Psicologias: Métodos, Técnicas e Práticas I Análise do Comportamento Profª: Eliana Isabel de Moraes Hamasaki São Paulo Março/2012 FAP (Functional Analytic Psychoterapy) Psicoterapia Analítica Funcional A FAP (Psicoterapia Analítica Funcional), proposta por Kohlenberg & Tsai (2001), é um tipo de processo terapêutico no qual as relações intensas entre Terapeuta e Cliente são determinantes para detectar comportamentos-problemas do cliente, assim como para promover a sua posterior mudança. A FAP tem por suporte teórico o Behaviorismo Radical de B. F. Skinner e deriva, portanto, de uma análise funcional skinneriana do ambiente psicoterapêutico convencional “... A FAP conduz o terapeuta a uma relação genuína, envolvente, sensível e cuidadosa com seu cliente e, ao mesmo tempo, apropria-se com vantagens das definições claras, lógicas e precisas do Behaviorismo Radical.” (Kohlenberg, & Tsai, 2001, p. 2) Para quem a FAP é indicada? A FAP é indicada para qualquer tipo de cliente, no entanto há alguns que merecem destaque: • Clientes que buscam relações terapêuticas intensas • Clientes que não obtiveram melhora adequada em terapias comportamentais convencionais • Clientes com problemas interpessoais difusos Princípios Filosóficos Básicos do Behaviorismo Radical • A proposta do Behaviorismo Radical enfatiza e se preocupa com o contexto porque, segundo esta filosofia, é o ambiente que evoca os comportamentos do indivíduo e não “estruturas internas” ou “entidades” mentais • Preocupa-se com as experiências privadas do indivíduo, ao contrário da proposta do Behaviorismo Metodológico (Watson), que só considerava os comportamentos que podem ser publicamente observáveis • Skinner faz objeções ao mentalismo e não a eventos privados (sentimentos, pensamentos...); pois, segundo ele, estímulos públicos e estímulos privados têm a mesma natureza, sendo o acesso a única coisa que os diferencia • A Análise Funcional do Comportamento consiste em descrever relações entre o comportamento e as variáveis das quais este é função • Pode-se chegar às variáveis ambientais que controlam o comportamento por meio do comportamento verbal do indivíduo (produto de sua história pessoal), desde que se possa compreender o significado do relato, bem como a sua funcionalidade No entanto, não se pode confiar somente no relato do indivíduo; pois, este depende das contingências reforçadoras para ser emitido e, portanto, é extremamente maleável. Devido a isto, o uso da FAP é de extrema importância para a compreensão do comportamento A FAP tem sua base na investigação de três conceitos fundamentais: • Reforçamento • Comportamentos Clinicamente Relevantes (CRBs) e • Generalização (numa situação típica de consultório) Reforçamento Definição Qualquer conseqüência que afete a resposta do indivíduo, aumentando sua força e/ou freqüência Na FAP, o Reforçamento deve ser natural e não arbitrário e deve seguir imediatamente o comportamento do cliente que se quer fortalecer Reforçamento Natural X Reforçamento Arbitrário 1. Quão ampla ou estreita é a classe de respostas? Ex.: estudar para a prova ou ler? 2. O Comportamento desejado existe no repertório da pessoa? 3. Quem proporciona o reforçamento é o primeiro beneficiado? 4. Para o comportamento que está sendo apresentado, o reforçador oferecido é típico e comumente presente no ambiente natural? CRBs - Comportamentos Clinicamente Relevantes Definição • CRB 1- ComportamentoComportamentos observáveis que ocorrem no relacionamento terapêutico, que incluem: comportamentosproblemas e comportamentos finais desejados problema que aparece na sessão terapêutica • CRB 2 - Comportamentos mais adequados que ocorrem na sessão • CRB 3 - Fala do cliente sobre seu próprio comportamento. O cliente consegue fazer Análise Funcional Generalização Definição Quando o indivíduo responde de um modo semelhante a diferentes contextos devido à presença de variáveis comuns entre eles Na FAP Acontece quando as melhoras ocorridas na sessão passam a acontecer na vida cotidiana do indivíduo (extraconsultório) As Cinco Regras do Terapeuta Sugestões para o comportamento do terapeuta • Regra 1 - Observar CRBs do Cliente Esta regra é extremamente importante para que o terapeuta possa reagir ao comportamento do cliente assim que este ocorra • Regra 2 - Evocar CRBs Esta regra depende da postura do terapeuta e de seu envolvimento com o cliente. Técnicas específicas que provoquem criatividade, a imaginação ou emoção do indivíduo também são evocadoras de CRBs (associação livre, lições de casa, exercícios de imaginação) • Regra 3 - Reforçar CRBs Consiste em reforçar naturalmente o comportamento-alvo do cliente assim que este ocorrer. O terapeuta não deve usar reforços arbitrários Abordagens Diretas: 1. Reforce uma classe ampla de respostas do cliente; 2. Compatibilize suas expectativas com os repertórios atuais dos clientes; 3. Amplifique seus sentimentos para torná-los mais salientes; 4. Esteja ciente de que seu relacionamento com o cliente existe para o benefício deste; 5. Se usar reforçadores atípicos, faça-o somente por tempo limitado, como forma de transição; 6. Evite a punição; 7. Seja você mesmo na medida do possível, considerando as restrições impostas pelo relacionamento terapêutico Abordagens Indiretas: 1. Ampliar a percepção do que reforçar; 2. Avalie seu impacto; 3. Pratique boas ações, que propiciem benefícios às pessoas em geral; 4. Selecione clientes apropriados à FAP Regra 4 - Observar os efeitos reforçadores do comportamento do terapeuta em relação aos CRBs do cliente • Esta regra não propõe a mudança de comportamento por parte do terapeuta, mas sim a observação que este deve fazer de seu próprio comportamento durante a sessão e das conseqüências que estes produzem no comportamento do cliente • Regra 5 - Fornecer interpretações de variáveis que afetam o comportamento do cliente Esta regra é muito importante para o autoconhecimento do cliente, pois à medida em que ele consegue discriminar as variáveis que controlam seu comportamento, mais facilmente ele poderá modificá-lo. No entanto, estas interpretações devem condizer realmente com o comportamento, pois caso contrário serão ineficazes ou até mesmo prejudiciais para o indivíduo PROCEDIMENTO CLÍNICO: 1- Procedimentos tradicionais da terapia comportamental; e mais 2- Procedimento da FAP (cf. Nascimento, Brandão, & Oliani, 1997), junto ao cliente: 2.1) Sinalizar a ocorrência do comportamento; 2.2) Analisar os aspectos da relação terapêutica que evocam estes comportamentos e as reações que provocam no terapeuta e no cliente (CRB 1); 2.3) Sugerir e modelar a compreensão e a generalização destas análises pelo cliente para outras situações que tenha vivenciado e outros aspectos da relação terapêutica (CRB 1); 2.4) Modelar diretamente na sessão, via reforçamento natural, os comportamentos do cliente que indicarem enfrentamento de situações aversivas e mudança apropriada no seu repertório comportamental (CRBs 2); 2.5) Reforçar análises funcionais realistas feitas pelo cliente, relativas aos seus CRBs e outros comportamentos do seu dia a dia ou da relação terapêutica (CRBs 3) ANÁLISE DOS RESULTADOS: Os resultados: a) Observados pelo terapeuta na própria sessão de psicoterapia (aumento na freqüência do CRBs 2 e CRBs 3 e diminuição ou modificação nos CRBs 1) b) Relatos do cliente sobre a generalização dos efeitos da psicoterapia para o dia a dia c) Observações informais do terapeuta sobre o comportamento do cliente fora da sessão, também são importantes Grande parte dos comportamentos-problema dos clientes constituem-se em esquiva de relações interpessoais consideradas aversivas. A relação terapêutica reproduz com freqüência estas situações. Considera-se que o resultado do processo terapêutico é positivo quando o cliente apresenta comportamentos de enfrentamento destas situações na sessão e uma habilidade maior em lidar com aspectos dos relacionamentos interpessoais que anteriormente provocaram esquiva SITUAÇÕES TERAPÊUTICAS QUE FREQÜENTEMENTE EVOCAM CRBs (Kohlenberg, & Tsai, 2001) • • • • • • • • • • • • • Estrutura de tempo Férias do terapeuta Encerramento do tratamento Taxas (Pagamentos) “Erros”ou comportamento não intencional do terapeuta Silêncios e lapsos na conversa Expressão de afeto Sentir-se bem; estar bem Feedback positivo ou expressões de cuidado do terapeuta Sentir-se próximo ao terapeuta Características do terapeuta Eventos não usuais (condições menos comuns) Sentimentos ou estados privados do terapeuta ESTUDO DE CASO: A RELAÇÃO TERAPÊUTICA ESTABELECENDO CRITÉRIOS PARA A NORMALIDADE Com o exemplo, pretende-se demonstrar como o terapeuta também pode fornecer critérios de normalidade para o cliente mudar a avaliação que faz de seus problemas O cliente tem 39 anos, médico, divorciado, um filho, não trabalha atualmente, usuário de drogas há dez anos. O cliente foi encaminhado pelo psiquiatra para a psicoterapia comportamental, por ter sido considerado doente mental por psicoterapeutas de outra abordagem, com diagnóstico de personalidade esquizóide e tratamento de seis anos, sem bons resultados. Na avaliação inicial, observou-se que este diagnóstico ajudava o cliente a justificar suas recaídas e a pretensão era que a psicoterapia o fizesse encarar suas dificuldades objetivas. Segue abaixo uma das sessões, durante a qual pretendeu-se levar o cliente a modificar seu referencial de análise do problema, empregando-se a FAP: C : Os meus psicoterapeutas anteriores tinham razão, eu sou doente, eu sinto minha instabilidade a cada momento e não posso fazer nada que me deixe cansado, ansioso ou tenso. São estes estados que me levam à droga. Tenho que evitar todas as situações e atividades que possam me cansar. Vou descansar mais esta semana. Tenho certeza de que é isto e acho que você está errada quando enfatiza minha “normalidade”. T:. Se eu te desse outra visão, estaria mentindo. Não é a primeira vez que você me diz isto. Mas eu sinto que você está me pressionando para concordar com a sua doença, mas eu não posso fazer isto porque não vejo você com outros problemas, além do da dependência química e suas conseqüências. Minha visão do teu problema te incomoda? C: Eu tenho certeza, não tenho dúvidas, que você está errada. Eu me sinto mal, tenho desrealização, despersonalização e sentimentos de inferioridade. Outras terapeutas já fizeram o meu diagnóstico. T: Mas, eu estou dizendo que discordo deles, não posso esconder isto de você. Penso que é verdade que você tem sentimentos ruins, principalmente de inferioridade ou de despersonalização. Só não acho que eles sejam decorrentes de doença mental. C: Você, que é “normal”, os tem? T: Tenho sentimentos de inferioridade quando estou em situação de desvantagem real, quando vejo que não consigo fazer aquilo que vai me fazer bem e, por outro lado, vejo que os outros conseguem. Você, no churrasco que foi na semana passada, teve essas sensações de inferioridade e despersonalização? C: Sim, e muita. T : Quem eram as pessoas que lá estavam? C: Amigos meus da faculdade, bem sucedidos, com carros novos, mulher e filhos. T : E você, comparado a eles? C : Vi que sou um nada. Não tenho dinheiro, nem documentos no bolso. Fiquei muito mal; queria beber e fui embora. T: Você concorda que seus sentimentos de inferioridade estavam apropriados para a situação? Eles eram ruins, mas eram decorrentes de uma situação real. C: É mesmo. Talvez tenha razão, mas eu estou me sentindo mal agora, totalmente desprotegido por ter percebido isto e admitido isso perante você. T: Por que admitir isto pra mim te faz mal? C: Não sei, mas estou me sentindo muito mal agora. T: O que está sentindo? C: Mal, desrealização, despersonalização... T: Descreva o que está sentindo. C : Uma sensação de que eu não sou “eu” ao te falar isto, que não estou vivendo isso. Estou ansioso, com medo, vontade de usar droga, medo de não conseguir sair disso. T : Eu entendo que admitir esse fato faça você sentir-se mal e estranho, mas é importante você aceitar esses sentimentos... (PAUSA) Entendendo tudo, você teria de responsabilizar-se por muita coisa. Mas, talvez possamos fazer propostas pequenas inicialmente, podemos caminhar passo a passo... CONCLUSÃO No exemplo pretendeu-se enfocar dois pontos: 1. A tentativa do terapeuta para aproveitar o “aqui agora” da sessão e colocar o comportamento do cliente sob o controle de novas contingências 2. Como a relação terapêutica pode constituir-se de uma oportunidade de mudança real dos critérios utilizados pelo cliente para observar e analisar seus problemas psicológicos e outros eventos comportamentais, no caso apresentado, mudar os critérios para autoanálise parece ser o CRB2 esperado pelo terapeuta O diálogo entre terapeuta e cliente sugere necessidade de discussão sobre o uso de punição na relação terapêutica, uma vez que confrontar implica bloquear esquivas e manter o contato com estimulação aversiva. A base para o sucesso desse procedimento pode ser uma relação terapêutica afetiva e a garantia de conseqüências positivas para o cliente a partir dessa confrontação Referência Kohlenberg, R.J.; & Tsai, M.(2001). FAP- Psicoterapia analítica funcional: criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André (SP): ESETec.