Leituras jovens do mundo, escritores eXtremos:
a Jornada Nacional de Passo Fundo
Miguel Rettenmaier1 (UPF)
Tania Rösing2 (UPF)
Resumo:
Passo Fundo é a sede de um dos maiores encontros culturais e literários da
América Latina, a Jornada Nacional de Literatura, idealizada há mais de
três décadas pela professora da Universidade de Passo Fundo, Tania Rösing.
Em 2013, a Jornada de Literatura teve como tema “Leituras Jovens do
Mundo”, o que envolveu tanto o público jovem e suas formas de expressão,
em grande e importante parte baseadas nas interfaces digitais, quanto
escritores igualmente jovens, usuários também das plataformas digitais das
TIC. Este trabalho pretende refletir sobre a expressão literária em meio
digital de alguns dos autores presentes na 15ª Jornada, usando como base
teórica críticos e pesquisadores também presentes em Passo Fundo em
agosto de 2013, dentre eles Massimo Canevacci.
Palavras-chave: Leitura, literatura, tecnologia.
Abstract:
Passo Fundo is home to one of the greatest cultural and literary events in
Latin America, called Jornada Nacional de Literatura, created over three
decades ago by Tania Rösing, of the Universidade de Passo Fundo. In 2013,
the Jornada Nacional de Literatura had the theme “Young readings of the
world”, which involved both young audiences and their forms of expression,
a large and important part based on digital interfaces, as also young
writers, also users of digital platforms. This paper aims to reflect on the
literary expression in digital media of some of the present authors at 15th
Jornada, using the theories of Canevacci, also present at the event.
Palavras-chave: Reading, literature, technology
A Jornada Literária de Passo Fundo foi um dos primeiros eventos brasileiros
voltados à formação do leitor que buscaram discutir a presença de um novo
elemento associado à cultura e à literatura: as tecnologias. Em 2001, como pode
ver-se no cartaz da 9ª Jornada Nacional de Literatura, a temática do encontro
versava sobre a galáxia de Gutenberg, invadida por dois impactantes elementos:
1
Miguel RETTENMAIER, Prof. Dr.
Universidade de Passo Fundo (UPF) – Programa de Pós-graduação em Letras – E-mail: [email protected]
2
Tania RÖSING, Prof. Dr.
Universidade de Passo Fundo (UPF) – Programa de Pós-graduação em Letras – E-mail: [email protected]
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um novo sujeito, um leitor que crescia em uma nova circunstância social, cultural e
informacional, e um novo suporte de leitura, ainda em seus primeiros passos, no
que ainda se prometia como consolidado uma década depois, o e-book, o nosso
tablet e iPad de hoje.
Figura 1: Cartaz da 9ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, 2001.
Fonte: Abnel Lima Filho
Outras Jornadas, mais recentemente trataram da tecnologia e suas relações
com a leitura. Em 2009, a temática foi “Arte e tecnologia: novas interfaces”. O
jogo entre livro e robótica, no cartaz, ilustrava, aludia ao contato entre as mídias e
as mútuas transformações.
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Figura 2: Cartaz da 13ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, 2009.
Fonte: Abnel Lima Filho
Em 2011, com a temática “Leitura entre nós: redes, linguagens e mídias”, a
palavra “nós” aludia tanto a conexão da informática globalizada quanto ao
indicativo de toda uma comunidade voltada à formação dos leitores nos 30 anos de
história das Jornadas de Passo Fundo.
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Figura 3: Cartaz da 14ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, 2011.
Fonte: Abnel Lima Filho
Tal recorrência assumia o complexo diálogo entre a cultura, a educação e as
TIC, em uma problemática que permitia posições antagônicas. O debate, desde
algum tempo, já no que se discutia em 2001, apresentava determinadas posições
pelas quais os novos tempos digitais representariam uma ameaça à leitura na figura
de um suporte fragilizado como centro principal do registro do saber e da arte
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literária, o livro3. De outra parte, apesar das posições antagônicas, Passo Fundo
reconhecia o que não era mais possível negar: uma multiplicidade cultural
absolutamente envolvida pelas dominantes, às vezes conflitantes, de uma
sociedade em rede conectada pelos computadores. Nessa nova realidade,
evidenciava-se um aspecto que não se inaugurava na cibercultura, embora nela se
potencializasse: a indissociabilidade entre tecnologia, sociedade e cultura.
Segundo Levy, as tecnologias são produtos de uma sociedade e de uma
cultura, da mesma forma como “a distinção traçada entre cultura (a dinâmica das
representações), a sociedade (as pessoas, seus laços, suas trocas, suas relações de
força) e técnica (artefatos eficazes) só pode ser conceitual” (LEVY, 1999, p. 22).
Nesse sentido, as relações, por exemplo, entre tecnologia e poder não seriam
inauguradas pela era digital, embora as TICs pudessem ser, em uma perspectiva
positiva, ferramentas em essência de uma democracia em tempo real (LEVY, 2007,
p. 77), pela qual o tempo seria enriquecido (e não encurtado) pela decisão e pela
avaliação contínua acessível ao coletivo em uma circunstância que não se
facultaria à atual democracia representativa. Nas novas dinâmicas, a potência
suplantaria o poder, a espécie humana constituir-se-ia em hipercórtex (LEVY, 2007,
p. 208), pelo qual no ciberespaço aprofundar-se-ia a democracia quando a cada
cidadão seria legado o direito de
contribuir de maneira contínua para a elaboração e o aperfeiçoamento dos
problemas comuns, para a abertura de novas questões, para a formulação
de argumentos, para enunciar e adotar posições independentes uma das
outras sobre uma variedade de temas (LEVY, 2007, p. 65).
Esse projeto, contudo, paradoxalmente, como utopia, traz em si a
instabilidade dos movimentos coletivos, o que não lhe garante o sucesso de uma
constituição a-histórica, no qual se superam todos os conflitos pela determinação
3
O calor de tais discussões em Passo Fundo consagrou-se no debate frontal entre Kate Wilson e Alberto Mangel, em 2011.
Sobre tal conversação registram-se dois textos: (a) RETTENMAIER, Miguel. Sub-40, sub-20 e subzero: a literatura e a leitura
em tempos de tela. In: RETTENMAIER, Miguel; RÖSING, Tania. Questões de ficção contemporânea. Passo Fundo:
UPFEditora, 2013; (b) RÖSING, Tania; RETTENMAIER, Miguel; BECKER, Paulo. Traços de uma jornada, por Paulo Caruso.
Passo Fundo: UPFEditora, 2013.
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final do bem comum. A cibercultura é sempre uma solução parcial, em si mesma,
campo de problemas e conflitos. O próprio Levy observa a ambivalência dessa
potência. O virtual estaria, como extensão do ciberespaço, na atualização do
movimento social multiforme, envolvido no conjunto das problemáticas da
civilização, o que não prometeria um futuro radiante ou felicidade maior (LEVY,
1999, p. 234). Nesse sentido, por si, as TIC não teriam o poder ou a potência de
conter o poder.
O progresso industrial, justamente por estabelecer-se como eixo do fluxo da
economia capitalista, seguidamente foi avaliado como legitimador de uma
determinada ordem social, a partir da qual os próprios artefatos, mais do que
ferramenta de produtividade e eficiência, representariam uma semântica
legitimadora do poder constituído. Para teóricos como Feenberg, a tecnologia,
como manifestação de uma racionalidade política, como elemento ambivalente,
pode tanto servir ao controle e à hegemonia, quanto à transformação cultural.
Como observa Cupani sobre as teorias de Feenberg, a hegemonia e transformação
estariam associadas, respectivamente, à autonomia operacional (operational
autonomy), que serve como base estrutural de dominação, e às margens de
manobra (margin of maneuver), organizações humanas tecnicamente mediadas que
poderiam redefinir formas, ritmos e propósitos. Nesse sentido, no que se refere às
margens de manobra, a tecnologia seria operada para transformação civilizadora
da sociedade apenas e só mediante o domínio autoconsciente dos sujeitos quanto à
técnica, mesmo porque, como ambivalente, estaria vinculada a um código social:
“The social character of technology lies not in the logic inner working, but in the
relation of that logic to a social context” (FEENBERG, 2002, p. 79). Como a própria
linguagem, os códigos técnicos do capitalismo não têm poder absoluto ou
intrínseco, e sua hegemonia é sempre relativa, dada a ambiguidade de seus
fundamentos, de suas estruturas e de suas manifestações:
Despite radically different purposes and institutional structures, modern
sciences, technologies, and social organization share a similar method of
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abstraction and similar microtechnical foundations. Because this, scientific
and technical disciplines are able to supply the hegemony they serve with
the applications it requires. But the lower we descend toward the
foundations, the more ambiguous are the elements from which these
applications are constructed; This is the source of the source of the
ambivalence of technology. Thus, a technical code is needed to bind
applications to the hegemonic purposes since science and technique can be
integrated to several different orders. That is also why new technology can
threaten the hegemony of the ruling groups until it has been strategically
4
encoded. (FEENBERG, 2002, p. 79)
Por mais óbvio que possa parecer, a descida aos pontos mais baixos das
fundações dos códigos, implica um ato de leitura que desvela a natureza
ambivalente de toda a ferramenta e de toda tecnologia. Nesse sentido, a arte
literária pode conduzir a que se manipulem conscientemente estratégias de
manobra, retirando das tecnologias a aura fáustica que ainda possuem para alguns
questionadores das TICs. Como linguagem refletida sobre outra linguagem, como
código disposto perante ou mesmo no interior de outro código, a literatura e os
estudos da leitura podem contribuir para uma transformação cultural civilizatória.
Leituras jovens do mundo
A temática da 15ª Jornada Nacional de Literatura, “Leituras Jovens do
Mundo”, em 2013, rearticulava a tendência de se refletir sobre as relações entre
leitura, cultura e tecnologia sob uma nova feição ou ainda, a partir das
perspectivas que cercavam um sujeito em específico: o jovem. A questão é que
tratar do jovem em si exigia livrar-se dos estereótipos em torno da palavra,
buscando senão conceitualmente, pela impossibilidade de um conceito e de uma
definição pela heterogeneidade da realidade, uma linha de compreensão que
4
Apesar dos propósitos e estruturas institucionais radicalmente diferentes, as ciências modernas, as tecnologias e a
organização social partilham de um método semelhante de abstração e de fundações microtécnicas semelhantes. Por causa
disso, as disciplinas científicas e técnicas são capazes de fornecer a hegemonia a que servem com as aplicações que
necessita. Porém, quanto mais baixo descemos para as fundações, mais ambíguos são os elementos a partir dos quais estas
aplicações são construídas. Esta é a origem da ambivalência da tecnologia. Assim, um código técnico é necessário para se
ligar aplicações para os fins hegemônicos, já que ciência e técnica podem ser integradas a diversas ordens hegemônicas
diferentes. Também, por isso, a nova tecnologia pode ameaçar a hegemonia dos grupos dominantes até que tenha sido
estrategicamente codificada. (Tradução nossa.)
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tratasse do que se poderia vislumbrar como “jovem”. As relações abertas a partir
dessa preocupação trouxeram elementos instigantes no que superava as afirmativas
generalistas sobre a juventude e sobre a atualidade. Principalmente, pelas
condutas contemporâneas, ser jovem não estaria mais anexado irrevogavelmente a
uma faixa etária definitiva.
Figura 4: Leituras jovens do mundo
Fonte: Zero3 Comunicação e Design
Segundo Canevacci (2005), a sociedade de hoje exige uma dilatação do
conceito de jovem, em nome de uma acepção que, no cenário de uma metrópole
comunicativa e imaterial, seja plural, diferenciada e móvel. O jovem líquido da
contemporaneidade deflui por interzonas, é um “eXtremo interminável”, um
processo sincrético associado a múltiplas influências em movimento indefinido e
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imprevisto. À noção de pessoa “multivídua”, correspondem esses trânsitos de vida
que desconhecem ou não obedecem conceitos. Para o pensador italiano, a base dos
conceitos e das divisões é política e esconde relações de um poder, hoje,
fragilizado ou fracionado.
O ponto de vista dialético da modernidade contrapunha polos e apresentava
sínteses em um fluxo linear e natural da história e do tempo, no plano íntegro de
um panorama visível ou, ao menos, perceptível. Mas tudo isso estaria hoje
definitivamente problematizado. No universo dos fragmentos líquidos, das culturas
intermináveis, as entidades eX-terminadas inviabilizam toda série de conceitos e de
definições que unificam e tranquilizam a perspectiva a uma amostra constatável e
delimitada de fenômenos. O controle e a identidade fixa padecem na metrópole e
na mídia, filhos rebelados da modernidade. A localização única danifica-se, as
faixas
e
distinções
fragilizam-se, as
separações
etárias,
de
gênero,
de
proveniência, de trabalho, todas elas, é importante que se diga, essencialmente
políticas, estão agora confusas. As classes sociais não se explicam mais. O corpo é
um aparato de signos, continuação das paredes dos quartos juvenis e dos muros
pichados, o piercing e a tatuagem ultrapassam e contaminam o orgânico, o corpo é
prótese, a prótese é corpo. Sendo corpo e prótese o mesmo fracionado e o outro
introduzido, o particular, o individual, é tatuado e perfurado pelo externo, pelo
social. Mas esse social não é político. As culturas juvenis estão abertas demais para
obedecerem a referências precisas e a determinações diretivas. Sua forma de viver
está
nos
“fluxos
desordenados
e
polifônicos/dissonantes
da
comunicação
metropolitana e dos panoramas midiáticos” (CANEVACCI, 2005, p. 27), como pode
se perceber nas movimentações populares de junho deste ano, contemporâneas à
temática da Jornada.
De forma semelhante, no plano da linguagem e da arte, não há síntese, mas
opostos associados que não dizem a que pertencem, não há determinada
manifestação artística. As coisas se somam e somando-se, se dividem, se separam,
se singularizam. Os códigos estão remixados, nenhuma dominante detém exclusivas
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propriedades, não há mais música sem imagem, imagem sem música, palavra sem
arquitetura, pintura sem indústria, arte sem instalação. A folha é eletrônica, a tela
do computador é feita de páginas, mas rola como papiro. Vige o e-space:
No e-space posso entrar em contato com qualquer um sem conhecê-lo e ir
a qualquer lugar sem ir. O qualquer-lugar, a ubiquidade se insere no espace. As fronteiras furam. Posso combinar infinitos textos escolhidos ou
encontrados casualmente que acho em minha navegação, que nunca teria
chegado a conhecer em técnicas anteriores. O copyright como monopólio
rígido de instituições editorias entra em crise com as novas tecnologias:
posso citar tudo e todos sem ter de me submeter às compras tradicionais.
Citando as fontes, o que é uma atitude correta inestimável, posso juntar
textos antes inimagináveis. Agora os encontro no e-space. (CANEVACCI,
2005, p. 167-68)
E a alteridade de vozes vem nestes tempos confusos do agora a perturbar
outras fronteiras, a distância entre ficcional e real, entre o ensaio e a poesia, entre
a prosa e a fala das ruas. E se não há mais compreensão, no sentido de “prender
com”, a era pós-conceito está tão aqui quanto a era pós-narrativa, embora a
narrativa seja muito mais antiga do que o conceito, mesmo que, com o conceito,
tenha se conjuminado na modernidade sob o respaldo do político, também hoje já
evanescido.
Na literatura, o romance se desdobra no exercício ininterrupto (e
mesmo convulsivo) na fala do outro, e a poesia, que era e fora fala do eu, é
afetada agora como nunca pelas falas das ruas. Citar é viver, pois o jovem de hoje
parece ver a legitimidade na cópia como nunca antes.
Bruna Beber, uma das convidadas na 15ª Jornada Nacional de Literatura,
retirou o título de seu livro de poesia A fila sem fim dos demônios descontentes de
um muro pichado. Dessa obra, a poesia “molhar as plantas”, na qual se lê que
“tudo tem barulho de mar”, a enceradeira, isopor, espirro, inseto, monge e “sua
vizinha”; converte-se em um perturbador vídeo na voz de Gabriel Pardal:
tem mar de todo o tipo de barulho
e dentro de cada mar
um ralo entupido de cabelos (BEBER, 2006)
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Figura 4: Imagem do vídeo "Molhar as plantas" - Bruna Beber (+ Nomedacousa).
Fonte: www.youtube.com/watch?v=ov2en4SwreA
Se há poesia em livro e vídeo, o próprio livro impresso ganha novo sentido
nos novos tempos digitais. Passa a ser, ele, o livro de papel, objeto artístico,
elemento de fetiche e desejo sensorial, visual e tátil. É o caso da obra de Guto
Lins, também presente em agosto de 2013, em Passo Fundo, com a obra Eros e
Psiquê, publicada no Rio de Janeiro por Manifesto Design, em 2011.
O conteúdo da obra é revelado, evidentemente, pelo título, uma releitura da
mitologia grega. O mito de Eros e Psiquê é a história da ligação entre o amor e a
alma, apresentado
em
linguagem
informal,
relacionada
aos
recursos
da
publicidade, de outros recursos contemporâneos como a história em quadrinhos
(fotonovela), com o uso das TIC como o QR Code. O formato físico da obra é
inusitado, com riqueza na diversidade de recursos e de materiais – folha espelhada
e de naturezas e espessuras diversas, letras em diferentes formatos e tamanhos,
ilustrações, adesivos, surpresas entre as quais a aparição de diferentes gêneros
textuais que o compõem, num processo narrativo não linear, transformando a obra
em objeto de arte cuja essência não é menor que a sua apresentação física. É a
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concretização do livro como objeto artístico, um livro misto que rendeu ao autor e
ilustrador Guto Lins, na categoria Literatura Jovem, o Prêmio de Fomento à Cultura
2011 oferecido pelo SESC-Rio. A obra em sua totalidade se constitui num convite
permanente e cada vez mais intenso ao leitor para desvendá-lo, numa realização
de interatividade permitida no impresso. A participação ativa do leitor é
vivenciada, “sem que o mesmo possa cair na armadilha de se encantar mais pelo
efeito do que pelo conteúdo”, conforme adverte Lins.
O conteúdo do texto, por si, justifica a mútua contaminação de códigos,
gêneros e linguagens. A história de Eros se acompanha dos temas da vaidade e da
beleza física, o que provoca no verbal a incorporação de elementos especulares,
que distorcem as perspectivas direita/esquerda e em cima/embaixo em inversões
de imagem. Em outro elemento, o politeísmo clássico se converte na multiplicidade
empresarial do capitalismo global, identificada em diferentes fontes e logomarcas.
O livro se abre aos jogos amorosos de sorte, com seus conselhos e prenúncios; da
mesma forma incorpora como gêneros os classificados amorosos e as quirografias
de paquera. Não bastando em si, o livro suporte, mídia autorreferente, se estende
à internet, com uma página que se desdobra em literatura no digital
(erosepsique.com.br). Nada está separado. As coisas não se apartam, a mass cit
está entre os jogos citacionistas libertadores multiplicando ironias ao apropriaremse, esses jogos, das mídias de forma a exporem o artificial, entrando nos “novos
fetiches visuais” até transformá-los – de símbolos poderosos – em signos polifônicos
jocosos (CANEVACCI, 2005, p. 80).
As Jornadas Literárias de Passo Fundo, com suas mais de três décadas de
história, representam mais do que um movimento de formação de leitores, o que
efetivamente são. Na realidade, seu projeto, envolvido por tanto tempo na
promoção da literatura, na valorização da arte e da cultura, resulta por ser, em si,
um caminho de diálogo com os novos tempos e com as transformações pelas quais
passam o mundo e o país. Tais mudanças, rápidas, incontidas e mesmo
incontroláveis, representam as identidades em eterno movimento de uma
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sociedade industrializada e global. Os tempos em eterna mutação não podem,
contudo, fugir da arte do pensamento, da estética que retrata o humano e, por
isso, para representar, nem que seja só por um momento, o congela. Dar um play
na história significa sempre parar para ver e rever, folhar, desdobrar, cortar,
picotar, deixar contemplar a página anterior, rever, restringir, recuar, aceitar ou
não. As leituras jovens do mundo, eXtremas, comprovam que, na nossa linha de
tempo, na síncrese possível, se rediscutem fronteiras e se questionam conceitos.
Sem se quererem políticas, as gerações eXtremas o são. Mesmo sem quererem
ensinar, orientam e nos ensinam a sermos jovens sem que, para tanto, percamos a
ternura:
é assim a dança
das tentativas
uma hora é encontro
noutra vapor (BEBER, 2009, p. 45).
Referências
BEBER, Bruna. A fila sem fim dos demônios descontentes. Rio de Janeiro: Ed.
7Letras, 2006. 60 p.
______. Balés. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009. 51 p.
CANEVACCI, Massimo. Culturas eXtremas: Mutações juvenis nos corpos das
metrópoles. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. 200 p.
CUPANI, Alberto. Filosofia da tecnologia: um convite. Florianopolis: UFSC, 2011.
233 p.
FEENBERG, Andrew. Transforming technology: a critical theory revisited. Oxford:
Oxford Press, 2002. 220 p.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. 264 p.
______. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 5. ed. São
Paulo: Loyola, 2007. 214p.
LINS, Guto. Eros & Psiquê.com.br. Rio de Janeiro: Manifesto Design, 2011.
Pardal, Gabriel. "Molhar as plantas" - Bruna Beber (+ Nomedacousa). Webvideo.
Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=ov2en4SwreA>. Acesso em: 27 nov.
2013.
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