A UTILIZAÇÃO DE RECURSOS TECNOLÓGICOS NA SALA DE AULA MEDIANTE UMA CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA Sandra Andréia Ferreira1 [email protected] Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Este trabalho buscou analisar de que maneira professores(as) do ensino fundamental e médio se sentem frente à exigência do uso de recursos tecnológicos na sala de aula. Para tanto, foi aplicado um questionário a esses profissionais, atuantes nos níveis fundamental e médio, de um colégio da rede particular de ensino da cidade de Ponta Grossa – PR. A análise dos dados foi feita a partir de alguns autores que abordam o conceito de educação concebido como educação tecnológica, o qual possibilita que se façam questionamentos, pelos quais se pode refletir acerca de qual é o papel do educador e de que forma se deseja que o educando (re)aja, reflita na busca pela interpretação, compreensão e obtenção do conhecimento por meio dos recursos tecnológicos. A conclusão a que se chegou é a de que os recursos tecnológicos, no contexto da sala da aula, tornam-se mais um elemento de construção e reconstrução de saberes, de busca e obtenção do conhecimento, pois são meios estimulantes dos processos de comunicação, aspecto que aproxima os sujeitos, motivando-os a reflexões, e que consolidam momentos de atualização e aprendizado, não só por seus mecanismos práticos que esses recursos disponibilizam, mas pela possibilidade de se perceber que, sendo inevitável, a tecnologia não é o início e nem se consagra como o fim no processo educativo. Palavras-chave: Professores. Recursos tecnológicos. Educação tecnológica. Introdução Ser educador, hoje, em essência, não é mais fácil nem mais difícil do que era anos atrás, já que a profissão de educador traz a exigência de se saber, não tudo, mas o que está em consonância com os novos padrões sociais, novas descobertas, novas superações, novos 1 Professora de Língua Portuguesa, licenciada pela UEPG. Especialista em Educação Científica e Tecnológica pela UTFPR campus Ponta Grossa – atualmente, exerce a função de assessora pedagógica em tecnologias educacionais na Coordenação de Apoio ao Uso de Tecnologias – Diretoria de Tecnologia Educacional – SEED PR. 11010 horizontes e novas conquistas das ciências e, contemporaneamente, dos avanços tecnológicos. Em nenhum tempo, a humanidade evoluiu tanto em todas as suas dimensões, em especial, na dimensão técnico-científica. No entanto, essa evolução vertiginosa tem deixado marcas indeléveis nas sociedades, as quais, em certa medida, vão reorganizando suas estruturas histórico-culturais e político-econômicas, pois: En las sociedades tradicionales, caracterizadas por su estabilidad, los niños se modelan en compañía de adultos cuya conducta se desarrolla según normas razonablemente predecibles pues la estructura más bien rígida de las sociedades tradicionales tiende a inhibir el individualismo. A medida que se avanza el ciclo vital, las pautas de conducta y las relaciones de cada persona con los demás van cambiando constantemente, pero es un cambio sólo en un sentido relativo ya que el mundo tradicional es socialmente estable y esta provisto de normas de conducta que tienden a ser constantes generación tras generación. [...] Es cierto que las cuestiones fundamentales que conciernen a la naturaleza y las relaciones humanas no se ven afectada en su esencia por los procesos de modernización, pero no es menos cierto que el contexto en el que se manifiestan las hace distintas. La diferencia estriba en falta de estabilidad relativa de las condiciones modernas de vida frente a las de las sociedades tradicionales. Puede afirmarse, en este sentido, que gracias, a modernización, los seres humanos alcanzan las condiciones precisas para su emancipación del gigantesco poder de las costumbres e las creencias. (PALACIOS, OTERO & GARCÍA, 1996, p. 228). E na escola, em especial na sala de aula, a situação não destoa desse quadro geral. Professores e alunos, os atores principais nesse palco, inseridos em um contexto mais amplo, no qual a tecnologia impregna o cotidiano de uma urbanidade inexoravelmente acelerada, encontram-se muitas vezes falando idiomas diferenciados. “Filhos da tecnologia”, os alunos dominam ou convivem com múltiplas interferências e intromissões dos artefatos e linguagens tecnológicas, sem, muitas vezes, dar-se conta desse universo de interpretações, criações, mudanças etc. Já o professor ainda se mostra condicionado a uma visão pré-gerencial, tradicional, do processo ensino-aprendizagem, fruto de uma formação educacional mais estável (se comparada aos valores modernos), a despeito de toda a teoria que carrega seu discurso de inovações e atuações que encantam (mais pela possibilidade do que por sua execução). Fechado em um universo de compromissos e desafios a serem compreendidos, não mais como escolhas por um procedimento metodológico inovador, numa perspectiva reduzida à sala de aula, e sim como revelação de si mesmo e reavaliação de sua atuação cada vez mais exigida como prática social construtora de democracia vê-se entre múltiplas possibilidades, sem, no entanto, poder refletir ou mesmo se perceber claramente nesse universo de presságios que 11011 não se pode saber se são bons ou maus, pois, nas palavras de Postman, “[...] Uma mudança significativa gera uma mudança total. [...] Uma tecnologia nova não acrescenta nem subtrai coisa alguma. Ela muda tudo.” (1992; p. 27). Como, então, sentir, (re)agir frente a essas inquietações e responder a essas exigências, diante do que já se concebeu como verdade e como certo em oposição àquilo que ainda está em processo de construção e entendimento? Tradição e novidade: a educação e a tecnologia “Quem não reflete, repete.” Provérbio chinês Nesse contexto, entre o que se possui como essência e o que se legitima como inevitável, caracterizado como novidade ou inovação, muitas vezes visto como negativo, especialmente no que diz respeito às dimensões das relações humanas e à tarefa das instituições de ensino de formar cidadãos científica e tecnologicamente preparados para uma sociedade exigente de posturas flexíveis de atuação, ou seja, dinamismo crítico-reflexivo no agir e no pensar concomitantemente, faz-se necessário fomentar reflexões que envolvam a compreensão da educação e da tecnologia como processos em interação que se incluem, pois a tecnologia não é apenas propriedade e bem de consumo. Ela é elo que estabelece comunicação, que incita à re-criação do tempo e do espaço humanos. Assim compreendida, a tecnologia desencadeia processos e desafios que implicam na busca incessante por uma reflexão teórico-prática acerca das interferências que causa e das mudanças que provoca. Mediante essas considerações, deslocam-se os conceitos maniqueístas entre educação e tecnologia para um terreno fecundo de análise e compreensão que contribua cada vez mais para que a educação não seja cordeiro da tecnologia e esta, por sua vez, não se torne o lobo da outra, já que: São relacionadas e relacionáveis, pois no âmago de seus conteúdos há linguagens e comunicações, não apenas construídas definitivamente pela história, mas em processo dinâmico de revitalização necessitando sempre de retoques e reformulações. (BASTOS, 1997). 11012 Este se renovar implica em que o professor esteja preparado para rever-se, reavaliarse, por meio de uma postura flexível, a qual exigirá um exercício de auto-análise, de compreensão de si mesmo dentro de um contexto histórico-cultural e político-econômico exigente de um profissional dinâmico, não somente por sua capacidade de atualizar-se, e sim por sua disposição para aprender a aprender e reaprender a ensinar. Um primeiro passo pode estar na direção de um processo investigativo que tome por mote o como realmente se sente esse professor que é desafiado a todo o momento, sem prévios avisos, e diante de tantas e contundentes exigências. O professor: usuário apenas? Especificamente humana a educação é gnosiológica, é diretiva, por isso política, é artística e moral, serve-se de meios, de técnicas, envolve frustrações, medos, desejos. Exige de mim, como professor, uma competência geral, um saber de sua natureza e saberes especiais, ligados à minha atividade docente (FREIRE, 1997, p. 78). Na interação com e neste presente de inovações tecnológicas, como sempre aprendiz, é importante que o professor encaminhe sua atuação na sala de aula por meio de um processo de reflexão que lhe proporcione compreender o que lhe agrada ou incomoda na efetivação de seu trabalho; quanto de tempo tem certeza de que pode dispor para si, em meio a aulas, planejamentos, avaliações etc, a fim de que esteja à vontade para expor suas dificuldades, para inquietar-se com suas dúvidas; que fatores dificultam sua atuação, tendo-se em vista o uso de recursos tecnológicos; quais benefícios os recursos tecnológicos efetivamente trazem às suas aulas e ao processo de dinamização e criatividade do seu trabalho; como ele mesmo avalia seu desempenho quanto ao domínio das linguagens e dos recursos tecnológicos, observando se há, mediante o contexto tecnológico, a necessidade de basear-se em uma linha teóricometodológica para que possa tirar maior proveito dos recursos tecnológicos em suas aulas. Tendo-se em vista essas indagações, aplicou-se um questionário, composto por nove questões, aos professores de um colégio da rede privada de ensino da cidade de Ponta Grossa, que conta com alunos em todos os níveis de ensino, ou seja, do maternal ao Ensino Médio. A escolha desse espaço se fez devido a se saber, de antemão, que a escola possui uma sala denominada Laboratório de Informática, que conta com cerca de vinte e cinco computadores, todos conectados à internet. Também se sabia que a escola disponibiliza um 11013 de endereço eletrônico (e-mail cujo domínio é do próprio colégio) para cada um dos professores, por meio do qual são realizados vários contatos semanais, como avisos da semana, reuniões, eventos. Além disso, podem ser enviadas e solicitadas cópias de avaliações e exercícios, bem como se pode fazer o agendamento para aulas no laboratório de informática, ao menos uma vez por mês, por todos os professores de todas as disciplinas, e que são uma exigência da proposta pedagógica do colégio. A escola possui, também, um auditório equipado com equipamento de áudio, projetor de multimídia, televisor e aparelho de DVD. Dado este contexto, em relação à disponibilidade de recursos tecnológicos, julgou-se bastante profícuo proceder à investigação, ainda que embrionária, das inquietações sentidas pelos professores desse colégio frente à disponibilidade e utilização desses recursos no seu cotidiano. Embora possuísse questões objetivas, o questionário evidenciava uma concepção técnica quanto ao uso da tecnologia e uma dimensão teórico-reflexiva que, para além do domínio da máquina, provocou os entrevistados a se posicionarem acerca da necessidade ou não de terem uma linha teórico-metodológica que os auxilie na organização e planejamento de aulas com o suporte dos recursos tecnológicos, bem como com a utilização destes durante as aulas. Perguntas e respostas: um começo Cérebro eletrônico faz tudo Faz quase tudo Mas ele é mudo [...] Gilberto Gil Como já exposto, o interesse deste trabalho está em se questionar o papel do educador frente aos recursos tecnológicos, quais são as implicações trazidas pela inserção e utilização desses recursos na sala de aula em relação à formação e atuação do professor e, por consequência, dos educandos, ambos, entendidos como construtores e co-autores do processo de ensino e de aprendizagem e responsáveis por sua efetivação (em linhas democráticas de acesso e obtenção do conhecimento científico e tecnológico) por meio da análise das interferências (benéficas ou não) da tecnologia como artefato e mentefato no contexto imediato da sala de aula e, mais amplamente, na organização da sociedade e seus interesses 11014 em suas dimensões técnico-científicas, político-econômicas, humanas e naturais. Segundo Postman (1992): O que precisamos para refletir sobre o computador nada tem a ver com sua eficiência como ferramenta de ensino. Precisamos saber de que maneira ele vai alterar nossa concepção de aprendizado e como, em conjunção com a televisão, ele minará a velha idéia de escola. Feitas essas considerações iniciais, são apresentados, a seguir, os dados obtidos e a análise dos resultados. Dos questionários aplicados, em torno de 18, apenas 10 retornaram respondidos. Quanto ao perfil dos entrevistados, tem-se 6% dos professores atuantes no Ensino Fundamental I; 41% no Fundamental II; 35% no Ensino Médio e 18% atuam em outros níveis de ensino – Superior, EJA. Questionados sobre as dificuldades sentidas quanto à utilização de tecnologias em seu cotidiano profissional, 33% citaram a falta de preparo técnico; 20%, a ausência de uma linha teórico-metodológica para auxiliá-los na sua atuação e planejamento; 13% sentem receio de não corresponderem às expectativas dos alunos; 20% mencionaram o número de aulas e conteúdos a serem trabalhados e 14% percebem dificuldades de compreensão, por parte dos alunos, do(s) conteúdo(s) trabalhados por meio dos recursos tecnológicos. Quanto à disponibilidade de recursos tecnológicos como projetor de multimídias, aparelhos de DVD, televisores, computadores com acesso à internet, 100% concordam que há estes recursos disponíveis. Referindo-se à frequência de uso desses recursos, 20% disseram utilizá-los sempre; 50% às vezes e 30% os utilizam raramente. Em relação ao objetivo dessa utilização, 25% solicitam trabalhos aos alunos; 17% realizam pesquisa de seu interesse; 42% os utilizam para a realização de aulas “diferentes” e 16% participam no contexto escolar via e-mail, site etc. Ainda quanto à atualização constante do professor em relação ao domínio e uso de tecnologias, 20% concorda que esta deve acontecer, pois para o mercado de trabalho é um diferencial de atuação; 15% considera que não se pode conceber um profissional da educação que não domine os recursos da tecnologia; 25% entende que a tecnologia, por dinamizar o aprendizado, torna-se um elo criativo de interação, de diálogo, de aprendizagem entre 11015 professores e alunos; 35% disse que o domínio de recursos tecnológicos é mais uma forma de mediar o conhecimento e torna as aulas mais interessantes para os alunos. Instados a responder se considerariam positivo, na sua disciplina, incluir o assunto “tecnologia” como conteúdo, 100% disseram que sim, e entre as justificativas, a interpretação que mais se evidenciou foi a de que a tecnologia tem sido usada cada dia mais, ou seja, seu valor de uso imediato, técnico-instrumental. Na auto-avaliação de seus conhecimentos acerca do domínio e uso de recursos tecnológicos, numa escala de 0 a 10, os professores tiveram uma média ponderada de 7,2, sendo que 10% dos professores atribuíram-se nota 10; 30% nota 8; 40%, nota 7, e 20%, nota 5,0. O lócus da investigação foi uma escola privada, mas vale destacar que 54% dos professores atuam na rede privada; 36% nas redes pública e privada e 10% no ensino técnicoprofissionalizante. Tomados como um quadro geral, é possível que se teçam algumas considerações gerais referidas a esses dados e ao problema que o motivou: como os professores sentem, selecionam, utilizam os recursos tecnológicos disponíveis e de que forma avaliam o seu próprio desempenho quanto à utilização desses recursos. Assim, pode-se perceber que, a priori, predomina ainda uma visão na qual a tecnologia somente oferece uma maior preocupação àqueles que não a dominam tecnicamente, como uma ferramenta, um instrumento de trabalho. Ainda em relação a esta visão, é inquestionável que as aulas se tornam mais interessantes por meio do uso de recursos tecnológicos, motivo pelo qual é importante dispor deles. No entanto, há um percentual que diz perceber, quanto aos alunos, dificuldades de compreensão dos conteúdos trabalhados por meio destes recursos. E já que 50% utilizam recursos tecnológicos às vezes, e 25% dos professores solicitam trabalhos, ou seja, entendem que pesquisar na internet, por exemplo, é uma forma de aprender, pode-se pensar: “Se as aulas são interessantes, se o universo tecnológico é o universo dos educandos, por que uma porcentagem desses educandos não compreende os conteúdos trabalhados?” Do total, 20% dos professores disseram que a falta de opção por uma linha teóricometodológica dificulta o uso de recursos tecnológicos em seu cotidiano profissional e, nesse sentido, a mesma porcentagem vê dificuldades devido ao número de aulas e aos conteúdos a serem trabalhados. Note-se aí uma preocupação com o cumprimento dos conteúdos. Nessa 11016 visão, a tecnologia, embora torne as aulas mais interessantes, não auxilia o professor e nem pode ser entendida como relevante nos conteúdos selecionados pela escola e necessários aos alunos em sua formação. Qual é, então, o papel do educador, em um contexto social em acelerado processo de desenvolvimento tecnológico, a quem são solicitadas ações na sala de aula referentes a este contexto, por meio da utilização dos recursos que estão à sua disposição? A despeito das facilidades inquestionáveis trazidas pela tecnologia, há que se considerar suas interferências nas escalas das relações sociais, tanto em níveis individuais quanto em aspectos mais amplos, em escalas ambientais e culturais, já que, de acordo com Postman (1992): [...] Na verdade, a maioria das pessoas acredita que a tecnologia é uma amiga leal. [...] [...] Mas, é claro, há o lado nebuloso desse amigo. Suas dádivas têm um pesado custo. Exposto nos termos mais dramáticos, pode-se fazer a acusação de que o crescimento descontrolado da tecnologia destrói as fontes vitais de nossa humanidade. Cria uma cultura sem uma base moral. Mina certos processos mentais e relações sociais que tornam a vida mais digna de ser vivida. Em suma, a tecnologia tanto é amiga como inimiga. É importante, pois, que o educador tenha claro para si e deixe claro aos educandos em que implica o processo ensino-aprendizagem na concepção da educação tecnológica. À diferença do ensino tecnológico, reduzido aos ambientes das escolas técnicas e da rede de formação profissional, por meio do qual se transmitem conhecimentos técnicos, a educação tecnológica e seus objetivos não são tão somente conceituais ou instrumentais, pois “ela contempla a reflexão e discussão da tecnologia em suas dimensões sociais, culturais e econômicas, embasando e orientando todas as formas das práticas escolares. (IAROZINSKI, 2000).” Assim, professores(as) não devem ingênua ou equivocadamente acreditar ou exigir que os educandos continuem, no espaço da sala de aula, a compreender o mundo como se os tempos, as mudanças sociais ocorridas e os avanços técnico-científicos tivessem apenas “jogado um verniz” de novidade na maneira de agir, compreender e (re)aprender a complexa realidade social. É preciso que se perceba que “[...] Através da educação é possível modificar a maneira de pensar e as atitudes dos membros da sociedade. (CARVALHO, 1997).” Nesse sentido, a educação tecnológica busca alcançar os sujeitos da educação, professor(a) e alunos, num processo que conduza a posturas críticas, de análise, de 11017 entendimento de todo o sistema gerador, organizador, ideológico que permeia a tecnologia, sua produção, valorização e relevância num dado contexto sócio-econômico, históricocultural e político. Ainda conforme Carvalho (1997; p.85): Para que se minimizem as desigualdades sociais e se alcance o verdadeiro desenvolvimento social, a educação tecnológica deve estar voltada para a possibilidade de não só copiar conhecimentos produzidos fora do país, mas também produzir nossos próprios conhecimentos. A busca da autonomia tecnológica passa pela autonomia na produção do conhecimento. Torna-se necessário desenvolver programas de pesquisas que coloquem como prioridades nossos verdadeiros e reais problemas e não prepare técnicos somente para o “consumo” de conhecimentos produzidos alhures que nem sempre têm relação com os problemas específicos de nossa população. Todavia, a percepção da necessidade de se ter um mínimo de conhecimentos tecnológicos não torna menos inquietante a situação do professor, se a referência são os conteúdos trabalhados com o suporte dos recursos tecnológicos, pois contrariamente ao interesse que despertam as aulas nas quais se utilizam esses recursos, os conteúdos trabalhados ainda não se efetivam como significativamente aprendidos, ou seja, não são assimilados ou entendidos pelos alunos. Segundo Iarozinski (2000): Os conteúdos trabalhados em sala de aula, numa relação constante entre teoria e prática, devem ser elementos de pesquisa, onde os educandos em conjunto busquem soluções para os problemas que surgem na perspectiva de encontrarem respostas para suas indagações, como, por exemplo, a viabilidade de determinada tecnologia. Diante disto, cabe ao professor estabelecer relações significativas entre o conteúdo teoricamente estudado e a realidade prática de seus alunos, desafiando-os a compreender estas relações. Isto se dará de modo mais efetivo na medida em que fique evidente a relação entre os conteúdos selecionados numa perspectiva de compreensão de um dado problema por meio da busca de sua resolução a partir de uma interpretação organizada teoricamente e vinculada à sua aplicabilidade em determinado contexto. A efetivação de uma aprendizagem significativa, no contexto da educação tecnológica, dessa maneira, não se distancia dos objetivos da educação em seu sentido amplo, já que a 11018 seleção dos conteúdos, sua compreensão e importância, na concepção de ambas, devem se relacionar às vivências e experiências da realidade dos educandos ou a elas, em certa medida, se referirem, com o objetivo de se elaborarem procedimentos de análise e interpretação críticas da realidade. Assim, as atividades desenvolvidas na concepção da educação tecnológica não objetivam apenas o caráter prático das atividades, em que os sujeitos ficam restritos à condição de meros expectadores das ações que realizam. Pelo contrário, os sujeitos necessitam realizar estas ações de forma comunicativa com outros sujeitos, garantindo dessa maneira, uma construção efetiva sobre os conhecimentos em tecnologia, o que os levará à ampliação da sua visão de tecnologia, de modo restrito, local para uma visão mais totalizante e global. (IAROZINSKI, 2000). Deste modo, a educação tecnológica pressupõe a aproximação entre os sujeitos e a tecnologia. Esta aproximação levará educador e educandos à interação com vistas à produção, obtenção e transformações do conhecimento, numa compreensão deste, contextualizada social e tecnologicamente. Nessa perspectiva, a educação tecnológica: [...] situa-se simultaneamente no âmbito da educação e da qualificação, da ciência e da tecnologia, do trabalho e produção enquanto processos interdependentes na compreensão e construção do progresso social reproduzido nas esferas do trabalho, da produção e da organização das sociedades. (BASTOS, 1997) Portanto, na medida em que proporciona análises e reflexões acerca dos desafios e benefícios trazidos pela tecnologia ao contexto de ensino-aprendizagem e à dinâmica do sistema institucionalizado de educação, que pouco e pouco tem deixado o seu posto como o centro do saber por excelência, o único a viabilizar ou dar oportunidade à obtenção do conhecimento, a educação, compreendida numa dimensão tecnológica, fundamenta-se como caminho profícuo na superação das dificuldades de comunicação entre educadores e educandos, pois dará a oportunidade de estes construírem uma linguagem autônoma, não submetida, não subordinada a um que transmite e a outro que recebe, voltada para a formação consciente do indivíduo, uma vez que: A característica fundamental da educação tecnológica é a de registrar, sistematizar, compreender e utilizar o conceito de tecnologia, histórica e socialmente construído, para dele fazer elemento de ensino, pesquisa e extensão, numa dimensão que ultrapasse os limites das 11019 simples aplicações técnicas, como instrumento de inovação e transformação das atividades econômicas em beneficio do homem, enquanto trabalhador e do país. Desta forma, o individuo inserir-se-á técnica e criticamente, de forma cada vez mais elaborada, nos espaços sociais em que vive e naqueles aos quais tem acesso, pois os processos que envolvem a educação e a tecnologia são inacabados, uma vez que surgem das relações estabelecidas pela humanidade, de acordo com suas necessidades e segundo imperativos culturais, históricos, políticos, ideológicos, econômicos e do meio natural das organizações sociais que têm como marca, na esteira de sua evolução, o desenvolvimento tecnológico. Considerações finais “O mundo encurta, o tempo se dilui: o ontem vira agora; o amanhã já está feito. Tudo muito rápido. (...)”. Paulo Freire (1997) Contemporaneamente, condicionados à realidade de facilidades e fascínios possibilitados pelo desenvolvimento tecnológico, em especial das mídias de informação e entretenimento, os educandos chegam à sala de aula sedentos por encontrar um simulacro dessa realidade, que oferecerá respostas imediatas aos seus desejos. Sabe-se, no entanto, que esta visão vai de encontro à concepção e aos objetivos da educação no contexto social contemporâneo. Diante disso, não há neutralidade, nem se evitam prejuízos quando se dispõe de recursos tecnológicos na sala de aula, visando à efetivação de uma prática ao gosto dos alunos. A atualização dos métodos de trabalho, por si só, não garantem aos alunos uma aprendizagem significativa como também não são garantia ao professor para que atinja a meta final projetada ao longo do processo ensino-aprendizagem, que é a formação de indivíduos autônomos, frente aos desafios impostos por uma sociedade em incessante desenvolvimento tecnológico e científico e em processo de mudanças de padrões e valores culturais e de comportamento no que se refere às relações humanas. Assim, o desafio maior imposto à educação e aos seus sujeitos – professores e alunos é o de redimensionar suas formas de apreensão, (re)construção e produção do conhecimento, a partir do entendimento da tecnologia em suas dimensões sócio-culturais, políticoeconômicas e histórico-ideológicas. A tarefa é a de “controlar a tecnologia em vez de ser controlado por ela (BASTOS, 1997).” 11020 Assim, à medida que o processo educativo vai se concretizando, é necessário que ensino e aprendizagem vão se configurando em momentos de reflexão e pesquisa, para além da conquista imediata da atenção dos alunos por meio dos recursos tecnológicos e da exigência feita aos professores para que se atualizem. A superação de uma visão instrumental da tecnologia é possível de se concretizar se o professor tiver a oportunidade de refletir sobre a sua prática, por meio de um espaço de abertura ao diálogo, em que ouvirá e será ouvido em suas inquietações, seus avanços e recuos quanto ao domínio, uso e reflexão sobre a tecnologia; as necessidades que sente subjetiva e profissionalmente; de que forma conduzi-las, planejá-las, revê-las, priorizá-las. E nessas relações de teres (o constituído) e haveres (o que tem sido (re) formulado), o professor, convidado ou obrigado por contingências de ordem institucional, legal, de desenvolvimento social, a reaprender sua prática, reavaliar suas concepções do que é ensinar e o que é aprender, visto em sua condição humana de ser e estar; refletir e agir, e valorizado em sua competência técnica, outorga-se o direito de propriedade discursiva moral e ética de sua fala, garantindo controle metódico sobre suas ações que, pautadas no compromisso de respeito aos seus valores e aos valores de seus educandos, construirão ações que visem a dar oportunidade a ambos de se perceberem como também agentes nesse mundo de imediatismos estimulados pela tecnologia, o qual é, no entanto, construído pela capacidade dos homens e mulheres de interpretar, re-criar a natureza e a si mesmos, inventar e reinventar os espaços em que vivem e os que virtualmente têm-se fundado como horizontes de interação. Dessa maneira, a tecnologia, no contexto da sala da aula, torna-se mais um elemento de construção e reconstrução de saberes, de busca e obtenção do conhecimento, pois é um caminho que motiva processos de comunicação que aproximam os sujeitos. Ela desencadeia processos de mudanças sociais sentidas de modo imediato pelos indivíduos, mas não modifica, de uma hora para outra, o que é alicerce, o que se fundamentou como base; viabiliza uma vida mais fácil, mais confortável, motiva à revisão das regras de organização das sociedades, causa desequilíbrios no meio-ambiente e nas próprias relações humanas, tanto em níveis individuais quanto em níveis globais, reestrutura paradigmas econômicos, políticos, mas está atrelada à condição de acontecimento por meio do interesse, da criatividade, da necessidade e dos apelos humanos na produção de bens, tanto intelectuais quanto materiais. Assim, acredita-se, por meio das reflexões aqui desenvolvidas, as quais, é evidente, são pontuais, no que diz respeito ao problema que as motivaram, que este estudo possa 11021 estimular o desencadeamento ou contribuir para a continuidade de processos de açõesreflexões, por parte dos docentes, que buscam ou são solicitados a assumir uma metodologia de ensino que utilize os recursos tecnológicos, os quais seduzem os alunos e, certamente, tornam as aulas mais interessantes, sem que, contudo, se deixe de analisar os aspectos pró e contra e de meio-termos que se apresentam, ainda subliminarmente, na avaliação da sua prática em relação ao uso da tecnologia na sala de aula. REFERÊNCIAS BASTOS, J. A. de S. L. Educação e tecnologia. Revista Técnico-Científica dos programas de pós-graduação em Tecnologia dos CEFET’s – PR/MG/RJ, 1997. ____________________. perspectivas. A educação tecnológica: fundamentos, características e CARVALHO, M. de G. Tecnologia, desenvolvimento social e educação tecnológica. Revista Técnico-Científica dos programas de pós-graduação em Tecnologia dos CEFET’s – PR/MG/RJ, 1997. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. IAROZINSKI, M. H. Contribuições da teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas para a educação tecnológica. Dissertação de mestrado – Programa de Pós-graduação em Tecnologia, Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. Curitiba, 2000. PALACIOS, F. A.; OTERO, G. F-P; GARCIA, T. R. Ciencia, tecnología y sociedad. Madrid: Laberinto, 1996. POSTMAN, Neil. Tecnopólio: a rendição da cultura à tecnologia. São Paulo: Nobel, 1994