Psicogénese de um conceito
Psicogénese de um conceito e a sua história: Uma relação de
paralelismo
Marina Rodrigues
Escola Superior de Educação de Leiria
Esta comunicação pretende abordar a relação que existe entre a
psicogénese de um conceito (a sua construção e a sua formação pelos
indivíduos) e o seu desenvolvimento histórico.
Trata-se efectivamente de uma relação pertinente que pode e deve
ser tida em conta a nível da formação de professores, uma vez que
permite, para além do aprofundar de certas temáticas relativas à história
da matemática (os seus progressos e recuos, a sua não linearidade) uma
auto-análise relativa ao próprio conhecimento didáctico e científico de
quem reflecte sobre esta problemática.
Um estudo realizado no âmbito de uma tese de mestrado
pretendeu diagnosticar e, se necessário, reestruturar o conceito de
infinito em futuros professores de matemática (alunos de 4º ano de
licenciaturas em ensino da matemática de diferentes ESEs e
Universidades do País).
Foi elaborado um questionário com o objectivo de diagnosticar qual
o conceito de infinito que possuiam os indivíduos envolvidos. Os
resultados
obtidos
apontavam
para
uma
muito
deficiente
conceptualização de infinito. Os alunos privilegiaram o conceito de
infinito em potência por se tratar da vertente em que a referida
conceptualização apresentava menos deficiências. O conceito de infinito
em acto, quer quando tratado de um ponto de vista geométrico, quer
quando tratado de um ponto de vista aritmético, apresentava graves
lacunas e mesmo erros. Nota-se uma associação do tipo: ilimitadoinfinito (em potência) e limitado-finito.
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De referir ainda a facilidade com que os alunos transportaram a
operacionalidade do finito para o infinito, utilizando, erradamente,
comparações que dependem de métodos empíricos (e. g., o segmento de
recta com maior comprimento é o que possui mais pontos e o conjunto
que contém um outro tem maior cardinal que este). A extrapolação de
certas propriedades dos conjuntos finitos para conjuntos infinitos,
conduziu, assim, a situações contraditórias que os alunos não
conseguiram superar. Embora detentores dealguma instrução sobre
conjuntos infinitos, estes alunos privilegiaram respostas baseadas nos
seus pré-conceitos, principalmente quando as questões envolviam
contextos geométricos (repletos de significado e baseados em verificações
experimentais). Não é, no entanto objectivo desta comunicação justificar
a razão desta deficiente conceptualização de infinito. Assim, face aos
resultados obtidos, com dois grupos de quatro alunos, e dentro de um
cenário de supervisão centrado na reflexão, análise e discussão em
pequeno grupo, tentou-se facilitar a reestruturação do referido conceito.
Esta etapa do trabalho foi dividida em duas fases (cada uma com um
grupo de quatro alunos) sendo utilizada, em cada uma delas uma
metodologia diferente. Na primeira fase realizou-se um trabalho com um
carácter mais teórico, baseado na discussão em grupo de alguns textos
de apoio e das questões por eles suscitadas. Nasegunda fase, e uma vez
que os resultados obtidos na primeira fase ficaram aquém do desejado,
optou-se por um trabalho com um carácter mais prático. Assim, a
investigadora criou aquilo que designou por “episódios” cujo objectivo foi
criar um clima o mais próximo possivél da situação real de prática
pedagógica, originando o envolvimento que se julgou necessário para que
o trabalho a realizar resultasse frutuoso, o que, até certo ponto, foi
conseguido.
Vamos então, seguidamente, tentar estabelecer o tal paralelismo
entre a evolução histórica do conceito e a conceptualização realizada por
estes futuros professores de matemática.
Relativamente à evolução histórica do conceito de infinito, a
análise realizada permitiu definir três fases:
1ª Fase : Com Galileu (1584-1642) em que todos os conjuntos infinitos
eram considerados equipotentes. Apesar de constatar a possibilidade de
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se estabelecer uma correspondência biunívoca entre o conjunto dos
números inteiros e o conjunto dos seus quadrados, por motivos que
desconhecemos, apenas referiu que atributos como “igual”, “maior” e
“menor” não eram aplicáveis ao infinito, não se podendo, assim,
comparar conjuntos infinitos:
“...Nós tentamos, com o nosso mundo finito, discutir o infinito,
atribuindo-lhe as propriedades do finito e limitado; mas eu penso que
isso é errado pois não podemos falar de quantidades infinitas como
sendo maiores, menores ou iguais a quaisquer outras...” (Waldegg,
1991)
2ª fase: Com Bolzano (1781-1845) que, apesar de já considerar o infinito
como um atributo de uma colecção não estruturada, de um conjunto
cuja única caracteristica é o seu cardinal, adoptou, nos seus estudos de
comparação de conjuntos infinitos, o critério baseado na relação partetodo (relação estar contido).
Defendendo que apesar de se poder estabelecer, no caso de
conjuntos infinitos, uma correspondência um a um entre um conjunto e
um seu subconjunto próprio, este facto não constituia justificação para
concluir que os conjuntos eram equicardinais.
3ª Fase: Com Cantor (1845-1918) que, com grande simplicidade,
clarificou que, no caso de um conjunto infinito, pode acontecer que o
conjunto e uma sua parte, certamente não idênticos, sejam equipotentes,
tenham o mesmo cardinal. Ao contrário de Bolzano, Cantor introduziu
um instrumento externo de comparação de conjuntos. Para Cantor não
interessavam os objectos em si, os elementos que compunham os
conjuntos, mas sim que, se de facto era possivel estabelecer uma
correspondência biunívoca entre os dois conjuntos, era porque eles eram
equipotentes.
Ao longo do trabalho por nós realizado foi possível constatar uma
evolução conceptual dos alunos semelhante à atrás referida. Assim
identificámos também uma 1ª fase, correspondente aos resultados
obtidos através dos questionários, na qual, os alunos ao serem
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solicitados a compararem o cardinal de conjuntos infinitos (discretos,
densos e contínuos) responderam que os cardinais não se podiam
comparar porque todos os conjuntos eram infinitos:
“Não se podem comparar os cardinais dos conjuntos pois são todos
infinitos”. Estas respostas lembram, de facto, as concepções de Galileu já
apresentadas.
Identificámos posteriormente uma 2ª fase, atingida pelos alunos
com os quais realizámos o trabalho de supervisão atrás referido. Estes
alunos, apesar de compreenderem a possibilidade de se estabelecerem
correspondências um a um entre alguns conjuntos infinitos, não
aceitaram a equicardinalidade dos mesmos:
“Eu percebo que se pode estabelecer uma correspondência biunívoca
entre N e o conjunto dos pares, mas não me venham dizer que há
tantos pares como naturais !... O que é que fazemos aos impares ?!...
Eu acho que é fácil aceitar que o conjunto dos pares é metade dos
naturais...”
Este tipo de argumentação evoca-nos agora a posição de Bolzano.
Tal como ele, os alunos não são capazes de se desligarem da situação
paradoxal com que se deparam e quando a bijecção entre os dois
conjuntos se torna vísivel, eles simplesmente ignoram as consequências
que este facto acarreta.
Porque o trabalho, devido a condicionalismos de vária ordem, teve
que ser interrompido, não foi possível atingir a 3ª fase que obviamente
iria ter paralelo com as concepções de Cantor. Fica-nos a certeza de que
não seria com muita dificuldade que esta se conseguiria atingir.
Conclusões
Referem-se os três aspectos considerados mais relevantes aquando
do desenrolar do trabalho:
• O paralelismo entre a psicogénese de um conceito e o seu
desenvolvimento histórico é um facto e é importante , assim,
Psicogénese de um conceito
conhecer a história da matemática que, também deste modo,
contribuirá para o auto-desenvolvimento profissional;
• A formação de professores deve focalizar-se, desde os primeiros
anos, na prática pedagógica. Só perante as realidades concretas,
na acção, os futuros professores tomam consciência, sentem as
suas dificuldades e se apercebem da importância real da sua
formação teórica. È portanto fundamental desenvolver a
interpenetração entre a teoria e a prática quer no que respeita a
conhecimentos científicos, quer no que respeita a conhecimentos
pedagógicos;
• A capacidade que futuros professores têm de eles próprios
diagnosticarem as suas dificuldades e lacunas nestes campos,
desde que devidamente supervisionados.
Referências
Boyer (1984). History of Mathematics. New York: John Wiley.
Caraça, Bento (1984). Conceitos fundamentais de Matemática. Lisboa:
Sá Costa.
Errázuriz, R. (1983). Infinity mathematics as a scientific subject for
cognitive psychology, Proceedinsg of the 10th Conference for the
PME (pp. 77-84), Londres.
Radice, L. (1981). O infinito. Lisboa: Editorial Notícias.
Rock, A. (1991), Los obstaculos de la intuicion en la aprendizage de
processos infinitos, Education Matemática, 3(1), 5-18.
Waldegg, G. (1991), The conceptual evolution of actual mathematical
infinity, Educational Studies in Mathematics, 23, 211-231.
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