n. 234, 7 de janeiro de 2012. Ano V.
uma mordida de vida
Ela está presa. Ela está grávida. Ela vai ter um filho. Um filho que vai ser arrancado de sua presença depois de
nascer. Eles a levam a um hospital e a algemam durante o parto. Esta mulher, viva, em meio a contrações de seu
útero, em meio à dilatação de seus quadris, em meio à distensão de sua vagina, em meio à corja que sustenta a
continuidade das prisões, foi algemada sob a alegação de que mordeu a mão da carcereira que fazia sua escolta.
Viva. Ela mordeu, sim, a maldita carcereira. E isto é muito mais e muito menos do que uma discussão de direito. E
quem achar que uma mulher parindo tem de ser algemada, imobilizada, contida, que crie para si uma utopia tão
sórdida quanto a crença nas prisões: uma máquina do tempo para amarrar aquela que pariu. Ela mordeu, sim, a
carcereira, a carniceira. Viva.
uma luta...
Rio de Janeiro. Um garoto pobre sonhava ser lutador de jiu-jutsu. Sem dinheiro para pagar uma academia, entrou
para o crime. Roubou, traficou e foi preso. Na cadeia teve a oportunidade tão esperada: um conhecido campeão de
UFC, à frente de um projeto social, começara a treinar os detentos. Treinou, aprendeu e a pena diminuiu por bom
comportamento. Foi solto e fez concurso para a Secretaria de Segurança Pública. Virou agente penitenciário. Voltou
para a prisão e mantém, desde então, projeto parecido ao que lhe formou. Sua história, agora, virará filme nacional:
“um exemplo de superação”.
... é uma luta.
O ex-bandido, ex-detento, lutador e carcereiro diz que a prisão mudou sua vida. Mudou ou formou? Ele ajustou-se ao
que a prisão fez dele: delinquente ou provável cidadão. Ele é um exemplo para os que crêem – hipocritamente ou não
– na utopia ressocializadora da prisão. E na prisão, a disciplina do esporte – e das artes marciais em especial – serve
para ocupá-lo e incutir-lhe obediência. As artes do combate podem, ao contrário, cultivar corpo e mente para
sublevar-se, para escapar do cativeiro, para matar o patrão, ferir o polícia, alquebrar o feitor. Depende se a escolha é
viver ou sobreviver. Depende se quem luta é um guerreiro ou um soldado (autômato e subserviente). Uma luta não é
só uma luta.
um tanto de mesmice
Egito, Port Said: mais um jogo de futebol com as rivalidades históricas entre dois clubes, próprias da paixão pelo
futebol. Fim de partida: dezenas de mortos. Sobre as rixas entre torcidas pousa a sombra de armação dos militares
que se mantiveram no governo depois da queda do ditador, exigida pelos protestos democráticos na Praça Tahir.
Pelas mídias, a enxurrada de babacas declara que o Egito está sem segurança. Como falta segurança com governo
militar? Todos brasileiros sabem que sob uma ditatura militar não falta segurança a ela própria, aos seus protegidos e
armações contra seus inimigos. A distensão do regime tirânico em governo de junta militar, apenas acentua o mesmo
poder de força, estimulando matanças em nome de mais repressão. A Praça Tahir não pode se acalmar!
idem
Salvador, Brasil: greve da polícia. A imprensa noticia aumento de homicídios, shows suspensos, alguns saques, o
pavor dos comerciantes, o terror inerente dos turistas. Greve de polícia é para aumentar a segurança com mais
repressão ostensiva. Enquanto isso, deixando de lado as circunstâncias que levam a homicídios, a população das
classes mais baixas, que produz presos, soldados e polícias, perde, mais uma vez, a chance de encontrar uma
atitude que escancare que são os donos da propriedade, do Estado com suas ongs, institutos, fundações, secretarias
e ministérios quem precisam de polícia, soldados e mais segurança. De volta à vala comum: tudo fica restrito a mais
salários e benefícios. Esta é a condição cômoda dos assujeitados.
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flecheira libertária 234