Temos uma bolha de crédito? Há no exterior uma apreensão quanto ao desenvolvimento de uma bolha de crédito no Brasil. Exagerados aumentos do endividamento das famílias e do comprometimento da renda dos consumidores no pagamento de suas dívidas já estariam determinando um limite à expansão do consumo, o que levaria, fatalmente, ao fim do crescimento da economia brasileira. A tese apesar de apresentar falhas tem o mérito de ressaltar os perigos do crédito farto. Os financiamentos para as famílias vêm crescendo extraordinariamente, em média, 18% nos últimos três anos em termos reais, de forma que atualmente alcançam 15,4% do PIB. Mas, além do crescimento vigoroso, dois outros pontos caracterizam uma bolha de crédito, os quais não são preponderantes no ciclo atual do crédito no país. Primeiro, uma típica bolha de crédito e de consumo faz do financiamento uma variável autônoma com relação à renda. Isso é fruto de uma concorrência bancária que é tão intensa quanto é “desregulamentada” a atividade financeira. Significa que na medida em que o crédito evolui e amplia o poder de compra da população, vai sendo perdida a referência à renda que lhe devia servir de base, de forma que passa a residir na própria disposição das instituições de financiamento de não interromperem a trajetória do crédito a condição de continuidade do processo. O que foi descrito equivale ao “financiamento especulativo” de Hyman Minsky, segundo o qual um agente, no caso as famílias, depende da renovação do crédito para evitar a inadimplência. No caso brasileiro, uma evolução da massa real de rendimentos da população de 8%, como nos anos do pré e do pós crise, propiciou a ancoragem do aumento do crédito, de modo que a taxa de inadimplência tem sido na média do corrente ano a mais baixa jamais registrada no país a despeito da vigorosa ampliação dos empréstimos bancários. Nossos cálculos indicam que o endividamento (dívida/renda anual) das pessoas físicas passou de 21,8% para 36,6% de dezembro de 2006 a maio de 2011, o que, no entanto, não foi acompanhado de correspondente maior comprometimento da renda mensal, que passou de 20,8% para 22,4% no mesmo período. Além do maior rendimento real, os prazos de financiamento mais dilatados explicam a preservação da capacidade de honrar dívidas. Ademais, uma típica bolha de crédito está associada à hiper-valorizações de ativos a exemplo das bolhas imobiliárias. O crédito abundante nesse caso impulsiona o valor dos ativos, o que renova e potencializa a capacidade de endividamento dos agentes sustentando o aumento da sua riqueza e de sua capacidade de consumo. Nesse caso, o crédito também não pode parar porque sua sustentação — a valorização dos ativos — cairia junto. O Brasil assiste a um forte aumento dos preços dos imóveis, mas não há nem sombra de uma bolha já que o financiamento imobiliário é baixo — representa cerca de 4% do PIB — e nele tem grande preponderância o crédito dirigido da caderneta de poupança. Uma mega especulação imobiliária explica a valorização nesse setor. O Brasil não vive uma bolha de consumo, embora seja intenso o desenvolvimento do crédito. Isto é uma fonte de amplificação da capacidade de crescimento da economia, mas também uma possível causa de problemas se os financiamentos perderem a referência à renda pessoal. Por isso, são importantes as medidas macroprudenciais na área do crédito. Julio Gomes de Almeida - Professor da Unicamp e Consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial.Artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 21/07/2011.