FERREIRA, Lilian; FONTES, Viviane Moura. Dêixes e mesclagem: a expressão pronomilizada "a gente" como categoria radial. Revista Lingüística / Revista do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume 6, número
2, dezembro de 2010. ISSN 1808-835X 1. [http://www.letras.ufrj.br/poslinguistica/revistalinguistica]
Dêixis e mesclagem: a expressão pronominalizada “a
gente” como categoria radial
Viviane Moura Fontes*
Lilian Ferrari**
Resumo: Este trabalho busca demonstrar que as características semânticas do dêitico de primeira
pessoa do plural “a gente” refletem e fundamentam duas importantes generalizações teóricas: a
categorização radial como organização conceptual do conhecimento adquirido (Rosch, 1975; Lakoff,
1987) e a construção do significado por mesclagem conceptual (Fauconnier e Turner, 2002). A
análise, baseada em dados linguísticos reais, descreve o uso prototípico da expressão “a gente” e, em
seguida, contrasta-o com usos não-prototípicos, explicitando os processos específicos de mesclagem
que atuam na construção do significado polissêmico da expressão.
Palavras-chave: Categoria Radial, Mesclagem Conceptual, Polissemia e Dêixis.
1. Introdução
A literatura sobre dêiticos abrange um considerável conjunto de pesquisas sobre pronomes pessoais,
tanto no âmbito da análise do discurso, quanto em estudos vinculados à sociolinguística variacionista.
No primeiro grupo, o foco recai sobre o caráter subjetivo dos pronomes pessoais, definidos
relativamente à instância de discurso que toma o “sujeito” como ponto de referência (Benveniste,
1969). O segundo grupo inclui pesquisas sociolinguísticas, que estudam a variação e a mudança
observadas nos pronomes pessoais em diferentes línguas (Busse, 2002; Van Compernolle, 2008).
No que se refere ao português brasileiro, destacam-se abordagens que investigam a variação entre
os pronomes de segunda pessoa “tu” e “você” (Paredes da Silva, 2003; Lopes, 2008) e entre as
referências de primeira pessoa do plural “nós” e “a gente” (Omena 1996, Lopes 2002).
Embora tanto os estudos em análise do discurso quanto as pesquisas sociolinguísticas tenham
apresentado mapeamentos descritivos detalhados de pronomes pessoais em seus usos discursivos
e sociais, o presente trabalho pretende preencher uma importante lacuna descritiva relacionada à
caracterização da complexidade semântica desses pronomes. Mais especificamente, nossa proposta
é enfocar a polissemia da expressão pronominalizada “a gente”, com o objetivo de demonstrar que
* Mestranda do Programa de Pós-graduação em Linguística. E-mail: [email protected]
** Professora Associada do Departamento de Linguística / Pesquisadora Nível 1D. E-mail: [email protected]
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o uso dessa forma para a indicação de primeira pessoa do plural apresenta uma estrutura semântica
bem mais complexa do que o significado “Eu + Você(s)”, que normalmente lhe é atribuído. À luz
da Linguística Cognitiva, argumentamos que a estrutura polissêmica do dêitico “a gente” reflete
uma categoria radial (Lakoff, 1987), e propomos uma explicação unificada para a estruturação dessa
categoria, com base no modelo dos espaços mentais (Fauconnier, 1994, 1997) e no processo de
mesclagem conceptual (Fauconnier, 1997; Fauconnier e Turner, 2002).
Tendo em vista que a Linguística Cognitiva postula que o significado é baseado no uso (Geeraerts,
2006), a pesquisa recrutou dados linguísticos reais, investigando, mais especificamente, a ocorrência
da expressão pronominalizada “a gente” em discursos oficiais do presidente da República Luiz Inácio
Lula da Silva. Neste sentido, buscam-se respostas para os seguintes questionamentos: (a) quais os
diferentes sentidos que o dêitico “a gente” pode apresentar? (b) quais os processos cognitivos de
construção desses sentidos? (c) como os sentidos se inter-relacionam e se organizam radialmente em
relação ao núcleo prototípico da categoria?
Este artigo apresenta recorte analítico direcionado ao tratamento inicial dessas questões, organizandose em quatro seções principais. A seção 2 apresenta os pressupostos cognitivistas gerais que
fundamentam a pesquisa, detalhando estudos sobre categorização, aspectos relevantes da Teoria dos
Espaços Mentais e dos mecanismos de construção do significado. A seção 3 enfoca pesquisas recentes
sobre dêixis, retomando estudos sociolinguísticos referentes ao português brasileiro, e destacando
pesquisas cognitivistas sobre o pronome de 1ª pessoa do plural em inglês. A seção 4 discute a
metodologia, detalhando aspectos referentes aos dados, e apresentando os objetivos e as hipóteses.
Na seção 5, descrevem-se os usos prototípico e não-prototípicos da expressão pronominalizada “a
gente”, analisando-se detalhadamente o processo de mesclagem conceptual ativado pelo uso “virtual”
da expressão.
2. Pressupostos Teóricos
A pesquisa adota como base teórica os estudos cognitivistas sobre categorização (Rosch 1975; Lakoff,
1987) e a Teoria dos Espaços Mentais (Fauconnier 1994, 1997), com ênfase na noção de mesclagem
conceptual (Fauconnier e Turner, 2002). As considerações de Langacker (2006) para a construção do
significado são abordadas também nesta seção.
2.1. Categorização
Segundo a teoria aristotélica, as categorias são organizadas com base no conceito de que, para
pertencer a uma categoria, um dado elemento deve possuir um conjunto rígido de características
essenciais e suficientes. Essa teoria pressupõe a existência de uma estrutura prototípica e nuclear à
qual todos os membros devem se ajustar. No entanto, a pergunta que instiga a investigação é: se os
membros de uma categoria possuem atributos iguais, como previa Aristóteles, por que há membros
considerados exemplos melhores e mais nítidos que outros?
Estudos em Psicologia Cognitiva, principalmente os promovidos por Eleonor Rosch (1973, 1978),
apresentam uma visão menos rígida sobre a categorização semântica. Na verdade, evidências
experimentais demonstraram que as categorias não são formas estanques, mas categorias radiais
flexíveis, que nos permitem organizar, dentro de um mesmo conjunto, elementos mais ou menos
prototípicos. Por exemplo, em se tratando da categoria “ave”, as gaivotas são consideradas mais
prototípicas do que os pinguins, por apresentarem um número maior de traços associados à categoria.
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Esses achados sobre categorias radiais influenciaram uma série de pesquisas linguísticas, que
passaram a defender a radialidade das categorias linguísticas, como demonstram estudos clássicos
sobre a semântica da preposição “over” (Brugman e Lakoff, 1988) e sobre a rede de construções com
“there” em inglês (Lakoff, 1987).
No que se refere aos dêiticos, Marmaridou (2000) demonstrou que expressões dêiticas em inglês
apresentam natureza polissêmica e estrutura semântica radial, organizada a partir de um Modelo
Cognitivo Idealizado (MCI) referente ao ato de “apontar”. Assim, os membros prototípicos ou
centrais apresentam todos os traços característicos desse modelo, enquanto os membros não-centrais
exibem apenas algumas características herdadas do centro, e possuem traços menos evidentes de
pertencimento à categoria.
A proposta de Marmaridou (2000) demonstrou que a noção de MCI é essencial para o tratamento da
polissemia dos dêiticos. Esse conceito, proposto por Lakoff (1987), será abordado na próxima seção.
2.2. Modelos Cognitivos Idealizados
Lakoff (1987) argumenta que a mente humana é caracterizada e organizada por estruturas de
conhecimento formadas pela exposição sociocultural do homem no mundo. De acordo com essa
proposta, todo nosso conhecimento de mundo é armazenado em estruturas mentais permanentes
denominadas “Modelos Cognitivos Idealizados” (MCIs).
Essas estruturas são modelos porque atuam como representações estáveis de informações organizadas
semanticamente na cognição; são também fruto de idealizações culturais ou subculturais, portanto
modelos idealizados de conhecimento, já que nem sempre provêm da experiência direta do indivíduo.
Por serem convencionalizados e compartilhados numa comunidade, os MCIs possibilitam que, na
interação, falantes assumam domínios como conhecidos por seus ouvintes, permitindo assim que
muitas informações possam ficar implícitas.
Analisando a construção Este rapaz é estranho, não gosta de futebol, percebe-se que o falante acionou
um modelo de conhecimento idealizado socialmente em que todo homem é um apreciador de futebol.
Ao construir esse enunciado, o falante considera que seu ouvinte compartilha das informações
implícitas que permeiam o discurso.
2.3. Teoria dos Espaços Mentais
Os MCIs, ao mesmo tempo em que são responsáveis pela categorização do conhecimento adquirido,
apoiam espaços mentais que emergem a partir do acesso às suas informações.
À medida que pensamento e fala progridem, espaços mentais são criados para promover a significação.
São domínios que possibilitam a sintonia entre participantes do discurso, fornecendo-lhes pistas
semânticas sobre a área de sentido ativada na cognição.
Os espaços mentais são estruturas transitórias responsáveis pela projeção das informações, pinçadas
dos domínios estáveis (MCIs), funcionando como arquivos provisórios de organização do pensamento
em linguagem.
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Entre os espaços, entrecruzam-se elos (links) para a construção de sentidos. Da correlação entre
domínios cognitivos e espaços mentais, emerge o significado novo, formado, muitas vezes, a partir
da operação de mesclagem conceptual (blending).
2.3.1. Mesclagem conceptual
A mesclagem surge da interação entre domínios conceptuais distintos, que servem de ponto de partida
(inputs) para a criação do espaço-mescla, constituído pelas partes herdadas dos inputs.
Desta forma, todo processo cognitivo de mesclagem conceptual passa pela projeção interdomínios
(projeção parcial entre contrapartes dos inputs 1 e 2), pela organização abstrata em um espaço
genérico (que reúne os elementos compartilhados pelos domínios) e culmina no espaço mescla, no
qual os inputs se projetam total ou parcialmente (elementos dos inputs podem ser projetados ou não,
podem ser fundidos em um só elemento da mescla ou projetados separadamente).
Para ilustrar o processo de mesclagem, Fauconnier (1997) apresenta um exemplo em que um
professor de filosofia, ao discursar para seus alunos, diz: “Eu acho que a razão é uma capacidade
de autodesenvolvimento. Kant discorda de mim nesse ponto. Ele diz que a razão é inata, mas eu
respondo que isso é dar a questão como provada, ao que ele se opõe, em “Crítica da Razão Pura”,
defendendo que somente idéias inatas têm poder. Mas sobre isso eu digo: e a seleção grupal de
neurônios? E ele não responde.”1
Este episódio caracteriza, segundo os autores, um processo de mesclagem conceptual, em que o
filósofo/professor utiliza a fala de outro filósofo (Kant) para estabelecer um diálogo virtual entre
eles. Esse debate, por reunir interlocutores em momentos distintos, somente é possível no plano
imaginativo, ou seja, no espaço mental da mescla. A figura abaixo representa todo o processo:
Figura 1: Mesclagem conceptual referente ao exemplo do “Debate com Kant”
1. Do original: “I claim that reason is a self-developing capacity. Kant disagrees with me on this point. He says it’s innate, but I answer that
that’s begging the question, to which he counters, in Critique of Pure Reason, that only innate ideas have power. But I say to that, what
about neuronal group selection? And he gives no answer.” (Fauconnier, 1997).
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Nesse exemplo, há dois inputs: um apresenta o filósofo/professor que pensa e medita sobre suas ideias,
além de defendê-las expressando-se por meio da fala, em língua inglesa, no ano de 1995; o outro traz
Kant, suas ideias expressas na escrita, em língua alemã, no ano de 1784. Algumas informações são
comparadas e reunidas num espaço genérico. São elas: um pensador/filósofo, ideias apresentadas e
defendidas, utilização por ambos de um modo de expressão, manifestação linguística por meio de um
idioma. O espaço da mescla recebe dos inputs as informações relevantes; neste caso, são projetados
os filósofos, suas ideias, a língua inglesa e o tempo do discurso do filósofo/professor. O fato de
Kant estar morto e seu discurso descontextualizado com relação ao do professor não é projetado.
A mesclagem conceptual desses elementos estabelece o frame de debate, que confronta Kant e o
filósofo/professor em um embate simultâneo e virtual.
2.4. A construção do significado
De acordo com a proposta de Langacker (2006), a linguagem não é autônoma em relação aos
outros sistemas cognitivos e as estruturas gramaticais são inerentemente simbólicas, oferecendo a
estruturação e a simbolização convencional do conteúdo conceptual e representando apenas uma
parte de todo conteúdo que se efetiva a partir da perspectiva do falante.
Com isso, têm-se como generalizações teóricas:
(i) O significado está intimamente associado à conceptualização.
(ii) O significado das estruturas linguísticas é motivado por processos cognitivos gerais.
(iii) Os objetivos comunicativos permitem a escolha de construções distintas que indicam a
subjetividade do falante.
(iv) O ponto de vista (físico ou mental) adotado pelos interlocutores também contribui para a
construção do significado numa interação comunicativa.
Do ponto de vista da Linguística Cognitiva, não existe separação entre os planos do léxico, da
morfologia e da sintaxe; todos cooperam num continuum para a construção do significado. Tudo na
língua é simbólico; o binômio significante e significado não pode ser separado. Para Langacker (2006),
as experiências sensorial, sinestésica, emocional e o reconhecimento dos contextos são passíveis de
conceptualização, isto é, de caracterização e categorização pela cognição humana. O falante está o
tempo todo categorizando e construindo significado para o linguístico, o social e o cultural.
Seria demasiadamente simplório tratar do significado das palavras sem mencionar uma rede de
significados ou categorização semântica. O significado pode ser conceptualizado a partir do acesso
a domínios cognitivos diferentes. Além desses domínios diferentes, o significado também pode ser
conceptualizado a partir do recorte (frame) em um ou em vários domínios. Por exemplo, não é possível
alegar a existência de construções sinônimas, já que cada uma aponta para frames diferentes ou para
o mesmo frame com o perfilamento de elementos cognitivos distintos.
Sendo assim, o significado não é composicional, pois não é a soma de suas partes. As palavras
apontam para além do que vem expresso na forma linguística, perfilando uma determinada região
num determinado domínio. Ou seja, as palavras indicam o(s) aspecto(s) mais proeminente(s) em uma
base conceptual mais ampla. Por exemplo, para se construir o significado de hipotenusa, é preciso ter
a noção mais ampla do que seja um triângulo retângulo, perfilando-se o lado oposto ao ângulo reto.
Langacker (2006) destaca que habilidades cognitivas como as sensações e as percepções visual,
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auditiva, olfativa, gustativa, dentre outras, são a base de toda conceptualização da cognição humana. A
Gramática Cognitiva langackeriana enfatiza algumas operações cognitivas mobilizadas na construção
do significado como a Seleção, a Abstração, a Perspectivação e o Entrincheiramento.
A seleção é responsável pela determinação das facetas da cena comunicativa na qual estão inseridos os
participantes; a abstração surge como marca discursiva no uso de entidades mais ou menos marcadas
por aspectos esquemáticos; a direção do foco localiza os pontos periféricos e centrais da cena, e
o ponto de vista é marcado pela perspectivação; o entrincheiramento se evidencia nas expressões
convencionalizadas e compartilhadas pela comunidade linguística a que pertencem os participantes
da interação. Tais operações cognitivas nos permitem visualizar alguns caminhos determinantes na
construção dos significados no momento da interação.
Portanto, significados são estruturas dinâmicas que emergem na semiose de processos cognitivos
diversos. Com isso, evidencia-se uma vasta rede na qual graus de entrincheiramento, níveis diferentes
de abstração, mudança de perspectiva e de seleção da atenção ocorrem, formando um processo ímpar,
cuja construção se dá online.
O modelo de análise de conceptualização proposto por Langacker (2006) valoriza o aspecto visual
na construção de significado para as formas linguísticas e o caráter simbólico da linguagem. São
consideradas fundamentais na descrição de uma cena comunicativa as noções de campo visual,
relação de figura e fundo, ponto de vista, foco e compartilhamento de atenção. Esses componentes da
percepção visual oferecem importante direcionamento na investigação dos processos cognitivos. Para
Langacker, tais processos acontecem de forma análoga na conceptualização do mundo. A construção
do significado subentende a construção de uma perspectiva, isto é, de uma maneira particular de
perceber e conceptualizar o mundo. É o falante o espectador na própria cena comunicativa da qual
participa, colocando-se numa posição estratégica em que o objetivo comunicativo é o seu foco de
atenção. Portanto, esse falante pode, sob a pretensão de atender aos seus anseios comunicativos,
construir usos linguísticos mais ou menos convencionais. A pragmática determina suas escolhas
linguísticas, e o sentido se constrói no momento da interação, tendo como parceiro o contexto. Logo,
em função das mudanças de perspectivação, o significado de uma expressão é construído de acordo
com o ponto de vista, compartilhado total ou parcialmente pelos interlocutores.
O modelo langackeriano foi abordado com o objetivo de se explicar o processo de construção de
significado de expressões linguísticas em contextos de uso da língua. Tal estudo motivou indagações
do tipo: de que maneira ouvintes constroem significação para formas dêiticas afastadas do núcleo da
categoria? Como explicar tal fenômeno, senão por uma teoria cognitiva que privilegia a análise da
linguagem a partir do uso que os falantes fazem dela?
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3. Pesquisas recentes sobre dêixis
Etimologicamente, o termo dêixis de origem grega significa demonstrar, apontar, indicar e, em geral,
a dêixis é expressa por pronomes pessoais e demonstrativos, tempos verbais, advérbios de tempo e
de lugar dentre outros.
Na descrição tradicional, a dêixis é um importante mecanismo discursivo cuja função se efetiva diante de
um contexto (Levinson, 2007). Portanto, faz-se necessária a consulta às informações disponibilizadas
pelo contexto a fim de estabelecer a interpretação das expressões dêiticas. Um exemplo é o uso dos
pronomes “eu” e “você”, que, por suas características dêiticas, têm como referentes o falante e o
ouvinte respectivamente. No entanto, definir quem são esses indivíduos não é tarefa fácil, se não se
tem o auxílio do contexto.
A visão tradicional subdivide os dêiticos nas categorias de pessoa, espaço, tempo, discurso e social.
Cada uma delas estabelece limites para que as estruturas linguísticas possam ou não ser enquadradas.
Os pronomes pessoais de primeira pessoa são importantes exemplos de dêixis, pois constituem o
ponto de partida para a manifestação subjetiva na linguagem; é em torno desses elementos que a
linguagem determina e organiza os outros elementos dêiticos.
Com o objetivo de situar a proposta cognitivista de estudo da polissemia dêitica da expressão “a
gente”, serão apresentados, nesta seção, alguns estudos sociolinguísticos sobre o uso dessa expressão
no português brasileiro (Omena 1996, Lopes 2002) e abordagens cognitivistas sobre a dêixis em
inglês (Rubba, 1996; Marmaridou, 2000).
3.1. Pesquisas sociolinguísticas
O processo de gramaticalização de algumas formas linguísticas evidencia a capacidade dessas formas
de se adequarem ao uso que lhes é atribuído pelos falantes. É, por exemplo, o caso da expressão “a
gente”2, que ganhou status de pronome devido ao seu desempenho como palavra indicativa de pessoa
gramatical do discurso.
De acordo com os estudos de Lopes (2002), apesar da frequência do uso de “a gente” como pronome
ser muito baixa antes do século XX, a pronominalização do vocábulo gente teve início nos séculos
XVII-XVIII. O século XIX é considerado o período de transição desse processo, tendo 77% de
ocorrências do “a gente” em função dêitica. No século XX, o uso dessa expressão se consolida de
fato como pronome.
A pesquisa sociolinguística de Omena (1996) traz resultados que caracterizam a variação “nós”/ “a
gente”, levando em conta contextos de uso da expressão “a gente” em função sintática de sujeito e
em estruturas que atendem às regras de concordância verbal.
2. A Gramática Normativa, por vezes, tenta explicar este fenômeno já consagrado na língua falada do português brasileiro;
no entanto, não há uma classificação que acolha o uso da expressão popular “a gente” como pronome pessoal. Lopes
(2002) ressalta que a gramática tradicional é incoerente e inconclusa quanto à apresentação dos pronomes pessoais.
Neste trabalho, optou-se por considerar “a gente” expressão pronominalizada.
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Nos dados analisados, verificou-se que a variável idade permitiu maior alternância no uso “nós”
/ “a gente”. Os falantes mais novos usam mais frequentemente “a gente”. A pesquisa identificou
também que este uso se intensificou principalmente a partir de 1960. Quanto à escolarização, falantes
adultos, com ou sem contato com a escola, utilizaram mais a forma “a gente”, principalmente os
jovens estudantes de ensino médio. Com relação às variáveis renda e mídia, os dados indicaram que
falantes bem posicionados financeiramente e mais expostos à mídia tendem a usar o pronome “nós”
em detrimento da expressão “a gente”.
3.2. Pesquisas cognitivistas
Os estudos em Linguística Cognitiva trazem uma nova concepção sobre o fenômeno da dêixis, que
é fundamental para que se chegue à compreensão mais detalhada da função dêitica de certas formas
linguísticas não convencionais.
Rubba (1996) baseia-se na Teoria dos Espaços Mentais (Fauconnier, 1994) e na noção de MCI (Lakoff,
1987) para explicar o problema da interpretação da referência que extrapola a situação comunicativa
imediata. A autora estabelece que em casos de discurso direto, como no exemplo “O garoto disse:
Tire-me daqui”, a referência do dêitico de lugar “aqui” se projeta para um domínio diferente do
ground que caracteriza o evento de fala. Esse ground alternativo assume parte ou todo o MCI dêitico
prototípico como ponto de partida para a interpretação.
Marmaridou (2000) apoia-se na teoria dos protótipos (Rosch, 1975) e no trabalho de Lakoff (1987)
sobre semântica cognitiva com base na noção de MCI para determinar que a categoria da dêixis deve
acolher não só exemplos nitidamente dêiticos, como também aqueles casos não tão óbvios, mas que
carregam características peculiares do centro da categoria.
Para a autora, o enfoque tradicional da dêixis é incompleto, limitado e desvia a análise de informações
relevantes para o estudo do fenômeno dêitico como um todo. Tal abordagem estabelece um modelo
fixo, não permitindo vislumbrar a constituição de formas não-dêiticas em uso dêitico.
Em busca de soluções para o problema apresentado, Marmaridou propõe que a dêixis seja
conceptualizada em termos de um MCI, estruturado com base na hipótese da espacialização da forma.
Assim, tem-se um esquema imagético de CENTRO vs PERIFERIA, cuja característica fundamental
é a noção de egocentricidade estabelecida a partir do centro dêitico (“eu”). Em síntese, o espaço
mental evocado por uma expressão dêitica envolve a conceptualização do MCI dêitico, que possui
como entidades3-padrão os interlocutores, um lugar e um período de tempo. Abaixo, uma ilustração
do ground padrão da dêixis:
Figura 2: Quadro semântico da dêixis
3. Termo utilizado para identificar os elementos dêiticos constitutivos da cena comunicativa.
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A respeito do uso da primeira pessoa do plural “we” (“nós”) em função dêitica, Marmaridou apresenta
uma escala de efeitos prototípicos. São eles:
• “NÓS” INCLUSIVO (prototípico da categoria) – inclui falante e ouvinte(s) específico(s), nos
moldes apresentados na Figura 2, como em “Nós estamos nesta sala aguardando o palestrante”.
• “NÓS” GENÉRICO – inclui falante, ouvinte(s) e outros4; caracteriza-se por uma referência nãoprototípica do elemento dêitico, como em “Nós vivemos em um mundo cada vez mais agitado”
• “NÓS” EXCLUSIVO – exclui ouvinte(s); uso não-prototípico da dêixis; é o que se observa, por
exemplo, quando o diretor de uma faculdade diz aos alunos “Nós gostaríamos de promover uma
mudança curricular dentro dos moldes previstos”.
• “NÓS” EDITORIAL ou ACADÊMICO, e “AUTORITÁRIO” (ou pseudo-inclusivo): viola
a pressuposição de existência de um grupo de pessoas no qual o falante se inclui, apesar de
pressupor estrategicamente a participação desse grupo. É o caso de alguém que, embora seja o
único autor de um livro, escreve “Neste capítulo, delineamos a visão experiencial da dêixis”. É,
por isso, mais um caso de uso dêitico não-prototípico.
A proposta de Ferreira e Ferrari (2006) para a língua portuguesa enfoca o estudo da dêixis de pessoa
(“nós”), tempo (“hoje”) e lugar (“aqui”) na investigação do processo de construção do significado.
Os elementos dêiticos foram retirados de crônicas de João Ubaldo Ribeiro, publicadas no jornal
“O Globo”. A pesquisa buscou demonstrar que a interpretação de dêiticos polissêmicos decorre de
processos de mesclagem conceptual que possibilitam a construção de domínios específicos. Com
isso, Ferreira e Ferrari (2006) argumentam que a conceptualização da referência dêitica constitui-se
a partir da mesclagem entre o MCI prototípico da dêixis e diferentes tipos de MCIs ativados pelo
discurso; além disso, propõem que os dêiticos de pessoa, tempo e lugar estejam organizados em uma
escala radial de prototipicidade, devido à polissemia que os processos específicos de mesclagem
podem ativar.
4. Considerou-se para esta pesquisa o termo outro(s) para referir indivíduos não participantes da cena comunicativa.
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4. Metodologia
O objeto de estudo da presente pesquisa é a expressão pronominalizada “a gente”, em contextos nos
quais o termo exerce a função sintática de sujeito.5
Os dados para a pesquisa foram selecionados a partir de transcrições de discursos oficiais do presidente
Lula, durante cerimônias de inauguração de instituições públicas ou privadas, de comemoração de
datas importantes e de entrega de projetos sociais realizados ou a serem iniciados. Tais discursos estão
disponibilizados no site oficial da presidência da República, na seção Secretaria de Imprensa e PortaVoz (http://info.planalto.gov.br).
Os dados serão analisados de acordo com os seguintes objetivos:
(i) identificar os diferentes sentidos que compõem a categoria dêitica formada pela expressão “a
gente”;
(ii) detalhar os processos cognitivos associados à estrutura semântica das instanciações do dêitico “a
gente” que compõem a categoria radial;
(iii) verificar a distribuição dos diferentes usos do dêitico “a gente” em relação ao núcleo prototípico
da categoria “Eu + Você(s)”.
Em contrapartida, têm-se, respectivamente, como hipóteses para cada objetivo:
(i’) o dêitico “a gente” organiza-se como uma categoria radial, da qual fazem parte um núcleo
prototípico e elementos que se afastam do protótipo;
(i’’) as ocorrências não-prototípicas do dêitico “a gente” resultam de processos de mesclagem
conceptual;
(i’’’) os usos não-prototípicos de “a gente” afastam-se, em diferentes graus, do núcleo da categoria,
em função dos elementos envolvidos no processo de mesclagem.
Com relação ao tipo de análise, a pesquisa propõe uma investigação baseada no uso e, portanto,
apoia-se em um número significativo de ocorrências do dêitico “a gente” em dados reais. A dimensão
qualitativa, entretanto, será priorizada, na medida em que a pesquisa se propõe a explicitar os diferentes
matizes de significado associados à expressão “a gente”, identificando os processos cognitivos capazes
de explicar as nuances observadas.
5. A decisão de excluir as ocorrências de "a gente" em outras funções sintáticas visa a um maior controle dos dados, e
toma por base pesquisas anteriores que indicam que a ocorrência de "a gente" em função de sujeito é bem mais frequente
(Omena, 2006).
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5. Análise de dados: uma proposta de análise para o dêitico “a gente”
De forma análoga à proposta de Marmaridou para o pronome de primeira pessoa do plural em inglês,
a análise aqui apresentada estabelecerá uma esquematização da expressão “a gente” como categoria
radial, propondo uma escala de prototipicidade, que parte do uso mais prototípico até chegar ao uso
mais periférico, em que se revela a exclusão do próprio falante da referência dêitica, como ilustra o
esquema a seguir:
Figura 3: Categoria radial referente à expressão pronominalizada “a gente”
Neste esquema, o centro da categoria é detentora das características originais para representação
da dêixis. Enquanto os elementos radiais inserem usos que vão numa escala do mais ao menos
prototípico, o núcleo da categoria guarda o sentido básico do fenômeno: palavra que aponta para o
falante e seu(s) ouvinte(s), no espaço e tempo em que o evento de fala ocorre. É o que se observa no
exemplo a seguir:
I. USO INCLUSIVO
(1) “E quando a gente vê o representante da Rocinha aqui, bonito como ele está,
com uma gravata meio cor-de-rosa, isso me faz sair daqui dizendo: não há por que
não ter muito mais esperança neste país porque a gente vê a cara da alegria de um
projeto que poderia ter sido feito há 20 anos, há 30 anos, há 40 anos.” (Discurso
durante cerimônia de assinatura de acordos para moradias no Rio de Janeiro Palácio das Laranjeiras - RJ, 18 de janeiro de 2007).
No exemplo acima, o dêitico “a gente” indica o Presidente Lula e a platéia presente ao evento no
Palácio das Laranjeiras no momento em que o discurso estava sendo proferido.
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Os demais usos, caracterizados como não-prototípicos, podem ser assim definidos:
II. USO GENÉRICO
O uso genérico da expressão “a gente” aponta para “pessoas em geral”, além de incluir o falante e o(s)
ouvinte(s) presentes ao evento de fala. É o que ilustra o exemplo a seguir:
(2) “Eu sempre digo que projeto administrativo é que nem álbum de fotografia do
filho da gente: A gente vai batizar o bruguelinho da gente, tem lá um cara tirando
fotografia. Aí o cara dá um cartão para a gente; a gente fala: “Eu não quero, eu
não quero, nãoquero, vá embora!”, até mal-educado com o cara.” (Discurso na
cerimônia de inauguração da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Vila São
Pedro - São Bernardo do Campo - SP, 29 de dezembro de 2009).
A expressão pronominalizada “a gente” em (2) afasta-se do centro da categoria, na medida em que
além de indicar o falante e eventuais membros da platéia presentes ao discurso proferido em São
Bernardo do Campo, aponta para qualquer outra pessoa que, por ventura, tenha exercido o papel de
“pai” no evento “batizado de um filho”, mencionada pelo falante.
III. USO EXCLUSIVO
Em seu uso exclusivo, a expressão “a gente” exclui os ouvintes, como no caso do exemplo abaixo:
(3) “Vocês estão sabendo da batalha em que nós estamos aí, com a questão da CPMF.
Na proposta que nós fizemos, a última proposta, a gente propôs isenção para quem
ganha até 2 mil e 800 reais.” (Discurso durante encontro com representantes das
Centrais Sindicais da 4ª Marcha da Classe Trabalhadora - Palácio do Planalto, 05
de dezembro de 2007).
No uso exclusivo de “a gente”, exemplificado acima, os ouvintes não são indicados pelo pronome,
mas apenas o falante e sua equipe de governo, cujos membros não estão necessariamente presentes
ao evento de fala.
IV. USO PSEUDO-INCLUSIVO
O uso pseudo-inclusivo simula a inclusão de outros participantes, além do falante, em contextos nos
quais a referência ao falante deveria ser específica. Vejamos o exemplo abaixo:
(4) “Eu queria dizer para vocês que quando a gente chega à Presidência da
República, nós não temos o direito de ficar respondendo às criticas.” (Discurso
durante encontro com trabalhadores das obras do Eixo Norte - Cabrobó-PE, 16 de
outubro de 2009).
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No caso acima, o falante inclui hipoteticamente outras pessoas que poderiam exercer a função de
“Presidente da República”. Trata-se, portanto, de uma mesclagem entre o falante estabelecido pelo
MCI prototípico da dêixis no discurso em questão (o qual exerce no momento o papel de presidente) e
o MCI de regime presidencialista, no qual o papel de “presidente” pode ser preenchido por diferentes
indivíduos ao longo do tempo.
V. USO VIRTUAL
A princípio, o uso virtual de “a gente” parece se comportar como o uso prototípico, incluindo o
falante e o(s) ouvinte(s). Entretanto, o que diferencia esse uso é que o papel do falante é preenchido
apenas virtualmente pela pessoa que profere o discurso no evento de fala. Observemos:
(5) “(...) tem um ponto que nos une? É esse ponto que vai nos fazer ir para a rua
juntos, é esse ponto que vai fazer a gente ir para ao Congresso Nacional, é esse
ponto que vai fazer o presidente da República nos atender.” (Discurso durante
encontro com representantes das Centrais Sindicais da 4ª Marcha da Classe
Trabalhadora - Palácio do Planalto, 05 de dezembro de 2007).
No exemplo acima, o dêitico “a gente” indica o falante como projeção de um espaço mental passado
em que o presidente desempenhava papel distinto (Lula sindicalista) daquele apresentado no evento
de fala atual (Lula presidente).
Com exceção do uso inclusivo, todos os outros usos do dêitico “a gente” descritos nesta seção
envolvem processos de mesclagem conceptual, em que se estabelecem correspondências entre um
espaço estruturado a partir do MCI prototípico da dêixis e outros espaços disponíveis no discurso.
Esse fenômeno será detalhado na próxima seção.
5.1. Mesclagem e uso virtual da expressão “a gente”
Ao entrar em contato com um dêitico prototípico (“a gente inclusivo”), acessamos conceptualmente
um domínio de conhecimento que envolve as noções de falante, ouvinte, tempo e espaço. Entretanto,
quando se trata de um dêitico não-prototípico (categorias II a VI na seção anterior), as informações
lexicais e pragmáticas que emergem na interação acionam um MCI paralelo sobre o assunto em foco.
Para ilustrar esse fenômeno, detalharemos, nesta seção, a mesclagem conceptual que sustenta a
interpretação da expressão “a gente” em seu uso virtual. Retomemos o exemplo (5):
(5) “(...) tem um ponto que nos une? É esse ponto que vai nos fazer ir para a rua
juntos, é esse ponto que vai fazer a gente ir para ao Congresso Nacional, é esse
ponto que vai fazer o presidente da República nos atender.” (Discurso durante
encontro com representantes das Centrais Sindicais da 4ª Marcha da Classe
Trabalhadora - Palácio do Planalto, 05 de dezembro de 2007).
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Para analisar essa ocorrência, propomos a ativação do seguinte processo de mesclagem conceptual:
Figura 4: Mesclagem conceptual referente ao uso virtual do dêitico “a gente”
A figura acima indica que os espaços de partida, input 1 (“MCI da dêixis relacionado ao Discurso
Presidencial no Palácio do Planalto”) e input 2 (“MCI de sindicalismo”) têm suas contrapartes
associadas. A expressão “a gente”, nesse caso, resulta de mesclagem entre ouvintes, do input 1, e de
Lula/sindicalista, do input 2; o falante em sua função atual de Presidente da República, por sua vez,
não é projetado no espaço mescla, o que explica o caráter não-prototípico do dêitico.
Nesse exemplo, Lula se ausenta do papel de presidente da República para incorporar o papel de
sindicalista que um dia foi. Tanto sua experiência pessoal quanto o conhecimento cultural dos
participantes na cena comunicativa contribuem para que a estrutura linguística possa significar muito
mais do que indica convencionalmente.
O ponto de vista está direcionado para um momento do tempo e do espaço em que Lula não é o
presidente, mas atua como sindicalista. Isso só é possível porque os participantes da cena comunicativa
estabelecem, em comum acordo, um espaço mental imaginativo que possibilita conceber o presidente
Lula como um dos sindicalistas ali presentes. Tanto o falante (presidente) quanto seus ouvintes
(sindicalistas) podem se reconhecer na cena comunicativa, o que permite que uma projeção externa
ao contexto imediato proporcione a criação de um novo contexto virtual, a partir do acesso a
conhecimentos socioculturais compartilhados.
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6. Considerações finais
Este trabalho analisou a polissemia da expressão pronominalizada “a gente”, sob a perspectiva da
Linguística Cognitiva, objetivando contribuir para o detalhamento da estrutura semântica polissêmica
dessa expressão.
A pesquisa lançou luz sobre fenômeno ainda pouco estudado, que diz respeito não só ao detalhamento
das características semântico-pragmáticas associadas à polissemia da expressão pronominalizada “a
gente”, mas também a uma proposta inovadora de análise do fenômeno com base no processo de
mesclagem conceptual.
Assumindo-se que o referencial teórico da Linguística Cognitiva não só abre portas para a identificação
dos diferentes significados que integram a polissemia dos dêiticos, mas também permite a investigação
dos processos mentais que franqueiam a compreensão de fenômenos dêiticos prototípicos e nãoprototípicos, espera-se que o presente estudo constitua contribuição relevante para o aprofundamento
da investigação da dêixis no português brasileiro.
Da mesma forma, o estudo pode fornecer os fundamentos para uma comparação futura entre os
dêiticos “a gente” e “nós”, que embora sejam considerados semanticamente equivalentes por
indicarem prototipicamente a primeira pessoa do plural, podem apresentar diferenças com relação à
organização radial, que merecem ser investigadas.
Deixis and blending: the pronominal expression “a gente” as a radial
category
Abstract: This work seeks to demonstrate that the semantics of the first person plural deictic
expression “a gente” reflects and underlies two important theoretical generalizations: radial
categorization as conceptual organization of acquired knowledge (Rosch, 1975; Lakoff, 1987) and
the role of conceptual blending in the process of meaning construction (Fauconnier and Turner, 2002).
Taking a corpus-based approach, it is argued that non-prototypical uses of “a gente” result from
blending processes which take the prototypical frame “speaker + hearer(s)” as one of its input spaces.
Keywords: Radial Category, Conceptual Blending, Polysemy and Deixis.
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