TRIBUNAL DO JÚRI: ALGUMAS REFLEXÕES E ANÁLISES PRÁTICAS: Teses de defesa e questões polêmicas sobre o novo questionário. Guilherme Madi Rezende1 A presente exposição visa a, a partir de algumas das alterações promovidas pela lei 11.689/2008, fazer uma reflexão sobre a escolha e abordagem da tese defensiva a ser desenvolvida no plenário do júri, bem como tratar de algumas questões polêmicas relacionadas ao questionário, com as novidades trazidas pela mencionada lei. Embora tantos outros pontos trazidos pela lei 11.689/2008 sejam importantes, para a presente exposição serão destacados apenas três: a) a possibilidade de realização do julgamento sem a presença do acusado; b) a alteração do questionário, em especial a inserção do chamado terceiro quesito, relativo à absolvição; c) a contagem dos votos. Há de se estabelecer, antes de tudo, uma premissa: o Tribunal do Júri está na nossa Constituição sob o título das garantias fundamentais e é, pois, sob esse enfoque - de garantia fundamental do indivíduo - que o tema deve ser compreendido. Além da competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, a Carta, ao reconhecer a instituição do Júri, garante – e devem ser vistas como garantias fundamentais do cidadão - a plenitude de defesa, o sigilo das votações e a soberania dos veredictos. a) a possibilidade de realização do julgamento sem a presença do acusado Plenitude de defesa é algo mais do que ampla defesa, também garantia constitucional. A ampla defesa se compõe de autodefesa e defesa técnica. A primeira, exercida pelo próprio acusado, a segunda, por defensor habilitado. Autodefesa, por sua vez, se subdivide em: direito de presença e direito de audiência. Direito de presença é o direito do acusado estar presente em todos os atos do seu processo, participando efetivamente da produção da prova. O acusado é sujeito de direitos e não objeto do processo. O direito de audiência se consubstancia no direito do acusado ser ouvido, o que se dá, em regra, no momento de seu interrogatório. O direito à plenitude de defesa compreende, pois, basicamente, o direito do acusado estar presente e ser ouvido. Não dar ao acusado o direito de estar presente e de ser ouvido implica em violação à garantia da autodefesa e, consequentemente, em violação à garantia fundamental prevista na Carta. Direito de estar presente, no entanto, não significa obrigação de estar presente. 1 Advogado, mestre em Direito Penal, diretor do IDDD. O acusado, assim, tem o direito de estar presente, mas não tem a obrigação de estar presente. O art. 457 do CPP, com a redação dada pela lei 11.689/08, traz a possibilidade de realização do julgamento sem a presença do réu em duas hipóteses: a) réu solto que, intimado, não comparecer; b) réu preso que, em conjunto com seu advogado, pedir dispensa do comparecimento. Note-se que até essa alteração não era possível a realização da sessão de julgamento sem o acusado. Agora é. Tal fato vem ao encontro da compreensão de que o acusado é sujeito de direitos e não objeto do processo. Segundo Aury Lopes Jr2. “Finalmente está consagrado o direito de não comparecer (...) O direito de não comparecer é uma decorrência lógica do direito de silêncio e do nemo tenetur se detegere, mas que infelizmente não vinha merecendo o devido respeito e tratamento. Indo além dessa conquista, estamos sustentando que o direito de não ir deve ser reconhecido, por analogia, em todo e qualquer ato processual ou pré-processual, não apenas no júri (...). É, a nosso ver, insustentável a dicotomia estabelecida pelo senso comum teórico, quando afirmam que o réu ou imputado tem o direito de silêncio, mas não o direito de não ir. Isso é uma contradição total e uma punição ilegítima.” Não raro, juízes do Tribunal do Júri - ainda sob o ranço dos tempos em que o acusado era objeto do processo e que sua ausência era vista como desrespeitosa ao juízo e, portanto, merecedora de pena por lesa majestade – entendem de decretar a prisão preventiva do acusado quando ele não comparece ao julgamento. Ora, se o direito de não comparecer está consagrado, nenhum gravame na situação processual do acusado pode decorrer do exercício desse direito. Segundo Guilherme de Souza Nucci3 “a Lei 11.689/2008 eliminou a possibilidade de ser determinada a prisão do acusado em razão de sua ausência no processo, seja para a intimação da decisão de pronúncia, seja a realização do julgamento em plenário. Portanto, consagrou-se o direito de audiência, ou seja, o réu deve ser intimado para comparecer em juízo e assistir a colheita da prova e também o seu julgamento de mérito, mas, se não o fizer, nenhuma medida coercitiva será tomada e ele arcará com a sua opção”. Claro que no Tribunal do Júri em que a decisão dos jurados é imotivada e fruto de uma convicção formada a partir de vários elementos, muitos deles não jurídicos, a ausência do acusado é muito prejudicial. Intuitivo que a ausência do acusado aumenta a disposição dos jurados para uma decisão desfavorável, seja pela percepção – nem sempre verdadeira – de que o acusado não dá o devido valor ao seu julgamento, seja pela ausência de sua palavra, seja pela própria desumanização do julgamento que se desenvolve em torno de uma cadeira vazia. Há situações, todavia, em que, tudo somado, a opção pelo não comparecimento acaba sendo, senão a única, a melhor. São exceções, mas não são tão raras. 2 3 Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, ed. Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2009, vol II, p. 286. Código de Processo Penal Comentado, ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2008, p. 779. Nesses casos caberá à defesa a adoção de estratégias capazes de minimizar o impacto negativo da ausência do acusado. Recentemente, diante de uma situação dessas, utilizamo-nos de um vídeo no qual o acusado, que estaria ausente no seu julgamento, gravou um depoimento explicando os fatos e as razões de sua ausência. Foi uma forma que encontramos para levar aos jurados a versão do próprio acusado, valorizando, assim, o direito de audiência, bem como mostrar a sua preocupação com o seu julgamento, além de tentar humaniza-lo, apontando para a sua imagem e não para a cadeira vazia sempre que uma referência a ele fosse feita, de modo a minimizar o impacto negativo de sua ausência perante os jurados. Tenho, aliás, sustentado a utilização de recursos áudio visuais como meios complementares à exposição da tese em plenário. A elaboração de croqui do local, a exemplificação da dinâmica dos fatos através de projeções em programas de computador podem também ser útil à exposição da tese em plenário. No mesmo caso acima referido, valemo-nos, ainda, de um outro vídeo com o depoimento de várias testemunhas (que não puderam ser ouvidas na instrução e nem em plenário, por diversas razões) falando sobre o acusado e sobre as circunstâncias do fato. Há de se frisar que essa estratégia é legítima e legalmente autorizada, desde que a parte contrária seja cientificada desses documentos no prazo estabelecido no art. 479 do CPP: antecedência mínima de 3 dias do julgamento. Se por um lado, como exposto acima, existe a possibilidade de julgamento sem a presença do acusado essa possibilidade depende da opção do acusado. Vale dizer, a hipótese de julgamento sem a presença do acusado só é válida quando a ausência é uma opção, assim manifestada pelo acusado solto ou, quando preso, expressamente por ele e por seu defensor. Se a ausência do acusado não decorre de uma opção sua, livremente manifestada, a realização do julgamento nessas condições viola o principio da plenitude de defesa, por infração ao princípio da autodefesa e, consequentemente, vicia o julgamento por desrespeito ao devido processo legal. Alguns juízes tem enxergado no disposto no art. 457 do CPP, desde 2008, a possibilidade de realizar o julgamento, sem a presença do acusado, nos casos em que ele está foragido. Como até 2008, como dito acima, essa possibilidade não existia, muitos casos em que, decretada a prisão cautelar do acusado, o mesmo não era encontrado, ficavam no chamado arquivo dos foragidos e agora estão sendo baixados e levados a julgamento. Essa prática que se pauta pela eficiência (ainda que ao custo de se sobrepor ao devido processo legal) tem encontrado amparo no Tribunal Paulista4, embora não seja certo que venha a encontra-lo nos Tribunais Superiores. Melhor será se, de fato, não encontrar. Se os Tribunais Superiores rechaçarem essa possibilidade, seja por falta de amparo legal porque o art. 457 faz referência a réu solto e réu preso, mas não a réu foragido, que não está em nenhuma das duas 4 A 9ª Câmara de Direito Criminal, no MS nº 990.09.140266-4, rel. Galvão Bruno, entendeu ser possível a realização do julgamento sem a presença do réu quando esse está foragido. categorias. Não se pode entender o texto legal de forma ampliativa incluindo-se na categoria de solto o acusado foragido. Mas, para além dessa discussão, ou complementarmente a ela, tem-se que o acusado foragido não pode, por motivos óbvios, fazer livremente a opção pelo seu não comparecimento. O acusado pode livremente abrir mão de exercer efetivamente o seu direito a autodefesa, mas não pode ser compelido a tanto. A realização do julgamento sem a presença do acusado, e sem que isso decorra de uma sua opção livremente manifestada, viola o seu direito a autodefesa e, consequentemente, como já dito linhas acima, ao devido processo legal. Segundo José Henrique Torres5 “cabe ao juiz, também, observar, de acordo com o item 3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que o acusado tem o ´direito de estar presente no julgamento´ o que exige aplicação do art. 457 do CPP, sob a ótica garantista, como direito do acusado, o que impede a instalação da sessão se o acusado não foi intimado pessoalmente da pronúncia, mesmo porque, na lógica sistêmica do processo penal, a primeira fase procedimental, nos termos do art. 366 do CPP, também não pode prosseguir se o réu tomou ciência da imputação de forma ficta, ou seja, por edital, salvo se constituir defensor.” Enfim, a questão está posta e os Tribunais Superiores serão chamados a se manifestar, mas, ao meu sentir, e sem descer a minúcias que não cabem no estreito espaço desse texto, a realização do júri sem a presença do acusado e sem a clara e livre manifestação de ser esse o seu desejo, viola, além da interpretação literal e estrita do art. 457 do CPP, o principio da plenitude de defesa, abrindo espaço a um sem número de condenações, muitas injustas, em nome de uma suposta eficiência do Poder Judiciário. b) a alteração do questionário: o quesito da absolvição A Lei 11.689/2008 também trouxe alterações no que toca ao questionário. A mais significativa diz com a formulação obrigatória de quesito redigido nos seguintes termos: “o jurado absolve o acusado?”. É o que se extrai da leitura do art. 483 do CPP. Esse quesito tem dupla natureza: serve tanto para que nele sejam condensadas as teses defensivas, como, por exemplo, a legítima defesa, sem que sejam necessários quesitos relativos a cada um dos elementos que a compõe, como se fazia anteriormente; como também serve para que o jurado possa absolver por qualquer razão, ainda que não jurídica, sustentada ou não pela defesa, como clemência, por exemplo. Sobre essa natureza do chamado terceiro quesito, vale a transcrição de trecho de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que bem a ilustra: “não se atrela o questionamento a esta ou aquela tese adrede debatida durante o julgamento da causa. É quesito obrigatório e ponto. Disso resulta, então, que quer se queira ou não, até por clemência, por piedade, por bondade ou algo semelhante, os Senhores Jurados estão aptos para o exercício da absolvição. Na atualidade, para os fins absolutórios, não se lhes exige, por conseqüência, qualquer vinculação temática com esta ou aquela proposição da defesa técnica resultante dos debates em Plenário de julgamento, como era feito no passado recente” 6. 5 6 O Júri Garantista, Boletim do IBCCrim nº 226, setembro de 2011, p. 8. HC 990.09.151563-9 da 7ª Câm. Criminal do TJSP. O reforço da possibilidade de absolvição sem a necessária vinculação com uma ou outra tese especificamente sustentada pela defesa acaba refletindo – ou podendo refletir - na própria forma com que a tese defensiva é exposta em plenário. Não se faz mais necessária a abordagem das teses com o mesmo rigorismo técnico anteriormente exigível. Na sistemática antiga de questionário, por exemplo, à defesa que sustentasse como tese a legítima defesa, incumbiria demonstrar cada um dos seus elementos, pois cada um deles seria objeto de quesito específico. O mesmo ocorria quanto ao estado de necessidade ou qualquer outra excludente. Na nova sistemática isso já não ocorre mais. Como o quesito a ser formulado é se o jurado absolve o réu, mais importante do que, no exemplo dado, a explicação técnica dos requisitos da legítima defesa é a demonstração de que o acusado agiu de modo legítimo, ainda que esteja ausente um ou outro requisito técnico. A demonstração de que não se poderia exigir do acusado outra conduta naquelas circunstâncias – a tese da inexigibilidade de conduta diversa que inicialmente tinha recebia alguma resistência7 e depois foi ganhando espaço – agora é perfeitamente cabível. Também é perfeitamente cabível agora a exposição de teses não jurídicas, como, por exemplo, o perdão, a desnecessidade da pena, etc. Todas estarão abarcadas pelo terceiro quesito. 7 A título de exemplo, o desembargador José Ruy Borges Pereira, em palestra inicial do curso avançado do Tribunal do Júri (IDDD – AASP) em 2007, afirmou entender não ser possível a quesitação da tese de inexigibilidade de conduta diversa, recusando-se a quesitar quando ainda era presidente do I Tribunal do Júri. Enfim, o novo questionário permite à defesa a abordagem de suas teses sem o rigorismo técnico anteriormente exigível, possibilitando a utilização de linguagem mais simples e, facilitando assim, a comunicação com o jurado, além de permitir, sem rodeios, a defesa de teses não jurídicas. Questão interessante, ainda sobre esse terceiro quesito, é trazida por Guilherme de Souza Nucci8 quando aborda o problema do excesso culposo nas excludentes. Diz: “é uma questão não abordada pela reforma introduzida pela Lei 11.589/2008, porém importante. Todas as excludentes de ilicitude comportam indagação acerca do excesso. Esse pode dar-se em quatro cenários: doloso, culposo, exculpante e acidental. O primeiro, se configurado, implica em condenação. Logo, quando for indagado se o jurado absolve o réu, basta dizer ´não´. Teria havido, em tese, o excesso doloso. Se os jurados consideram ter havido excesso, mas exculpante ou acidental, o correto é responder que o réu deve ser absolvido. Resta a questão referente ao excesso culposo. Os jurados negarão o quesito referente à absolvição (´o jurado absolve o réu´) porque acreditam ter havido excesso. Porém, tendo em vista tratar-se de excesso culposo, torna-se fundamental existir quesito específico sobre o tema. Deve ser incluído após o quesito referente à absolvição. Negada essa, pergunta-se se o excesso foi culposo. Caso a resposta seja afirmativa, o réu será condenado por crime culposo. Negada, será condenado por excesso doloso.” Decorre daí que, sempre que a tese defensiva for excludente de ilicitude, ainda que nada sobre excessos seja dito em plenário, caberá ao juiz, na hipótese dos jurados negarem a absolvição quando da resposta do terceiro quesito, formular quesito sobre o excesso culposo, possibilitando, assim, os jurados o acolhimento de tese que, embora não sustentada, pode beneficiar o acusado. 8 Ob. cit. p. 813. Outra conseqüência do novo modelo de questionário, ainda no tocante ao terceiro quesito, diz com o não cabimento de recurso da acusação, sob o argumento de que a decisão é manifestamente contrária à prova dos autos, quando a absolvição se dá com base nesse quesito. Já tive oportunidade de publicar no boletim do IBCCrim9 texto intitulado: “Júri: Decisão absolutória e recurso da acusação por manifesta contrariedade à prova dos autos – descabimento.” em que defendo essa posição. Abaixo reproduzo trechos do referido artigo: “Importa notar que a nova redação do artigo 483 do diploma processual alterou, num ponto específico, a sistemática das decisões dos jurados. Na sistemática antiga os jurados eram indagados apenas sobre matéria de fato. As respostas “sim” e “não” eram dadas à questões objetivas relacionadas aos fatos, tais como se o réu, no dia tal, em tal lugar, desferiu os tiros. Embora os jurados tivessem – como continuam tendo – liberdade para decidir como quisessem, já que suas decisões não eram – e continuam não sendo – motivadas, era possível – e nesse particular ainda é – aferir se a decisão dos jurados encontrava algum respaldo no conjunto probatório, mantendo-a ou não, nos exatos termos do que dispõe o artigo 593, inciso III, alínea “a” do Código de Processo Penal. No tocante aos quesitos de fato, nada mudou. Porém, como já dito linhas acima, a sistemática mudou. Já não são mais formulados quesitos apenas relativos aos fatos. 9 Júri: decisão absolutória e recurso da acusação por manifesta contrariedade à prova dos autos – descabimento. Boletim do IBCCrim nº 207, fevereiro de 2010, p. 14. Com efeito, o terceiro quesito não diz necessariamente com os fatos. Diz com a sensibilidade do jurado ao analisar o caso que lhe é apresentado. O jurado pode absolver por clemência, piedade, compaixão ou qualquer sentimento que lhe mova a tomar tal decisão. É livre para tanto. A diferença marcante aqui é que a decisão absolutória tirada por votação ao terceiro quesito, por não ser necessariamente um quesito de fato, não permite que se afira se a decisão tem amparo ou não na prova dos autos. Ao tornar obrigatória a formulação desse quesito – ainda quando a única tese defensiva seja a negativa de autoria, já reconhecida em quesito antecedente – o legislador garante ao jurado o direito de absolver por suas próprias razões, mesmo que elas não encontrem amparo na prova objetivamente produzida nos autos. Ora, nenhum sentido há em garantir ao jurado esse direito e depois cassar a decisão que dele decorra. Assim, a decisão dos jurados que, ao votarem o terceiro quesito, entendem por absolver o acusado não é passível de recurso da acusação com base no artigo 593, inciso, III, alínea “a” do Código de Processo Penal. Não há decisão absolutória calcada no terceiro quesito que seja manifestamente contrária à prova dos autos, já que ela não reflete a resposta a um quesito de fato, mas reflete a vontade livre dos jurados, vontade essa que foi, por expressa disposição de lei, desvinculada da prova dos autos. Nada há de teratológico nisso na medida em que a instituição do júri, insculpida na Constituição no capítulo destinado às garantias e direitos fundamentais, visa a ser uma instituição que se preste a garantir ainda mais o jus libertatis, cumprindo, destarte, sua função ao permitir que os jurados, como representantes da sociedade, de forma soberana decidam pela absolvição do acusado. Por tudo isso, não cabe recurso da acusação, com fundamento no artigo 593, inciso III, alínea “a” do Código de Processo Penal, quando a decisão absolutória dos jurados estiver calcada no terceiro quesito, isso é, quando os jurados, de forma livre, soberana e imotivada, responderem “sim” ao quesito ´o jurado absolve o acusado?´.” Outro ponto pertinente à mudança do questionário diz respeito à supressão de quesito relativo às agravantes e atenuantes. Diz o art. 492, I, alínea “b” que o juiz presidente proferirá a sentença levando em consideração, em caso de condenação, para a imposição da pena, as agravantes e atenuantes alegadas nos debates. Assim, agravantes e atenuantes são objeto dos debates, mas, nesse particular, voltados ao juiz-presidente e não aos jurados. O juiz assim, na sentença, deve fundamentar o acolhimento de agravantes e atenuantes respondendo aos argumentos lançados nos debates. Alguns autores, dentre eles Guilherme de Souza Nucci10, com razão, sustentam a inconstitucionalidade de se retirar dos jurados a competência para reconhecer ou afastar as agravantes e atenuantes. c) a contagem dos votos. A questão do sigilo. Quanto à contagem dos votos, tive a oportunidade de publicar no boletim do IBCCrim11 texto, que será abaixo reproduzido, em que sustento o equívoco do entendimento segundo o qual a contagem dos votos deve parar no quarto voto “sim” ou quarto voto “não”. A contagem de todos os votos é importante para a percepção do que foi o julgamento e de como foi a manifestação de vontade dos jurados. A decisão dos jurados tem também a função de comunicar o pensamento da sociedade em relação ao réu e ao fato. É intuitivo que uma condenação por sete a zero indica um maior grau de certeza sobre o julgamento. Assim como é intuitivo que um quatro a três indica uma boa dose de dúvida. Tudo isso é importante tanto para a maior ou menor aceitação do resultado do julgamento, quanto para análise de um eventual recurso a ser interposto. Também é importante para a percepção de possíveis contradições entre os votos. Enfim, por tudo isso, mas também porque, conforme se vê do texto abaixo reproduzido, a lei não manda parar a contagem no quarto voto, sustento a necessidade de sempre serem computados os sete votos. 10 Ob. cit. p. 814. O Sigilo do Voto: Interpretação do art. 483 do CPP com a redação dada pela lei 11.689/2008. boletim do IBCCrim nº 196, março de 2009, p. 8. 11 O texto intitulado “O Sigilo do Voto: Interpretação do art. 483 do CPP, com a redação dada pela Lei 11.689/2008”: “Os parágrafos 1º e 2º do art. 483 do CPP, com a redação dada pela lei 11.689/08, têm sido interpretados por parte da doutrina como inovação no sentido de que, agora, a contagem dos votos será interrompida quando forem computados, relativamente aos quesitos sobre a materialidade ou autoria dos fatos, quatro votos negativos ou afirmativos, não se prosseguindo a contagem até o sétimo voto. Sustenta-se que assim se estaria a dar efetividade à garantia constitucional concernente ao sigilo da votação. Guilherme de Souza Nucci compartilha desse entendimento. Assim interpreta o dispositivo legal em comento: “A reforma privilegiou o princípio constitucional do sigilo da votação no Tribunal do Júri, uma vez que faz cessar a divulgação do quorum total obtido pelos votos dados pelo Conselho de Sentença.. (...) A partir de agora, o juiz presidente deve apurar os votos até chegar à maioria, ou seja, até atingir o quarto voto “sim” ou “não”, válido para determinada questão.”12 Essa interpretação, sem embargo da autoridade de quem a faz, não parece ser a mais correta. Com efeito, embora tenha havido inovação na quesitação, não houve alteração quanto à forma de se apurar os votos. Vale dizer, os votos devem continuar sendo contados até o sétimo, extraindo-se daí o resultado: 6 a 1, 5 a 2, e assim por diante. Vejamos. 12 NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado, 8ª edição ver., atual. e ampli São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 817. Reza o art. 483 do CPP: “Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: I – a materialidade do fato; II – a autoria ou participação; III – se o acusado deve ser absolvido; IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. §1º A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica absolvição do acusado. § 2º Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado? §3º Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre: (...)” Os trechos que permitem a interpretação de que não se apura a totalidade dos votos estão sublinhados. Note-se, antes de mais nada, que o parágrafo 1º diz que a resposta negativa de mais de três jurados encerra a votação. Não diz que encerra a apuração. Votação e apuração são coisas distintas. Votação é ato pelo qual o jurado manifesta sua vontade, respondendo “sim” ou “não” aos quesitos formulados; apuração é ato pelo qual o juiz presidente, contando os votos, sabe e faz saber a vontade manifestada pelo Conselho de Sentença. A apuração deve seguir-se até o final, ou seja, até o sétimo voto relativo àquele quesito. Já a votação se encerra, vale dizer, restam prejudicados os demais quesitos. Ora, se os jurados, por maioria (e mais de 3 jurados significa apenas maioria), negaram a materialidade ou a autoria, não há que se prosseguir na votação, o réu estará absolvido. O termo “finda a votação” é empregado pelo CPP, em outras oportunidades, nesse sentido (por exemplo, art. 490 “Se pela resposta dada a um dos quesitos, o juiz verificar que ficam prejudicados os seguintes, assim o declarará, dando por finda a votação”). Por outro lado, se mais de 3 jurados, isso é, se a maioria, responder afirmativamente a esses quesitos, a votação prossegue com o terceiro quesito, que diz respeito a outras teses que tenham sido sustentadas pela defesa, que é formulado através da simples proposição: “o jurado absolve o acusado?”, e que deve ser respondido também de forma objetiva “sim” ou “não”, extraindo-se o resultado pela maioria dos votos. A principal inovação na quesitação reside exatamente na formulação desse terceiro quesito. E foi para explicar o seu alcance e cabimento é que foram redigidos os parágrafos 1º e 2º do art. 483. Com relação a esse terceiro quesito não há sequer o trecho que ensejaria a interpretação ora questionada. “Decidindo os jurados pela absolvição”, diz o texto, pressupondo o conhecimento da vontade dos jurados a partir da apuração de todos os votos, tal qual sempre foi. Nada há a indicar o contrário. Ora, nenhum sentido haveria em se apurar, nos dois primeiros quesitos, os votos somente até o quarto “sim” ou quarto “não”, e nos demais fazer a apuração até o final. O sistema de apuração deve ser o mesmo para todos os quesitos. Devem sempre ser computados todos os votos. Não há na apuração de todos os votos qualquer violação ao sigilo das votações. A Constituição sempre o previu e sempre se computou até o sétimo voto sem que se tivesse ferido tal princípio. E, nesse aspecto, a lei 11.689/08 em nada inovou. Anote-se, ainda, em reforço à tese de que não houve inovação na contagem dos votos, o fato de que a questão do sigilo está cuidada pelo CPP no art. 487, que determina: “Para assegurar o sigilo do voto, o oficial de justiça recolherá em urnas separadas as cédulas correspondentes aos votos e as não utilizadas.” Essa foi a providência adotada pelo legislador para garantir o sigilo do voto, e não a interrupção da contagem. Tanto é que o artigo subseqüente, 488, diz que “após a resposta, verificados os votos e as cédulas não utilizadas, o presidente determinará que o escrivão registre no termo a votação de cada quesito, bem como o resultado do julgamento”. Não há dúvida, portanto, de que a contagem dos votos deve ser feita até o final, ou seja, contam-se os sete votos, e de que essa contagem deve ficar registrada. A contagem total dos votos e o seu registro, ademais, é o que possibilita a plena aplicação do art. 490, que determina a submissão do quesito à nova votação quando houver contradição nas respostas. Ora, em muitos casos, a contradição estará evidenciada a partir da contagem da totalidade dos votos e a comparação dos resultados dos quesitos anteriores. Assim, seja pela literal interpretação dos parágrafos 1º e 2º do art. 483 do CPP, seja pela interpretação conjunta com os demais dispositivos, parece mais adequado o entendimento pelo qual não se interrompe a contagem dos votos a partir do quarto afirmativo ou negativo, mas sim, se contam todos os sete votos, registrando-se no termo essa contagem, tal qual sempre foi. A lei 11.689/08, embora tenha inovado em vários aspectos relativos à quesitação, não o fez nesse particular.” Enfim, esses foram os pontos que me pareceram importantes trazer ao debate nessa exposição sobre Tribunal do Júri: Algumas Reflexões e Análises Práticas.