Liberdade como autonomia de escolha É necessário, além disso, precisar, contra o senso comum, que a fórmula “ser livre” não significa “obter aquilo que se quer”, mas “se determinar a querer (no sentido largo de escolher) por si mesmo”. Dito de outro modo, o sucesso não importa em nada para a liberdade. A discussão que opõe o senso comum aos filósofos vem do seguinte mal-entendido: o conceito empírico e popular de “liberdade”, produto de circunstâncias históricas, políticas e morais, equivale à “faculdade de obter os fins escolhidos”. O conceito técnico e filosófico de liberdade, o único que consideramos aqui, significa apenas: autonomia de escolha. É necessário, porém, notar que a escolha, sendo idêntica ao fazer, supõe, para se distinguir do sonho e do desejo, um começo de realização. Assim, não diremos que um prisioneiro está sempre livre para sair da prisão, o que seria um absurdo, nem também que ele é sempre livre para desejar o relaxamento de sua prisão, o que seria uma obviedade ridícula, mas que ele é sempre livre para procurar evadir-se da prisão (para fazer-se liberto) – isto é, não importa qual seja sua condição, ele pode projetar sua evasão e aprender por ele mesmo o valor de seu projeto pelo início de uma ação. Nossa descrição da liberdade, não distinguindo entre o escolher e o fazer, obriga-nos a renunciar de chofre à distinção entre intenção e ato. Não mais se saberia como separar a intenção do ato, tanto quanto o pensamento da linguagem que o exprime e, como ocorre que nossa fala nos ensine nosso pensamento, nossos atos nos ensinam sobre nossas intenções, isto é, permitem-nos decantá-las, esquematizá-las, fazer delas objetos em vez de nos limitar a vivê-las, ter delas uma consciência não tética. Essa distinção essencial entre a liberdade de escolha e a liberdade de obter foi certamente vista por Descartes, por meio do estoicismo. Ela põe em termo todas as discussões sobre o “querer” e o “poder” que opõem ainda hoje os partidários e os adversários da liberdade. Jean-Paul Sartre. O ser e o nada. 1943