DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES LICENCIATURA EM LETRAS COM A LÍNGUA INGLESA LITERATURA PORTUGUESA II PROFESSOR: IDMAR BOAVENTURA JOÃO BOSCO DA SILVA ([email protected]) UMA UTOPIA EM PESSOA FEIRA DE SANTANA – BAHIA 2008 1 Fernando Pessoa tem como tema principal o conhecimento em suas diversas formas, desde a ciência, a arte e o mito, confrontando a tecnologia com os ensinamentos da doutrina secreta. Percebem-se antagonismos de uma forma geral, desde o clássico ao moderno; o urbano e o rural etc. Portanto, pode-se dizer que ele é um intelectual da Cultura, como uma teia da civilização nas teias do simbólico. Os filósofos concordam que é a língua que nos domina, e para Wartburg, quando a criança fala, está conhecendo o espírito coletivo da língua, que modela o indivíduo. Fernando Pessoa teve essa capacidade de criar outra humanidade, a partir dos “olhos” de Alberto Caeiro, habitando no seu consciente poético um guardador de rebanhos e Mestre, registrando seus sentimentos e verdades nos seus escritos na arca. Esse mesmo sentimento de modernidade fez com que Heidegger identificasse a linguagem como morada do ser. O problema era, então, dar a voz a um sábio que vai unir o homem à natureza, através da negação da língua num culto do silêncio. “(...) as flores sorriem (...) os rios cantam (...) um intérprete da natureza, porque há homens que não percebem a sua linguagem, por ela não ser linguagem nenhuma”. (OP. 220) Caeiro nos impõe contradições em relação ao sábio, à linguagem e à fala. Bernardo Soares conclui que Pessoa vai muito além da proposta heideggeriana da linguagem como “morada do ser”, pois o ser é aquele personagem de ficção e que habita no texto. A linguagem funda o não-ser, sendo essa a realidade primeira no universo de Pessoa, que se coloca em Mestre como uma aparição de um fogo soprado numa floresta densa, negando a cultura e o simbólico, quebrando o mundo encantado de Pessoa. Como criação da cultura, o homem é resultado da sua experiência, sentimentos e desejos; já o animal nem precisa pensar para construir, pois já acha tudo pronto no mundo. Rejeitando os sentidos simbólicos, Caeiro traça o espaço entre os cinco sentidos do homem, e pelo que faz às vezes pelos outros, fazendo um limite entre a presença e o olhar, ampliando seu espaço por ter a condição animal criador encontrando vozes e sentidos na ausência, tendo na alma a condição de existência completa e devidamente vestida de cultura. A arte é uma forma de interpretar a natureza ou de representá-la e a música dá aos ouvidos o som dos rios, das árvores, numa perfeita imitação, exigindo que os ouvidos ouçam o inaudível, saindo do mundo objetivo para o subjetivo, pois a cultura é a construção de natureza subjetiva. Fernando Pessoa evoca a relação entre o poeta e a cultura e ressalta a importância do simbólico, transcendendo os elementos interiores e exteriores elaborados pela inteligência individual humana, numa experiência compartilhada na sociedade para aproximação da experiência na sua elaboração simbólica, contrastando Caeiro. O que ouve e vê melhor é e inteligência, quanto mais ampla e informada ela o for. Caeiro olha para o objeto e não o animal que o contempla, ignorando as relações entre ambos, com o seu objetivismo, como ocorre na visão de todo poeta em relação ao mundo. O que Pessoa quer com seu Mestre é retornar à natureza, recuperando o olhar perdido pela cultura, devolvendo os sentidos e percepção imediata, rompendo com os vínculos com a cultura produtora do homem, unindo-o à natureza e suas outras espécies, já que os nossos sentimentos são os gerados pela própria cultura, nas sensações históricas que a experiência nos reservou. O universo simbólico se transforma no “Guardador de rebanhos” um novo universo no seu estado natural sem a intervenção do homem. Pessoa contradiz a Caeiro em que o universo é apenas uma palavra num verso, que voa e ressoa. A visão de Pessoa tem influência de Nietzche, com ressalvas sobre as divergências das visões entre o mundo clássico e a arte grega. A sua formação foi 2 caracterizada pelo gosto de leitura de obras filosóficas, científicas e literárias, especialmente quando deixou o Curso de Letras e em 1912, na figura de Ricardo Reis passa a abordar tema como o paganismo e o espírito clássico, procurando ser apenas um poeta na natureza. Pessoa cria o heterônimo e vai dialogar com as suas contradições, influenciado por outros escritores, repetindo que, quanto maior a emoção terá de ser a razão e quanto melhor for a sensibilidade, maior deverá ser a inteligência e a reconstrução, impondo o traço e negando a expressão do “eu” lírico e as sinceridade, como ponto de partida e tornando menos importante a relação entre o épico e a moderna ficção, que são posto em crise. Portanto, a poesia de Alberto Caeiro é uma linguagem sobre uma linguagem, tentando captar o que não é possível dizer no universo poético através dos símbolos, criticando os fundamentos da cultura, que vão até os estudiosos de filosofia, que observam a presença filosófica da poética da obra de Pessoa. A metalinguagem é a linguagem utilizada para descrever outra linguagem ou qualquer sistema de significação, como um discurso acerca de uma língua, como as definições dos dicionários, as regras gramaticais etc. E existência de Caeiro é real e sua obra é viva. As suas poesias ultrapassam gerações, numa linguagem que mostra o que a alma pode ver além de palavras escritas, mediante a plenitude das coisas, que existem além de nós mesmos. Ver o outro ser ou o outro o mundo na natureza apreendida sem determinismo é a proposta poética apresentada na obra de forma natural, na qual as raízes, mesmo escondidas, crescem a mostram seus frutos como a vida na poesia apreendendo a natureza. REFERÊNCIA: FONSECA, Aleilton & PEREIRA, Rubens Alves (orgs.). Rotas & Imagens: literaturas e outras viagens. Feira de Santana-Ba: UEFS / Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural, 2000, v. único, p93 - 112.