O Lirismo de Brasília por Vicente de Mello Beatriz Lemos As primeiras fotografias que vi ao iniciar a curadoria desta exposição datam de 1979. Vicente com 12 anos posava ao lado de marcos arquitetônicos da então cidade recém-construída. Brasília, ainda com seus poucos anos de vida, já possuía a rota de cartões postais instaurados como marcos universais do modernismo. O fotógrafo da viagem era seu pai e a família repetia o gesto comum de quando se está em condição de turista: o registro que funciona como prova para a memória de que “sim, eu estive lá”. Brasília possui um amplo e exaustivo arquivo de si mesma. Como cidade inventada, foi através da fotografia que passou a existir muito antes de sua construção. O sonho de um país moderno se materializava nos terrenos vazios, nas máquinas de obras, no cansaço e rotina de trabalhadores da construção civil, no entusiasmo nacional transmutado em êxodo, na busca de uma nova esperança de futuro. Fotógrafos do mundo inteiro firmaram, como obra, ângulos especiais e certeiros que serviram como propaganda política de uma utopia governamental, mas que desenharam um imaginário coletivo e imagético de uma cidade. Neste sentido, Utopia lírica decorre de uma questão crucial presente no cerne de estudos dos processos para formação de identidades nacionais na contemporaneidade, onde a produção de imagens e seu esgotamento possuem papel fundamental. É possível reverter estereótipos resignificando símbolos identitários? Ou ainda: é possível o encontro de novos olhares para lugares-símbolos tão retratados? Vicente de Mello afirma nesta mostra sua intimidade com Brasília ao sugerir uma tradução da cidade para outro idioma. Como observador atento, trava uma relação de troca com o lugar, que lhe concede novos caminhos para sua fotografia. Utopia lírica nasce como projeto de publicação e, assim, a exposição é desenhada, como um livro aberto, numerada e dividida por páginas imaginárias. Um intento de apreensão em caráter de documento – ou mesmo arquivo – da atemporalidade contida em utopias.