Entrevista
Adolfo Braga Neto
Mediação:
uma volta às origens
Os métodos alternativos de solução de conflitos cada vez ganham mais força no Brasil e no mundo,
reavivando velhas práticas pacificadoras como a mediação
A
Por Carlos Costa
Fotos Gustavo Scatena
prática é muito antiga, mas só recentemente foi teorizada e aplicada ao
mundo jurídico como opção de acesso à Justiça: a mediação. Em outros
termos é a busca pela solução de um conflito a partir de um diálogo entre
as partes, envolvendo um terceiro elemento como facilitador da negociação, ou seja, a figura do mediador. E foi com um especialista no assunto
que Getulio conversou para saber mais a respeito dessa prática que, paulatinamente, ganha terreno no Brasil. O advogado Adolfo Braga Neto é mediador, professor
universitário, sócio do escritório Oliveira Marques Advogados Associados e presidente do conselho de administração do Instituto de Mediação e Arbitragem do
Brasil (IMAB), além de vice-presidente do Conselho Nacional das Instituições de
Mediação e Arbitragem (Conima). Formado em Direito pela Faculdade do Largo
de São Francisco, também é consultor da ONU e do Banco Mundial, exibindo um
extenso currículo de atividades ligadas à mediação e à capacitação de profissionais
no Brasil e no exterior, principalmente em Portugal e outros países lusófonos, como
Angola e Cabo Verde. Tanta expertise lhe rendeu o apelido de “Dom Quixote da
Mediação”, uma clara referência ao pioneirismo de seu trabalho como mediador
e formador. “Ora, investíamos porque acreditávamos”, ele explica, divertindose com a alcunha. “E se continuamos investindo é porque ainda acreditamos.”
A seguir, confira os principais trechos desta esclarecedora entrevista.
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Como o senhor escolheu o caminho
da mediação? Ou foi a mediação que
o procurou?
Adolfo Braga Neto Eu procurei
esse caminho. Sempre prestei assessoria a empresários e entidades de classe
patronal ligados à Fiesp. Atuava nos departamentos jurídicos dessas entidades
e realizávamos um trabalho enorme em
relação às ações coletivas e individuais.
Entretanto, mesmo quando conseguíamos um bom resultado ou éramos
bem-sucedidos, recebíamos apenas
um “muito obrigado”, que mais parecia
uma obrigação.
Por parte da empresa?
Adolfo Braga Sim, da empresa e
do empresário. O desgaste era grande
porque os empresários não saíam satisfeitos, mesmo quando ganhávamos
em terceira instância, ou seja, depois
de 10 ou 15 anos de batalha. Muitas
vezes abortávamos processos no meio
exemplo, que defendia a intervenção
de um terceiro num conflito como
forma de auxiliar pessoas a construir
soluções. Entre os árabes, há sempre
alguém auxiliando. Entre o povo judaico, é tarefa para o rabino. No nosso
caso, antes mesmo da vinda dos portugueses, o pajé e o cacique faziam
eventualmente esse papel de árbitro
ou mediador. Ou seja, nada foi inventado. Na realidade, estamos voltando
ao passado. Mas, embora a mediação
sempre tenha existido, em essência
ela não tinha uma teoria específica.
O primeiro movimento de teorização
começa entre o final da década de
1960 e início da de 70 na Universidade
Harvard, quando especialistas ligados
à faculdade de Direito começaram
a estudar e implementar técnicas de
negociação utilizando uma terceira
pessoa como elemento facilitador no
andamento das tratativas. A partir daí
surgiram outras teorias.
ricano. E explica também por que tal
modelo não é muito aplicado no Brasil.
Afinal, somos um país latino. Aqui é fundamental levar em conta o fator emocional. A emoção tem de ser trabalhada e
trazida para dentro da negociação.
Que modelos chegaram ao Brasil?
Adolfo Braga Na década de 1980
profissionais formados em Harvard perceberam que a comunicação entre as
partes poderia ser modificada para se
chegar mais facilmente à solução. Assim
surge o modelo chamado “circular narrativo”, que teve como mentora a americana Sara Cobb, também formada em
Harvard. Segundo ela, a questão é a comunicação: “Os teóricos falam muito,
mas não apontam como fazer a mediação. Então eu digo como”. Assim ela
começou a repensar, a partir da teoria
da comunicação, a construção de narrativas, com pressupostos da psicologia,
do pensamento sistêmico. Parte-se do
Quando Salomão decidiu cortar a criança ao meio, houve uma
intervenção, uma arbitragem. O mediador não traz uma vertente,
mas motiva as partes envolvidas a encontrar a saída
do caminho porque o conceito deles
em relação à outra parte mudava, não
existia mais a intenção da continuidade. No âmbito empresarial, as coisas
mudam rapidamente para atender à
dinâmica da economia, extremamente veloz. Preocupado, conversei com
um colega de escritório e percebi que
a insatisfação não era apenas minha.
Em 1994 iniciamos uma pesquisa para
saber o que os colegas americanos e
europeus estavam fazendo nesse sentido. Nos EUA me deparei inicialmente
com a arbitragem e também ouvi falar
da mediação. Em 1995 conheci o Instituto de Mediação e de Arbitragem do
Brasil, IMAB, do qual hoje sou presidente do conselho de administração.
A sede era em Curitiba, Paraná, onde
fiz um dos primeiros cursos de capacitação de mediadores.
A mediação é um estatuto antigo?
Adolfo Braga A idéia de mediação sempre esteve presente em todas
as civilizações. É muito antiga. Já era
conhecida na China de Confúcio, por
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Esse ‘ressurgimento’ da mediação tem
a ver com as constituições ou é uma alternativa à morosidade dos judiciários?
Adolfo Braga A mediação moderna
surge desse primeiro modelo desenvolvido em Harvard. E estava voltada mais
para acordos comerciais, sobretudo business. Afinal, essa é uma vertente bem
americana. Esse foi o grande passo deles
em termos de teoria. Veja, quando estão
envolvidas em conflitos, as pessoas geralmente adotam posições que só pioram a
situação. O que a teoria defende? “Não
vamos discutir posições. Se for assim,
será um ou outro. O nosso trabalho é um
e outro”. Ou seja, analisar e entender a
motivação das pessoas. Esse desmonte
faz com que elas mudem de posição e
cheguem a um acordo. A base era essa.
O modelo americano é o primeiro a ser
teorizado e representou o grande passo
rumo a um movimento mundial. Acoplado a isso, os estudiosos identificaram
muitas negociações mal sucedidas em
função de questões emocionais. Então
separaram a questão emocional – esse foi
o grande diferenciador do modelo ame-
princípio de que tudo forma um sistema. E qualquer movimento de um dos
membros envolvidos muda a relação de
todo o sistema. Posteriormente, na década de 90, surgiu o modelo chamado
“mediação transformativa”, segundo o
qual um conflito não se resolve – no
máximo, pode ser transformado. Para
transformar um conflito é preciso transformar pessoas e levá-las a reconsiderar
posturas e modos de ver. Hoje existem
mediadores que criam teorias próprias.
Começam a difundi-las e pretendem fazer escola. Nós, aqui no instituto, e eu,
particularmente, misturamos modelos.
Aproveitando o melhor de cada um.
Adolfo Braga Sim. No Brasil se
trabalha muito com o “mediador que
possui uma caixa de ferramentas”, que
as usa de acordo com suas possibilidades, habilidades e disponibilidades das
pessoas, os mediados.
Quando Salomão mandou dividir a
criança em duas partes, o que ele fez?
Adolfo Braga [risos] Uma arbitra-
ENTREVISTA
gem. O mediador não oferece uma
decisão, mas motiva as partes envolvidas a encontrar a solução. O papel do
mediador é oferecer a reflexão para que
as pessoas possam pensar o que será
melhor para elas, gerando assim uma
solução. No caso de Salomão, houve
uma intervenção. Ele decidiu, a partir
de uma lógica, dividir a criança ao meio
e depois questionar quem gostaria que
aquilo efetivamente acontecesse.
Como a mediação chegou até nós?
Adolfo Braga No âmbito do IMAB,
sempre tivemos uma vertente para a
abertura. Começamos pelas mãos de
Harvard, depois surgiram as outras teorias e hoje trabalhamos com aquela
caixa de ferramentas que mencionei. O
IMAB nasceu com o nome de Instituto
de Mediação. Em 1996 incorporamos
Arbitragem, pelo fato de estarmos atuando com ela também e em seguida
também no Brasil – pois já atuávamos
do especial, chama esses conflitos não
levados ao Judiciário de litigiosidade
contida. Sua implementação veio a ser
obrigatória com a Constituição de 1988,
constituindo-se em um grande avanço
em nossa legislação.
Ampliando o acesso à Justiça a todos.
Adolfo Braga A nossa Constituição
ampliou o acesso à Justiça a todos os cidadãos. Ninguém pode falar o contrário.
Existe acesso a qualquer nível, seja no
âmbito penal, comercial ou tributário,
assim como existe assessoria jurídica
gratuita, o Estado é obrigado a manter.
Em todos os Estados temos a Defensoria
Pública. Só que o acesso se dá para apenas uma porta, que levará a uma única
saída. A grande vantagem dos métodos
alternativos é que geram a possibilidade
da existência de outras portas de acesso
à Justiça, o que leva ao cidadão a opção
do método mais adequado aos conflitos
por ele enfrentado. Mas insisto: o obje-
de Cabo Verde. E dessa forma começamos a transitar pelo mundo de fala portuguesa. Nós, do IMAB, entendemos que a
capacitação efetiva não passa apenas por
um curso teórico, é preciso ter a prática.
Há mesmo um movimento mundial
nesse sentido?
Adolfo Braga Talvez seja pretensão,
mas esse movimento que ocorre no Brasil em prol da mediação veio de pessoas
capacitadas lá fora, ou que participaram
de capacitação realizada aqui por estrangeiros. A própria Sara Cobb esteve no
Brasil, sou seguidor de suas idéias, assim
como de outros renomados mediadores
no mundo, como Juan Carlos Vezzulla,
com quem me capacitei. Ele viveu anos
no país e foi o mentor do IMAB. Ou
mesmo Joseph Folger, que ministrou
cursos de que participei. Assim começamos a disseminar. E agora é a nossa
vez de fazer esse trabalho no exterior.
Fui chamado até de Dom Quixote dos
A Constituição ampliou o acesso à Justiça, só que por apenas uma
porta (a fila congestiona). A mediação gera outro tipo de acesso.
Mas insisto: o objetivo não é desafogar o Judiciário
no exterior. Hoje realizamos trabalhos
em outros países em função da diretriz:
estar sempre em contato com instituições internacionais. Essa vertente começou a se fortalecer em 2001, quando o
Ministério da Justiça de Portugal implementou um sistema de mediação e nos
convidou a capacitar o primeiro grupo
de mediadores do país. Uma comitiva
liderada pelo ministério havia visitado
a América do Sul em 2000, passaram
pela Bahia, São Paulo, Brasília e Buenos Aires, conhecendo as experiências
em termos de mediação e conciliação. A
Argentina, inclusive, tem uma expertise
maior que a nossa, pois existe ali, pelo
menos na cidade de Buenos Aires (distrito federal), uma lei obrigando as partes
a ir para a mediação antes de começar
um processo judicial. Durante essa visita, também conheceram os juizados
especiais. A idéia do juizado especial é
solucionar questões de pequena monta, do ponto de vista de valor, de até 40
salários mínimos, que normalmente
não eram levadas ao Judiciário. Kazuo
Watanabe, o grande mentor do juiza-
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tivo da mediação, da arbitragem, e de
quaisquer métodos alternativos, não é
desafogar o Judiciário. O objetivo é oferecer opção. Claro que, se quiser, o cidadão terá acesso a um processo formal
no Judiciário. Mas, se preferir algo mais
rápido e sigiloso, outra forma de solução, pode recorrer a outras opções.
Como foi a experiência em Portugal?
Adolfo Braga Em 2001 houve a capacitação de 70 mediadores, em Lisboa
e no Porto. Em 2003/04 o Ministério da
Justiça quis ampliar esse número, e novamente nos convidou. Realizamos o curso
já em parceria com uma associação criada pelos primeiros 70 participantes. Em
2005 fundamos o Instituto de Mediação
e Arbitragem de Portugal, IMAP [do qual
Braga Neto é diretor], com a mesma filosofia do IMAB, mas com ênfase em mediação, pois a arbitragem lá ainda precisa
de aperfeiçoamento com uma lei mais
adequada aos tempos atuais. No mesmo
ano fui convidado para fazer capacitação
em Angola, um projeto ainda em curso.
Em 2006 houve novo convite, dessa vez
métodos alternativos no Brasil [risos].
Ora, investíamos porque acreditávamos.
E se continuamos investindo é porque
ainda acreditamos.
Isso vem no bojo de um movimento neoliberal que visa dar respaldo jurídico
para soluções privadas de conflitos?
Adolfo Braga Existe uma filosofia
por trás da mediação. Entendemos ser
uma forma de fortalecer a cidadania. E
compartilhamos a idéia: fortalecer o cidadão e devolver a ele o poder de decidir
o que é melhor para si. Se duas pessoas
estão em dificuldade para chegar a um
acordo, o que é natural, talvez o auxílio
de alguém de fora indique melhores
soluções não para lhe dar conselhos ou
sugestões, mas sim para promover a reflexão que levará à solução.
Que bagagem o senhor trouxe da experiência em Angola? Como é o Judiciário lá?
Adolfo Braga O movimento na
África se deu em função da experiência que o Brasil levou a Portugal.
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Como ex-colônia, Angola busca ajuda
no modelo português quando precisa
de capacitação e aprimoramento. Todo
o sistema processual angolano é muito calcado no português – aliás, como
aqui no Brasil. Hoje temos certa penetração, inclusive em Portugal, por força
da nossa televisão, das novelas, da nossa
cultura. O Brasil chama a atenção dos
países “palópios”, a designação deles
para “Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa” [atualmente são seis:
Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Guiné Equatorial, Moçambique, São
Tomé e Príncipe]. Nós chamamos de
lusófonos. Essa influência mostra que
temos ensinamentos a transmitir.
Algum caso paradigmático?
Adolfo Braga A dificuldade na capacitação se dá porque temos certa
“formatação”. Todo profissional tem. O
médico, por exemplo, é um profissional
preparado para medicar. O arquiteto,
projetar um edifício. Assim acontece
aberta e tranqüila. Resultado: optaram
pela manutenção do relacionamento,
pois ainda havia uma relação amorosa
entre os dois. Como mediador foi uma
experiência fantástica.
O trabalho em Angola continua?
Adolfo Braga Está em implementação, com continuidade prevista para
este ano. Quando Angola se libertou de
Portugal, em 1975, toda iniciativa privada se apagou. Naquele ano o país começou uma guerra civil entre “petróleo e
diamante”, simplificando a questão. Só
alcançaram a paz em 2002. Só então o
Judiciário começou a ser implantado.
Hoje, na prática, está presente apenas
na capital e nas grandes cidades. Por
isso, a nossa proposta de capacitação
é completa, não nos restringimos à teoria. A idéia é treinar o mediador em
situações concretas da vida real. E o
aprimoramento continua, justamente
para criarmos futuros supervisores e
professores de mediação.
vez, também não entendeu a proposta. Como não obtive resposta, entrei
em contato e expliquei os termos para
empresário e advogado. Ou seja, a mediação ainda não está na nossa cultura.
É uma questão de tempo. De uma ótica otimista, arrisco dizer que podemos
pensar em tempo menor que cinco
anos. Sou de uma época em que as pessoas confundiam mediação com intermediação, até com meditação... [risos]
Agora já têm uma vaga idéia. Quando os
empresários conhecerem as vantagens
que a mediação propicia, certamente a
levarão para o âmbito empresarial, já o
fazem hoje de maneira tímida.
Tradicionalmente o brasileiro, homem
cordial, contemporizava com quase
tudo. De onde veio a tendência contenciosa, de processar tudo e todos?
Adolfo Braga Veio no bojo da Constituição de 1988. Quando se pensou na
possibilidade de ampliar o acesso à Justiça se pensou justamente nas pessoas
Para mim foi um exercício de isenção: o casal falava tranqüilamente
de poligamia. Por fim, optaram pela manutenção do relacionamento.
Como mediador, foi uma experiência fantástica
com o advogado. Diante de um conflito, monta um processo para resolver
a questão. Na mediação não acontece
isso. Quem dá as coordenadas são as
partes envolvidas. Nesse caso, o advogado atua até ao contrário, ajudando
a desmontar a situação. Para uma cultura extremamente formatada como a
nossa, as dificuldades são maiores, pois
temos de levar o profissional a buscar
um novo paradigma. Já em Angola e
Cabo Verde, sociedades em formação,
esse aprendizado foi mais ágil e dinâmico – elas têm menos “formatação” e
se adaptam facilmente ao novo. Tive a
honra de realizar a primeira mediação
em Angola, na capital, Luanda. Um
casal havia se separado e ele não estava
pagando pensão alimentícia. Por ainda
haver uma cultura tribal, a poligamia,
embora não seja permitida oficialmente, é tolerada desde que o homem consiga manter as famílias. Durante essa
mediação a questão veio à baila e foi
um exercício de isenção para mim. O
casal falava sobre poligamia de maneira
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E quanto se paga por um curso?
Adolfo Braga A carga-horária é de
100 horas aula. O custo gira em torno
de R$ 2.000,00.
O que o Brasil ganha com a mediação?
Adolfo Braga Essa pergunta é muito ampla, não é possível ser objetivo na
resposta. Além disso, não gosto da expressão “desafogar o Judiciário”. Pode
até acontecer, mas não é para já. Nesse
primeiro momento, a questão é: mediação para todos como novo paradigma na
solução de conflitos. E não se trata apenas de questões comerciais, mas de família, desavenças comunitárias etc. Não
existem limitações. É uma ferramenta
para mudança de cultura. Há pouco
tempo, por exemplo, fui convidado por
uma empresa de Cuiabá, franqueadora
e franqueado não se entendiam. Encaminhei a documentação explicando
todo o sistema que envolve a mediação,
mas o empresário não entendeu nada
e não quis comparecer. Em vez disso,
procurou seu advogado, que, por sua
que não utilizavam o Judiciário. E se
hoje estamos acostumados a levar qualquer pendência para o tribunal é porque temos mais consciência de nossos
direitos. E vem também de certo modelo, no qual o Estado é quem decide.
Esse é o paradigma.
O resultado da mediação é oficializado
em algum documento?
Adolfo Braga Dependerá muito dos
objetivos e em que base o método será realizado. Poderá ou não ser. No Brasil inexiste lei que regulamente a mediação.
Há uma lei de arbitragem, no entanto.
Adolfo Braga Exatamente, a Lei
9307/96. Com relação à mediação, veja,
em 1998 a deputada Zulaiê Cobra produziu um projeto de lei bem simples,
com apenas sete artigos, esclarecendo o
que era mediação judicial, extrajudicial,
e quem podia ser mediador. O único pecado cometido foi dizer que mediador
era uma pessoa capacitada, mas não
especificava em quê.
ENTREVISTA
E o senhor acha que deve ser um advogado?
Adolfo Braga Não. Essa é uma
atividade interdisciplinar. Conflitos se
instauram em qualquer área. O projeto
de lei 4827/98 foi aprovado na Câmara
dos Deputados em 2001. Em paralelo
havia surgido, em 2000, outro anteprojeto, elaborado por Kazuo Watanabe,
que ainda não tramitava no Congresso.
Este último vinha do modelo argentino,
no qual a mediação é feita por advogados, e determinava que assim fosse.
Em 2003 foi realizada uma audiência
pública no Ministério da Justiça para
ouvir as instituições de mediação, e
decidiu-se juntar os dois projetos. Os
sete artigos iniciais se tornaram 47. E
esse foi o projeto aprovado no âmbito
do Senado em 2006. Mas, como passou
por tantas modificações, voltou para a
Câmara dos Deputados e hoje está no
plenário. Ou seja...
mediação também contaminou o Judiciário. O Executivo, por sua vez, tem implementado a mediação comunitária no
trabalho com grupos carentes. A Secretaria da Justiça de São Paulo, por exemplo,
com apoio do Estado e da Prefeitura, está
implantando um projeto bastante inovador que leva a mediação comunitária
para regiões de alta vulnerabilidade. E
se diferencia por utilizar eventualmente
pessoas da própria comunidade, levando
essa cultura à população local. Em Belo
Horizonte também há um projeto nesse
sentido, mas são profissionais contratados pelo Estado trabalhando em áreas de
maior risco. Em Fortaleza esse tipo de
O trabalho de desconstrução do mediador guarda semelhança com o do
psicanalista?
Qual o perfil do bom mediador?
O que falta para a mediação ser mais
aplicada?
Adolfo Braga Nossa preocupação
é não termos ainda uma lei que regule
a atividade. Cada vez mais pessoas recorrem à mediação. Em outra vertente, a
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Adolfo Braga Somos sete professores. Mas, para desenvolver a prática, o
IMAB tem convênio com as faculdades
de Direito da USP e da PUC. Ao todo
são 15 mediadores conosco.
Qual a relação entre mediação e Estado?
Adolfo Braga No Judiciário, embora a intenção dos juízes seja desafogar o trabalho deles – não é essa a
nossa vertente –, cada vez mais se usa
a mediação. Geralmente um grupo de
mediadores auxilia o trabalho do juiz.
Por exemplo, fui contratado pela Fiesp
para capacitar conciliadores que realizariam trabalhos de conciliação e mediação para o Poder Judiciário, numa
das vertentes mantidas pela federação
das indústrias. Vem acontecendo em
todo o Brasil.
E quanto à efetividade da decisão? A
sentença de um juiz tem de ser cumprida. Que laços a mediação cria?
Adolfo Braga O mediador utiliza
técnicas de qualquer área, psicologia,
sociologia, direito ou comunicação –
faz um mix de tudo e utiliza como ferramenta de trabalho.
Adolfo Braga É fundamental treinamento e boa capacitação. E, sobretudo,
saber escutar e questionar os envolvidos. O que fazemos é propiciar a reflexão para as partes. Quando se utiliza
a figura do mediador, as perspectivas
de solução se ampliam. Por exemplo,
participei de uma mediação entre dois
sócios que, no final, comentaram assim:
“As perguntas foram muito provocativas, nos colocaram na parede”. Ou seja,
levaram a pensar e a repensar posturas.
O mediador deve saber manejar o conflito de modo a refletir com as partes,
pois, se ele fizer uma intervenção sem
saber onde está pisando, pode quebrar
todos os ovos e piorar a situação.
Quantas pessoas trabalham em sua
equipe?
ação está sendo conduzido pelo Ministério Público, estão implantando o que
chamam de Casa da Cidadania Ativa.
E que preparo têm essas pessoas?
Adolfo Braga São pessoas da própria
comunidade, muitas vezes sem nível universitário, mas que querem se desenvolver como mediadores. Os resultados são
bons. Temos a preocupação de estabelecer
um patamar mínimo para a capacitação.
Aprovamos recentemente o mínimo de
80 horas teóricas e 80 práticas. Mas normalmente fazemos 100 e 100. É possível
adotar esse mínimo em todo o Brasil, não
importando a diferença cultural.
Adolfo Braga A mediação pode ser
usada preventivamente antes da instauração de um processo. Durante uma
capacitação que fiz na Defensoria Pública do Estado do Pará, por exemplo,
tivemos um caso de DNA. Eles enfrentavam problemas com o alto custo do
exame. Discuti então a possibilidade de
implementar a mediação antes de o caso
ir para o tribunal. Ou seja, sentar com
o provável pai e com a ex-companheira
dele, conversar sobre o significado da
paternidade e, eventualmente, não levar
o exame adiante. O questionamento do
mediador pode ajudar o casal a refletir
sobre a relação de paternidade. E uma
das vertentes da mediação é exatamente
trabalhar a responsabilidade das pessoas. No caso do DNA, trabalhar com a
melhor solução não só para os dois,
mas para um menor que depende deles. Afinal, um documento probatório
de paternidade, sozinho, não produz
responsabilidade alguma. Falar em
construção de solução significa fazer
as partes assumirem a responsabilidade pela situação geradora do conflito.
Resultado: quando bem realizada, a
mediação se traduz em cumprimento
das responsabilidades assumidas pelos
envolvidos no conflito.
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Mediação: UMa volta às oRiGens