação de professores para as escolas secundárias, sendo essa a base dos institutos superiores de educação. Viana (2004), por sua vez, afirma que apenas em 1937 foram formados os primeiros professores licenciados. Antes, os docentes eram egressos de outras áreas, autodidatas ou possuíam alguma praticidade com o magistério. Tanuri (2000, p. 16) afirma que, além da organização estrutural desses cursos, os Institutos de Educação deviam ministrar os cursos de especialização de professores para a educação especial, curso complementar primário, ensino supletivo, desenhos e artes aplicadas, música e canto, bem como cursos para habilitar diretores, coordenadores e inspetores educacionais. 73 Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no ano de 1961, iniciaram-se as primeiras discussões em torno da educação popular, impulsionadas pelas ideias de Paulo Freire, com a visão de uma educação humanizadora, libertadora e emancipadora, voltando-se para a construção de sujeitos reflexivos, críticos e transformadores de uma sociedade mais justa e humana. Para a consolidação de uma formação docente baseada no diálogo e na reflexividade, bem como na troca de experiências entre os indivíduos, Freire (1980, p. 78-79), afirma: [...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educador que, ao ser educado, também educa [...] já agora ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. Nessa perspectiva, vemos a relevância do papel do professor para a formação humana, pois, à medida em que é considerado o mediador do processo de ensino-aprendizagem e que promove os momentos de interações em sala de aula, exerce grandes contribuições para o desenvolvimento integral do sujeito. Sobre isso, Silva (2011, p. 16-17), afirma: Quem é, na escola, um dos grandes responsáveis por esse papel? Sem dúvida, a figura do professor é imprescindível, pois interage diretamente com os alunos, organizando e conduzindo as práticas pedagógicas em sala de aula, sendo mediador do processo de aprendizagem desde sua concepção. Dessa forma, acreditamos ser o educador uma das figuras mais importante no cenário educacional, por sua grande influência no processo formativo dos educandos, como também em seu processo de autoformação. Nessa relação dialógica que propomos estabelecer para a construção deste estudo, vemos o quanto a figura do professor é imprescindível para o bom desenvolvimento da educação. Para tanto, enfatizamos algumas narrativas das docentes que contribuíram de forma ímpar para a concretização deste trabalho. Inicialmente, ressaltamos que foi longa a trajetória percorrida por estas batalhadoras rumo a uma educação de qualidade. Trazendo essa discussão sobre a formação docente e suas especificidades para o nosso contexto local, verificamos que, em nossa região, nesse período de reestruturação educacional no Brasil, nos anos 70-80, não foi diferente, prevalecendo o mesmo intuito de expansão de 74 construções de escolas e a garantia da educação pública a todos os brasileiros. No entanto, como já foi mencionado, anteriormente, muitas pessoas que conseguiram entrar no serviço público como professor o fizeram por indicação política, amizades e, muitas vezes, sem ter sequer uma formação mínima exigida. Nesse período, por não se exigir dos professores uma formação específica, acreditamos que as lacunas existentes no processo formativo das crianças eram imensas, tendo em vista que a preocupação maior da escola era trabalhar os aspectos voltados para o ensino da leitura, escrita e cálculos matemáticos e que, na educação infantil, a preocupação era o cuidar das crianças, deixando de lado o educar. Com o passar do tempo, através dos manifestos dos Pioneiros da Educação - cuja bandeira de luta foi a busca de uma educação pública de qualidade, que voltasse a atender as necessidades básicas de um ensino construtivo, crítico e que visse o educando como o centro do processo de ensino, - surgiram variadas mudanças na legislação em prol da educação. Conforme Silva (2011): No final dos anos 80 e início de 1990 a discussão volta-se para o professor enquanto pesquisador. Nesse contexto, ressalta-se a importância da formação de profissionais reflexivos, que pensam na ação, aliando atividade profissional à atividade de investigação. Defende-se a formação do professor enquanto investigador, com objetivo de articular teoria e prática, ensino e pesquisa, reflexão e ação. Corroborando com o pensamento de Silva (2011), vemos que surge a necessidade de um professor para atuar em um espaço escolar que não se detivesse simplesmente a uma mera exposição de conteúdos, ou que fosse visto como o dono do conhecimento. Assim, nasce a necessidade de um profissional pesquisador de sua prática, que seja investigativo, que reflita sobre sua ação didática com o propósito de aperfeiçoá-la constantemente, um professor que seja o principal responsável por seu processo de autoformação, que atue em diferentes contextos escolares e atenda as reais necessidades vigentes. Diante da carência desse profissional pesquisador no ambiente escolar, nos vem o anseio de saber o que diz a lei sobre a questão da formação de professor para atuar em sala de aula. Portanto, recorremos à nova Lei de Diretrizes e Bases da Educacional Nacional, 9394/96, que buscou mudanças significativas na estruturação e no funcionamento da 75 educação brasileira, no que tange à formação de professor, ao estabelecer orientações sobre os profissionais da educação. A referida lei situa, nos Art. 61 e 62, que: Art. 61º. A formação de profissionais da educação, de modo a atender os objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos: I- A associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço; II- Aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades. Art. 62º. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal (BRASIL,1996). Mediante os critérios estabelecidos na legislação sobre a formação docente, percebe-se que para atuar na educação básica é necessário a formação superior, para que, assim, possa desenvolver um trabalho com qualidade. Perpassando pela legislação e chegando até as reflexões postas por alguns estudiosos na área da formação docente, destacamos as contribuições da formação inicial como ponto de partida para a consolidação da educação inclusiva. De acordo com Ferreira (2006, p. 235), os cursos de formação inicial: [...] parecem representar uma séria ameaça ao movimento de inclusão, pois enquanto alguns ‘rebeldes’ teimam em lutar pela defesa e promoção da educação inclusiva, as universidades formam anualmente ‘exércitos’ de docentes preparados para excluir. Por outro lado, no contexto da educação das professoras em exercício, estes cursos representam uma barreira para o desenvolvimento das práticas inclusivas porque desvalorizam as professoras ao desconsiderarem seu repertório de experiências docentes acumuladas durante anos, e a valorização dos docentes é o primeiro e o mais importante fundamento da inclusão. 76 Compreendemos a partir das reflexões propostas por Ferreira (2006), que os conhecimentos construídos pelos educadores ao longo do curso de formação inicial tornam-se insuficientes para sua atuação em uma escola com crianças com algum tipo de deficiência. Sabemos que discutir inclusão envolve reflexões acerca das práticas pedagógicas dos professores, do processo de ensino aprendizagem ocorrido no espaço escolar e da visão que todos os que estão diretamente na escola têm sobre o que é incluir. É salutar destacar que também é preciso o docente refletir constantemente sobre sua prática, a fim de reestruturá-la e melhorá-la periodicamente, como também participar dos cursos de formações continuadas como forma de aperfeiçoar sua prática e conhecer novas experiências de professores que lidam com a educação inclusiva. Dentre algumas necessidades para a estruturação de um processo inclusivo, “[...] todos os níveis dos cursos de formação de professores devem sofrer modificações nos seus currículos, de modo que os futuros professores aprendam práticas de ensino adequadas às diferenças.” (MANTOAN, 2003, p. 25). Desse modo, é inevitável a importância das socializações entre professores para relatarem as experiências vivenciadas ao longo da docência com crianças com deficiência, bem como com as demais. A partir dessa ação, poderá se construir uma formação de docentes pesquisadores, que atuem junto à diversidade presente nas escolas, tendo como base a construção de um educador reflexivo, como defende Schon, “[...] que procure conhecer e compreender os processos de aprendizagens e desenvolvimento de seus educandos e que favoreça a valorização da autonomia do educador para interpretar de forma crítico-reflexiva os saberes docentes presentes em sua prática pedagógica.” A prática como um processo de formação pedagógica implica em uma preocupação constante sobre o fazer docente, que envolve buscar compreender como o aluno aprende, quais dificuldades são vivenciadas no contexto educacional frente à inclusão, bem como que contribuições essa prática docente trazem para o aprendizado dos discentes. Nesse rumo, nos ancoramos em Carvalho (2003, p.169), quando apresenta que: Pensar na formação de professores não se deve ficar resumida a métodos de ensino, num pragmatismo que desconsidera a teoria e desvaloriza inclusive a construção de teorias, a partir da própria pratica. Mas para esta construção, além da bagagem teórica, o professor necessita estimular sua capacidade crítica e reflexiva, para se perceber e agir como pesquisador. 77 De acordo com o pensamento de Carvalho, fica evidente que ao refletirmos sobre como se caracteriza a formação docente não podemos, simplesmente, resumir este pensamento aos métodos de ensino, que o educador utiliza em sala de aula, desconsiderando a teoria vista nos cursos de formação. É preciso, então, pensarmos nessa construção como uma maneira do professor desenvolver suas competências críticas e reflexivas, tornando-se, assim, um sujeito pesquisador, que investiga sua própria prática, que a redimensiona e avalia. Indagada sobre as contribuições do processo de formação inicial para a prática pedagógica do educador, uma das docentes investigadas mencionou: O curso de formação inicial que participei me ajudou muito a repensar o meu trabalho. Havia momentos até que pensava não saber mais ensinar, por estar utilizando práticas retrógradas, que não condiziam com as reais necessidades dos educandos, necessitando, assim, repensar o meu trabalho e modificar alguns pensamentos que já tinha anteriormente (DOCENTE). Fica claro, conforme as proposições dessa docente, que o curso de formação inicial teve grande valia para a melhoria de seu trabalho, ajudando-a a repensar sua forma de ministrar aula, os métodos utilizados, as estratégias e como realmente a criança aprende. Assim, vemos que trabalhar na escola numa perspectiva inclusiva exige, além de teoria, refletir sobre a prática, ter a criatividade e buscar estratégias que favoreçam o desenvolvimento do trabalho. Posto isso, Nóvoa (2001, p.14), afirma que “[...] mais importante do que formar é formar-se; que todo conhecimento é autoconhecimento e que toda formação é autoformação”. Ou seja, na caminhada das vivências pedagógicas trilhadas no ambiente escolar, o educador constrói um processo de autoformação na medida em que estabelece diálogo com os seus companheiros de trabalho, quando refletem coletivamente sobre sua prática, elencam os problemas vivenciados no dia a dia e, juntos, estabelecem metas que serão cumpridas de forma plural. Esse é um processo de autoformação que enriquece a prática pedagógica do educador e, para consolidá-lo, um dos primeiros passos é acreditar que ensinar não se configura, apenas em repassar conteúdos. Essa ideia vai ao encontro do pensamento de Tardif (2004), ao mencionar que a função do educador não se aplica somente ao repasse de 78 conteúdos produzidos pelos outros. No exercício de sua profissão, o educador elabora seus próprios saberes, dando sentido a sua experiência. Tardif (2004) ressalta que os saberes dos educadores são plurais, pois se originam de várias fontes, pois são oriundos da formação profissional, das disciplinas, dos curriculos e da experiência. Os saberes dos educadores transformam-se e se reestruturam a cada momento, originando novos saberes a partir das experiências vivenciadas pelo educador no contexto escolar. Dentre essa gama de saberes citados por Tardif (2004), destacamos os saberes experienciais, que oferecem ao educador a possibilidade de desenvolver sua prática em uma perspectiva inclusiva, com base nos desafios enfrentados no contexto escolar. É imprescindível, pois, apresentar uma fala de uma das docentes entrevistadas em relação aos saberes construídos ao longo da docência: Diante de vários desafios que enfrento no dia a dia sei que a cada novo ano letivo a realidade da sala de aula é diferente, mas acredito que, durante duas décadas de exercício no magistério, esta experiência de trabalhar com uma criança com deficiência visual é ímpar, é desafiadora, nos coloca para estudar, buscar mais e mais. Assim estamos adquirindo novos conhecimentos (DOCENTE). A partir do extrato acima, vemos que a educadora ressalta a importância de acolher a criança com deficiência e do professor estudar, buscar novos conhecimentos, aperfeiçoar-se constantemente, para que, assim, possa garantir o pleno direito de efetivação à educação dessa criança. O acolhimento de todas as crianças nas escolas é o princípio fundamental que orienta a Declaração de Salamanca (1994). É preciso que a instituição acolha de maneira prazerosa e valorize as potencialidades de cada aprendiz, acreditando que todos são capazes de aprender. Segundo este instrumento de relevância internacional: As escolas devem ser o espaço em condições de assegurar a todas as crianças a possibilidade de aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou peculiaridades que possam diferenciá-las. Não importa se essas singularidades são de natureza física, intelectual, social, emocional, linguística, ou decorrem de qualquer outro fator (Declaração de Salamanca,1994). 79 Como ressalta o documento mencionado, cabe às instituições de ensino, tornarem-se um espaço propício para o acolhimento e desenvolvimento de todas as crianças, valorizandoas e favorecendo o desenvolvimento de suas potencialidades, principalmente de educandos, que apresentem alguma limitação. Segundo Gauthier (1998), os saberes docentes se apoiam diretamente nas condições históricas e sociais, em que a atuação profissional é exercida. Por isso, refletir sobre o papel dos professores e suas implicações dentro do movimento de inclusão escolar das crianças com deficiências e sua inserção na escola regular trata-se de um processo fundamental para a escola inclusiva, na qual as estruturas, a todo o momento, se transformam a fim de que assegurem o direito de uma escola de qualidade a todos. Palmilhando por esta vereda, acreditamos que, diante de todas as experiências construídas pelos educadores no decorrer da docência, é importante, embora nas situações do cotidiano surjam dificuldades, que o docente busque alternativas viáveis para a concretização de um melhor trabalho, que tenha a humildade de buscar ajuda, de pesquisar, de acreditar que está em um processo de autoformação e que para a concretização das ações pedagógicas o mesmo depende da colaboração de todos os que compõem o cenário educacional. Para Nóvoa (1997, p.70) “[...] a formação continuada deve ajudar na mudança educacional e o espaço adequado para esse processo é o professor estar inserido no grupo profissional e numa organização escolar.” Rodrigues (2006), considera que o processo de educação continuada deve acontecer em serviço para ser válido, isto é, diretamente ligado à prática profissional, de forma que possa avaliar, intervir e reavaliar, contando com a supervisão de uma equipe de apoio. Não é fácil lidar com uma sala de aula heterogênea, que, muitas vezes, se torna um grande obstáculo ao educador. A partir daí, surgem angústias, frustrações, desafios e, por fim, alegrias. Alegria de saber que o educador foi alguém capaz de acreditar no crescimento do educando; alegrias de saber que, durante algumas noites mal dormidas, com a sensação de não ter desenvolvido um bom trabalho, de pensar que ficou uma lacuna no trabalho pedagógico, surgem os resultados de que a aprendizagem está se concretizando e que o professor está contribuindo de forma direta para o crescimento potencial da criança. Isso é a maior satisfação para um docente, que se preocupa com a sua turma, que quer ver o seu trabalho funcionar com qualidade. 80 2.3 Professora, meu coleguinha não enxerga. Como ele vai aprender? Práticas Pedagógicas Inclusivas: reflexões e contribuições para o processo de ensinoaprendizagem numa ótica inclusiva. Este tópico nasceu através de um questionamento feito por uma criança em sala de aula, numa turma do 1º ano do ensino Fundamental, quando a docente estava explicando um conteúdo e a criança a interroga: Professora, meu coleguinha não enxerga. Como ele vai aprender? Então, aproveitamos essa indagação como ponto de reflexão para discutir como se constrói o processo de ensino-aprendizagem em uma perspectiva inclusiva. A sociedade contemporânea, - desafiadora, complexa e em constante evolução presencia a transição de um novo paradigma da ciência, o que caracteriza todos os seguimentos da sociedade, interferindo diretamente na educação como um todo. Isso nos remete a refletir sobre a prática pedagógica, que deverá formar cidadãos condizentes com as exigências da sociedade em consonância como o novo paradigma educacional. Esse novo paradigma é apoiado na proposta da Unesco que, ao recomendar a educação do século XXI, enfatiza a necessidade de preparar cidadãos para a vida, no âmbito da sua totalidade, visando transformar a sociedade em mais justa e solidária. Ademais, ressalta ser essencial que as práticas pedagógicas sejam apoiadas nos quatro pilares de aprendizagem apresentados por Delors (2001, p. 101) sobre a educação ao longo da vida, “aprender a conhecer, aprender a ser, aprender a conviver e aprender a fazer”. Propor uma educação inclusiva vai além de receber um aluno com necessidades educativas especiais. O acesso à escolarização extrapola a matricula, pois exige a apropriação do saber, da aprendizagem na formação do cidadão crítico. Para Figueiredo (2002), essa reformulação da educação atual se justifica não somente pela necessidade de atender às crianças com deficiência, mas pela constatação de que a escola não está dando conta da maior parte das necessidades de seu alunado. Por muito tempo, a escola teve como característica o acesso simplesmente aos alunos burgueses, sendo considerada elitista, excludente e depositária de informações. Com o passar dos anos, com o avanço da ciência e da tecnologia, a sociedade sofreu uma forte influência da 81 globalização. Mas, o que, ocasionou transformações no espaço escolar, na função do professor e em sua concepção de educação? Quem é o aluno? Como a criança aprende? Houve sérias transformações no fazer pedagógico e administrativo das instituições de ensino, portanto, é necessário refletir sobre o atual papel da escola na contemporaneidade, o que pressupõe vê-la como um espaço construtivo e heterogêneo. A escola tem um papel específico na vida dos indivíduos, propiciando a ampliação dos relacionamentos interpessoais, da valorização cultural e social de cada sujeito, oportunizar o desenvolvimento de conteúdo, procedimentos e atitudes que favorecem a construção de aprendizagens. É por meio da escola que a criança passa a ter acesso ao conhecimento acumulado cultural e historicamente. Rego (2003) apoia-se nas ideais de Vygotsky para afirmar que a escola representa o elemento imprescindível para a realização plena do desenvolvimento dos indivíduos, pois promove um modo mais sofisticado de analisar e generalizar os elementos da realidade: o pensamento conceitual. Reconhecendo a sala de aula como um espaço de trocas de conhecimentos e de construções significativas e aprendizagens, vemos que o papel do professor é crucial no desenvolvimento da aprendizagem do educando. A qualidade da aprendizagem discente está relacionada com o que o educador ensina e a como ensina. É útil que o professor valorize o progresso da criança, seus avanços e suas dificuldades, o que poderá motivá-la a querer aprender. Nesse sentido, Vigotsky (2007, p. 108) afirma: [...] se ignorarmos as necessidades da criança e os incentivos que são eficazes para colocá-la em ação, nunca seremos capazes de entender seu avanço de um estágio do desenvolvimento para outro, porque todo avanço está conectado com uma mudança acentuada nas motivações, tendências e incentivos. Observando as ideias de Vigotsky, vemos o quanto é necessária a valorização do desenvolvimento da criança; o quanto um elogio, um olhar, um sorriso são capazes de estimular o educando ao ponto de elevar sua autoestima e contribuir para o seu desenvolvimento. O diferencial está, em uma prática pedagógica que busca atender a diversidade e que acredita na capacidade do educando. Direcionando nosso olhar para a escola lócus das nossas investigações, vimos que existem educadores que desenvolvem práticas pedagógicas que visam contribuir para o 82 processo de humanização de todos os envolvidos no processo educativo, tais práticas atendem as especificidades dos aprendizes e servem como diagnóstico para o professor repensar o seu trabalho. Segundo Soares (2011, p. 35-36), “[...] trabalhar a prática pedagógica no contexto das diferenças no segmento da educação infantil passa pelas concepções e representações que os professores elaboram sobre as crianças e a primeira infância”. Não só na educação infantil, como também nos anos iniciais - ao desenvolver uma prática que atenda a diversidade em sala de aula - o educador precisa conhecer seus alunos e eliminar qualquer estereótipo que tenha construído. Zabala (1998) aponta que o fazer docente é envolvido por fortes concepções e diversos aspectos que interferem no modo de pensar e fazer acontecer o ensino. Portanto, para a melhoria da prática educativa, o autor considera fundamental a identificação de critérios de avaliação por meio dos quais o professor poderá analisar a sua atuação pedagógica, apoiandose em referenciais teóricos e práticos que os conduza a uma reflexão sobre a sua realidade enquanto profissional da educação. Sobre isso, ele enfatiza que: Se entendermos que a melhora de qualquer das atuações humanas passa pelo conhecimento e pelo controle das variáveis que intervêm nelas, o fato de que os processos de ensino/aprendizagem sejam extremamente complexos – certamente mais complexos do que os de qualquer profissão – não impede, mas sim torna mais necessário, que nós, professores, disponhamos e utilizemos referenciais que nos ajudem a interpretar o que acontece em aula (p. 15). Nesse sentido, acreditamos que o processo de refletir constantemente sobre suas ações, viabiliza ao educador a busca pela melhoria de seu trabalho. A reflexão sobre a ação contribui para que o que não deu certo possa ser corrigido. De certa forma, ao observamos uma criança interrogar à professora sobre como seu coleguinha que não enxergava ia aprender, podemos destacar que sentimos que a docente foi colocada “no canto da parede”, necessitando repensar seu trabalho que, possivelmente, não estaria facilitando no processo de ensino-aprendizagem de uma criança com deficiência visual. Afinal, por que refletir sobre a prática seria tão importante e necessário para a construção de um trabalho docente de qualidade? Segundo Macedo (2005, p. 35) “[...] a reflexão consiste, pois, em um trabalho de reconstituição do que ocorreu no plano da ação. 83 Trata-se de organizar o que foi destacado, de acrescentar novas perspectivas, de mudar o olhar, de se descentrar”. Um ensino que é diariamente avaliado pelo próprio sujeito desta ação possivelmente desenvolverá estratégias que promovam uma educação mais investigativa do que transmissiva. Para que isso realmente aconteça é de suma importância que, diariamente, o professor retorne seus pensamentos sobre si mesmo, com vistas a examinar profundamente ideias e problemas relacionados aos conhecimentos, ações e atitudes vigentes em sala de aula. Será, então, que nós educadores temos o hábito de refletir sobre a nossa prática como um mecanismo que venha a favorecer a melhoria do nosso trabalho pedagógico? Que importância teria repensarmos constantemente o nosso trabalho num contexto que focalize a inclusão? O desenvolvimento da ação pedagógica do educador, segundo Tardif (2014) recebe influência das concepções e de seus saberes constituídos na profissionalização, na organização e desenvolvimento das atividades, na organização dos agrupamentos e interações em sala, enfim, em toda sistemática de operacionalização da aula. Para Zabala (2003), alguns fatores incidem na aula de tal maneira, que tem implicações na realização dos objetivos para sua concretização. No contexto da inclusão, a prática docente reflexiva é condição necessária para a gestão das diferenças na sala de aula. Deverá ser, portanto, uma atitude desenvolvida ao longo de todos os segmentos de ensino. Em uma sala de aula, onde reinam as diferenças, o professor deve estar atento às situações de aprendizagem que propõe aos alunos. Uma única atividade pode gerar diversas reações por parte dos educandos, incluindo interesse, concentração, dispersão ou desmotivação. Essas atitudes podem ser provocadas de acordo com o caráter da proposta educativa, bem como pelas formas de intervenção pedagógica, às quais os alunos são submetidos em uma sala de aula. Como exemplo, citamos uma atividade por nós observada em sala de aula durante esta pesquisa.Uma professora desenvolvia uma rotina de trabalho: recepção dos alunos, oração e conversa informal. Então, organizou uma roda para a hora da história. Ao iniciar o processo de contação de histórias, utilizou diversos elementos para enriquecer e chamar a atenção dos educandos durante atividade: mudou a voz, representou alguns personagens da história e fez barulhos. Enfim, percebemos que a educadora buscou alguns ingredientes que favoreceram o desenvolvimento de uma boa aula. 84 Acreditamos que o objetivo de chamar a atenção e promover a interação em sala de aula foram atingido nessa atividade. Desse modo, é preciso nos espelharmos nessa professora no sentido de, ao planejarmos a nossa aula, pensarmos em quem é o nosso público e quais são suas necessidades, para que assim possamos alcançar os nossos objetivos. Sem dúvida, uma aula proveitosa fica marcada para sempre no livro da vida do aluno, principalmente quando se trata de uma sala de aula que tem crianças com deficiência. É preciso que o educador planeje sua aula com o propósito de ajudar a todos, ou seja, com uma visão inclusiva. Gian Grego, Cloniger , Dennis e Edelman (apud POULIN, 2010) levantam algumas características que eles consideram como essenciais para uma educação inclusiva. Comentaremos a seguir algumas delas. O agrupamento heterogêneo em uma mesma sala de aula e isso, em proporções naturais (POULIN, 2010, p. 29): é quando a sala de aula e a escolarização realmente permitem-se representar a sociedade em que o aluno vive. Mantoan (2003) reforça essa necessidade, pois se a escola pretende preparar o aluno para viver em sociedade, ela precisa representar essa sociedade. A presença do sentido de pertença ao grupo, os alunos com dificuldade estando acolhidos assim como os outros alunos (POULIN, 2010, p.29): ou seja, a presença pura e simples na sala de aula não é suficiente, todos os alunos precisam estar envolvidos nas atividades e aprender a respeitar e se posicionar diante do outro. Para isso, proporcionar situações em que os alunos possam, juntos, resolver desafios cognitivos é fundamental para uma boa prática pedagógica, pois nessas situações todos irão além do conteúdo, aprendendo estratégias de regulação do grupo e auto-regulação. Baseado nas reflexões apresentadas por Poulin (2010), é importante destacarmos que o autor defende a consolidação de uma educação inclusiva é pertinente, por defendermos que a heterogeneidade precisa está presente em sala de aula, através dos saberes que cada educando traz consigo das experiências construídas fora da escola bem como dos conhecimentos que serão edificados no contexto escolar sob a mediação docente. Outro aspecto que merece ser enfatizado: a necessidade que a instituição de ensino tem de organizar um trabalho, focando a organização de grupos, de interações que são necessárias para a organização dos conhecimentos. Esses pressupostos são essenciais para a construção de práticas pedagógicas inclusivas. 85 Fica claro que a presença, simplesmente, de alguma criança com deficiência em sala de aula, bem como de um professor auxiliar para colaborar com o trabalho por si só não adiantam. É preciso que todos os educandos estejam envolvidos na realização das tarefas, que escutem os colegas, opinem e sugiram. Só assim estaremos construindo uma educação verdadeiramente igualitária para todos, pois é no convívio com os pares, o aluno irá sentir-se respeitado em suas diferenças e semelhanças. Uma participação que implica que todos os alunos se dediquem ao mesmo tempo aos mesmos tipos de atividades de aprendizagem, os objetivos de aprendizagem a serem alcançados podem se diferenciar de um aluno a outro (POULIN, 2010, p. 29): em outras palavras, é importante frisar que as atividades serão as mesmas, mas o desempenho nessas atividades será diferenciado, não só pela existência de um aluno com deficiência ou dificuldade de aprendizagem, mas porque as crianças são diferentes entre si e reagem de forma diferente aos mesmos estímulos. Vygotsky (1991) já demonstrava isso ao desenvolver sua teoria sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal- (ZDP). Uma experiência educativa equivalente em que o professor preocupa-se tanto com as aprendizagens escolares e funcionais quanto com o desenvolvimento pessoal e social do aluno (POULIN, 2010, p. 30): isto é, a aprendizagem deve ir além dos conteúdos, precisa chegar a proporcionar espaço para um crescimento social, para que o aluno possa se construir como cidadão, junto aos seus pares. Baseado nas reflexões acima, vemos que a efetivação dessa educação inclusiva, implica a construção de um currículo que valoriza os sujeitos presentes no contexto escolar, seus saberes, singularidades e necessidades, configurando-se como elementos necessários para um trabalho focado nas especificidades dos educandos, na valorização tanto dos discentes como docente, como também na construção de uma aprendizagem além dos conteúdos escolares, mas também voltadas para as experiências de vida dos sujeitos. Quando defendemos a inclusão afirmamos que, mais do que conteúdos elencados nos livros didáticos, a escola precisa preparar para a vida, para lidar com o outro, para o convívio com as singularidades de cada um, seja aceitando o colega, seja expondo seu ponto de vista. As trocas possibilitam não só a revisão de teóricos, mas também de conceitos de si, do outro, do seu papel social e da sociedade em si mesma. 86 Mediante tais proposições, vemos a necessidade do educador promover, em sala de aula, situações enriquecedoras de aprendizagens, de escuta, bem como de reflexão constante sobre o seu trabalho. Ao educador cabe avaliar cotidianamente sua prática a fim de melhorála, de reestruturá-la e, assim, possibilitar a inclusão de todas as crianças. A esse respeito, Pimenta (2004) destaca que as transformações nas práticas educativas só acontecerão, quando o professor tomar consciência sobre a sua atuação, tanto no contexto de sala de aula como na escola como um todo. Conforme Soares (2011, p. 55): Para promover a inclusão escolar, se fazem necessárias, não somente, mudanças de concepções dos professores, mas também das práticas pedagógicas, de maneira que eles possam desenvolver um ensino e uma gestão de sala que atendam as diferenças de todos os alunos. Percebemos ser imprescindível o desenvolvimento de um ensino pautado no aluno, em suas dificuldades, necessidades, e na certeza de que a sala de aula constitui-se em um espaço de interação e construção de aprendizagens. Não é fácil trabalhar em uma sala de aula que apresenta uma diversidade de saberes de educandos, vindos de diversas localizações e com diferentes históricos familiares. No entanto, é oportuno destacarmos que é durante a interação em sala, no processo de mediação e de ajuda mútua, que o educador passa a conhecer melhor o seu aluno. Vivenciamos inúmeras situações de afetividade, de respeito e de atenção, tanto por parte do educador como dos alunos, para com a criança com deficiência visual, isso nos deixa felizes, pois sabemos que o verdadeiro sentido da palavra inclusão estava começando a ser utilizado. Como o processo de aprendizagem da criança se dá com base na sua interação com o meio, na qual ela desempenha um papel ativo no processo de aprendizagem, pensamos, então, em buscar caminhos através dos quais essas experiências sejam valorizadas na educação de uma criança com deficiência visual, visto que as atitudes por elas e para elas desenvolvidas durante os primeiros anos de escolarização determinarão o seu crescimento intelectual e o futuro aproveitamento do seu potencial criador (BARBOSA, 2003). A esse respeito, temos: [...] (alunos cegos e com baixa visão) Necessitam de um ambiente estimulador, de mediadores e condições favoráveis à exploração de seu referencial perceptivo particular. No mais, não são diferentes de seus colegas que enxergam no que diz respeito ao desejo de aprender, aos interesses, à 87 curiosidade, às motivações, às necessidades gerais de cuidados, proteção, afeto, brincadeiras, limites, convívio e recreação dentre outros aspectos relacionados à formação da identidade e aos processos de desenvolvimento e aprendizagem. Devem ser tratados como qualquer educando no que se refere aos direitos, deveres, normas, regulamentos, combinados, disciplina e demais aspectos da vida escolar (BRASIL, 2007, p.14). A educação de uma criança com deficiência visual em nada difere daquela destinada às outras crianças, quando são levados em consideração o seu referencial perceptivo e a forma como conhecem o mundo ao seu redor, através dos outros sentidos. A aplicação desses pressupostos no estudo certamente será útil, podendo contribuir para a educação dessas crianças. Segundo Cobo, Rodriguez e Bueno (2003), a participação ativa da criança com deficiência visual, no seu processo de aprendizagem, fornece-lhe meios para relacionar as informações novas com seus conhecimentos prévios, isto é, a generalização do conhecimento. Dependendo do método de trabalho utilizado e do pensamento que a criança com deficiência visual aprendeu a utilizar, a transferência de conhecimentos prévios para situações novas ou semelhantes se dará naturalmente. Assim, é preciso refletirmos sobre como pensa o educador a respeito do aprendizado do seu aluno com deficiência visual. Em conformidade com o que apontam os autores supracitados, a Secretaria de Educação Especial, através da cartilha Educação Infantil: saberes e práticas da inclusão – dificuldades de comunicação e sinalização – deficiência visual, enfatiza que: A criança com deficiência visual, como as demais crianças, deve ser vista conforme suas especificidades. Cada criança é um ser singular, único, com tempo e ritmos diferentes, os quais devem ser respeitados e valorizados em sua espontaneidade, em sua forma diferente de ser, de fazer, de compreender e agir no mundo (BRASIL, 2006, p. 23). Como bem aponta a citação acima, é mister que nós educadores reconheçamos a criança com deficiência visual como um ser capaz de aprender, que, apesar de suas limitações, também tem condições de evoluir na aprendizagem. 88 Para a construção de uma aprendizagem verdadeiramente humana, cabe ao professor buscar desenvolver um trabalho que realmente ultrapasse as barreiras excludentes existentes em nosso meio, procurando pensar em um trabalho criativo fundamentado na cooperação e que se fundamente no intuito de atender as limitações. Incluir, não é só eliminar obstáculos físicos, mas também atitudinais, impedindo o preconceito e as ações discriminatórias. Pensando nisso, Omote (1999, p. 09) proferiu as seguintes palavras: Uma sociedade inclusiva necessita oferecer uma ampla gama de variedade de serviços especializados, altamente diferenciados para atender as mais variadas necessidades especiais de todos os cidadãos. Talvez só dessa maneira seja possível reduzir as desigualdades de oportunidades decorrentes das condições adversas de que são portadoras ou a que são submetidas algumas pessoas. Como se pode ver, é preciso que entendamos que o sujeito com alguma deficiência necessita das mesmas oportunidades que qualquer outra pessoa. É através das experiências vividas no meio social que conseguiremos construir práticas inclusivas. Durante as observações realizadas na sala lócus da pesquisa, víamos que, muitas vezes, a superproteção à criança com deficiência visual era visível, apesar de não ser necessária. É evidente que conviver com alguém com deficiência requer atenção, escuta, cuidados, mas é preciso liberdade, para se expressar, estudar e interagir. Dessa forma, o professor poderá favorecer o crescimento cognitivo de todos. Posto isso, pensamos: como pode ser vista uma criança com deficiência visual em uma sala de aula regular? Para responder a essa questão, trazemos uma discussão de Sá (1994), o qual enfatiza que: A privação sensorial é objeto de curiosidade, surpresa e admiração. Uma pessoa com deficiência visual é vista quase sempre como alguém muito dependente que precisa ser guiado, protegido e amparado. Costuma ser tratada como se fosse uma criança, uma marionete, um pobre diabo ou um "super homem". A falta de visão, a priori, é percebida como ponto frágil e vulnerável, detonando atitudes e expectativas extremas que "coisificam" as pessoas não videntes. Essas e outras barreiras são quase intransponíveis e podem obstaculizar o acesso dos deficientes visuais ao mercado de trabalho. Ao conseguirmos vencer tais imposições, a deficiência será assimilada com naturalidade e seremos considerados aparentemente "normais" como todos. 89 Refletindo sobre as palavras de Sá, vemos que para vencer essas barreiras que impedem o desenvolvimento das pessoas com deficiência é preciso, valorizar e acreditar que elas são capazes de vencer na vida, de entrar no mercado de trabalho, de ser felizes, no sentido pleno da palavra. Retomando a indagação da criança à professora, sobre como o seu coleguinha aprenderia se não enxergava, é conveniente dizer que tal proposição leva o educador a pensar sobre como tem direcionado o seu fazer pedagógico; de que forma tem possibilitado as interações em sala de aula; e como tem trabalhado os conteúdos de forma dialógica e que respeite os conhecimentos prévios dos educandos. Outra vivência que, de certa forma, gera um aprendizado ímpar foi durante as aulas de educação física, pois, na maioria das vezes, através de jogos e brincadeiras direcionados, o professor conseguiu integrar diversas crianças, induzindo-as a brincar, aprender a respeitar, a ouvir, a ganhar e aprender. Através da visão interacionista, as relações são estabelecidas entre as crianças e professor e conseguem grandes resultados. Carrara (2003, p. 67), ao analisar o espaço da brincadeira na teoria sócio interacionista, afirma que: Vygotsky exemplifica a importância das situações concretas e a fusão que a criança pequena faz entre os elementos percebidos e o significado. Numa situação imaginária, entretanto, a criança é levada a agir num mundo imaginário, onde a situação é definida pelo significado estabelecido pela brincadeira e não pelos elementos reais concretamente presentes. Ao brincar com um tijolinho de madeira como se fosse um carrinho, por exemplo, a criança se relaciona com o significado em questão e não com o objeto concreto. O tijolinho serve como uma representação de uma realidade ausente – um jogo simbólico. O brinquedo provê, assim, uma situação de transição entre a ação da criança com objetos concretos e suas ações com significados – preparando-a para uma nova etapa de seu desenvolvimento. Portanto, a promoção de atividades que favoreçam o envolvimento da criança em brincadeiras, tem nítida função pedagógica e psicológica (catalisação de conflitos, por exemplo). Entendemos, pois, que, através das brincadeiras desenvolvidas em sala de aula, o professor tem a oportunidade de detectar dificuldades de alguns alunos, o que favorece um melhor replanejamento de seu trabalho. Assim, a experiência com a diversidade em sala de aula mostra-se como uma rica oportunidade para compreendermos que nós humanos, em se tratando do processo de aprendizagem, apresentamos inúmeras dificuldades, acreditando, muitas vezes, que só devíamos interagir com pessoas ditas “normais”. É hora de mudar esse 90 ponto de vista, pois somente a partir da prática pedagógica inclusiva conseguiremos construir uma escola inclusiva. Para a concretização dessa prática pedagógica inclusiva, Zaballa (1998, p. 16) argumenta que a prática docente precisa ser pensada como algo fluído, fugidio, difícil de limitar com coordenadas simples e, além do mais, complexa, já que nela se expressam múltiplos fatores, ideias, valores e hábitos pedagógicos. Mediante essa prática humanizadora a ser desenvolvida em sala de aula, como algo fundamentado em valores, hábitos, vivências, emoções e otimismo, o educador pode reconhecer que sua aula poderá contribuir para a aprendizagem do educando. Para Zaballa (1999), alguns fatores incidem na aula de tal maneira que têm implicações na realização dos objetivos estabelecidos para sua realização. Em relação às práticas pedagógicas no paradigma inclusivo, assinalamos algumas considerações importantes à configuração do trabalho pedagógico desenvolvido em sala de aula: Oferecer subsídios teóricos e práticos que colaborem para a formulação de saberes e práticas pedagógicas de atenção à diversidade- paradigma da inclusão na atualidade- possibilitando ao professor uma reflexão dos processos de ensino e de aprendizagem e de práticas educativas diferenciadas; Discutir a dinâmica da organização e do trabalho pedagógico em sala de aula, bem como práticas de intervenções relacionadas à aprendizagem dos alunos com deficiência na sala de aula comum; Fortalecer a atuação do docente, por meio da apropriação dos conhecimentos relativos à aprendizagem do aluno com dificuldades significativas e/ou em função da presença de deficiência. Prosseguindo nessa trilha de pensamento, percebemos grandes contribuições das reflexões postas por Zaballa para a melhoria da prática pedagógica do educador numa ótica inclusiva, a começar pela reflexão contínua por parte do educador em relação ao seu trabalho com uma criança com deficiência visual: como está sendo desenvolvido? O que precisa melhorar? O que deu certo? O que não deu? Enfim, essas reflexões contribuem para a melhoria da práxis pedagógica, bem como para um trabalho colaborativo em sala de aula, onde acreditamos que tanto aprende o educador como o educando. Quando questionada sobre qual o maior desafio em seu trabalho para promover um processo de ensino-aprendizagem numa ótica inclusiva, uma das docentes respondeu: 91 Para mim, o maior desafio que encontrei para favorecer a construção do processo de ensino-aprendizagem num contexto inclusivo foi, inicialmente, pensar que seria impossível dessa criança com deficiência visual aprender. Ficava me interrogando: como seria possível uma criança que não enxerga aprender? Mas, com o passar do tempo fui percebendo que, embora o processo de aprendizagem seja lento, é possível sim ela aprender, basta que a ensinemos (DOCENTE) Para a professora entrevistada, o fator que impossibilitava, inicialmente, seu aluno com deficiência de aprender seria o descrédito por parte da docente, ou seja, o fato de ela não reconhecer que este aluno mesmo com deficiência visual tinha condições de aprender. Mas, e a outras habilidades dessa criança não poderiam ser trabalhadas? Por essa ótica, nos fundamentamos na necessidade de o docente ver cada discente como um sujeito ímpar, com suas particularidades, precisando, assim, da colaboração e confiança do educador para desenvolver suas habilidades. O processo de reconhecimento e consequente respeito às diferentes identidades dos educandos, aliado a uma cultura da instituição direcionada a aproveitar essas diferenças em benefício de uma educação de todos se denomina inclusão (RODRIGUES; KREBS; FREITAS, 2005, p. 7). Roldão nos remete à reflexão de que as mudanças ocorridas na escola são inerentes à natureza curricular e organizacional da escola e seu percurso evolutivo definido em torno da relação existente entre a sua ação educativa e aquilo que se constrói como expectativa em determinada época pela sociedade da qual ela faz parte. Portanto, a escola, como instituição social, é mutável e encontra-se constantemente confrontada “[...] com uma lógica de mudança, já que o pedido social muda e, em consequência, a relação escola sociedade está permanentemente afetada pelo ônus da mudança” (2001, p.118) Essa mutabilidade enfrentada pela escola no contexto atual requer, de todos os sujeitos que fazem parte da instituição, um olhar mais humano, solidário e, acima de tudo, mais otimista, no que refere-se a acreditar na capacidade de todas as crianças, pois as transformações ocorridas em nosso meio refletem decisivamente na caminhada da instituição de ensino, refletida, assim, na prática do educador. Enveredando nessa caminhada, Beyer (2006, p. 73) nos leva a refletir que a educação inclusiva caracteriza-se “[...] como um novo princípio educacional, cujo conceito fundamental 92 defende a heterogeneidade na classe escolar, como situação provocadora de interações”, além disso, “propõe-se e busca-se uma pedagogia que se dilate frente às diferenças do alunado”. Alimentados pelo pensamento de Beyer (2006), vemos que são justamente essas reflexões defendidas pelo autor que fazem com que o processo de ensino-aprendizagem atenda a todos os que estão na sala de aula. Apesar das limitações, dúvidas e receios, deve existir a esperança de dias melhores, em que teremos escolas realmente comprometidas com o sucesso do educando, que os valorize e contribua para o seu processo formativo, tanto pessoal como social. Nesse sentido, acreditamos que as reflexões aqui postas foram essenciais para amadurecermos as ideias em relação ao processo de ensino e de aprendizagem numa perspectiva inclusiva, especificamente no trabalho desenvolvido com uma criança com deficiência visual. Esta pesquisa contribuiu para que refletíssemos e nos embasássemos teoricamente sobre que elementos são necessários para o fazer pedagógico em sala de aula, destacando a necessidade que atualmente a escola tem de desenvolver um trabalho colaborativo, conjunto, que respeite e valorize cada sujeito que ali se encontra. Finalizamos, portanto, esta parte de nossa caminhada com uma citação de Passegi (2003), quando afirma que “a abertura para a alteridade apresenta-se como percurso a ser trilhado, ao longo da vida. Só ela propiciaria, aos parceiros dessa caminhada, a participação em projetos conjuntos, beneficiando-os equitativamente.” Mas essa abertura para o outro passa, necessariamente, pelo conhecimento de si mesmo. Nesse enveredar, percebemos a necessidade de um trabalho coletivo numa perspectiva inclusiva com o objetivo de colaborar com o trabalho em conjunto, com a valorização do eu e do próximo, e assim, focalizando o grupo como forma de interação social necessária ao desenvolvimento integral dos indivíduos. 93 CAPÍTULO 3: NARRATIVAS (AUTO) BIOGRÁFICAS DAS PROFESSORAS PARTICIPANTES DA PESQUISA Otimismo, obstáculos, risos, lágrimas, alegrias, tristezas, lutas, batalhas, alteridade e esperança são palavras que caracterizam nossa trajetória no decorrer do desenvolvimento deste trabalho. Apesar das dificuldades e obstáculos que enfrentamos, somos fortes o suficiente para erguermos a bandeira da inclusão e defendermos o direito de toda criança com deficiência em aprender. Foram muitos momentos marcantes que contribuíram para a construção das páginas desta dissertação: momentos que serão recordados por muitos e muitos anos, pois acreditarmos ser possível, a consolidação da escola como um espaço verdadeiramente inclusivo. Este capítulo tem um tom mais que especial, pois nele trazemos situações vivenciadas pelas educadoras protagonistas desta pesquisa desde o ingresso no magistério até o decorrer da docência com uma criança cega. Trazemos as vozes que marcam, que não foram silenciadas por qualquer situação que impedisse o direito de todo educando a aprender. 3.1 Entre o sabor e o saber: as docentes da Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito ante a Inclusão Incertezas, dúvidas, aprendizados, coragem, obstáculos e esperança de crescer, no sentido pleno da palavra, são expressões que representam as dificuldades enfrentadas inicialmente pelas docentes que contribuíram com a nossa pesquisa, quando, inicialmente, “ganharam” o emprego de professoras para atuarem na zona rural. Através da realização das sessões autobiográficas desenvolvidas com as docentes, propiciamos a cada momento destinado às recordações, que marcaram suas vidas como educadoras. Quando iniciamos o diálogo, sugerimos às professoras que escolhessem um nome fictício, a fim de mantermos o sigilo em todas as situações, respeitando a intimidade e confiança no trabalho. Assim, as docentes participantes da nossa pesquisa serão nominadasde: Margarida e Violeta¹. ______________________ ¹ Por opção das docentes entrevistadas, as mesmas optaram pela escolha dos nomes fictícios: Margarida e Violeta, por segundo elas, apresentarem algumas características semelhantes a das flores. 94 Iniciamos o nosso encontro pedindo às entrevistadas que se apresentassem. Tivemos o propósito de oportunizar a cada uma a liberdade de trazer suas raízes para o nosso centro de discussão, rememorando o aroma, o suor, as asperezas e inúmeras situações vivenciadas ao longo da docência. Obtemos os seguintes relatos: Eu nasci aqui mesmo na cidade de Janduís, no ano de 1970.Sempre morei na zona rural, éramos uma família de dez filhos e os meus pais, que eram agricultores, trabalhavam bastante para o nosso sustento. (MARGARIDA. 1ª Sessão (auto) biográfica, 05/09/2014) Eu também sou janduiense, sempre morei na zona rural. Nasci no ano de 1975, período de grandes dificuldades enfrentadas por quem morava na zona rural, mas, que com grande esforço dos meus pais conseguimos vencer na vida. (VIOLETA. 1ª Sessão (auto) biográfica, 05/09/2014) Inicialmente, percebemos que as entrevistadas revelam suas origens, trazendo, em sua essência, recordações do passado em relação à formação familiar e dificuldades enfrentadas. Daí, vemos que a constituição bio-psico-social do ser humano, em sua essência é um processo coletivo de idas e vindas, alegrias e tristezas, mas, que solidifica a nossa formação como sujeitos construtores de nossa própria história. Assim, acreditamos que esta apresentação inicial é o ápice de nossa trajetória, bem como uma referência para as discussões que serão desenvolvidas no decorrer desta pesquisa. Após esse diálogo, prosseguimos, perguntando às educadoras sobre como conseguiram ingressar no magistério público municipal. Pedimos que rememorassem a forma de ingresso no magistério. Eu entrei no município como professora, através de um emprego que o prefeito da época havia me dado. Como minha família era muito grande, e todos nós, na época, havíamos votado nesse político, então o mesmo venceu as eleições e me empregou. Na época eu tinha apenas a 5ª serie (MARGARIDA). Minha história não foi tão diferente, eu também ganhei este emprego por questões políticas. Iniciei trabalhando na comunidade onde morava e depois, com a diminuição do número de alunos, fui transferida para uma outra comunidade. Neste período eu só tinha estudado até a 4ª serie, mas lia bem, dominava as operações matemáticas e aí tive a oportunidade de ingressar com um emprego de professora (VIOLETA). 95 As docentes enfatizam emocionadas (choram), o prazer e satisfação o fato de terem ingressado no magistério. De fato, acreditamos que não foi só por necessidade, mas por prazer, por vontade de ser professora. Embora tenham sido empregadas por meio de apadrinhamento político, o que era comum na época, buscavam dar o melhor de si. Durante o desenvolvimento da história da Educação brasileira, uma questão relacionada ao exercício da docência, na época, foi a expansão do número de escolas e o crescimento de matrículas na educação brasileira. O número de docentes que integravam o quadro foi se tornando insuficiente para atender a demanda, sendo necessária a contratação imediata de mais profissionais para suprir as necessidades da época. Dessa forma, muitos educadores integraram o quadro de docentes da educação, na maioria das vezes, somente com o primário ou a conclusão do ginásio e sem a realização de concurso público. A partir desse olhar, destacamos que, embora fossem necessidades imediatas, de certa forma, essa ação abriu uma grande brecha para a presença de educadores sem nenhuma formação específica, o que nos remete à construção de um ensino baseado na transmissãoassimilação de conteúdos, sem colocar o educando no centro do processo. Apesar da pouca experiência inicial em sala de aula, as profissionais entrevistadas tiveram o privilégio de desenvolver o senso crítico-reflexivo, através do fazer pedagógico contínuo bem como das aprendizagens construídas ao longo da docência para o trabalho em sala de aula. A partir dessa experiência, era preciso a construção de saberes necessários ao desenvolvimento da prática educativa, pois reconheceram que a sala de aula não se resumia à técnica da cópia, aula expositiva e disciplina, sendo necessário a inserção da escuta, do olhar, da valorização do outro. Sobre isso, Larrosa (2013, p. 05) afirma: A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. 96 Assim, observamos a partir das falas das professoras Violeta e Margarida, a importância da construção de um ensino mais humano, libertador, que busque valorizar os saberes oriundos das vivências dos alunos e educadores como ponto de partida para a sistematização dos conteúdos trabalhados em sala de aula. Continuando nosso diálogo, indagamos as docentes sobre como viam a função social da escola na contemporaneidade, que relações estabeleciam entre a educação do passado e a atual. As mesmas postularam que: Parando para pensar sobre a educação, percebemos que aconteceram inúmeras mudanças, no passado, mas, precisamente quando comecei a estudar, era tudo muito simples (emocionada), estudávamos na casa da professora, no alpendre, todos os dias líamos a cartilha do ABC e realizávamos contas matemáticas, esse era geralmente o básico que estudávamos. Hoje, vejo a escola como uma instituição mais completa, digo em todos os aspectos, físicos, materiais, humanos, acredito que a função social da escola hoje é a de contribuir para a formação integral dos alunos, favorecendo o desenvolvimento de competências e habilidades (MARGARIDA. 1ª Sessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 15 de setembro de 2014). Percebemos várias mudanças na educação, principalmente se compararmos com a nossa época de estudante, em que enfrentávamos inúmeras dificuldades, seja de locomoção, as vezes íamos com fome a escola, mas, tínhamos a vontade de aprender. Atualmente são muitas facilidades para o aluno apender, vejo que a função da escola no contexto atual é a de contribuir para o desenvolvimento do educando, de contribuir para a formação de um cidadão crítico e atuante na sociedade, acho que é isso (VIOLETA. 1ª Sessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 15 de setembro de 2014). Como ressaltam as docentes em suas narrativas, verificamos que fazem um paralelo entre o contexto educacional de sua época enquanto estudantes com a atualidade, apresentando as diferenças existentes bem como a função social da escola contemporânea. Em seu discurso, mostram como foco central da função social da escola moderna a contribuição para a formação de competências e habilidades necessárias para a constituição de um homem digno e ético. Na sequência, explicitaram o que entendem a respeito do que seja inclusão, e falaram de suas experiências com práticas inclusivas, ao que as entrevistadas destacaram: 97 Inclusão é incluir, é garantir o acesso do aluno a uma escola, é dar o direito a todos de estudar. Como experiências com práticas pedagógicas inclusivas, destaco a minha primeira vivência com uma criança cega, que mora na comunidade em que a escola faz parte. Para mim, esta foi a minha primeira experiência com uma criança com deficiência, o que será inesquecível, as dificuldades que enfrentei, os falsos tabus, e as aprendizagens que construí ao longo do ano com a turma. Isso para mim, foi muito gratificante (MARGARIDA. 1ª Sessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 15 de setembro de 2014). Inclusão é..... (ficou pensativa) Inclusão é darmos o direito ao próximo de estudar, de aprender, apesar das dificuldades, mas, acredito que é possível construirmos uma escola inclusiva. Minha experiência com práticas inclusivas, foi também com esta criança cega, já até vivenciei com crianças com comportamentos difíceis, mas, por não ter o laudo médico, não se poderia detectar nada. Para mim, foi muito difícil trabalhar, inicialmente, com esta criança, pois pensava que a inclusão acontecia simplesmente em garantir o acesso à escola. Mas, confesso que inicialmente não promovia uma integração maior entre os educandos, pois pensava que seria impossível dessa criança cega realizar as tarefas que desenvolvia com os demais. Mas, com o tempo e através de conversas com outras pessoas, fui aprendendo ser possível, sim, garantir o direito a toda e qualquer criança de aprender. (VIOLETA. 1ª Sessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 15 de setembro de 2014). As docentes frisaram o conceito de inclusão restrito ao âmbito educacional, sem correlacioná-la com o meio social. Na narrativa da professora Margarida, vemos claramente a inclusão como caminho para a construção de uma escola mais justa, humana e acolhedora, que, além de garantir o acesso, possibilita a permanência de todas as crianças. Já a docente Violeta, que também caracterizou a inclusão somente no contexto educacional, deixa claro que inclusão seria o meio de integrar todos os educandos na escola. Ela destaca que, apesar das limitações de qualquer discente, é possível garantir o direito de estudar e aprender. Consideramos pertinentes as respostas apresentadas, enxergando-as como um caminho inicial para se efetivar a prática da consolidação de uma escola inclusiva, de um ambiente acolhedor e potencializador de aprendizagens. Em relação as suas experiências com práticas pedagógicas inclusivas, vemos que tanto a professora Violeta como a educadora Margarida destacam que o seu primeiro contato com crianças com deficiência ocorreu através da chegada de uma criança cega, quando “tudo precisou mudar”. A partir daí o conceito de inclusão, de escola inclusiva, aprendizagem, interação, dificuldades, precisaram ser reformulados, refletidos e reconstruídos. Nascia um 98 grande desafio a ser vivenciado, cotidianamente no contexto escolar, sendo necessário, então, um planejamento mais flexível, dialógico e pautado nas reais dificuldades da turma. Baseado nessas narrativas, percebemos que somente através da chegada dessa criança cega, a escola campo de pesquisa se viu obrigada a construir uma prática docente numa perspectiva inclusiva, precisou precisando, consequentemente, reestruturar o seu trabalho. Figura 15: Encontro Pedagógico- Discussão e apresentação do projeto de Pesquisa após qualificação a equipe docente e administrativa da escola. Fonte: Acervo fotográfico da escola Nessa perspectiva, buscando prosseguir a realização da sessões (auto) biográficas, questionamos às educadoras sobre as dificuldades que encontraram, inicialmente, quando receberam esse aluno cego. As entrevistadas afirmaram: A maior dificuldade que vi, inicialmente, foi como promover a integração desta criança que nunca tinha frequentado a escola, que apresentava muitas dificuldades de locomoção, devido ao espaço ser novo, na linguagem e na socialização (MARGARIDA. 2ª sessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 23 de setembro de 2014). Para mim, a maior dificuldade que encontrei foi porque não integrava este aluno na maioria das atividades de sala de aula, por pensar que, devido não 99 enxergar, não teria condições de desenvolver a aprendizagem como os demais. Mas, à medida que fui tentando inseri-lo nas rodas de conversa, que colocava um aluno para auxiliar o outro, pude perceber, mesmo que de forma lenta, que a aprendizagem estava ocorrendo nessas situações (VIOLETA. 2ª sessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 23 de setembro de 2014). Conforme informaram as docentes, através de suas narrativas, fica nítido que a aprendizagem é o foco principal a ser desafiado, ou seja, deixam claro que quando receberam essa criança cega, pensaram: como esse aluno vai aprender? Então, para responder a esse questionamento, trazemos uma reflexão de BRASIL (2007, p.14), quando enfatiza que: [...] (alunos cegos e com baixa visão) Necessitam de um ambiente estimulador, de mediadores e condições favoráveis à exploração de seu referencial perceptivo particular. No mais, não são diferentes de seus colegas que enxergam no que diz respeito ao desejo de aprender, aos interesses, à curiosidade, às motivações, às necessidades gerais de cuidados, proteção, afeto, brincadeiras, limites, convívio e recreação dentre outros aspectos relacionados à formação da identidade e aos processos de desenvolvimento e aprendizagem. Devem ser tratados como qualquer educando no que se refere aos direitos, deveres, normas, regulamentos, combinados, disciplina e demais aspectos da vida escolar. Nessa perspectiva, a educação de uma criança com deficiência visual em nada difere daquela direcionada às outras crianças quando são levados em consideração o seu referencial perceptivo e a forma como conhecer o mundo ao seu redor, através dos outros sentidos. A aplicação desses pressupostos no estudo certamente será útil para esclarecer o quanto a interação em sala de aula e a questão do professor acreditar na capacidade do aluno podem contribuir para a educação dessas crianças e fazer a diferença. Assim, concordamos com Mantoan (2006, p. 40) quando afirma que: A inclusão é uma inovação que implica um esforço de modernização e reestruturação das condições atuais da maioria de nossas escolasespecialmente as de nível básico-, ao assumirem que as dificuldades de alguns alunos não são apenas deles, mas resultam em grande parte do modo como o ensino é ministrado e de como a aprendizagem e concebida e avaliada. De acordo com os estudos de Mantoan (2006), vemos que o processo inclusivo na escola precisa ser visto como uma ação coletiva, na qual o docente possa reconhecer que 100 quando o educando não evolui na aprendizagem a “culpa” não é somente dele, mas que o processo de aprendizagem, nessa ótica, efetiva-se de forma recíproca, de modo que professor aprende com aluno e aluno com professor. Continuando a realização das sessões (auto) biográficas, fomos percebendo uma grande evolução no sentido da conversa estabelecida com as docentes, o que nos alegrou, pois, inicialmente, participaram com timidez. Com a continuidade, porém, fomos percebendo certo envolvimento, uma maior apropriação dos diálogos desenvolvidos. Entendemos, então, que as narrativas (auto) biográficas possibilitam um olhar para dentro de si, por parte do entrevistado, além de contribuir para a (re) construção de saberes e da identidade docente. Segundo Josso (2007, p.423) o conceito de identidade docente faz referência às múltiplas dimensões do “Quem sou eu?” e serve para situar a si mesmo e aos outros pelo viés de um sistema de referências numa coletividade e em relação a suas próprias transformações. Acreditamos ser pertinente as discussões envolvendo a constituição da identidade docente e as relações estabelecidas no meio social, por nos possibilitar entender as contribuições do “eu” professor para o processo educativo e formativo dos sujeitos. Concordando com esse pensamento, nos reportamos a Oliveira (2007, p. 553), que afirma: [...] a identidade docente “está articulada as referências de gênero, familiares, religiosas, raciais, de classe, que são carregadas de contradições, cujas marcas sociais e históricas aparecem nos relatos orais ou escritos que as pessoas fazem de si”. Assim, relatar sobre si possibilitou às educadoras momentos de reflexão sobre sua identidade docente a partir das ações pedagógicas do ser professora, bem como através das memórias que alimentaram a construção da formação docente. Nóvoa (1992 p. 24) “[...] grande parte das possibilidades que as abordagens autobiográficas se consolidam, são caracterizadas em conjugar diversos olhares disciplinares, de construir uma compreensão multifacetada e de produzir um conhecimento que se situa na encruzilhada de vários saberes” (p. 20). Para reforçar as palavras de Nóvoa (1992), trazemos uma reflexão de Bueno (2002), quando defende a necessidade de se investir na formação docente através da reflexão sobre si, do autoconhecimento e da autorreflexão. Sendo assim: 101 O recurso aos relatos de vida escolar se mostra, então, neste caso, extremamente favorável para se investir neste aspecto da formação docente. Ou seja, ao favorecer aos futuros mestres a oportunidade de refletirem sobre os processos de sua formação e adquirir um melhor conhecimento de si mesmos, tal estratégia lhes permite se projetarem como profissionais, reconhecendo ou não como mestres (BUENO, 2002, p. 27). Concordamos com Bueno (2002), quando destaca as contribuições dos relatos de vida do educador para a formação de sua identidade bem como, meio de favorecer diferentes olhares acerca do profissional inserido em nossa sociedade. Nesse enveredar, percebemos ser salutar os relatos sobre si mesmo como caminho para possibilitar ao educador rememorar situações vivenciadas ao longo da construção de sua identidade pessoal e profissional. 3.2 Experiências Docentes e Práticas Pedagógicas Inclusivas: construindo uma aprendizagem de qualidade Emoções, a sensibilidade, o receio, as interrogações, os aprendizados, tudo isso faz parte do cotidiano dos educadores, que buscam, no convívio diário com outras pessoas, crescerem pessoal e profissionalmente. No entanto, são muitos obstáculos enfrentados no dia a dia para que, assim, se possa contribuir para o processo formativo dos educandos. Seguindo essa lógica, neste tópico, buscamos refletir sobre as experiências vivenciadas/ construídas pelas docentes em relação as Práticas Pedagógicas inclusivas como meio de favorecer a construção de uma educação de qualidade. Tentamos, portanto, valorizar todos os momentos narrados para o enriquecimento da nossa pesquisa e a autenticidade dos fatos. Logo, solicitamos a elas que delineassem suas vivências com uma criança cega. Obtivemos, então, os relatos abaixo: A partir das vivências, íamos aprendendo a lidar melhor com todas as crianças, só que em especial, com esta criança com deficiência, por suas singularidades, mas, realizamos várias atividades que na minha opinião, foram significativas e que de certa forma favoreceram tanto o aprendizado para os educandos como para nós, educadores, dentre elas: as horas cívicas, apresentadas semanalmente por cada sala, enfatizando datas comemorativas, temáticas locais, conteúdos curriculares, enfim, eram momentos de integração, apresentação e socialização de algumas atividades que desenvolvíamos em sala de aula e que fazíamos a exposição a toda a escola. Então, esta atividade, nos permitia pensarmos em cada aluno que estaria sentado para escutar/ assistir as apresentações. Isso gerava muito 102 aprendizado, troca de ideias e víamos que grande parte dos alunos gostavam desta atividade (MARGARIDA,3ª sessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 08 de outubro de 2014). Para mim uma das atividades que mais marcou em sala de aula, era os momentos da s rodas de histórias, onde lia uma história diária para os alunos, ou alguns traziam de caso, e fazíamos a leitura na roda e depois haviam alguns comentários, isso para mim, era uma atividade que envolviam, que oportunizava as crianças a trocarem experiências (VIOLETA, 3ª sessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 08 de outubro de 2014). Mediante as narrativas das docentes, percebemos que a escola contribui de maneira significativa para o aprendizado dos estudantes, permitindo que todos sejam os protagonistas no processo de ensino e de aprendizagem, principalmente os alunos com deficiência. Para muitos, a escola tornou-se um local de espaços significativos e de descobertas. A partir desse pensamento: A luta pela qualidade da educação e pela integração é uma luta pedagógica e social, concomitantemente. A escola para todos, a escola inclusiva, tem como princípio fundamental que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter (CARVALHO 1997, p.59). Conforme explicita Carvalho, essa busca pela qualidade da educação precisa ser contínua, para que possamos realmente reconhecer que a escola inclusiva é um princípio de grande valia para a construção da aprendizagem de maneira recíproca. Como enfatiza Matoan (2006, p.14), “a inclusão é uma saída para que a escola possa fluir novamente, espalhando sua ação formadora por todos os que dela participam.” O modelo educacional deve dar espaço à diversidade, visto que as diferenças culturais, sociais, étnicas, religiosas, de gênero, enfim, a diversidade humana vem, cada vez mais, ampliando e ganhando espaço, sendo condição para que todos aprendam e compreendam o mundo e a si próprio. Prosseguindo com a realização das nossas sessões (auto) biográficas, pedimos às entrevistadas que narrassem um pouco sobre como ocorria o processo de ensino em sala de aula numa perspectiva inclusiva. Elas destacaram que: 103 Logo no início, quando recebi esse aluno, não pensava em uma estratégia que inicialmente pudesse favorecer o aprendizado do mesmo, pensava que bastava só ele estar ali, pois, por não enxergar, ficava impossível de fazer algo. Com o passar do tempo, embora esse aluno faltasse bastante, fui percebendo que era possível ensinar o mesmo conteúdo a ele, bastava construir alguns recursos que ajudassem no processo. Então, foi isso que fui fazendo, elaborando cartazes em alto relevo, trabalhando músicas e repetindo o repertório várias vezes como forma de facilitar a aprendizagem deste educando (MARGARIDA, 3ª sessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 08 de outubro de 2014). Eu melhorei muito minha prática, principalmente com a chegada desta criança cega, que me exigiu mais conhecimentos, estudos. Me recordo de um curso que fiz, chamado Pró-Infantil, onde vi muitas matérias, inclusive, um módulo que estudamos discutia sobre a inclusão, os tipos de deficiência, aí fui reler este material e pensar em estratégias de como ensinar para fazer com que todos pudessem aprender. A partir daí, não vi mais um ensino caracterizado somente pela transmissão de conteúdos e sim como um caminho dialógico (VIOLETA, 3ª sessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 08 de outubro de 2014). Nos trechos acima, as professoras revelam o quanto a tarefa de ensinar é árdua, principalmente nessa situação, na qual tinham dentro de sala de aula uma criança com deficiência visual, sendo preciso tentar desenvolver um ensino, que buscasse atender às especificidades de todos os educandos e que possibilitasse ao educador refletir sobre sua prática, tentando utilizar recursos que favorecessem a descoberta, o interesse, a curiosidade, enfim, a aprendizagem dessas crianças. O que se extrai dessas experiências é que: São as diferentes ideias, opiniões, níveis de compreensão que enriquecem o processo escolar e clareiam o entendimento dos alunos e professores. Essa diversidade de derivadas formas singulares de nos adaptarmos cognitivamente a um dado conteúdo e da possibilidade de nos expressarmos abertamente sobre ele. Ensinar é um ato coletivo, no qual o professor disponibiliza a todos alunos, sem exceção, um mesmo conhecimento (BATISTA E MANTOAN, 2007, p. 17). O ingresso de uma criança cega na escola, como a que foi destacada nesta investigação, proporciona o seu desenvolvimento e um crescimento expressivo no que se refere à ampliação de habilidades e competências que podem ser estimuladas e despertadas com a mediação pedagógica. Com isso, é perceptível o quanto todos os sujeitos devem ter uma vida escolar ativa, participando de todas os níveis de ensino e atuando como interlocutores de conhecimentos. 104 Figura 16: Atividade relacionada ao Projeto: valores para minha vida. Fonte: Acervo fotográfico da escola Ainda ilustrando as reflexões desenvolvidas, destacamos o que Paro (2001, p. 10), afirma: Os professores precisam de oportunidades para refletir sobre as propostas de mudança que mexem com seus valores e com suas convicções, assim como aquelas que afetam sua prática profissional cotidiana. Os professores já estiveram sujeitos a uma avalanche de mudanças, nas quais suas visões não foram seriamente consideradas. É importante que a inclusão não seja vista apenas como outra. Não há dúvida de que podemos pensar na escola como instituição que pode contribuir para a transformação social. Mas, uma coisa é falar de potencialidades, uma coisa é falar “em tese”, falar daquilo que a escola poderia ser, outra coisa bem diferente é considerar que a escola que aí está já esteja cumprido esta função. Infelizmente essa escola é sim reprodutora de certa ideologia dominante é sim negadora dos valores dominados e mera chanceladora da injustiça social, na medida em que recoloca as pessoas nos lugares reservados pelas relações que se dão no âmbito da estrutura econômica. De acordo com as palavras do de Paro, entendemos que a função do educador na atualidade perpassa os muros da escola. Esse profissional tem valor no contexto educacional, podendo contribuir para a melhoria da educação. Dessa forma, deve buscar estratégias 105 eficazes que contribuam para a melhoria e transformação da nossa sociedade, bem como para a construção de um processo de ensino-aprendizagem focado na dialogicidade, no olhar, na alteridade, enfim, um ensino que reconheça que o sujeito é aprendiz/ensinante. Como não podemos separar a ação de ensinar do aprender, durante as sessões (auto) biográficas conversamos com as docentes e lhes perguntamos que concepção tinham sobre o que seria aprender, destacando, principalmente, a visão inclusiva. As educadoras responderam: Aprender, para mim, é ir além da repetição de informações, é ter a liberdade de se expressar, opinar, aprender de forma cooperativa com o próximo. E aprender, na visão inclusiva, é um processo contínuo e coletivo, que precisa da mediação de um professor e dos alunos (MARGARIDA, 3ª sessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 08 de outubro de 2014). A aprendizagem é um processo coletivo, mediado por alguém. Para mim, só há ensino quando há aprendizagem. Na ótica inclusiva, é uma tarefa ainda mais difícil, digo no sentido do professor estar aberto a mudanças, a aceitar o novo, a se abrir e aprender com os alunos (VIOLETA, 3ª sessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 08 de outubro de 2014). Conforme explicitam as professoras, a aprendizagem é um processo que exige a interação professor-aluno, um processo no qual, através da mediação (seja docente ou até mesmo discente), os sujeitos se inter-relacionam e aprendem. Tomando a experiência com uma criança com deficiência, ressaltamos a importância da utilização de materiais concretos como forma de auxiliar e favorecer uma melhor assimilação do educando em relação aos conteúdos trabalhados. “O desenvolvimento dos sentidos tátil-cinestésico-auditivo-olfativogustativo deve ser estimulado naturalmente, através de todos os momentos de rotina diária” (BRUNO, 1997, p. 51). Em relação ao aprendizado da criança com deficiência visual, a autora observou, através da sua prática com Avaliação Funcional do Desenvolvimento Global da criança com deficiência visual, que, muitas vezes, a capacidade de construir conhecimentos por parte dessa criança fica prejudicada, não apenas por sua condição visual, mas, também, pela qualidade de troca e solicitação pelo meio. Dessa forma, ela deixa claro que: 106 O uso do corpo, a coordenação dos esquemas auditivo- tátil – cinestésicopreensão e a experiência física direta com objetos é que ajudarão a criança com deficiência visual a elaborar o seu sistema de significação e a organizar o mundo (BRUNO, 1997, p. 50). Educandos que desde cedo são estimulados a vivenciar situações como o uso de materiais concretos apresentam melhores resultados na aprendizagem. Esses materiais facilitam a compreensão e assimilação dos conteúdos trabalhados em sala de aula. Contudo, Carvalho (2008) enfatiza que é necessário que o educador tenha uma noção ampla do que significa aprender para um aluno com deficiência, que, embora apresente limitações, através das oportunidades dadas em sala de aula tem capacidade de construir conhecimento. Nosso estudo, lança, um olhar no sentido de, através da escuta das experiências de educadoras em sala de aula com uma criança cega, apresentamos de que forma se consolida o aprendizado da mesma. O objetivo é que possamos refletir sobre a possibilidade de se construir práticas pedagógicas eficazes e inclusivas. Enriquecendo as reflexões defendidas por Bueno (2006) ao mostrar a relevância que a reflexão sobre si possibilita para a construção da identidade docente, trazemos a contribuição de Arruda(2001), que enfoca a necessidade do trabalho em sala de aula, com a utilização de materiais concretos para o processo de ensinoaprendizagem do educando e como instrumento de reflexão para o educador. Conforme essa concepção: Proporcionar diversas experiências e o contato com objetos concretos vai contribuir na vida diária, para o pleno desenvolvimento da criança, permitindo que ela construa conhecimentos e habilidades, e aos educadores entenderem o processo de pensamento de seus alunos (ARRUDA, 2001, p.19). A visão é o canal através do qual acessamos a grande maioria das informações do mundo ao nosso redor, pensamos, então, em como uma pessoa com deficiência visual assimila essas informações e as utiliza para construir o seu conhecimento. Bruno (1997, p. 50) dá pistas da construção de conhecimentos por parte da criança com deficiência visual, entendendo que: “A mão será o canal principal de assimilação, apreensão e compreensão do mundo, por isso, deve-se adquirir autonomia”. 107 Na sua relação com o mundo que a cerca, a criança com deficiência visual tem uma tarefa mais complexa em comparação à criança vidente, que aprende conceitos e categorizações pela possibilidade que tem de organizar objetos de acordo com características como cor, forma, tamanho, grupo e função, o que a ajuda a entender como o mundo funciona e como sua própria ação pode influenciar o que acontece. Para a criança com deficiência visual, no entanto, essa organização envolve características perceptíveis através de sentidos diferentes da visão, utilizando, principalmente, a sensação tátil (BRASIL, 2002). Nesse contexto, é salutar o desenvolvimento de um trabalho didático-pedagógico que propicie aos educandos situações de autoconhecimento e de utilização dos sentidos de maneira contextualizada com o conteúdo trabalhado, bem como, com interações significativas em sala de aula. Em se tratando da criança com deficiência visual, é necessário que o docente promova momentos em sala que favoreçam a utilização dos órgãos sensoriais em diferentes atividades, como alternativa do aluno se sentir capaz de desenvolver as tarefas e integrado nas diferentes situações de aprendizagens. 3.3 Eu não sou você, você não é eu: a importância de valorizar as diferenças em sala de aula A sala de aula configura-se como um espaço que favorece ao docente, a possibilidade de desenvolver um trabalho que possibilite o conhecimento e o desenvolvimento de todos os que ali se encontram. A prática docente é marcada pela pluralidade de saberes, sentimentos e vivências, que contribuem para enriquecimento do potencial humano, desde que tais características sejam valorizadas. Em se tratando de uma sala de aula com uma criança com deficiência visual não é diferente. Observamos isso através das experiências das docentes entrevistadas, que narraram, que no início foi um ‘choque”, uma situação difícil. As professoras Margarida e Violeta relatam que não se sentiam preparadas para receber este aluno, porque não sabiam o que fazer. Então, a chegada desta criança foi, de certa forma, um grande desafio a todos, mas um desafio que se transformou em um aprendizado ímpar. Ao valorizar a heterogeneidade presente em sala de aula como um elemento fundamental nas interações sociais, Vygotsky (1991) contribuiu para um maior entendimento 108 não somente sobre a inclusão escolar de alunos com deficiência no ensino regular, mas também a respeito dos benefícios que a interação entre os diferentes pode proporcionar. Assim, ao mediar as aprendizagens no contexto das diferenças, o professor precisa atentar-se ao desenvolvimento de estratégias que motivem o diálogo e a cooperação entre o grupo, na busca da construção do conhecimento. Além disso, o respeito aos diferentes ritmos e estilos de aprendizagens devem ser levados em consideração no momento de planejar e executar as intervenções pedagógicas. Figura 17: Aula expositiva dialogada e realização de atividade coletiva. Fonte: Acervo fotográfico da escola Em uma sala de aula, onde reinam as diferenças, como defende BRASIL (1998) “[...] é preciso um olhar atento, por parte do professor, no sentido de fazer com que o conhecimento do educando possa avançar, possa ser efetivado, de tal forma que o mesmo se sinta motivado a aprender.” Por conseguinte, para que o professor possa contribuir com o aprendizado do educando é necessário criar diversas experiências em sala de aula, com o intuito de estimular os alunos a pensarem, observarem, analisarem e chegarem a determinadas conclusões. Assim: Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, 109 e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis (BRASIL, 1998, p. 23). Considerar os conhecimentos dos alunos e as suas formas de interpretá-los leva o professor a pensar em um ambiente de constante interação entre seus alunos e diferentes situações ou objetos, proporcionando, consequentemente, às crianças possibilidades de desenvolvimento em todos os aspectos: afetivo, social e cognitivo. Nesse caminho, percebemos que durante a realização da nossa pesquisa, vivenciamos situações em que a escola se tornava paulatinamente em um ambiente que ia se reconstruindo de acorde com as características de seus sujeitos, como um espaço que propiciava o desenvolvimento integral dos educandos. Entendemos que a educação configura-se como fator de democratização e de equalização de oportunidades, o que nos leva a admitir a escola como um espaço que deve respeitar e valorizar as diferenças, que seja capaz de contribuir com a transformação dos educandos. Percebemos, então, que a escola é aberta a todos e é fator de modificação dessa sociedade, uma vez que a inclusão educacional “é um meio fundamental para avançar para sociedades mais justas, integradas e democráticas” (BLANCO, 2005, p. 9). [...] a inclusão de alunos com deficiência em classes regulares de ensino é um processo que ultrapassa os contextos escolares, uma vez que incluir está associado a um todo maior que é o contexto sócio-histórico e cultural do meio, ao qual o indivíduo está integrado. (Drago, 2005, p.96): Em face disso, consideramos que a educação é um caminho de emancipação do indivíduo e que a sala de aula se torna um espaço propício para dar continuidade a este processo formativo dos estudantes, buscando estratégias que viabilizem, de maneira correta, a busca pelo aprendizado. No anseio de aprimorar nossa percepção sobre o tema, continuamos com a realização das sessões (auto) biográficas. Logo, perguntamos às entrevistadas se consideravam a rotina de trabalho importante para o desenvolvimento da prática pedagógica e se desenvolviam essa rotina em sala de aula. Obtivemos as seguintes respostas: 110 A rotina é muito importante no trabalho de qualquer professor, por ajudar a planejar da melhor forma possível o seu trabalho. Confesso que antes não entendia bem e que não tinha uma rotina bem direcionada em sala de aula, o que, de certa forma, desnorteava o meu trabalho e deixava muitas vezes as crianças ociosas, mas, hoje reconheço a importância de construir a minha rotina para melhorar a minha prática. Em sala de aula organizo, geralmente, dessa forma a rotina:- Acolhida (recepciono os alunos), em seguida organizamos uma rodinha onde faço a chamada, fazemos a oração do dia, cantamos, os alunos relatam algum fato ocorrido em casa, temos a hora da contação de histórias, em seguida a interpretação oral. Prosseguimos, cada um volta a sentar em sua cadeira e iniciamos, às vezes, trabalhando com o livro didático ou uma tarefa no caderno. Às vezes temos a aula de recreação, tento variar esta parte, de modo que não se torne um hábito, todos os dias, após esta rodinha, ser atividade no caderno, busco reestruturar esta parte de forma rotativa. Hoje reconheço o quanto esta rotina tem sido importante para melhorar o meu trabalho (MARGARIDA, 4ªsessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 14 de outubro de 2014). A rotina é uma forma de sabermos o que vamos trabalhar e como vamos trabalhar os conteúdos. Então, confesso que também não reconhecia a importância da rotina para a minha prática. Hoje, após formações, planejamentos e a faculdade, vejo o quanto é importante sabermos o que vamos trabalhar em sala e como vamos desenvolver este trabalho. Então, organizo a minha rotina da seguinte maneira: recebo os alunos, depois vamos fazer uma rodinha, tem dia que é no chão, outros com as cadeiras, após a organização, conversamos, rezamos, cantamos e temos o nosso momento de leitura, que tanto leio para eles como eles também recontam histórias. Em seguida, temos o horário com as aulas específicas de cada disciplina, mas temos a autonomia de desenvolver a aula de forma interdisciplinar. Acho que esta rotina ajuda muito a pensar como vamos trabalhar (VIOLETA, 4ªsessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 14 de outubro de 2014). Conforme postulam as entrevistadas, nem sempre há o reconhecimento da relevância que uma rotina pode ter para o fazer pedagógico do professor. As docentes investigadas, através do processo de formação continuada, os planejamentos e a chegada à Universidade, através das disciplinas de instrumentalização didático-pedagógico, é que foram amadurecendo e reconhecendo a necessidade de se construir uma rotina para reestruturar a ação didática em sala de aula. De acordo com as narrativas das entrevistadas, vemos que ao organizar uma rotina de trabalho em sala de aula, o trabalho do professor fica mais estruturado, pois o educador sabe onde está e aonde quer ir. Enfim, a rotina é uma categoria pedagógica, que facilita e estrutura de forma positiva o trabalho pedagógico do educador. 111 Refletindo ainda sobre a rotina em sala de aula, percebemos, conforme os depoimentos acima, que o momento da roda de conversa é crucial e acontece todos os dias, como meio de favorecer, através da mediação docente, a interação entre todos e o auxílio no desenvolvimento integral da criança. A mediação, pelo professor, das interações entre os alunos sem e com deficiência assume um caráter de suma importância, especialmente para esses últimos, devido a sua maior necessidade de desenvolvimento linguístico, cognitivo, social e acadêmico (STAINBACK el al, 1999). Fica evidenciado, nas falas das entrevistadas, durante os relatos voltados para o desenvolvimento das práticas pedagógicas em sala de aula, que a linguagem foi uma ferramenta que se fez presente em todo o processo de desenvolvimento da rotina diária. A linguagem é uma ferramenta importante para o desenvolvimento das relações sociais. Com a linguagem, o sujeito constrói significado acerca de si e do mundo, pois, na interação com o outro, o indivíduo se torna um ser histórico e social capaz de modificar a si mesmo e a sociedade, em que está inserido (VIGOTSKY, 1998). Questionadas sobre como geralmente ocorriam as interações em sala de aula para garantir o avanço na aprendizagem de todas as crianças, as educadoras relataram que: Sempre procuro, diariamente, oferecer inúmeras situações em que a interação se faça presente, tanto é que, muitas vezes, de forma livre, deixo as crianças conversarem, brincarem e, de fora, planejada durante o trabalho com os conteúdos, procuro sempre interroga-las, dando oportunidade para que opinem, embora tenha alunos tímidos, mas, lanço oportunidades a todos. E mais agora, quando chegou esta criança com deficiência, confesso que pensava que não adiantava deixar as demais interagir com ela, devido achar que não valia à pena, mas, vi que, no decorrer das atividades, esse processo de integração foi muito importante para todos nós, principalmente para mim, que precisei ampliar o conceito de inclusão (MARGARIDA, 4ª sessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 14 de outubro de 2014). A interação é muito importante para o processo de aprendizagem da criança. Muitas vezes até cheguei à conclusão de que ao conversarem, brincarem, cochicharem, os educandos aprendiam muito mais do que quando trabalhava determinado conteúdo que não estava despertando a atenção deles. Veja o quanto é essencial a interação para a criança aprender (VIOLETA, 4ª sessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 14 de outubro de 2014). 112 Para as professoras Margarida e Violeta, a interação é um elemento que consegue favorecer a aprendizagem das crianças, por, através da socialização, uma conhecer melhor a outra e por oportunizar a todos os educandos a construção de novos saberes, o que, de certa forma, também enriquece o processo de maturidade dos educandos. De acordo com Bruno (2007, p. 36), as crianças com deficiência “aprendem melhor juntas com outras crianças que tem caminhos diferentes de aprendizagens, possibilidades diferentes e necessidades diferentes.” Ainda segundo esta autora: [...] é importante que as crianças vão desde cedo para a escola, as trocas vão potencializar seu processo de desenvolvimento. Eles vão aprender a resolver problemas, ter iniciativa. [...] a interferência do coleguinha na tarefa desperta na criança interesses, mais atenção, uma vontade de aprender. Como aponta Bruno (2007), a escola exerce um papel de grande importância para o desenvolvimento de competências e habilidades das crianças. Através das interações estabelecidas em sala de aula, educandos/educador vão se conhecendo e construindo novos saberes necessários ao convívio diário. Na interação com os outros, as crianças desenvolvem, efetivamente, suas capacidades, aprendem a descobrir o valor do outro e, como consequência, passam a ter confiança em si mesmas. De acordo com o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI,1998, p.11): Nas interações sociais se dá a ampliação dos laços afetivos que as crianças podem estabelecer com as outras crianças e com os adultos, contribuindo para que o reconhecimento do outro e a constatação das diferenças entre as pessoas sejam valorizadas e aproveitadas para o enriquecimento de si próprias. Nessa ação, vão sendo construídos conhecimentos, valores, hábitos, atitudes, ou seja, vão sendo internalizados conhecimentos, papéis e funções sociais, através da mediação do outro, permitindo a formação de conceitos e da própria identidade. Segundo afirma Mantoan (1997, p. 120): [...] a diversidade no meio social e, especialmente no ambiente escolar, é fator determinante do enriquecimento, das trocas, dos intercâmbios intelectuais, sociais e culturais que possam ocorrer entre os sujeitos que nele interagem. 113 Com relação ao RCNEI (1998, p. 78), é importante salientar ainda que: Pelo lado das crianças que apresentam necessidades especiais, o convívio com as outras crianças se torna benéfico na medida em que representa uma inserção de fato no universo social e favorece o desenvolvimento e a aprendizagem, permitindo a formação de vínculos estimuladores, o confronto com a diferença e o trabalho com a própria dificuldade. Percebemos que a escola exerce um papel de fundamental importância para a concretização das experiências vivenciadas com os educandos, familiarizando-os e inserindoos no meio social. Assim, que possamos edificarmos uma educação que não rotule alunos, que os desmarginalize e que busque trabalhar a diferença de forma coletiva, valorizando e respeitando as vivências e limitações de cada sujeito; uma escola democrática que elimine os estereótipos criados pela sociedade em relação a alguma limitação de qualquer aluno, bem como uma instituição que defenda a equidade como elemento integrador da relação escolasociedade. Enfim, um espaço que oportunize a todos o direito de acesso ao conhecimento de forma universal, justa e igualitária. 3.4 Tudo o que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo: relatos sobre o olhar/ fazer docente na construção de uma Escola inclusiva Vontade. Essa é a palavra que caracteriza este tópico. Vontade que nasceu de forma coletiva, em uma escola de pequeno porte localizada na zona rural, de um município do Estado do Rio Grande do Norte. Vontade em, juntamente com toda instituição, tentar colaborar com a construção de uma educação pública, gratuita, de qualidade a todas as crianças, independentemente de qualquer fator. Através das narrativas das docentes, tentamos contemplar neste tópico essas vontades, enfatizando todo o percurso para a concretização de um sonho em tornar possível a implementação de uma educação inclusiva com equidade. Com base na reflexão sobre a prática docente, este tópico enfoca as experiências vivenciadas pelas professoras entrevistadas com uma criança com deficiência visual. Assim, nos reportamos às palavras de Freire (2008, p. 39), quando defende que “[...] é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. Esse 114 pensar crítico sobre a prática nos faz transformar e (re) construir novos aprendizados na estrada da formação, favorecendo a melhoria do trabalho desenvolvido. Inicialmente, durante a sessão (auto) biográfica, questionamos as entrevistadas sobre quais mudanças ocorreram a partir da chegada desta criança com deficiência em seu trabalho didático pedagógico. Elas responderam que: Vixe Iure....Muita coisa mudou desde a chegada desta criança na escola, principalmente em minha prática. Como já havíamos conversado, eu não tinha noção da importância de se trabalhar a educação numa visão inclusiva. Pensava que era simplesmente garantir o acesso, chamar o aluno de coitadinho, enfim, acreditava que incluir seria somente receber a criança com deficiência na escola, mas, pensava ser quase impossível ela aprender. Hoje, através das formações, da minha faculdade que estou cursando, percebo muitas mudanças, dentre elas as transformações que ocorreram em meu trabalho, os planejamentos que faço em casa, onde fico pensando: o que vou trabalhar amanhã? Como irei trabalhar? Já me coloco no lugar dos alunos, principalmente desta criança com deficiência. Então, acredito que a chegada deste educando, como também dos demais, foi de grande importância para melhorar o meu trabalho. Você não tem noção de quanto tempo gasto em casa preparando minha aula do dia seguinte, confeccionando algum material e lendo (MARGARIDA, 4ªsessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 14 de outubro de 2014). Ah Iure, com a chegada desta criança minha prática, meu trabalho, mudou muita coisa. Sempre tenho dois planos o A e o B, ou seja, muitas vezes, o que planejo em casa, quando chego na escola para dar minha aula, não funciona como esperei, então modifico algumas coisas, mudo, escuto as crianças, coisa que antes não fazia e jamais pensei que ocorreria. Outra coisa, foi inicialmente preparar algum material para trabalhar com esta criança com deficiência. Ficava aflita, pensativa, pois não tenho computador, em minha casa, aqui na zona rural, não pega internet, então tudo ficava difícil, mas sempre precisei de ajuda, pedia sugestões, tentava, sempre quando contava histórias, inserir todos, principalmente esta criança. Trazia o aparelho de som, com histórias para escutar, enfim, através desta criança posso dizer que meu trabalho mudou bastante (VIOLETA, 4ªsessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 14 de outubro de 2014). De acordo com as narrativas das educadoras, fica explícito o quanto a chegada desta criança com deficiência contribui para a melhoria de suas práticas. Isso é mais perceptível no depoimento da professora Margarida, quando afirma que passa horas e horas refletindo, planejando, e colocando-se no lugar do aluno. Isso é autoformação, é crescimento, tanto pessoal como profissional, é uma busca incessante de melhorar, refletir e (re) dimensionar o fazer pedagógico. É um diferencial no trabalho do educador, em busca de garantir o direito de todos os alunos a aprenderem. 115 Sobre a expectativa que o professor deve ter em relação ao seu aluno com deficiência, Mantoan assim se posiciona (2003, p.38): [...] é fundamental que o professor nutra uma elevada expectativa em relação à capacidade de progredir dos alunos e que não desista nunca de buscar meios para ajudá-lo a vencer os obstáculos escolares. Conforme as ideias apresentadas por Mantoan (2003) e as narrativas das docentes, vemos que se torna imprescindível que o educador acredite no potencial dos educandos, que a limitação enfrentada por algum educando se torne o ponto de partida para a melhoria de sua prática, para o enfrentamento dos obstáculos existentes no cotidiano escolar, enfim, para a garantia de superação das dificuldades. Vemos ainda, de acordo com as narrativas das educadoras, que as angústias, as dúvidas ao receberem essa criança eram visíveis e constantes, o que é natural, pois, de certa forma, foi algo novo receber uma criança com deficiência na escola. Era a primeira vez que os educadores iriam trabalhar, na prática, com uma criança com deficiência. A esse respeito, Nóvoa (1997, p.27) apresenta que: As situações conflitantes que os professores são obrigados a enfrentar (e resolver) apresentam características únicas, exigindo portanto características únicas: o profissional competente possui capacidades de autodesenvolvimento reflexivo [...] Então, como enfatiza Nóvoa (1997), as situações conflitantes vivenciadas pelos educadores são momentos únicos que, por meio da postura reflexiva, do pensar/agir contínuo, conseguirão melhorar o seu trabalho. Assim, vemos que o processo inclusivo é uma proposta que coloca o professor diante de várias situações de conflitos. Entre as situações problemáticas podemos citar: como desenvolver uma prática pedagógica que considere as diferenças de todos os alunos? Que tipo de atividade realizar? Quais estratégias utilizar? Essas, entre outras indagações, atingem os professores, deixando-os fragilizados e, muitas vezes, em dúvida sobre o seu trabalho. É preciso lembrar que o professor nunca está preparado para tudo, ele não sabe tudo! Ele deve buscar caminhos e ajuda nesse processo, sem achar que está sozinho e que não vai dar conta de seu papel. 116 Por esse viés, o trabalho coletivo no contexto da escola é citado como estratégia para o sucesso da educação inclusiva (STAINBACK W, STAINBACK, S 1999). Quanto a isso, Pacheco (2007) afirma que “A colaboração é uma das pedras angulares da educação escolar inclusiva. Ela precisa estar presente em todos os níveis”. Figura18: Socialização e apresentação do projeto de pesquisa a comunidade escolar. Fonte: Acervo fotográfico da escola Dando sequência à realização da sessão (auto) biográfica, sentimos a necessidade de solicitar às docentes entrevistadas, que relatassem a respeito das emoções que surgiram, inicialmente, ao saberem que receberiam um aluno com deficiência em sala de aula. As entrevistadas responderam que: No início tive muito medo. Sem saber o que fazer, ficava pensativa: meu Deus o que farei com essa criança que não enxerga, Jesus? Eu não tive preparação, aqui na escola acham que é só jogar nas costas do professor e pronto. Esse era o meu depoimento, ao saber que receberia uma criança com deficiência. Mas, no decorrer da prática, me enganei completamente (MARGARIDA, 4ªsessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 14 de outubro de 2014). 117 Eu tive muito medo, tinha, muitas vezes, vontade de pedir para trocar de sala, por pensar em não saber como trabalhar com essa criança. Mas, ao chegar essa criança, aprendi muito, criei laços de afetividade muito importante, para mim ele foi como um filho (VIOLETA, 4ªsessão (auto) biográfica realizada na Escola Municipal Antonia Eurlí de Brito em 14 de outubro de 2014). No comentário da professora Margarida, percebemos nitidamente a sua aflição ao saber que receberia uma criança com deficiência. Segundo ela, não saberia como trabalhar com essa criança, pois não havia recebido uma formação específica sobre a inclusão. Mas, no decorrer da experiência, conforme narra, tudo foi melhorando, as situações foram ganhando novas amplitudes. Já a professora Violeta, relata que, além da dificuldade em não saber como trabalhar com essa criança, criou laços de afetividade, elemento essencial para a construção de seu trabalho, pois, segundo narra a educadora, na medida em que se aproximou da criança, começou a enxergá-la com outras lentes. A respeito dessa relação afetiva, Costa e Souza (2006) afirmam que: Afetividade está ligada à autoestima e às formas de relacionamento entre aluno e aluno e professor- aluno. Um professor que não seja afetivo com seus alunos fabricará uma distância perigosa, criará bloqueios com os alunos e deixará de estar criando um ambiente rico em afetividade. Conforme se observou aqui, inclusão vai além de receber alunos diferentes na escola. Segundo Mantoan (2003), esse processo depende de uma disponibilidade interna para enfrentar as inovações, no entanto, essa condição não é comum aos professores em geral, fator que exige, urgentemente, um despertar das Universidades formadoras de docentes, no sentido de ampliar o olhar dos futuros educadores sobre a temática. Outrossim, é oportuno alertar aos que já exercem a prática docente para que façam uma reflexão sobre si mesmos e sua didática, no intuito de buscarem contemplar a todos com sua metodologia. Para Sacristan (1999, p. 70) a prática é construída historicamente, já que é constituída de ações e esta “[...] traz consigo marcas de outras ações prévias”. Ainda segundo ele a ação “[...] deixa sinais, vestígios e marcas naqueles que a realizam e no contexto interpessoal e social no qual ocorre [...]” E são justamente esses sinais que podemos destacar que um educador pode deixar na formação de seu aluno, marcas de sucesso, confiança e acima de tudo de aceitação, 118 reconhecendo as individualidades e peculiaridades de cada um e a partir daí, traçando novos caminhos a serem trilhados ruma a uma educação transformadora. Pletsch (2009, p. 196) conclui que “[...] um dos maiores obstáculos para atender adequadamente esses alunos em sala de aula comum continua sendo a falta de conhecimentos dos professores”. Esse aspecto se acentua ainda mais quando consideramos que a formação do professor os habilitava (quem sabe ainda habilita) para trabalhar sob o signo da normalidade, aspecto que, segundo Carvalho (2004), leva o professor a desenvolver resistência. Em se tratando dessa falta de conhecimento por parte dos educadores, torna-se necessário o desenvolvimento de um trabalho coletivo entre os docentes, por meio de formações periódicas e significativas para a concretização de um trabalho com foco na diversidade e na diferença. Que assim se possa construir ações características de uma escola de todos e para todos. A resistência do professor, que não transforma sua prática impossibilita a abertura para a construção de ações inclusivas em sala de voltadas para o respeito e valorização das diferenças existentes, no contexto escolar. Para tanto, Glat (2007, p.16) nos mostra que a educação inclusiva representa mais que uma proposta educacional, ela a considera uma concepção de escola que busca por respostas educativas que respondam às “[...] necessidades apresentadas por seus alunos, em conjunto, e a cada um deles em particular”, implicando isso em um processo de reestruturação dos seus aspectos constitutivos. “Oferecer um ensino de qualidade para todos os educandos, inclusive para os que têm alguma deficiência ou problema que afete a aprendizagem” como propõe a Educação Inclusiva não é tarefa simples (GLAT, 2007, p. 30). Embora as aflições, angústias e dificuldades possam se fazer parte da rotina do educador ao receber um aluno com deficiência, afirmamos que tais problemas não podem ser vistos como um fim em si mesmo, pois é preciso que a escola tenha profissionais comprometidos com o fazer pedagógico. Para Nóvoa (1997, p.70) “[...] a formação continuada deve ajudar na mudança educacional, e o espaço adequado para esse processo é o professor estar inserido no grupo profissional e numa organização escolar.” Mediante os dizeres do autor, compreendemos que o local mais apropriado para a formação continuada é a escola, em que se encontram as dificuldades e os profissionais que as vivenciam. Unidos poderão encontrar soluções para as dificuldades apresentadas no cotidiano escolar. Nas 119 narrativas da professora Margarida e da professora Violeta, podemos perceber que os momentos de diálogos entre educadores, as conversas informais e os relatos das angústias vividas diariamente, são elementos essenciais para a concretização da prática pedagógica das docentes que fazem parte da instituição escolar, enriquecendo as experiências construídas no cotidiano escolar. A esse respeito, concordamos com Imbernón (2005, p. 61): É preciso estabelecer um preparo que proporcione um conhecimento válido e gere uma atitude interativa e dialética que leve a valorizar a necessidade de uma atualização permanente em função das mudanças que se produzem; a criar estratégias e métodos de intervenção, cooperação, análise, reflexão; a construir um estilo rigoroso e investigativo. Aprender também a conviver com as próprias limitações e com as frustrações e condicionantes produzidos pelo entorno, já que a função docente se move em contextos sociais que, cada vez mais, refletem forças em conflito. Isso significa que as instituições ou cursos de preparação para a formação inicial deveriam ter um papel decisivo na promoção não apenas do conhecimento profissional, mas de todos os aspectos da profissão docente, comprometendo-se com o contexto e a cultura em que esta se desenvolve. Devem ser instituições “vivas”, promotoras da mudança e da inovação. De acordo com García, C. (1999), os cursos de formação de professores devem conter em seus currículos alguns elementos essenciais. Apropriando-se nas ideias de Sacristan, García, (1999) evidencia doze elementos fundamentais do conteúdo do currículo de formação docente: 1- Nível de conhecimentos suficientes; 2- Sensibilização para a psicologia da criança; 3- Capacitação nas diversas metodologias; 4- Compreensão e gestão das relações interpessoais na aula e no centro escolar; 5- Programação a curto, médio e longo prazo da tarefa docente; 6- Conexão dos conteúdos com a psicologia do aluno e as peculiaridades do meio; 7- Seleção, capacidade de utilização e realização dos meios técnicos apropriados para o ensino; 8- Capacidade de diagnóstico e avaliação do aluno, da sua aprendizagem e das variáveis que condicionam essa aprendizagem; 9- Capacidade de integrar a escola e o meio escolar; 10- Organização da aula e do centro nas áreas de sua competência; 11Desenvolvimento no âmbito das tarefas administrativas; 12- Atenção especial às aprendizagens instrumentais e seus problemas. Utilizando os dizeres citados por Garcia (1999) e fazendo uma relação com as narrativas das educadoras Margarida e Violeta, vemos que conforme apontavam as docentes, muitas dimensões elencadas são utilizadas pelas docentes, entre elas a questão da capacidade 120 de diagnóstico e avaliação do educando, onde as entrevistadas relatam que tentam fazer avaliações diagnósticas em relação a aprendizagem dos educandos periodicamente, outro fator apontado pelas docentes foi a capacidade de integração defendida por Garcia (1999), entre escola e meio escolar, as mesmas dizem que a escola onde lecionam sempre buscam realizar ações que possam favorecer a integração escola-família, enfim, percebemos que existe sim, uma relação entre as dimensões apontadas entre Garcia e o fazer pedagógico da escola lócus da nossas investigações. Concordamos com as ideias de Garcia, quando destaca que esses elementos acima citados, tornam as ações docentes mais eficazes e capazes de suprirem determinados problemas vivenciados no dia a dia. Nesse enveredar, nos questionamos: O que é necessário para tornar a escola um espaço verdadeiramente inclusivo? Para responder a este questionamento, nos referendamos em Glat e Blanco (2007, p.16): [...] Para tornar-se inclusiva, a escola precisa formar seus professores e equipe de gestão, e rever as formas de interação vigentes entre todos os segmentos que a compõem e que nela interferem. Precisa realimentar sua estrutura, organização, seu projeto político-pedagógico, seus recursos didáticos, metodologias e estratégias de ensino, bem como suas práticas avaliativas. Nessa trajetória, construir verdadeiramente essa escola inclusiva, pressupõe revermos o trabalho desenvolvido pela instituição afim de se refletir e buscar reestruturar todos os pilares que compõem o sistema educativo, como: metodologias, recursos didáticos, organização didático-pedagógica, enfim, todos os elementos conjunturais do processo educacional. Ainda acreditando na possibilidade da construção dessa escola inclusiva, nos referendamos em Goodson (2000, p. 73): As experiências de vida e o ambiente sociocultural são obviamente ingredientes-chave da pessoa que somos, do nosso sentido do eu. De acordo com o ‘quanto’ investimos o nosso ‘eu’ no nosso ensino, na nossa experiência e no nosso ambiente sociocultural, assim concebemos a nossa prática. 121 CONSIDERAÇÕES FINAIS O vislumbre por uma educação inclusiva perpassa por diferentes caminhos rumo à consolidação de ideais que realmente possam ser colocados em prática. Dentre esses fatores, destacamos a escola como uma instituição social responsável pela garantia de acesso e o direito a aprendizagem a todos os alunos. Esse é um dos principais ideais da educação inclusiva. Nessa combinação de conquistas e interesses, a educação inclusiva se coloca como um dos principais mecanismos na consolidação da sociedade inclusiva. A partir de tais reflexões, surge esse trabalho de pesquisa, cujo propósito foi refletir sobre as práticas desenvolvidas pelos professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental da Escola Municipal Rural Antonia Eurlí de Brito, para sabermos se garantem o direito a aprendizagem promovendo o processo de inclusão de um aluno cego. Foram muitas narrativas, vozes alimentadas por lembranças diversas, histórias de vidas que permitiram um revisitar constante as vivências dos sujeitos partícipes desta pesquisa. O início desta pesquisa foi marcado por muitas dúvidas, medos, alegrias e também tristezas, quando, em alguns momentos, não era possível conseguir o esperado no desenvolvimento da investigação, durante as sessões (auto) biográficas. O objetivo desse estudo foi refletir sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental da Escola Municipal Rural Antonia Eurlí de Brito, como direito à aprendizagem, com vistas à inclusão. As primeiras escritas, construídas no capítulo inicial, A Escola como lugar da pesquisa: seu contexto, suas subjetividades e suas ações, foi o ponto de partida para inúmeras reflexões e, a partir deste primeiro capítulo, planejou-se, através de um viés sistematizado, a continuidade da pesquisa. Inicialmente, foi feita uma (re) visitação à escola lócus da investigação, com o objetivo de se conhecer a instituição por diferentes ângulos, através de sua subjetividade e contextualização, que constituem o fazer diário da escola. Este primeiro capítulo foi essencial para o pesquisador, proporcionando-me um rememorar de como tudo começou. O meu primeiro dia de aula, a primeira escola pública em 122 que eu trabalhei como professor efetivo. Nossa, quanta felicidade! Como foi prazeroso reviver os primeiros momentos, que nutriram as páginas da minha vida pessoal e profissional. Conhecer uma escola, não diferente das demais, com suas singularidades, dificuldades, me despertou o sentimento de que sempre tinha algo a mais a fazer por essa e outras instituições. E assim, tudo começou. Então, foi iniciado o primeiro capítulo desta dissertação, utilizando a metodologia da história oral como alternativa para valorizar as vozes dos sujeitos que estão no chão desta instituição, dando-lhes vida e oportunidade de narrarem suas histórias, experiências, enfim, as contribuições pertinentes para a concretização desta pesquisa. Nessa perspectiva, tivemos a oportunidade através do primeiro capítulo de identificar como a escola trabalha a Educação Inclusiva como forma de possibilitar o acesso e a permanência de um aluno com deficiência visual. Nesse sentido de reviver, rememorar as lembranças, histórias de vida, nasceu o segundo capítulo, intitulado Um caminhar pela discussão teórica envolvendo crianças e professores: o que dizem? o que pensam? Este teve como objetivo produzir reflexão sobre o processo de interação educando-educador, voltando-se para a socialização em sala de aula e para a construção mediada do processo de ensino-aprendizagem numa perspectiva inclusiva. Para tanto, enfatizou-se as narrativas (auto)biográficas dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa. No decorrer do 2º capítulo, há, pois, algumas narrativas dos sujeitos participantes para ilustrar algumas reflexões teóricas postas em discussão. A partir da construção desse capítulo, conseguimos dialogar com as docentes participantes da nossa pesquisa e conhecer como ocorria o processo de socialização em sala de aula entre educandos- educador, e assim, identificamos a existência de alguns obstáculos que impediam, em alguns momentos, o desenvolvimento de um trabalho docente,e que possibilitasse um aprendizado com qualidade aos educandos, favorecendo o processo de auto construção e (re) construção de saberes necessários para o trabalho numa perspectiva inclusiva. A partir da produção desse capítulo, pudemos conhecer a trajetória das duas educadoras participantes, com base em suas revisitações e recordações que lhes possibilitaram voltar na linha do tempo e narrar a constituição de sua trajetória profissional. Trajetória, marcada por desafios, dificuldades, superações de dificuldades e metas alcançadas no decorrer 123 do exercício docente. Assim, conforme pondera Josso (2010) o ser humano, na sua existência, tem necessidades pautadas por desejos, cuja busca do atendimento desses desejos é permeada de intencionalidades, objetivos e metas, os quais o orientam para um futuro estruturante. Neste trilhar, foi produzido o terceiro capítulo, cujo título foi Narrativas (auto) biográficas das professoras protagonistas da pesquisa Nele, traçou-se como objetivo enaltecer as narrativas das docentes participantes da pesquisa, como forma de narrarem as experiências, angústias, dificuldades, êxitos e diálogos constituídos ao longo da vivência com uma criança com deficiência. As experiências e aprendizados construídos ao longo das vivências, numa perspectiva inclusiva, foram suficientes, mas não intermináveis para se reconhecer a necessidade de se (re) pensar constantemente a necessidade de construção de uma escola para todos, de uma escola que elimine as diferenças e valorize as particularidades de seus educandos. Vale destacar também que a sala de aula, durante a realização da pesquisa, configurouse como um espaço de grande importância para que as docentes participantes puderam observar, diagnosticar e desenvolver mediações pedagógicas necessárias ao andamento das atividades, tentando, assim, alcançar os objetivos propostos. As discussões, ocorridas periodicamente na escola e corredores, foram essenciais para o processo de autoformação das docentes, servindo, em muitos momentos, de reflexão e de um (re) pensar contínuo sobre a prática pedagógica. Narrar os momentos vivenciados com uma criança com deficiência possibilitou às protagonistas desta pesquisa reviverem momentos que jamais serão esquecidos em suas memórias. Desenvolver um trabalho com as narrativas (auto) biográficas rendeu grandes aprendizados, principalmente na condição de pesquisador, quando pude escutar de perto as narrativas de duas docentes com muitos anos dedicados ao magistério. Através de emoções, aflições e alegrias elas trouxeram contribuições a este trabalho. Relembro até o depoimento da educadora Margarida, que enfatizou como foi muito prazeroso participar desta pesquisa e jamais acreditaria, que suas palavras, vivências, pudessem colaborar para a realização de um trabalho de pós-graduação. Então, é com a sensação de realização que traço algumas considerações sobre esta pesquisa, com a qual pude enxergar com outras lentes a educação inclusiva, a deficiência 124 visual, as práticas pedagógicas, como também as narrativas docentes. Essas lentes me possibilitaram ir longe, rumo a um o destino denominado “Superação”. Esta é a palavra que melhor define as dificuldades enfrentadas por docentes, educandos e escola, como um todo, para tentarem buscar meios que favoreçam, além do acesso, a permanência de crianças especiais no espaço escolar. São múltiplas as contribuições que este trabalho trouxe. Pessoalmente, pude reconhecer a necessidade de enxergar o próximo com bons olhos, acreditando em seu potencial e reconhecendo que não somos seres completos e necessitamos do próximo. No âmbito docente, a pesquisa viabilizou a construção e consolidação de saberes que, como afirma Pimenta (2000), “[...] ressaltam a relevância da dimensão crítico-reflexiva e da pesquisa da prática docente, uma vez que os saberes docentes não podem se restringir às paredes da sala de aula”. Já as contribuições a nível social, impulsionou a levar para além dos muros escolares a questão inclusiva de modo coletivo, escutando, dialogado e valorizando as opiniões em prol de se construir uma sociedade verdadeiramente igualitária e justa. Para a escola, a pesquisa trouxe um aprendizado ímpar no sentido de se (re) pensar a função social da escola contemporânea, visando acolher a todos os educandos e buscando enxergar de forma ampliada as limitações e potencialidades de cada sujeito que a frequenta. Em relação as contribuições da pesquisa para os alunos da sala de aula do aluno cego, essa experiência sem dúvida foi essencial para que aprendessem a tratar a questão da deficiência visual ou qualquer deficiência como um caminho colaborativo e integrado, valorizando as singularidades de cada aprendiz. Em se tratando das contribuições desta pesquisa para o aluno cego, podemos destacar mediante o desenvolvimento da pesquisa que o mesmo vivencio momentos únicos e valiosos em sua aprendizagem, através de interações com outras crianças e vivências em um ambiente totalmente diferente de sua casa, através da mediação de uma educadora, que a todo momento ide dialogar, observar seus avanços e dificuldades bem como acompanhar durante um ano letivo todo o desenvolvimento deste educando, acreditamos assim, que essa criança construiu aprendizados exitosos capazes de potencializar sua aprendizagem. Por fim, este trabalho não se dá por completo, e serve de estímulo a todos os que quiserem trilhar por este caminho, que acreditam e reconhecem a importância de valorizar e viver na diferença, não cabendo mais adiar as ações a serem desenvolvidas em prol da consolidação de uma escola inclusiva. Assim, é bem oportuna a letra de uma música de 125 Legião Urbana, que expressa o sentimento de felicidade e que não temos mais tempo a perder. É preciso, seguirmos rumo ao caminho da Inclusão. Tempo Perdido Legião Urbana Todos os dias quando acordo Não tenho mais O tempo que passou Mas tenho muito tempo Temos todo o tempo do mundo Todos os dias Antes de dormir Lembro e esqueço Como foi o dia Sempre em frente Não temos tempo a perder Nosso suor sagrado É bem mais belo Que esse sangue amargo E tão sério E selvagem, selvagem Selvagem! Veja o sol Dessa manhã tão cinza A tempestade que chega É da cor dos teus olhos Castanhos Então me abraça forte E diz mais uma vez Que já estamos Distantes de tudo Temos nosso próprio tempo Temos nosso próprio tempo Temos nosso próprio tempo Não tenho medo do escuro Mas deixe as luzes Acesas agora O que foi escondido É o que se escondeu E o que foi prometido Ninguém prometeu Nem foi tempo perdido Somos tão jovens 126 Tão Jovens Tão Jovens! Deleitando-nos e aprofundando no real sentido que a letra desta música apresenta, somos levados a acreditar que somos jovens o suficiente para contribuir com a construção de escolas mais humanas, igualitárias, e que a relação de alteridade é possível em nosso meio. Sempre em frente, não temos mais tempo a perder, a hora de lutarmos pelos direitos de todas as pessoas com deficiência é agora. 127 REFERÊNCIAS ALMEIDA, C. E. M. O discurso de inclusão nas políticas de educação superior - (2003 – 2008). 2009. 185 f. 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Porto Alegre: Artmed, 1998. 134 APÊNDICE A- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Este é um convite para você participar da pesquisa intitulada por: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIAS DE PROFESSORES DE ALUNO COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA ESCOLA MUNICIPAL RURAL ANTONIA EURLÍ DE BRITO DE JANDUÍS/ RN. Sua participação é voluntária, o que será de grande valia para desenvolvermos toda trajetória planejada desta pesquisa. Esta pesquisa tem como propósito contribuir para a reorganização do trabalho desenvolvido na escola lócus da pesquisa por esta apresentar, de certa forma, carência em pesquisa na área da inclusão, limitações em relação à formação docente e por tal temática se encontrar, ali, ainda fragmentada. Ademais, possibilitará uma melhor reflexão sobre a prática desenvolvida pelos educadores para a promoção da inclusão da criança cega, melhorando, assim, suas concepções e conhecimentos acerca da temática e garantindo um trabalho eficaz na referida instituição educacional. Nesse sentido, seu consentimento livre e esclarecido para participar da pesquisa representará uma atitude cidadã, visto que você contribuirá com a participação em sessões (auto) biográficas, nos dando depoimentos que serão imprescindíveis para a concretização desta dissertação. Serão desenvolvidas algumas sessões, dependendo do andamento e dos diálogos estabelecidos, iremos utilizar total sigilo, no que diz respeito a questões éticas no qual não será divulgado o nome das docentes participantes. Para tanto, acreditaremos no real valor que esta pesquisa trará tanto para nós, enquanto discentes/pesquisadores da educação, como para a escola campo de pesquisa como meio de se (re) pensar as práticas ali desenvolvidas e melhorar o trabalho educacional. Participante da pesquisa: - NOME: - ASSINATURA: 135 Pesquisador responsável: - Nome: - Assinatura: - Endereço: Rua: Milton Oliveira Fernandes, 281. Bairro: Sebastião Maltez. Caraúbas/RN