CRITÉRIOS DE DEMANDAS HÍDRICAS PARA A OUTORGA DE USO DA ÁGUA : SETOR SUCRO-ALCOOLEIRO Diogo Costa Buarque1; Valmir de Albuquerque Pedrosa2; Gustavo Silva de Carvalho3 & Cleuda Custódio Freire4 Resumo – A análise do pedido de outorga do direito de uso da água obriga ao órgão gestor dos recursos hídricos a conhecer tanto a oferta quanto a demanda pelos recursos hídricos na bacia em análise. Sabe-se que um importante consumidor de água é o setor agroindustrial sucro-alcooleiro, entretanto, há poucas e imprecisas informações que possam auxiliar ao órgão no momento da análise do referido pedido. Assim, prestando auxílio aos órgãos gestores dos recursos hídricos, este trabalho objetivou analisar o consumo de água do setor sucro-alcooleiro (tendo como estudo de caso o Estado de Alagoas) e sugerir valores de demandas hídricas para a produção de açúcar e álcool compatíveis com as técnicas modernas de produção e com a escassez hídrica do local em estudo. Os resultados apresentados mostram que em Alagoas há indústrias com excelentes índices de consumo, outras nem tanto, embora haja no setor um esforço continuado e efetivo para a diminuição da pressão ambiental sobre os rios. Abstract - In Brazil, one of the important costumer of water is the sugar cane industrial sector, however, does not have especial information on its values that can help in the process of the grant. Thus, searching to give subsidies to the state managing agency, this work analyzes the water consumption of the sugar cane sector of the Alagoas State and suggests values of water demands for the production of compatible sugar and alcohol with the modern techniques of production, and with the local water scarcity. Palavras-chave - Setor sucro-alcooleiro, demanda hídrica, outorga, Alagoas 1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, IPH/UFRGS; Av. Cauduro, nº 166, aptº 202, Bom Fim, CEP 90035-110, Porto Alegre-RS; (51)3268-8644 / 9972-5477; [email protected] 2 Professor do Departamento de Águas e Energia da Universidade Federal de Alagoas, DAE/UFAL; Campus A. C. Simões, Tabuleiro dos Martins, CEP 57072-970, Maceió-AL; (82)214-1273; [email protected] 3 Professor do Departamento de Águas e Energia da Universidade Federal de Alagoas, DAE/UFAL; Campus A. C. Simões, Tabuleiro dos Martins, CEP 57072-970, Maceió-AL; (82)214-1273; [email protected] 4 Professora do Departamento de Águas e Energia da Universidade Federal de Alagoas, DAE/UFAL; Campus A. C. Simões, Tabuleiro dos Martins, CEP 57072-970, Maceió-AL; (82)214-1273; [email protected] XV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1 APRESENTAÇÃO A aplicação dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos, em especial a outorga de direito de uso de água (doravante assinalada simplesmente de outorga), exige um conhecimento do consumo de água pelos diversos setores da sociedade. A carência dessas informações dificulta a análise dos pedidos de outorga em mananciais, sejam eles superficiais ou subterrâneos. Embora o setor sucro-alcooleiro seja um consumidor intensivo de água para a produção de açúcar e álcool, ainda não há suficientes informações disponibilizadas no meio técnico nacional sobre as variações de consumo de água nos parques agro-industriais da atividade. Assim, o objetivo principal deste trabalho foi o de agregar informações que facilitem ao órgão gestor dos recursos hídricos a análise dos pedidos de outorga, por meio de proposições de valores de demandas hídricas para a produção de açúcar e álcool, compatíveis com as técnicas modernas de produção e com a escassez hídrica do local da atividade. O SETOR SUCRO-ALCOOLEIRO A indústria sucro-alcooleira vem buscando novas tecnologias de produção devido à urgente necessidade de adequar seus processos produtivos às novas exigências ambientais e sociais, tendo como um dos principais problemas o seu excessivo uso de água. O sistema agroindustrial da cana-de-açúcar é de enorme importância para o Brasil. A cana-deaçúcar tem especial significado econômico para o país que, juntamente com a Índia, são os maiores produtores mundiais de cana-de-açúcar garantindo ambos 25% da produção mundial. Isoladamente o Brasil é o maior produtor de açúcar e de álcool e o maior exportador mundial de açúcar. No país são cultivados aproximadamente 4,5 milhões de hectares de cana em menos de 1% das terras agricultáveis, que produziram, na safra 2001/2002, aproximadamente 293 milhões de toneladas de cana, utilizadas como matéria-prima na produção de cerca de 19 milhões de toneladas de açúcar e um pouco mais de 11 bilhões de litros de álcool (WAACK & NEVES, 1998). O volume de exportação de açúcar cresceu sensivelmente na década de 90. As receitas em divisas estão variando entre US$ 1,5 bilhão e US$ 1,8 bilhão por ano, o que representa cerca de 3,5% do total das exportações brasileiras (FAPESP, 1999). A indústria da cana no Brasil mantém o maior sistema de produção de energia comercial da biomassa no mundo, por meio do etanol (substituindo cerca de 40% da gasolina) e do uso quase total do bagaço (equivalente a 11 milhões de toneladas de óleo) como combustível (MACEDO, 2002). Cada tonelada de cana tem potencial energético equivalente ao de 1,2 barril de petróleo. Trata-se de uma indústria auto-suficiente energeticamente, e com a busca crescente por novas XV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 2 tecnologias, frente às necessidades de modernização visando competitividade no mercado, vem se tornando cada vez mais eficiente, inclusive nas questões ambientais. Há cerca de 350 unidades industriais no Brasil, todas privadas, e aproximadamente 50 mil produtores independentes de cana-de-açúcar. Algumas unidades produtoras, usam intensiva e crescente tecnologia de ponta como a automação e a informática, tanto na agricultura como na indústria. A procura por diferenciação e produtos com maior valor agregados, nestas, é uma constante. Novos sistemas de administração e participação no mercado têm sido rapidamente incorporados. A geração de empregos também é um ponto forte do setor sucro-alcooleiro considerada como fator importante para a redução da migração no campo(FAPESP, 1999). Com grandes diferenças regionais, as características do emprego têm evoluído nos últimos dez anos e o Programa do Álcool vem contribuindo muito para reverter essa migração para as áreas urbanas e melhorar a qualidade de vida em muitas localidades. Estima-se que o setor seja responsável por cerca de 1 milhão de empregos diretos na área agrícola e outros 300 mil diretos e indiretos na área industrial. A importância da cana-de-açúcar para o nordeste brasileiro A produção sucro-alcooleira nacional está dividida em duas regiões, a Norte/Nordeste e a Centro/Sul. A Norte/Nordeste é responsável por quase 20% da produção de açúcar e álcool, concentrada nas atividades dos Estados de Pernambuco e Alagoas. As vantagens da N/NE são a localização para atender ao mercado local de açúcar e álcool e o acesso às cotas especiais de exportação, principalmente para o mercado norte-americano. O setor sucro-alcooleiro do Nordeste também possui significativa importância, seja pela geração de cerca de 350 mil empregos diretos, comumente fixados no interior, seja pelo ingresso de renda na economia local, aproximadamente dois bilhões de reais ao ano. Além disso, há a sedimentação de uma cultura “agribusiness”, que serve de sustentação para o setor e para os demais segmentos da economia local(XIMENES FILHO, 2000). No Nordeste há cerca de quatro vezes mais trabalhadores por unidade de produto que no Sudeste devido à terceirização, às diferenças regionais em mecanização/automação e à produtividade deste último. Indústrias de açúcar e álcool do Estado de Alagoas A economia alagoana ainda encontra-se apoiada fortemente no setor sucro-alcooleiro. Embora a queda de 33% na produção de açúcar e álcool, entre as safras 1997/1998 e 1999/2000, tenha afetado a economia do Estado, Alagoas foi, na safra 2001/2002, o segundo maior produtor de canade-açúcar e de açúcar, e terceiro maior produtor de álcool do país. XV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 3 No Estado de Alagoas o setor é responsável por cerca de 150 mil empregos diretos, também fixados no interior, e contribui com um ingresso de renda na economia local de aproximadamente novecentos milhões de reais ao ano. Apenas em ICMS pela produção de açúcar e de álcool, durante a safra 2001/2002, foi arrecadado cerca de 130 milhões de reais. Segundo o Boletim Geral de Produção do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool do Estado de Alagoas (SIAAA, 2001), na safra 2001/2002, do total de açúcar produzido no Estado, cerca de 70% foi destinado ao mercado externo. Em produção, as usinas alagoanas registraram, na mesma safra, 1.723.605,55 toneladas de açúcar e 570.124.000 litros de álcool, num total de aproximadamente 24 milhões de toneladas de cana colhidas e processadas, sendo 77,7% destinada à produção de açúcar e o restante à de álcool. O Estado conta atualmente com 26 indústrias do setor, das quais 18 são produtoras de açúcar e álcool, 5 produzem apenas açúcar e o restante são destilarias autônomas. As indústrias do setor sucro-alcooleiro alagoano encontram-se espalhadas pelo Estado, distribuídas em 7 regiões climáticas diferentes: Litoral Norte, Litoral Centro, Litoral Sul, Sul, Centro Sul, Centro Norte e Norte. Essas regiões foram divididas em função do seu relevo e do regime de chuva. A figura 1 ilustra esta distribuição. A OUTORGA DO DIREITO DE USO DA ÁGUA EM ALAGOAS Vários Estados, tendo em vista o fato de serem detentores de domínio sobre as águas e diante da instituição da Política Nacional de Recursos Hídricos pela Lei nº 9.433/97, aprovaram suas respectivas leis de organização administrativa para o setor de recursos hídricos, encontrando-se, alguns deles, em avançado estágio de regulamentação (MMA, 2002). No Estado Alagoas não foi diferente. Em 11 de novembro de 1997, o Estado assumiu um importante compromisso no que se refere ao setor de recursos hídricos, promulgando a Lei Estadual nº 5.965/97, a qual dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos e institui o Sistema Estadual de Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos. Embora o instrumento da outorga esteja previsto na Política Estadual de Recursos Hídricos, instituída no ano de 1997, apenas em 2001 é que foi iniciada a sua implementação nos mananciais de competência do Estado de Alagoas, através de sua regulamentação pelo Decreto nº 06, de 23 de janeiro de 2001. Após mudança de nome, o órgão gestor do sistema estadual de recursos hídricos é a Secretaria Executiva de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Naturais – SEMARHN. XV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 4 PERNAMBUCO MACIAPE TAQUARA PORTO ALEGRE SERRA GRANDE SANTA MARIA SERRANA 7 1 SÃO GONÇALO ALEGRIA CAMARAGIBE LAGINHA SÃO SIMEÃO PEIXE 6 BITITINGA SANTO ANTÔNIO CAPRICHO JOÃO DE DEUS CACHOEIRA URUBA OURICURI 5 STª CLOTILDE UTINGA LEÃO TERRA NOVA TRIUNFO 2 MACEIÓ SUMAUMA PORTO RICO CAETÉ LÂ NT IC O ROÇADINHO SERESTA EA N O AT SINIMBÚ O C ROTEIRO GUAXUMA MARITUBA CORURIPE 3 Obs.: SEM ESCALA CAMAÇARI LEGENDAS 4 REGIÕES CLIMÁTICAS USINA E/OU DESTILARIA DESATIVADA REGIÃO 1 - Litoral Norte USINA E/OU DESTILARIA PARADA TEMPORARIAMENTE REGIÃO 2 - Litoral Centro PINDORAMA R io RG IPE o o Fra nc isc Sã SE PAISA USINA DE AÇÚCAR E ÁLCOOL REGIÃO 3 - Litoral Sul REGIÃO 4 - Sul USINA DE AÇÚCAR REGIÃO 5 - Centro Sul DESTILARIA AUTÔNOMA REGIÃO 6 - Centro Norte LIMITE REGIONAL LIMITE ESTADUAL REGIÃO 7 - Norte Figura 1. Área Canavieira do Estado de Alagoas dividida em 7 Regiões Climáticas com 36 Unidades Sucro-Alcooleiras, sendo 26 ativas (Adaptado de TRINCAD, 2002). Dificuldades para implantação da outorga no Estado de Alagoas O Estado de Alagoas vem encontrando dificuldades na implantação de um dos Instrumentos de Gestão da sua Política de Recursos Hídricos, que é a outorga de direito de uso da água. Entre as dificuldades que o Estado vem enfrentando na implementação da outorga, destacam-se: XV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 5 a) a falta de informações necessárias sobre as águas superficiais e, principalmente, subterrâneas no que se refere à disponibilidade hídrica e demanda pelo seu uso nas suas diversas bacias hidrográficas; b) as limitações de infra-estrutura física (p.e. a inexistência de viaturas) impedindo maiores avanços nos estudos e busca das informações necessárias, bem como dificultando enormemente a fiscalização e controle dos usuários; c) a falta de divulgação, educação e disciplina, buscando conscientizar os usuários da importância desse instrumento como medida de gestão pelo uso racional da água. Essas dificuldades impõem tomadas de atitudes pelo órgão gestor do Estado na busca por sua estruturação e capacitação técnica, obtendo, assim, condições de aplicação da legislação e do poder de fiscalização de sua competência. Critérios de outorga para a produção de açúcar e álcool em Alagoas O órgão gestor do Estado de Alagoas não dispõe de suficientes estimativas de valores de demandas hídricas para a produção de açúcar e álcool dentro do Estado. Em virtude há uma grande dificuldade no estabelecimento de critérios de análise de outorgas para o setor sucro-alcooleiro, uma vez que não se tem como avaliar, com critério, o consumo das indústrias. Além de todas as dificuldades na implantação da outorga de uso da água em Alagoas, a complexidade das etapas de produção e da utilização da água em cada uma delas, tornar difícil a estimativa real do consumo médio para o setor. A NECESSIDADE HÍDRICA PARA A PRODUÇÃO DE AÇÚCAR E ÁLCOOL De uso essencial para a produção de açúcar e álcool, a água é empregada em diversas etapas do processo, como por exemplo: na lavagem da cana após a colheita, na embebição para extração do caldo, na geração de vapor, na lavagem dos filtros, nos condensadores, nas caldeiras, nas máquinas de resfriamento, nos cristalizadores e suas colunas barométricas, entre outros. O setor sucro-alcooleiro é considerado um consumidor intensivo de água, sendo classificado, de acordo com BERTELLI (2001), como hidro-intensivo. Seu consumo corresponde a mais de 40% da demanda de água utilizada pelas indústrias no Estado de São Paulo. O consumo do setor é bastante alto e variado em função das técnicas utilizadas, da forma como é realizada a colheita, da idade da fábrica, dos equipamentos utilizados e do sistema produtivo adotado. A lavagem da cana é uma das etapas do processo produtivo de açúcar e álcool que mais consome água. Esta é realizada em regiões onde a cana é cortada manualmente, o que faz com que XV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 6 areia, lama, entulhos e até mesmo pedras acompanhem a cana até a usina, criando problemas em diversas etapas de produção e chegando a danificar alguns equipamentos. Em virtude da lavagem, o consumo de água aumenta muito em comparação com regiões onde toda a colheita, ou pelo menos uma boa parte desta, é feita de forma mecânica na qual a cana é cortada e levada para transporte sem que haja contato com o solo e, conseqüentemente, carregando uma quantidade mínima de sujeira. Embora cada unidade industrial deva ser analisada separadamente no tocante ao uso da água em seus processos de produção, pode-se fornecer, apenas para se estabelecer uma referência, valores médios que comprovem seu potencial consumidor. Esses valores são referentes à necessidade hídrica, entendida aqui como o volume de água necessário para se processar uma tonelada de cana (m3/tc). A realidade mundial Alguns estudos analisam e estimam valores médios de consumo de água nas unidades industriais de produção de açúcar e álcool. Tais valores são extremamente variáveis de país para país, de região para região. O World Bank Group (2002) estima que o processo de fabricação de açúcar consome aproximadamente 20 m3 de água para cada tonelada de cana processada. A United Nations Industrial Development Organization (UNIDO, 2002) afirma que para cada quantidade Q de cana processada, é necessária uma quantidade de água para a produção de açúcar de aproximadamente 20Q, podendo este valor ser reduzido para 0,9Q, se todas as possibilidades de recirculação de água forem adotadas e para 1,3Q se for adotada apenas recirculação parcial. Admitindo-se esses valores, pode-se verificar, então, que o consumo mundial de água para a produção de açúcar varia entre 0,9 m3 e 20 m3 por tonelada de cana processada, com esses valores variando em função das técnicas utilizadas e, principalmente, da existência ou não de alguma forma de recirculaç ão da água. A realidade do centro/sul - O caso do Estado de São Paulo Segundo CTC-Copersucar (1997 apud MACEDO, 2002), uma análise com 36 usinas de açúcar e álcool do Estado de São Paulo, com 60 milhões de toneladas de cana processada, indicou uma média de 5 m3 de água captada por tonelada de cana processada, com valores brutos variando de 0,7 m3 a 20 m3. De acordo com esse mesmo estudo, ações restritivas, como a outorga e a cobrança pelo uso da água, estão motivando a implantação de um programa de redução da captação de água, baseado essencialmente na otimização de processos e reutilização interna da mesma. Com XV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 7 isso, acredita-se ser possível, em alguns anos, alcançar a meta de 1 m3 de água por tonelada de cana processada. A realidade do norte/nordeste - O caso do Estado de Alagoas As usinas de açúcar e álcool da Estado de Alagoas apresentam valores razoáveis de consumo de água quando comparadas com as usinas de grande porte da Região Centro/Sul, em especial, as grandes usinas paulistas. Comparação esta que deve ser realizada considerando-se apenas a necessidade hídrica, uma vez que esta só relaciona água e cana processada. Alguns valores de consumo da água do setor no Estado de Alagoas são mostrados na tabela 1. Esta tabela foi elaborada com informações obtidas na Cooperativa Regional dos Produtores de Açúcar e Álcool de Alagoas, com a GAMA Engenharia de Recursos Hídricos, com a DOMUS Engenharia e Arquitetura e em visitas a 10 parques industriais do Estado, dos quais sete são produtores de açúcar e álcool, uma1 produz apenas açúcar e duas produzem apenas álcool. Tais parques foram selecionados buscando obter melhor representatividade das regiões climáticas locais, uma vez que os processos produtivos diferenciam, basicamente, em função da existência ou não de recirculação de água. Também se buscou apresentar valores separados para três formas de utilização da água nas indústrias do setor: com recirculação total, com recirculação parcial e sem recirculação. XV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 8 Tabela 1. Consumo de água de algumas unidades industriais do setor sucroalcooleiro do Estado de Alagoas. INDÚSTRIA REGIÃO CLIMÁTICA PRODUTOS Reúso Demanda (m3/h) CANA MOÍDA (tc/dia) Demanda (m3/tc) Unidade A Litoral Sul U&D P 4.000 12.000 8,0 Unidade B Litoral Sul U&D T 2.400 10.000 5,8 Unidade C Litoral Centro U&D P 1.500 7.000 5,2 Unidade D Litoral Norte U&D P 1.200 9.000 3,2 Unidade E Centro Sul U&D T 300 10.000 0,7 Unidade F Litoral Centro U&D P 3.000 8.000 9,0 Unidade G Sul U&D P 2.900 6.000 11,6 Unidade H Centro Norte U P 1.300 7.200 4,3 Destilaria A Norte D P 2.800 5.500 12,2 Destilaria B Norte D I 1.680 4.000 10,1 T- Recirculação total da água P- Recirculação parcial da água I – Recirculação inexistente da água As técnicas de recirculação da água podem variar de indústria para indústria. Inclusive uma mesma forma de recirculação (total ou parcial) pode apresentar peculiaridades entre seus sistemas. Mas, basicamente, um sistema é dito sem recirculação quando a água é captada, usada, tratada e despejada novamente no rio. No sistema com recirculação, a água de alguns processos, como lavagem da cana e resfriamento, são recirculadas com prévio tratamento, não retornando aos corpos d’água. Já o sistema de recirculação parcial é um misto entre os sistemas sem recirculação e com recirculação total. A tabela 2 sugere valores médios da quantidade de água necessária para a produção de açúcar e álcool em função da existência ou não de algum tipo de reaproveitamento da água. Tais valores são baseados nos dados da tabela 1, nas técnicas de produção adotadas pelas usinas do Estado e na escassez hídrica local, a qual limita o uso da água e impõe a necessidade de técnicas de reutilização nas regiões que apresentam disponibilidade hídrica insuficiente para atender a demanda da usina. XV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 9 Tabela 2. Sugestão de valores médios da quantidade de água necessária para a produção de açúcar e álcool no Estado de Alagoas. Necessidade Indústria hídrica (m3/tc) Usina de açúcar e álcool Usina de açúcar Destilaria 4a7 4,5 10 a 12 O consumo de água na etapa de lavagem da cana é um dos mais importantes, senão o mais alto dentro do processo. A forma como a água é utilizada nesta etapa pode conduzir a maior ou menor consumo entre diferentes indústrias. Quando há circulação independente para a lavagem da cana, por exemplo, apenas a água das demais etapas é descartada (para irrigação, de volta para o corpo hídrico ou para ambos), de forma que a captação é feita apenas para suprir esses descartes e as eventuais perdas por evaporação, vazamentos e outras. Neste caso, a captação é bem menor do que quando há descarte, também, da água de lavagem. É importante deixar claro que os valores da tabela 2 sugerem apenas uma ordem de grandeza do consumo das indústrias de açúcar e álcool de Alagoas, não devendo ser entendidos como valores fixos e que devem ser atingidos a qualquer custo para obter a outorga para sua captação. A idéia é fazer com que o órgão gestor do Estado de Alagoas possa conduzir de forma mais harmônica os diversos pedidos de captação de água para as indústrias do setor sucro-alcooleiro alagoano. Numa solicitação de outorga, valores muito acima ou abaixo daqueles devem ser questionados e analisados com maior critério. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Poucos anos atrás o setor sucro-alcooleiro não computava a água utilizada nos processos produtivos em suas planilhas de custos ou de matérias primas, embora seja um consumidor intensivo desta. Não havia necessidade para tanto, uma vez que a água estava ali, disponível, sem custo nenhum pelo seu uso. Hoje, com a preocupação crescente da sociedade com o tema ambiental, com a implementação das legislações ambientais e de recursos hídricos, além das imposições de um mercado cada vez mais competitivo e exigente, a água passou a ter novo tratamento dentro das XV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 10 usinas. A busca pelo uso racional dos recursos hídricos é uma realidade que vem crescendo, sendo hoje reconhecimento o seu valor econômico. A materialização desse sentimento veio também, e virá, através da cobrança pelo uso dos recursos hídricos. A necessidade hídrica para a produção de açúcar e álcool, ou seja, a quantidade de água necessária para se processar uma tonelada de cana (m3/tc), proposta neste trabalho, se baseia no atual consumo das indústrias, nas tecnologias adotadas e na escassez hídrica do Estado de Alagoas. Seus valores vêm a suprir a carência de dados para uma análise mais segura e coerente dos pleitos de outorga, uma vez que fornecem uma indicação da ordem de grandeza dos volumes de água adequados. Diante desses valores, o órgão gestor do Estado poderá avaliar as condições de usos da água e rever os pedidos com volumes muito acima ou abaixo dos apresentados. As dificuldades para a adoção desses valores são muitas. Como a maioria das usinas utiliza praticamente toda a água que sai de suas unidades industriais na irrigação, daí aparenta surgir certa oposição à redução substancial no consumo industrial, possíveis com a adoção de recirculação total, utilização de novas tecnologias, entre outros. Tal redução é onerosa e exige esforços demasiados, sendo vista, muitas vezes, como desnecessária, uma vez que a quantidade de água utilizada na indústria, por si só, já não consegue suprir o volume solicitado pela irrigação. Neste caso, fica proposto para trabalhos futuros análises de suas formas de colheita e, principalmente, técnicas adotadas para a irrigação. É necessário também pesquisar a eficiência do uso da água e sua real interferência no consumo industrial. Ainda na indústria um detalhamento maior no que se refere ao consumo de água em cada etapa de produção, buscando identificar suas falhas e possíveis soluções, garantiriam sugestões de demandas hídricas mais precisas. Outra proposta de desenvolvimento futuro deste trabalho é a avaliação de uma possível relação entre consumo industrial e consumo agrícola para o setor. Seria uma forma de equacionar seus consumos na busca pela sua otimização, ou seja, definir qual a demanda ideal para cada um de forma que possa haver maior redução global do uso da água. Cabe salientar que na carta-convite CTHIDRO 01/2002 FINEP foi aprovada a pequisa intitulada “Inovação no Circuito de Água de Lavagem de Cana-de-açúcar”. A pesquisa trata-se de uma parceria da Universidade Federal de Alagoas com a S.A Usina Coruripe Açúcar e Álcool, localizada no município alagoano de Coruripe. O objetivo da pesquisa é buscar oportunidades de redução do consumo da água e eficienização no tratamento dos efluentes da indústria. O início dos trabalhos dar-se-á, conforme programação da FINEP, no mês de julho de 2003, e tem prazo de execução de 24 meses. A equipe que participará deste pesquisa é formada pelos seguintes profissionais: a) Profa. Ana Maria Queijeiro Lopez-Coordenadora (Departamento de Química-UFAL) XV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 11 b) Profa. Nélia Henriques Callado (Departamento de Construção Civil e Transporte-UFAL) c) Prof. Valmir de Albuquerque Pedrosa (Departamento de Águas e Energia-UFAL) d) Eng. Alex Gama de Santana (Diretor da Gama Engenharia de Recursos Hídricos Ltda e consultor da Usina Coruripe) AGRADECIMENTOS A realização deste trabalho dependeu do auxílio de várias pessoas e instituições. Os autores deixam expressos aqui seus mais sinceros votos de gratidão ao: a) Programa Especial de Treinamento(PET) do Curso de Engenharia Civil da Universidade Federal de Alagoas; b) Departamento de Águas e Energia do Centro de Tecnologia da UFAL; c) Técnicos da Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Naturais do Governo de Alagoas; d) Sr. Luiz Chaves Ximenes Filho, Assessor da Diretoria da Cooperativa Regional dos Produtores de Açúcar e Álcool de Alagoas; e) Sr. Alex Gama de Santana, Diretor Gerente da GAMA Engenharia de Recursos Hídricos Ltda. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERTELLI, L. G. et al. Ampliação da Oferta de Energia Através da Biomassa. Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, São Paulo, set. 2001. Disponível em: <www.fiesp.org.br/publica/documentos/ relatorio%20dma.pdf>. Acessado em: 16 fev 2003, 15:35:00. BUARQUE, D. C. et al. Situação Atual da Outorga de Uso da Água no Estado de Alagoas. In: II SEMINÁRIO TALLER INTERNACIONAL CYTED – XVII, 2002, Salvador/BA. Resumos. Salvador: Escola Politécnica da UFBA, 2002. CANAOESTE – ASSOCIAÇÃO DOS PLANTADORES DE CANA DO OESTE DO ESTADO DE SÃO PAULO. A Cana-de-açúcar no Brasil. São Paulo, 2002. Disponível em: <http://www.canaoeste.com.br/setor_cana.htm>. Acessado em: 28 dez. 2002, 23:15:00. CUNHA, M. S. da S. O Aproveitamento dos Recursos Hídricos como Alternativa a Sustentabilidade da Agroindústria Canavieira. Maceió, 2002. 55p. Monografia de Graduação em Ciências Econômicas – Centro de Estudos Superiores de Maceió, Fundação Educacional Jayme de Altavila. XV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 12 FAPESP – FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Genoma Cana: o Brasil na pesquisa de genoma de plantas. Notícias FAPESP n. 39. São Paulo, 1999. Edição jan/fev. Disponível em: <http://www.fapesp.br/genoma393.htm>. Acessado em: 28 nov. 2002, 22:00:00. HISTÓRIA PARA VESTIBULANDOS. História de Alagoas. 2002. Disponível <http://www.profricardao.hpg.ig.com.br/ciencia_e_educacao/8/index_int_4. em: html>. Acessado em: 26 dez. 2002, 00:05:00. MACEDO, I. C. Energia da Cana-de-açúcar no Brasil. Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2002. Disponível em: <http://www.udop.com.br/historico/materias/energia_cana_brasil.htm>. Acessado em: 28 nov. 2002, 22:40:00. MMA – MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Política Nacional de Recursos Hídricos Legislação Básica. Edição 2002. Brasília: Secretaria de Recursos Hídricos - MMA. p. 76. REVISTA MASTERCANA 2002. Ethanol Day: A Globalização do Álcool é uma Realidade. São Paulo. Hoje Edições. 2002. Anual. SIAAA – SINDICATO DA INDÚSTRIA DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL NO ESTADO DE ALAGOAS. Boletim Geral da Produção - Safra 2000/2001. Maceió, abr. 2001, v. final. SIAAA – SINDICATO DA INDÚSTRIA DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL NO ESTADO DE ALAGOAS. Boletim Geral da Produção - Safra 2001/2002. Maceió, mai. 2002, v. final. SIAAA – SINDICATO DA INDÚSTRIA DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL NO ESTADO DE ALAGOAS. Boletim Geral da Produção - Safra 2002/2003. Maceió, jan. 2003. TRINCAD Arquitetura e Computação Gráfica. Área Canavieira do Estado de Alagoas dividida em 07 Regiões Climáticas com 37 Unidades Sucro-Alcooleiras. Cooperativa Regional dos Produtores de Açúcar e Álcool de Alagoas. Alagoas, 2002. 1 mapa, color. Escala 1:400.000. UDOP – USINAS E DESTILARIAS DO OESTE PAULISTA. A história da Cana-de-açúcar – Da Antiguidade aos Dias Atuais. São Paulo, 2002. Disponível em: <http://www.udop.com.br/historico>. Acessado em: 24 dez. 2002, 23:30:00. UNICA – UNIÃO DA AGROINDUSTRIA CANAVIEIRA DE SÃO PAULO. Perguntas e Respostas: Açúcar e Álcool sem Mistérios. São Paulo, 2003. Disponível em: <http://www.unica.com.br/pages/perguntas_respostas.asp>. Acessado em: 10 fev. 2003, 22:45:30. UNIDO – UNITED NATIONS INDUSTRIAL DEVELOPMENT ORGANIZATION. Toward a Cleaner and more Profitable Sugar Industry. 2002. vol. 2. 37 p. XV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 13 USP – UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Cana-de-açúcar no Brasil. 2002. Disponível em <http://infoener.iee.usp.br/scripts/biomassa/br_cana.asp>. Acessado em: 17 ago. 2002, 18:30:00. VIEIRA, A. História da Cana-de-açúcar e Meio Ambiente. Centro de Estudos de História do Atlântico. 2002. Disponível em: <http://www.ceha-madeira.net/ecologia/eco4.html>. Acessado em: 28 dez. 2002, 23:00:00. WAACK, R. S., NEVES, M. F. Competitividade do Sistema Agroindustrial da Cana-de-açúcar. In: Elizabeth M. M. Q. Farina, Décio Zylbersztajn. Competitividade no Agribusiness Brasileiro. Versão Final. São Paulo, 1998, vol. 5, p. 1 - 185. WORLD BANK GROUP. Sugar Manufacturing. Draft Technical Background Document. Environment Department. Washington, jul. 1998. Disponível em: <http://wbln0018.worldbank.org/essd/essd.nsf/GlobalView/PPAH/$File/79_sugar.pdf>. Acessado em: 01 ago. 2002, 18:25:00. XIMENES FILHO, L. C. Grupo de Modernização e Racionalização da Agroindústria Canavieira Nordestina. Programa de Ação para o Desenvolvimento da Zona da Mata do Nordeste. Maceió, set. 2000. XV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 14