Notas de aula - Módulos sobre domínios principais
O texto abaixo tem como referência o livro:
Integral Matrices - Newman, M. - Academic Press, 1972.
Nestas notas D será um domínio principal. Dado 1 ≤ n ∈ N denotaremos o conjunto das matrizes,
n × n, com entradas em D por Mn (D) e por GLn (D) o das matrizes, n × n invertíveis, ie, das
matrizes U tais que det(U ) ∈ D∗ .
O primeiro resultado generaliza para n o fato de que todo ideal (D-submodulo de D) é gerado por
um elemento.
Lema 1: Se K é D-submódulo de Dn , 1 ≤ n ∈ N então K pode ser gerado por n elementos.
Prova: Por indução sobre n. Para n = 1 nada a fazer. Suponha n > 1. Seja π : Dn −→ D
a projeção dada π(x1 , · · · , xn ) = x1 . Aqui vamos denotar Dn−1 = {0} × Dn−1 ⊂ Dn . sabemos
que π(K) é ideal de D. Se π(K) = {0} temos que K ⊆ Dn−1 e a hipotese de indução encerra
a prova. Suponha que (d) = π(K) 6= {0} e seja v1 = (d, a2 , · · · , an ) ∈ K. Afirmamos que
K = Dv1 ⊕ (K ∩ Dn−1 ), de fato se v = (b1 , b2 , · · · , bn ) ∈ K então b1 ∈ (d) e b1 = dx. Logo se
escrevemos v = v − xv1 + xv1 vamos ter que v − xv1 = (0, c2 , · · · , cn ) ∈ K e por 0 6= d, tem-se
Dv1 ∩ (K ∩ Dn−1 ) = {0}. Agora utilizando tal afirmação e a hipotese de indução temos o resultado
2
n
n
Observe que dada
 definir
 o homomorfismo A : D −→ D definido
 a matriz
 A ∈ Mn (D) podemos
x1
x1
 x2 
 x2 




n



por: dado v = 
 .  ∈ D , A(v) = A.  .  (aqui estamos denotando os elementos de
 . 
 . 
xn
xn
Dn por vetor coluna). A imagem de A é gerado pelas colunas de A, assim a partir do lema 1
temos que todo submódulo K de Dn pode ser visto como a imagem do D-endomomorfismo, de
Dn , determinado pela matriz A cujas colunas geram K. A idéia é utilizar algo parecido com o
método de Gaus-Jordan para deixar a matriz A com muito zeros, se possivel diagonal. Para isto
definimos:
Definição 2: Dados A, B ∈ Mn (D) dizemos que B é equivalente a A (B ∼ A)se existem U, V ∈
GLn (D) tal que B = U AV .
Pode-se ver facilmente que tal relação é de equivalência e portanto daqui em diante vamos dizer,
simplesmente, que A e B são equivalentes.Uma operação elementar nas linhas ou colunas de A é
uma forma de obter matrizes equivalentes.
1
Definição 2: As operações elementares nas linhas de A (colunas de A) são:
a. A permutação de duas linhas (colunas) distintas de A.
b. A troca da linha Li (coluna Ck ) por L0i = Li − aLj , i 6= j (Ck0 = Ck − aCl , k 6= l) com a ∈ D.
c. Multiplicar uma linha (coluna) de A por u ∈ D∗ .
Toda operação elementar numa matriz A é na verdade a multiplicação de A a direita ou esquerda
por uma matriz elementar que definimos abaixo.
Definição 3: Uma matriz E ∈ Mn (D) é dita elementar se ela é obtida fazendo uma operação
elementar (linha ou coluna) na matriz identidade In .
Observe que se fizermos uma operação elementar de A e obtemos A0 , então det(A) (determinate
de A) e det(A0 ) são associados. Portanto toda matriz elementar E está em GLn (D). Um resultado
bastante simples a respeito de operação elementar em uma matriz A é o seguinte:
Lema 4: Se fizermos uma operação elementar nas linhas (colunas) de A e obtemos A0 , então
A0 = EA (A0 = AE), onde E é matriz elementar obtida fazendo a mesma operação elementar nas
linhas (colunas) de In .
Outro resultado importante na direção de simplificar uma matriz A ∈ Mn (D) é o seguinte:
Lema 5: Sejam D um domínio principal e (a1 , · · · , an ) ∈ Dn \ {(0, · · · , 0)} com n ≥ 2. Se
(d) = Da1 + · · · + Dan então existe A ∈ Mn (D) tal que det(A) = d e a 1a linha (a 1a coluna)de A
é (a1 · · · an ).
Prova: É claro que basta mostrar para 1a linha, pois tomando At temos o resultado para a 1a
coluna.A prova será feita por indução sobre n ≥ 2. Para n = 2 tome a, b ∈ D e seja
d tal que
a b
(d) = Da + Db. Logo tem-se que d = ax + by com x, y ∈ D, assim basta tomar A =
.
−y x
Suponha n > 2,se an = 0, a hipotese de indução resolve, logo podemos supor an 6= 0. Se para
todo i < n temos ai = 0, basta tomar A = (aij ) onde ai1 = 0 se i < n , a1n = an aij = δij se
i > 1 (δij é o delta de Kronecker). Suponha portanto que an 6= 0 e ai 6= 0 para algum i < n.Seja
(c) = Da1 + · · · + Dan−1 , Escreva para todo i, 1 ≤ i ≤ n − 1, ai = cãi . É claro que (d) = Dc + Dan ,
com d, c ∈ Ḋ.
Por hipotese de indução sabemos que existe B ∈ Mn−1 (D) tal que det(B) = c e que a 1a linha de
2
B é (a1 · · · an−1 ), ie,



B=


a1
b21
.
.
a2
b22
.
.
b(n−1)1
b(n−1)2
Por outro lado d = sc − ran com s, r ∈ D. Tome

a1
a2
 b21
b
22


.
.

A=
.
.

 b(n−1)1 b(n−1)2
rã1
rã2
...
an−1
...
b2(n−1)
...
.
...
.
... b(n−1)(n−1)






a matriz,n × n, A dada por:

...
an−1
an
...
b2(n−1)
0 

...
.
0 
.
...
.
0 

... b(n−1)(n−1) 0 
...
rãn−1
s
Assim det(A) = sdet(B) + (−1)n+1 an det(En−1 ), onde En−1 é a submatriz
linha e a última coluna. Agora observe que:
 

0 c 0
b21
b22
.
b2(n−1)
  0 0 c

.
.
.
.
 

= . . .
.
.
.
.
cEn−1 = c 
 

 b(n−1)1 b(n−2)2 . b(n−1)(n−1)   . . .
r 0 0
rã1
rã2
.
rãn−1
de A retirando-se a 1a

. 0
. 0 

. . 
 B.
. c 
. 0
Assim obtemos que:
cn−1 det(En−1 ) = (−1)n rcn−2 det(B) = (−1)n rcn−2 c = (−1)n rcn−1 ,
logo det(En−1 ) = (−1)n r, ou seja, det(A) = sc − ran . 2
Agora estamos em condições de enunciar e provar a seguinte proposição.
Proposição 6: Sejam D um domínio principal e 1 ≤ n ∈ N.
equivalente a matriz diagonal B ∈ Mn (D), onde

b1 0 0 . . . .
 0 b2 0 . . . .

 . 0 . . . . .

. . . bq . .
B=
 .
 0 . . . 0 0 .

 .
. . . . . .
0 0 0 . . . .
Se A ∈ Mn (D) é não nula então A é
0
0
.
.
0
.
0





,




com q ∈ N, 1 ≤ q ≤ n e b1 , b2 , · · · , bq ∈ Ḋ satisfazendo bi divide bi+1 em D qquer que seja
i, 1 ≤ i ≤ q − 1.
Prova:A prova será feita por indução em n. Evidentemente o resultado é verdadeiro para n = 1.
Antes de iniciar a prova vamos fazer algumas considerações muito simples de se verificar. Sejam
3


l1
 . 



M, L ∈ Mn (D), escreva M = [m1 , · · · , mn ] (L = 
 .  ),onde mj é j-ésima coluna de M (li é
 . 
ln
a i-ésima linha de L), observe que a j-ésima coluna de LM ( a i-ésima linha de LM ) é L.mj (é
li M ), assim o ideal gerado pelos elementos da j-ésima coluna de LM (ideal gerado pela i-ésima
linha de LM ) está contido no ideal gerado pela j-ésima coluna de M (está contido no ideal gerado
pela i-ésima linha de L).
Suponha n > 1.Iniciamos a prova afirmando que podemos supor a 1a coluna de A não nula, pois
se for nula permutamos a 1a coluna por uma coluna não nula fazendo o produto AE com E sendo
a matriz elementar correspondente. Escreva


a11 a12 . . . a1n
 a21 a22 . . . a2n 


 .
.
. . .
. 

,
A=
.
. . .
. 
 .

 .
.
. . .
. 
an1 an2 . . . ann
tome o ideal I = (d1 ) = Da11 + Da21 + · · ·P
+ Dan1 , logo P
0 6= d1 = x1 a11 + · · · + xn an1 e para todo
i, tem-se que ai1 = d1 a˜i1 e então d1 = d1 ( i xi a˜i1 ), ie, i Dxi = (1). Agora utilizando o lema 5
encontramos uma matriz U1 cuja 1a linha é (x1 · · · xn ) e com det(U1 ) = 1, logo U1 ∈ GLn (D). Se
tomamos U1 A vamos ter que:


d1 a12 . . . a1n
 a21 a22 . . . a2n 


 .
.
. . .
. 

,
U1 A = 
.
. . .
. 
 .

 .
.
. . .
. 
an1 an2 . . . ann
P
desde (d1 ) =
i Dai1 e pelo que observamos acima ai1 = d1 ȧi1 qquer que seja i ≥ 2, assim
utilizando sucessivamente a operação elementar b. encontramos uma matriz U2 ∈ GLn (D) tal que
U2 U1 A vamos ter que:


d1 ȧ12 . . . ȧ1n
 0 ȧ22 . . . ȧ2n 


 .
.
. . .
. 

 (∗).
U2 U1 A = 
.
. . .
. 
 .

 .
.
. . .
. 
0 ȧn2 . . . ȧnn
Agora tomando (d2 ) = Dd1 +Dȧ12 +· · ·+Dȧ1n e repetindo para a 1a linha deU2 U1 A o que fizemos
para a 1a coluna de A obtemos V1 ∈ GLn (D) tal que


d2 0 . . .
0
 ä21 . . . . ä2n 


 .
. . . .
. 

.
U2 U1 AV1 = 
. . . .
. 
 .

 .
. . . .
. 
än1 . . . . änn
4
Observe que d2 /d1 . Se ä21 , · · · , än1 são todos nulos já estamos quase prontos para usar a hipotese
de indução, se não são todos nulos, repetimos o processo anterior para obter d3 tal d3 /d2 e de novo
obtemos uma matriz C = U3 U2 U1 AV1 do tipo (∗) com d3 no lugar de d1 . Se os demais elementos
da 1a linha de C não são todos nulos repetimos o processo para a 1a linha e assim por diante.
Como D é principal, portanto fatorial, o número de divisores não associados de d1 é finito e portanto
depois de um número finito de vezes que repetirmos tal processo vamos chegar a uma matriz


b̃1 0 . . . 0
 0 b̃21 . . . b̃2n 


 .
.
. . .
. 
.
B̃ = 
 .
.
. . .
. 


 .
.
. . .
. 
0 b̃n1 . . . b̃nn
Suponha por hora que b̃1 divide b̃ij quaisquer que sejam i, j
que existem Ũ , Ṽ ∈ GLn−1 (D) tal que

b2 0 . .
 0 . . .

 . . . .

B2 = Ũ B̃1 Ṽ = 
 . . . bq
 . . . .

 . . . .
0 . . .
≥ 2. Sabemos, por hipótese de indução,
.
.
.
.
0
.
0
.
.
.
.
.
.
.
0
0
.
.
0
.
0





,




com b2 /b3 / · · · /bq . Chamando
b1 = b˜1 temos
divide b2 , pois b˜1 divide todas as entradas de
que b1 1 0
1 0
B̃ Agora tomando U =
eV =
vamos ter que U B̃V = B como queríamos.
0 Ũ
0 Ṽ
Agora se b̃1 não divide uma das entradas de B̃ somamos a coluna de tal entrada a 1a coluna de B̃
e começamos tudo de novo. Como já dissemos depois de um número finito de passos chegaremos
na situação descrita acima. 2
Observação 7: A partir dos comentários que fizemos no início da prova da proposição anterior
podemos concluir que se duas matrizes em Mn (D) são equivalentes então o ideal gerado pelas
entradas de uma é igual ao ideal gerado pelas entradas da outra, assim na proposição 6, b1 é o
gerador do ideal gerado pelas entradas de A (ou um mdc das entradas de A)
A primeira consequência da proposição anterior é o resultado que caracteriza os submódulos de
um D- módulo livre de posto n, com D sendo domínio principal.
Teorema 8: Sejam D um domínio principal, 1 ≤ n ∈ N e K um D-submódulo de Dn , então
K é livre de posto q ≤ n . Mais ainda, existe uma base livre α = {f1 , · · · , fn } de Dn e existem
{b1 , b2 , · · · , bq } ⊂ Ḋ satisfazendo bi /bi+1 , i = 1, · · · , q − 1 e de tal forma que α = {b1 f1 , · · · , bq fq }
é base livre de K.
Prova:Pelo lema 1, sabemos que K é gerado por n elementos, ou seja, K = Dv1 + Dv2 + · · · + Dvn
com v1 = (a11 , a21 , · · · , an1 ), v2 = (a12 , a22 , · · · , an2 ), · · · , vn = (a1n , a2n , , · · · , ann ). Portanto K
5
n
é a imagem
A : D
−→ 
Dn definido por:
 do homomorfismo

x1
x1
 x2 
 x2 




 ∈ Dn ,A(v) = A.  . , onde A é a matriz cujas colunas são v1 , · · · , vn . Pela
.
dado v = 




 . 
 . 
xn
xn
proposição 6 existem U, V ∈ GLn (D) tal que U AV = B com


b1 0 0 . . 0 . 0
 0 b2 0 . . . . 0 


 . 0 . . . . . . 


. . . bq . . . 
B=

 .
 0 . . . . 0 . 0 


 .
. . . . . . . 
0 . . . . 0 . 0
e 0 6= bi e bi / bi+1 , i = 1, · · · q − 1. Logo AV = U −1 B, assim a imagem do homomorfimo
AV : Dn −→ Dn é igual a K e portanto a imagem do homomorfismo U −1 B : Dn −→ Dn é K.Como
U −1 ∈ GLn (D) as colunas {f1 , · · · , fq , · · · fn } de U −1 é base livre de Dn e {b1 f1 , · · · , bq fq } é base
livre de K. 2
Definição 9: Sejam D um domínio e M um D- módulo. O submódulo de torção de M é definido
por: T (M ) = {m ∈ M ; ∃d ∈ D, d 6= 0 e dm = 0}
Observação 10: É muito simples verificar que, sendo D domínio, T (M ) é submódulo. No caso
de um anel geral R a torção de um R-módulo M é definida por:
T (M ) = {m ∈ M ; ∃r ∈ R, r regular e rm = 0}.
Teorema 11: Se D é um domínio principal e M é um D- módulo finitamente gerado, então existe
único m ∈ N tal que M é isomorfo a T (M ) × Dm . Mais ainda existem b1 , b2 , · · · , bq ∈ Ḋ com
D
D
D
bi /bi+1 e tal que T (M ) ' Db
× Db
× · · · × Db
.Tal m é chamado de posto de M .
1
2
q
Pn
n
Prova: Escreva M =
−→ M definido por:
i=1 Dmi e considere o homomorfismo ϕ : D
Pn
n
ϕ((a1 , · · · , an )) = i=1 ai mi .Seja K = Ker(ϕ), evidentemente ϕ é sobrejetora e assim M ' DK .
Mas pelo teorema 8, sabemos que existem α = {f1 , · · · , fq , · · · , fn } base livre de Dn ,
b1 , b2 , · · · , bq ∈ Ḋ com bi /bi+1 tal que α = {b1 f1 , · · · , bq fq } é base livre de K.
Defina o homomorfismo θ :
Dn
K
−→
D
Db1
×
D
Db2
× ··· ×
D
Dbq
× Dn−q da seguinte forma:
θ((a1 , · · · , aq , · · · an ) + K) = (a1 + Db1 , a2 + Db2 , · · · , aq + Dbq , aq+1 , · · · , an ).
Agora sabendo que α e α são bases livres de Dn e K respectivamente, fica muito simples de verificar
n
D
D
D
que θ é isomorfismo. Por outro lado M ' DK e portanto M ' Db
× Db
× · · · × Db
× Dn−q .
1
2
q
Também é simples de se verificar que se L, N são dois D-módulos e γ : L −→ N é isomorfismo
D
D
D
então γ(T (L)) = T (N ),ie, T (L)e T (N ) são isomorfos. Portanto T (M ) ' Db
× Db
× · · · × Db
1
2
q
6
e colocando m = n − q temos o que queríamos.Que m é unico vem do fato que ele é o número
máximo de elementos LI contidos em M .2
O próximo resultado é uma consequência imediata do teorema 11.
Corolário 12: Se (G, +) é grupo abeliano finitamente gerado, então existe único m ∈ N tal
que G é isomorfo a T (G) × Zm . Mais ainda existem b1 , b2 , · · · , bq ∈ Ż com bi /bi+1 e tal que
T (G) ' bZ1 × ZbZ2 × · · · × ZbZq .Tal m é chamado de posto de G.
Prova: Sabemos que G é um Z-módulo com a seguinte operação: dados g ∈ G e z ∈ Z,

z vezes se z > 0
 g + ··· + g
0
se z = 0
zg =

(−g) + · · · + (−g) −z vezes se z < 0
Portanto agora basta usar o teorema 11.2
Observação 13: Quando o domínio principal D é Euclideano podemos obter a proposição 6 só
utilizando as operações elementares nas linhas e/ou colunas, pois neste caso temos o algorítmo de
Euclides para calcular o mdc entre dois elementos e portanto tb podemos exibir explicitamente as
bases α e α dadas no teorema 8.
Exercício: Encontre explicitamente as bases α
gerado pelas colunas da matriz

3
A= 6
3
e α no seguinte caso: K ⊆ Z3 é o submódulo
−3
0
3

0
6 
6
A partir destas bases encontre explicitamente o posto e a torção do Z-módulo
7
Z3
K.
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