Trabalho
Escravo no
Brasil do
Século XXI
Copyright © Organização Internacional do Trabalho (2007)
1ª edição (2007)
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Trabalho escravo no Brasil do século XXI / Coordenação do estudo
Leonardo Sakamoto. — [Brasília] : Organização Internacional do
Trabalho, 2007.
200 p.
ISBN 92-2- 819328-X,
ISBN 978-92-2-819328-2
1. Trabalho Escravo. 2. Brasil. I. Sakamoto, Leonardo.
13.01.2
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As publicações da OIT podem ser obtidas nas principais livrarias ou no Escritório da OIT no Brasil: Setor
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Coordenação da pesquisa: Leonardo Sakamoto
Assistentes de pesquisa: Camila Rossi, Iberê Tenório e Ivan Paganotti
Pesquisa sobre o perfil do trabalhador escravizado (capítulo B): Ana de Souza Pinto e Maria
Antonieta da Costa Vieira
Revisão: Lais Abramo, Armand Pereira, Roger Plant, Andréa Bolzon, Carolina Vilalva, Erica
Watanabe, Luiz Machado, Patrícia Audi, Thais Dumet e Severino Goes
Impresso no Brasil
Satellite Gráfica e Editora Ltda.
PQAS
A Organização Internacional do Trabalho (OIT)
A Organização Internacional do Trabalho foi fundada
em 1919, com o objetivo de promover a justiça social e, assim,
contribuir para a paz universal e permanente. A OIT tem uma
estrutura tripartite única entre as Agências do Sistema das
Nações Unidas, na qual os representantes de empregadores e
de trabalhadores têm a mesma voz que os representantes de
governos.
Ao longo dos anos, a OIT tem lançado, para adoção
de seus Estados-membros, convenções e recomendações
internacionais do trabalho. Essas normas versam sobre
liberdade de associação, emprego, política social, condições
de trabalho, previdência social, relações industriais e
administração do trabalho, entre outras. A OIT desenvolve
projetos de cooperação técnica e presta serviços de assessoria,
capacitação e assistência técnica aos seus Estados-membros.
A estrutura da OIT compreende: Conferência
Internacional do Trabalho, Conselho de Administração e
Secretaria Internacional do Trabalho. A Conferência é um
fórum mundial que se reúne anualmente para discutir questões
sociais e trabalhistas, adotar e rever normas internacionais do
trabalho e estabelecer as políticas gerais da Organização. É
composta por representantes de governos e de organizações
de empregadores e de trabalhadores dos 180 ( *) Estados-
membros da OIT. Esses três constituintes estão também
representados no Conselho de Administração, órgão executivo
da OIT, que decide sobre as políticas da OIT. A Secretaria
Internacional do Trabalho é o órgão permanente que, sob o
comando do Diretor-Geral, é constituída por diversos
departamentos, setores e por extensa rede de escritórios
instalados em mais de 40 países, mantém contato com governos
e representações de empregadores e de trabalhadores e marca
a presença da OIT em todo o mundo do trabalho.
Publicações da OIT
A Secretaria Internacional do Trabalho é também
instância de pesquisa e editora da OIT. Seu Departamento de
Publicações produz e distribui material sobre as principais
tendências sociais e econômicas. Publica estudos sobre
políticas e questões que afetam o trabalho no mundo, obras
de referência, guias técnicos, livros de pesquisa e monografias,
repertórios de recomendações práticas sobre diversos temas
(por exemplo, segurança e saúde no trabalho), e manuais de
treinamento para trabalhadores. É também editora da Revista
Internacional do Trabalho em inglês, francês e espanhol, que
publica resultados de pesquisas originais, perspectivas sobre
novos temas e resenhas de livros.
O Escritório da OIT no Brasil edita seus próprios livros
e outras publicações, bem como traduz para o português
algumas publicações da Secretaria Internacional do Trabalho.
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da OIT no Brasil: Setor de Embaixadas Norte, lote 35, Brasília DF, 70800-400, tel (61) 2106-4600, ou na sede da Secretaria
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( )
* Atualizado em fevereiro de 2007.
IV •
Organização
Internacional do
Trabalho
Trabalho
Escravo no
Brasil do
Século XXI
Brasil
•V
Apresentação
LAÍS W. ABRAMO
Diretora
Escritório da OIT no Brasil
ROGER PLANT
Coordenador
Programa de Ação Especial para o Combate ao Trabalho Forçado
OIT Genebra
Este é o mais completo estudo já feito sobre a situação do trabalho escravo
contemporâneo no Brasil. Fruto de um esforço conjunto do Escritório da Organização
Internacional do Trabalho e de especialistas no tema, “Trabalho Escravo no Brasil
do Século XXI” traz à luz a realidade deste crime que ainda envergonha o País.
Em 2005 o Diretor Geral da OIT convocou a Aliança Global contra o Trabalho Forçado, cujo
objetivo é erradicar todas as formas de trabalho forçado e escravo no mundo até 2015.
Com vontade política e comprometimento, este objetivo é possível. Exige,
porém, coragem e determinação, além da alocação de recursos suficientes para
aprimorar a legislação e sua aplicação, a prevenção e a reinserção das vítimas do
trabalho forçado. A luta pela erradicação do trabalho escravo e forçado supõe a
articulação de ações em diversas frentes, incluindo uma legislação clara contra
esta prática, planos de ação que envolvam os governos, organizações sindicais e
de empregadores, assim como outros parceiros sociais, a aplicação rigorosa das
leis, o aumento do conhecimento sobre o tema e da conscientização da sociedade,
assim como a elaboração e disponibilização de materiais para a sensibilização e o
treinamento dos diversos agentes que devem ser mobilizados para a consecução
desse objetivo global.
O Brasil tem demonstrado uma importante liderança
nesta luta global contra o trabalho forçado. Esse fato é hoje
reconhecido internacionalmente. O país aparece como a melhor
referência internacional, reconhecida pela OIT em seu relatório
“Uma Aliança Global contra o Trabalho Forçado”, lançado em
maio de 2005. O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho
Escravo, adotado em março de 2003, assim como os planos
estaduais que a ele se seguiram constituem hoje modelos para
iniciativas similares no resto do mundo. O Grupo Móvel de
Fiscalização do Trabalho, que com sua atuação heróica
conseguiu resgatar da situação de trabalho escravo mais de
22 mil trabalhadores entre 1995 e 2006, é um outro exemplo
da determinação do país em enfrentar o problema.
A OIT apóia os esforços que o Estado brasileiro e a
sociedade civil vêm empreendendo para a eliminação desta
chaga. Com este estudo, oferece aos pesquisadores e
interessados no tema um importante instrumento para melhor
entender este problema e tentar auxiliar na busca de soluções
para erradicá-lo.
Apesar de o Brasil já ter ultrapassado uma década de
combate a esse crime, o estudo que ora apresentamos consegue
detectar aspectos ainda desconhecidos do problema. Assim,
por exemplo, além das características que compõem o trabalho
escravo contemporâneo, temos acesso a informações novas
sobre as condições de trabalho a que são submetidos os
trabalhadores aliciados, a legislação que rege o tema e como
se dá o processo de escravização e libertação.
A relação entre o fenômeno do trabalho escravo e a
questão do tráfico interno de seres humanos aparece de forma
clara, pela primeira vez, no presente estudo. Com efeito, foi
possível descrever como opera o tráfico de trabalhadores rurais,
trazendo à tona, inclusive, as rotas mais utilizadas pelos
aliciadores de mão-de-obra.
Além disso, conseguiu-se fazer um perfil dos
trabalhadores escravizados, bem como identificar os locais onde
são aliciados. Uma mistura perversa de analfabetismo, baixo
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos estados onde
ocorre o aliciamento e a busca por lucros fáceis de maus
empresários contribui para moldar o quadro onde se dá a
VIII •
escravidão contemporânea. Some-se a isto a falta de liberdade
dos trabalhadores para romperem uma relação de trabalho
viciada e têm-se o quadro da impunidade no qual o trabalho
escravo contemporâneo consegue, infelizmente, ainda
prosperar.
O presente estudo faz parte de um projeto mais amplo
de pesquisa que a OIT desenvolve em vários países do mundo
sobre a escravidão moderna e os meios para combatê-la, entre
os quais estão a Bolívia, Alemanha, Paquistão, Peru, Portugal,
e Rússia. Esses estudos indicam que o trabalho forçado persiste
como um problema mundial, afetando países ricos e pobres.
O estudo, finalizado em janeiro de 2005, apresenta e
analisa as causas que dão origem ao trabalho escravo e a
magnitude do problema. Analisa também as principais formas
que a escravidão contemporânea assume hoje no Brasil e as
suas áreas de maior incidência, tanto em termos geográficos
quanto dos setores da economia. Apresenta ainda a primeira
avaliação do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho
Escravo, realizada a partir da opinião dos membros da CONATRAE
(Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo),
evidenciando os avanços realizados (68% das metas foram
cumpridas total ou parcialmente) e os obstáculos e dificuldades
que ainda persistem.
Tal como indica essa avaliação, apesar dos avanços
realizados, ainda há muito por fazer, principalmente em relação
à reinserção no mercado de trabalho dos resgatados da
condição de escravidão e à busca de novos mecanismos que
rompam o ciclo de impunidade.
Já tendo demonstrado importante liderança
internacional nessa matéria, o Brasil tem uma chance real de
desenvolver um modelo integrado para a Aliança Global contra
o Trabalho Forçado. Avançando no fortalecimento de uma rede
de proteção social e na criação de oportunidades de geração
de renda e trabalho decente, integrando medidas preventivas
com a rigorosa aplicação das leis, o País pode atacar as raízes
da pobreza e da impunidade que suprem e fomentam o trabalho
forçado, assim como punir os ofensores que lucram ilegalmente
abusando da vulnerabilidade dos que tem menos condições.
Por tirar proveito da vulnerabilidade dos mais pobres através
• IX
de meios e procedimentos que ferem não apenas os direitos e
princípios fundamentais no trabalho, como também os mais
elementares direitos humanos à vida e à liberdade, o trabalho
forçado é a verdadeira antítese da Agenda de Trabalho Decente
promovida pela OIT.
A OIT celebra os avanços realizados até agora pelo
Brasil, assim como o fato de que a erradicação do trabalho
escravo seja definida como uma prioridade nacional e um dos
eixos da Agenda Nacional de Trabalho Decente apresentada
pelo Ministro do Trabalho e Emprego em maio de 2006 durante
a XVI Reunião regional Americana da OIT, realizada em Brasília.
Está à disposição para prestar a assistência técnica que seja
necessária para fortalecer esse esforço nacional até que o
objetivo da erradicação definitiva do trabalho escravo no Brasil
seja alcançado.
X•
• XI
Preâmbulo
ARMAND PEREIRA
Ex-Diretor
Escritório da OIT no Brasil.
XII •
Escravidão é o resultado do trabalho degradante que envolve cerceamento da
liberdade.
O sistema que garante a manutenção do trabalho escravo no Brasil contemporâneo
é ancorado em duas vertentes: de um lado, a impunidade de crimes contra direitos humanos
fundamentais aproveitando-se da vulnerabilidade de milhares de brasileiros que, para
garantir sua sobrevivência, deixam-se enganar por promessas fraudulentas em busca de
um trabalho decente. De outro, a ganância de empregadores, que exploram essa
mão-de-obra, com a intermediação de “gatos” e capangas.
A erradicação da prática, portanto, depende de um esforço integrado que
envolva a repressão simultânea a essas causas. Desde 1995, o governo federal e a
sociedade civil combatem o problema, buscando meios de libertar os trabalhadores
da situação de escravidão em que se encontram. Em 2002, a OIT iniciou no Brasil
um projeto para ajudar as instituições nacionais a erradicar o problema. Desde
então, muitos avanços foram obtidos.
Tais avanços foram reconhecidos no Relatório Global da OIT do ano de
2005 - “Uma Aliança Global Contra o Trabalho Forçado”. Este cita o Brasil como
sendo líder na busca de soluções para a questão. Para tanto, o país lançou um
• XIII
Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, firmado
em março de 2003, que possui estratégias múltiplas, e desde
então, com o apoio da OIT, o vem colocando em prática.
Entretanto, todos esses esforços ainda são insuficientes para
resolver a questão. O relatório aponta ainda que há espaço
para estreita cooperação de organizações de empregadores e
de trabalhadores com as autoridades locais e grupos da
sociedade civil nas áreas-fonte de vítimas do trabalho escravo
e na concepção de programas de reabilitação que ofereçam
meios de vida verdadeiramente sustentáveis.
Este estudo, finalizado em janeiro de 2005, traz um
panorama do que é o trabalho escravo rural contemporâneo.
Faz uma análise crítica da atuação das entidades governamentais
e não-governamentais envolvidas, bem como uma discussão
das alternativas para a sua definitiva erradicação.
XIV •
• XV
Prefácio
PATRÍCIA AUDI
Coordenadora
Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da OIT no Brasil.
XVI •
No Brasil, há variadas formas e práticas de trabalho escravo. O conceito de trabalho
escravo utilizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) é o seguinte:
toda a forma de trabalho escravo é trabalho degradante, mas o recíproco nem
sempre é verdadeiro. O que diferencia um conceito do outro é a liberdade.
Quando falamos de trabalho escravo, estamos nos referindo a muito mais do que o
descumprimento da lei trabalhista. Estamos falando de homens, mulheres e crianças
que não têm garantia da sua liberdade. Ficam presos a fazendas durante meses ou
anos por três principais razões: acreditam que têm que pagar uma dívida ilegalmente
atribuída a eles e por vezes instrumentos de trabalho, alimentação, transporte estão
distantes da via de acesso mais próxima, o que faz com que seja impossível qualquer
fuga, ou são constantemente ameaçados por guardas que, no limite, lhes tiram a
vida na tentativa de uma fuga. Comum é que sejam escravizados pela servidão por
dívida, pelo isolamento geográfico e pela ameaça às suas vidas. Isso é trabalho
escravo.
Apesar de diversas denúncias de trabalho escravo ao Comitê de Expertos
da OIT desde 1985, o reconhecimento oficial do problema perante a Organização
ocorreu somente em 1995. Mesmo assim, o Brasil foi um dos primeiros países do
mundo a admitir internacionalmente a existência da escravidão contemporânea em
seu território. Em 08 de março de 2004, o Governo Brasileiro voltou a ser pioneiro
• XVII
ao declarar, perante a Organização das Nações Unidas, a
existência de um número estimado de 25 mil trabalhadores
escravos no país.
Devido ao reconhecimento internacional dos esforços
brasileiros em buscar o cumprimento do disposto nas
Convenções nº 29 e 105 que tratam da abolição do trabalho
escravo e na Declaração sobre Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e o governo federal aprovaram
o Projeto de Cooperação Técnica “Combate ao Trabalho Escravo
no Brasil”, que iniciou suas atividades em abril de 2002.
Com recursos da ordem de US$ 1,7 milhão, o projeto
tem o objetivo de promover a atuação integrada e fortalecer
as ações de todas as instituições nacionais parceiras que
defendem os direitos humanos, principalmente no âmbito da
Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo
(CONATRAE).
Para isso, atua em cinco linhas básicas:
Criação de um sistema de dados, consolidando informações
e proporcionando um diagnóstico mais preciso da realidade
brasileira;
Realização de campanha de conscientização pública, de
mobilização da sociedade e de prevenção do trabalho escravo
entre trabalhadores rurais;
Elaboração de um plano nacional de combate ao trabalho
escravo;
Promoção da capacitação dos parceiros para melhorar a
eficiência das ações e fortalecer a capacidade das agências
nacionais no combate ao trabalho escravo;
Fortalecimento da atual capacidade da Unidade de
Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, com
o fornecimento de equipamentos e de recursos para facilitar
o deslocamento da equipe de fiscalização para locais de difícil
acesso.
Nesses três anos de existência do Projeto de Combate
ao Trabalho Escravo, a OIT registra com satisfação que são
inegáveis os avanços obtidos pelo Brasil na luta contra esta
chaga. O Brasil é reconhecido internacionalmente, inclusive pela
própria OIT, como um dos países que mais têm avançado no
objetivo de erradicar o trabalho escravo. No seu Relatório Global
de 2005 sobre Trabalho Forçado entitulado Uma Aliança Contra
o Trabalho Forçado, a OIT dá destaque ao Brasil pelos esforços
governamentais e não-governamentais que vem sendo
desenvolvidos nessa direção e cita o País várias vezes como
exemplo internacional para luta contra todo tipo de trabalho forçado.
Dando prosseguimento às discussões iniciadas em
2002, foi referendado e lançado pelo presidente Luiz Inácio
Lula da Silva em 11 de março de 2003, o Plano Nacional para
a Erradicação do Trabalho Escravo, fruto das aspirações de todas
as instituições que futuramente comporiam a Comissão
Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae),
criada em 01 de agosto de 2003. O Plano, de cuja elaboração
a OIT participou ativamente, contém 76 metas de curto, médio
e longo prazo que norteiam as ações a serem tomadas.
O crescimento das atividades e ações contra o trabalho
escravo levou, como era de se esperar, a um maior interesse
da mídia sobre o tema. Em apenas três anos (de 2001 a 2003)
o número de notícias sobre o tema na mídia impressa aumentou
em 1.900%, mantendo esse mesmo patamar em 2004. Os
esforços nessa área prosseguiram com a Campanha Nacional
de Comunicação na Câmara dos Deputados.
Essa campanha, coordenada pela OIT, foi concebida,
criada, produzida e veiculada de maneira voluntária por
agências de publicidade e veículos de comunicação do País,
somando um montante de cerca de US$ 7 milhões doados à
causa sob a forma de veiculação gratuita.
O projeto busca promover a atuação integrada entre
todas as instituições nacionais que defendem os direitos
humanos e apóia a articulação de esforços entre organizações
governamentais e não governamentais nos âmbitos federal,
estadual e municipal. Estimula-se a discussão do problema nos
Estados onde é maior a incidência de trabalho escravo, seja na
utilização dessa mão-de-obra de forma ilegal, seja no
aliciamento de trabalhadores. Além do Pará, já foram lançados
planos estaduais no Maranhão e no Piauí. Está sendo ampliado
um processo de diálogo social, envolvendo organizações de
trabalhadores e de empregadores. Do mesmo modo, a
cooperação da OIT tem dado mais peso aos esforços para
aumentar a punição de proprietários que recorrem a práticas
de trabalho escravo, inclusive com prisão, multas e mesmo
expropriação de terras.
Uma das mais importantes e corajosas iniciativas nesta
luta foi o lançamento das “listas sujas” do trabalho escravo.
São 178 empresas, número atualizado até 2006, cujos
proprietários estão proibidos de receber recursos
governamentais para o financiamento dos seus
empreendimentos. O número de trabalhadores resgatados
nunca foi tão grande, superando a marca de 10 mil pessoas
nos últimos anos; as condenações também aumentaram, bem
como as multas aplicadas aos escravagistas.
Um dos avanços mais importantes foi a assinatura de
um compromisso público pelo qual diversas empresas do ramo
siderúrgico que atuam na região de Carajás, no Pará, e Sul do
Maranhão comprometem-se a não mais comprar carvão vegetal
de empresas que comprovadamente utilizam mão-de-obra
escrava. Tal compromisso, tendo como testemunhas a OIT, o
Tribunal Superior do Trabalho e o Ministério Público do
Trabalho, foi assinado no dia 13 de agosto de 2004. O acordo
foi intermediado pelo Instituto Ethos, parceiro permanente
da OIT no Brasil. O Instituto Carvão Cidadão (ICC), ONG criada
pela Associação das Siderúrgicas de Carajás (ASICA), lidera a
única iniciativa mundial conhecida de reinserção de
trabalhadores egressos da escravidão: já foram treinadas e
contratadas 52 pessoas para trabalhar nas referidas
siderúrgicas, em um claro exemplo de responsabilidade social
do setor produtivo brasileiro.
Essa é a primeira etapa do envolvimento do setor
privado para que a responsabilidade social das empresas fale
mais alto diante desses crimes contra os direitos humanos. Em
parceria com a ONG Repórter Brasil e a Secretaria Especial dos
Direitos Humanos, foi identificada a cadeia produtiva da
escravidão no Brasil com base nas “lista sujas” acima
mencionadas. Sob o apoio e a supervisão do Instituto Ethos,
foi feito um alerta à sociedade para que as empresas
socialmente responsáveis cortassem os contratos com
fornecedores que estivessem inseridos nessa teia que utiliza
mão-de-obra escrava. O resultado desse trabalho foi o Pacto
Nacional pela Erradicação ao Trabalho Escravo, que foi assinado
no dia 19 de maio de 2005 em duas solenidades na
Procuradoria-Geral da República e do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social, por mais de 80 empresas
públicas e privadas.
Apesar de todos os avanços registrados, ainda
persistem algumas dificuldades no caminho. A OIT tem
acompanhado com atenção toda a lutra contra esta prática no
Brasil e os esforços da Comissão Nacional para a Erradicação
do Trabalho Escravo (Conatrae) para encontrar mecanismos de
punião mais rigorosos contra os criminosos.
Um desses instrumentos é a Proposta de Emenda
Constitucional 438/2001, que prevê a expropriação das terras
de todos os proprietários que reconhecidamente utilizam mãode-obra escrava. Apesar de todos os esforços das instituições
que compõem a referida Comissão, a proposta ainda enfrenta
forte resistência na Câmara dos Deputados daqueles que, de
alguma forma, defendem a impunidade como forma de manter
a escravidão no Brasil
O Brasil, devido à evolução e aos resultados obtidos
nos três últimos anos, assumiu uma posição de destaque no
cenário internacional em relação ao combate à escravidão. Os
esforços depreendidos desde 2002 demonstram que o interesse
em resolver um problema inadmissível como o trabalho escravo
passa por uma ação coordenada de esforços, um diálogo
permanente entre todos os setores do país e um interesse real
em buscar soluções permanentes. Obviamente, ainda há muito
o que fazer. Por fim, a OIT orgulha-se de participar desse
esforço, apoiando naquilo que for possível e contribuindo para
a construção de um país mais justo, livre e democrático.
Trabalho escravo – vamos abolir de vez essa vergonha.
Prólogo
LEONARDO SAKAMOTO
Cientista político e Jornalista
ONG Repórter Brasil
Todos os trabalhadores libertados da escravidão que, neste relatório, aparecem sem o
sobrenome tiveram seus nomes reais trocados por motivos de segurança. As histórias de
trabalhadores libertados que ilustram este estudo foram coletadas pelo autor durante
operações do grupo móvel de fiscalização.
A pele de Manuel1 se transformou em couro, curtida anos a fio pelo sol da
Amazônia e pelo suor de seu rosto. No Sudeste do Pará, onde boi vale mais que
gente, talvez isso lhe fosse útil. Mas acabou servente dos próprios bois, com a
tarefa de limpar o pasto. “Fizeram açude para o gado beber e nós bebíamos e
usávamos também.” Trabalhava de domingo a domingo, mas nada de pagamento,
só feijão, arroz e a lona para cobrir-se de noite. Um outro tipo de cerca, com farpas
que iam mais fundo, o impedia de desistir: “O fiscal de serviço andava armado. Se
o pessoal quisesse ir embora sem terminar a tarefa, eles ameaçavam, e aí o sujeito
voltava.”
Na hora de acertar as contas, os “gatos” [contratadores de mão-de-obra a
serviço do fazendeiro] informaram que Manuel e os outros tinham “comido” todo o
pagamento e, se quisessem dinheiro, teriam de ficar e trabalhar mais. “Eles dizem
que a lei não entra na fazenda.” Manuel fugiu e resolveu ir atrás dos seus direitos.
1 O autor do relatório colheu os depoimentos pessoalmente
durante ações de fiscalização do Ministério do Trabalho e
Emprego entre 2001 e 2004.
Com base em sua denúncia à Comissão Pastoral da
Terra, uma equipe de fiscalização do governo federal entrou,
em dezembro de 2001, em uma propriedade rural, em Eldorados
dos Carajás, Sudeste do Pará. Após ter seus direitos pagos pela
fazenda, disse que tomaria o rumo de volta ao Maranhão para
rever os filhos, depois de quatro anos. “Quem dá queixa tem
de sair, porque senão dança. Perde a vida e ninguém sabe quem
matou.” Sua intenção era começar de novo, mas de forma
diferente. Pois o cativeiro é apenas a ponta de um novelo que,
desenrolado, se inicia na própria terra de cada trabalhador.
Manuel nasceu às margens do rio Parnaíba, numa
cidade maranhense na divisa com o Piauí, no dia 8 de outubro.
Do ano não se lembra, e os documentos que poderiam atestar
sua idade se perderam. Acredita que tivesse em torno de 40
anos na época da libertação. Certeza fica para a quantidade de
filhos: cinco, todos com o primeiro nome do pai. O mais novo
tinha oito anos.
Sua região possui água o ano inteiro por conta do rio.
Terra é que é difícil. Morador de um vilarejo, não conseguiu
área para fazer uma pequena plantação e por isso era obrigado
a cultivar na propriedade dos outros e dividir o resultado da
produção de subsistência com o dono. “Se tivesse terra não
teria vindo para o Pará”, explicou.
A família o acompanhou quando decidiu ir a Eldorado
dos Carajás, atraído pelas histórias de trabalho farto naquela
região de fronteira agrícola. Com o tempo, foram embora e ele
continuou sozinho, de pasto em pasto. Em uma das oito vezes
que pegou malária, parou o serviço para se tratar e ficou sem
receber os 30 dias que tinha trabalhado.
No mês seguinte à sua libertação da fazenda pelo
grupo de fiscalização, tentei entrar em contato com Manuel
2 O autor do relatório
participou da libertação
de Manuel em dezembro
de 2001.
em sua terra natal, para saber se tinha feito boa viagem e
tomado rumo de uma vida melhor. Mas ninguém sabia do seu
paradeiro.2
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parte 1 - Repórter Brasil