Vitamina: um nome centenário Percorro o hipermercado em passo de passeio. Os meus olhos observam, sem muito esforço, as prateleiras repletas de embalagens. Embalagens contendo os mais variados produtos alimentares. Desde os "ovos da Páscoa", da Páscoa que aí está a chegar, redentora, passando pelos vegetais embalados prontos a consumir sem lavagens prévias, pelas carnes já temperadas e prontas a cozinhar sem demora, aos enlatados representativos dos reinos vegetal e animal (e mineral se tivermos em conta a própria embalagem metálica). Caixas contendo cereais modelados nas formas mais engraçadas e imaginativas para alegrar os pequenos-almoços e lanches da pequenada, mas também para ajustar as silhuetas das beldades ao imaginário coletivo da beleza e formosura. Embalagens plásticas contendo aperitivos, guloseimas, pastilhas elásticas para esticar o tempo ou abreviar a espera. Ao longo das prateleiras variam os géneros mas todos estão regulamentarmente rotulados, com as datas de embalagem e de fim de presença na prateleira, a história codificada em linhas negras mais ou menos finas e justapostas, e literatura resumida sobre alguns compostos nutrientes inclusos. Muitas vezes, alguns destes ganham destaque na embalagem em frases capitais, com cores garridas a inspirar vitalidade e energia. De entre eles, as vitaminas aparecem muitas vezes em doses de riqueza generosa. iim ordem at>eceuana variável, letras substantivas aparecem capitalizadas e adjetivadas como vitaminas C, E, A, D, B, K. . . Se estão na embalagem é porque o conteúdo é bom para a saúde e não se pensa mais no assunto. Se não estão, a sobrancelha cética bolina o olhar até as encontrarmos numa embalagem vizinha. De facto, o nome "vitamina" ocupa hoje lugar cativo na primeira fila da maior parte dos rótulos dos diversos alimentos embalados. A indicação de que o alimento em causa possui determinadas vitamia confiança de nas, transmite-nos que ele possui, pelo menos uma substância, em dose adequada, que é benéfica e essencial para manter: mos ou repormos um determinado estado de saúde. Mas se isto é hoje uma constante dos menus rotulados, foi há cem anos que se estabeleceu uma relação causal entre estas substâncias e o estado de saúde. O instinto de sobrevivência cedo deve ter apresentado aos nossos antepassados hominídeos, mamíferos, e anteriores ancestrais, que alimentos diferentes causam efeitos diversificados sobre o estado de saúde e alguns são mais necessários do que outros para não ficarmos doentes, ou, muito pelo contrário, para ficarmos mais vistosos e cativantes para a seleção sexual. De facto, não ingerimos alimentos só para crescermos ou termos energia. Mas a razão da relação entre o estado de saúde ou de doença e a presença ou ausência de determinados alimentos na dieta manteve-se desconhecida ao saber humano durante milénios. Uma primeira relação entre uma doença, o escorbuto, e falta ou ausência de frutos, principalmente citrinos e vegetais na alimentação, foi repetidamente relatada nos diários das longas viagens marítimas. No século XVIII, a marinha britânica passou a incluir citrinos e vegetais frescos (que reabastecia a cada aportagem) nas rações dos seus marinheiros para evitar que adoecessem com escorbuto. Nos finais do século XIX, mais precisamente em 1897, o médico holandês Christiaan Eijkman (1858 - 1930) demonstrou uma relação causal entre ou- tra doença, o beribéri, e casca dos grãos de arroz. A descoberta de Eijkman foi acidental, como tantas vezes acontece em ciência, apesar de se ter deslocado até á Indonésia exatamente para estudar aquela doença, que provoca perturbações gravosas nos sistemas nervosos e cardiovasculares. Eijkman teve a perspicácia em relacionar sintomas detetados em alguns frangos usados no seu laboratório, aquando da alteração, temporária, da alimentação destes. Assim que a alimentação dos frangos doentes foi enriquecida com arroz integral estes melhoravam, e os sãos não adoeciam. Eijkman não identificou nenhum ingrediente responsável por esta relação causal, apesar de ter verificado que o mesmo efeito se verificava em humanos. Através da privação de frações e compostos isolados de determinados alimentos, na dieta de cobaias animais, os cientistas apertaram o cerco á natureza bioquímica do que evitava aquela e outras doenças. Em 1906, o bioquímico inglês Frederick Hopkins (1861 - 1947) sugeriu que os alimentos, para além de proteínas, hidratos de carbono, gorduras, minerais e água, deveriam conter aquilo que denominou por "fatores alimentares acessórios", cuja presença era necessária para manter o estado de saúde. Eijkman e Hopkins foram galardoados, em 1929, com o Prémio Nobel da Fiosiologia ou Medicina pelos seus trabalhos que conduziram outros à descoberta das vitaminas. A identificação bioquímica do "fator alimentar acessório" presente na casca do arroz chegaria mais tarde quando, em 1911, o bioquímico Casimir Funk (1884 1967), polaco de nascimento, descobriu que o fator responsável pelo não desenvolvimento da doença beribéri era uma substância que apresentava uma função amina. Isto é, uma molécula que possuía um grupo bioquímico funcional amina (-NH 2 ), composto por um átomo de azoto (N) e dois de hidrogénio (H), ligado a um outro determinado átomo de uma dada molécula presente na casca do arroz. Funk batizou em 1912, há cem anos, este composto por vitamina (a partir da palavra latina "vita" (vida) e do sufixo amina do grupo bioquímico). Ou seja, o "fator acessório alimentar" de Hopkins era uma amina vital ! Hoje sabemos que Funk descobriu a tiamima ou vitamina Bi. Em 1912, Hopkins a "hipótese e Funk postularam da deficiência vitamínica", propondo que a ausência, num dado sistema orgânico, de quantidades suficientes de uma certa vitamina, poderia levar de uma determinada ao desenvolvimento doença. O termo "vitamina" foi rapidamente generalizado a todos os "fatores alimentares acessórios". Hoje sabemos que a maior parte das vitaminas, entretanto identificadas, caracterizadas quimicamente e com respetivo mecanismo de ação bioquímico esclarecido, não possuem o grupo funcional amina na sua composição. Contudo, devido à generalização inicial do termo e por metonímica, ainda hoje nos referimos a essas substâncias por vitaminas.*