Título do trabalho:
Luz e sombra na metanóia: crise da meia idade
Nilson Geronazzo e Eugenia Cordeiro Curvêlo
Resumo
O presente trabalho é o resultado de uma pesquisa bibliográfica, em base
analítica, revendo principais conceitos da psicologia analítica, objetivando apresentar a
crise existencial enfrentada pelos indivíduos no processo de passagem da meia-idade, ou
metanóia, em especial as manifestações da sombra nesse período. Como crise da meiaidade subentende-se como um momento de auto-avaliação e possíveis mudanças de
vida, configurando como um estado de emergência psicológica, podendo levar a dúvida
do equilíbrio emocional e mental. Metanóia, apresentada como conversão e
transformação de valores que fundamentam a existência humana. O estudo não
pretendeu esgotar o assunto, mas apresentar considerações para reflexão.
Objetivos;
Como objetivo geral, o presente trabalho visa sob a ótica analítica,
compreender as manifestações da sombra no processo da metanóia vividos por pessoas
de meia idade e assim, obter maior compreensão do que se passa com essas pessoas e
subsidiar na ajuda a esses indivíduos no que tange ao alívio de suas angustias.
Tem como objetivos específicos: rever principais conceitos básicos e
arquétipos apresentados na metanóia; caracterizar o processo de metanóia na meia idade
e apresentar as manifestações da sombra na meia idade.
Justificativa
Proporcionar um referencial teórico à luz da teoria da psicologia analítica
sobre a metanóia e sobre as manifestações da sombra nessa fase do desenvolvimento;
além de se justificar pela necessidade de se compreender as angustias inerente a essa
fase da vida, quando as pessoas se veem, nesta fase, em um turbilhão de
questionamentos e sem percepção de encontrarem respostas, além das repentinas
mudanças de atitudes, o que podem levar a prováveis consequências não desejadas e/ou
desajustadas, comprometendo a integridade sócio, psico e emocional do indivíduo;
também vem a justificar pelo fato de que hoje, com o aumento da expectativa de vida
dos indivíduos, além do fato de estarmos inseridos numa sociedade capitalista e um
consumismo globalizado, onde as pessoas, ao se direcionarem à velhice, costumam
sofrerem as pressões que sua importância e influência começam a serem substituídas
por de outras pessoas mais jovens, como também pela tirania da beleza e juventude que
se instalou no cotidiano contemporâneo, sentem-se perdidos e sem preparo e/ou
coragem para iniciar o trajeto ao encontro da velhice, ou seja, a meia-idade,
ocasionando angústias e questionamentos, o que podem levar à dolorosas situações.
Esse trabalho também se justifica pela pretensão de contribuir com o
conhecimento que essa é uma fase de desenvolvimento inerente a todos, levando a uma
aproximação do Self e vetoriando a individuação.
Desenvolvimento do tema
Ao chegar à meia idade, é comum observarmos pessoas a se comportarem de
uma maneira muito estranha; como se alguma coisa começasse a ferver dentro de cada
uma quando se aproxima este período da vida. Isso é popularmente conhecido como a
crise da meia-idade.
Sharp (1995, p.13) identifica como crise da meia idade:
A crise da meia-idade é marcada pelo súbito aparecimento
de estados de espírito e de padrões de comportamento
atípicos. [...] (As pessoas) passam por terríveis estados de
espírito que as consomem por dentro. Têm pensamentos
sombrios, suspeitas ou fantasias que não as deixam em
paz. Suas perspectivas são tristes. Eles perdem a energia e
a ambição, são ansiosos e têm a impressão de haver
perdido o trem.
Conforme Stein (2007, p. 12) “A “crise da meia-idade” traz à tona a
surpreendente noção de que todos temos uma espécie de “loucura secreta” que nos toma
de assalto muitas vezes de forma inesperada e inconveniente”.
O ego com suas percepções, complexos e suas defesas começam a colidir contra
o Self que começa a buscar sua realização (HOLLIS, 2011).
Essa crise da meia-idade configura-se como um estado de emergência
psicológica, afetando a autoestima, a autoconfiança, que podem levar a dúvida do
equilíbrio emocional e mental.
Esse período de transformações, principalmente pela irrupção da sombra, ou
seja, dos conteúdos reprimidos que nesse momento afloram afetam nossas vidas,
desorganizando nossos mundinhos perfeitamente organizados.
Também, ocorre na meia-idade à passagem de uma identidade psicológica para
outra. O Self vivencia mais uma transformação. Essa transformação apresenta-se como
uma crise do espírito. Nessa crise, perdemos nosso velho Self e um novo Self aparece; o
que nos faz considerar esse momento da meia-idade como um momento em que as
pessoas estão vivendo uma mudança de alinhamento com a vida e com o mundo e isso
possui um significado psicológico e religioso que vai muito além das dimensões sociais
e interpessoais (STEIN, 2007).
A crise da meia idade somente será sobrepujada quando as identificações
provisórias forem abandonadas e o falso ego destruído. Esse processo de abandono e
destruição do falso ego é extremamente doloroso, porém essa dor poderá ser
compensada pelas recompensas de uma nova vida, mas a pessoa envolvida nesse
processo, nessa passagem poderá sentir apenas a morte; desta feita, pode-se dizer que as
boas novas que se seguem à morte da persona e do falso ego anterior é que podemos
reivindicar nossa vida (HOLLIS, 2011).
A sombra, originada naturalmente em todas as pessoas, no processo de formação
do ego, à medida que nos identificamos com as características ideais de personalidade,
como polidez e generosidade, encorajadas pelo ambiente, pela educação, pela cultura e
coletividade e, concomitantemente vamos lançando à sombra qualidades não
consideradas adequadas à nossa autoimagem, como a rudeza e o egoísmo. Desta forma,
o ego e a sombra desenvolvem-se aos pares, criando-se mutuamente a partir da mesma
experiência de vida (ZWEIG; ABRAMS, 2011).
Uma vida privada de sombra tende a tornar-se insípida e sem brilho. Por sua
natureza, a sombra e difícil de apreender, perigosa, turbulenta e sempre escondida,
como se a luz da consciência lhe roubasse a própria vida. Não podemos analisar
diretamente este domínio oculto.
Zweig e Abrams (2011, p.17) citam o analista junguiano James Hilmann “ O
inconsciente não pode ser consciente; a Lua tem o seu lado escuro, o Sol se põe e não
pode iluminar o mundo todo ao mesmo tempo, e mesmo Deus tem duas mãos. A
atenção e o foco exigem que algumas coisas permaneçam no escuro. Não se pode olhar
em duas direções ao mesmo tempo.”
A sombra contém tudo o que é vital, porém problemático, como a raiva, a
agressividade, os instintos mais primitivos, mas também encerra na sombra a alegria, a
espontaneidade e a chama criativa não aproveitada.
Na meia-idade já se encontra reprimida uma grande parte de nossa
personalidade. “A raiva, por exemplo, frequentemente explode durante a passagem do
meio porque fomos encorajados a reprimi-la” (HOLLIS, 2011, p.60).
Mas, quando a raiva é reconhecida e canalizada pode ser tornar um grande
estimula de mudança. A pessoa, nesse momento, canalizando a raiva, se recusa a viver
de forma não autentica. Considerando um investimento para a vida toda na persona, o
encontro da sombra com a raiva é problemático, mas alcançar a liberdade de sentir a
própria realidade é um passo necessário em direção à cura da divisão interior.
Se formos suficientemente capazes de sermos sinceros, discerniremos nosso
egoísmo, nossas dependências, nossos temores, nossos ciúmes, nossa capacidade de
destruição; não será uma imagem agradável, mas sem dúvidas será mais harmoniosa do
que a reluzente persona, e também mais humana.
A sombra não deve ser igualada ao mal, mas sim a personificação da vida que
foi reprimida, a vida que foi impedida de se expressar; a sombra representa nossa
criatividade que, abandonada nos encerra no tédio e na depressão. A sombra personifica
nossa espontaneidade que, reprimida torna nossa vida rotineira e ridícula. A sombra
representa uma força vital maior do que a nossa personalidade consciente já tenha
utilizado, e seu bloqueio conduz a uma redução da vitalidade.
É fundamental o encontro consciente da sombra na meia-idade, pois ela estará
atuando de qualquer maneira e quanto mais o indivíduo souber a respeito de si mesmo,
maior parte do potencial poderá ser personificado, mais diversificados serão os tons e
matizes da personalidade e mais rica será a experiência de vida.
Citando Jung (2002, p.334) “[...] não há desenvolvimento se não aceitarmos a
sombra”.
O ser humano, ao aproximar-se da meia idade, essa usualmente iniciando por
volta dos 40 anos de idade, entra em um período potencial de transformação da
personalidade, período chamado por Jung de metanóia, sendo um período de
questionamentos, mudanças, eclosão de crise existencial, entendendo como crise
existencial, o ato de questionar a vida e seus respectivos sentidos.
Nessa fase (metanóia), conclui-se que os indivíduos transferem o foco de
atenção do ego, antes ligada à adaptação da realidade externa, para agora, ser
direcionada ao reconhecimento de conteúdos do mundo interno, ou seja,
reconhecimento de que a realização pessoal se dará por meio do desenvolvimento
interior e não mais do externo, objetivo, do corpo.
Todos nós, temos um lado iluminado, ou seja, consciente, e também temos o
lado escuro, chamado analiticamente como sombra, esses aspectos que ainda carecem
de serem conscientizados, mas importante dizer que esses conteúdos alojados na sombra
não são necessariamente aspectos ruins, não devem ser igualados ao mal e sim,
simplesmente aspectos escondidos, reprimidos; há também aspectos verdadeiramente
positivos, criativos, de rico potencial se tomarmos consciência deles.
Conclui-se que ao conscientizarmos a sombra, tornaremos mais humanos,
interessantes, mais inteiros, mais criativos e, principalmente mais autênticos, pois ao
nos conhecermos estaremos reconhecendo as características, habilidades e atitudes que
nos faz um ser único, capaz e realizador.
Temos que considerar que quando temos consciências de nossas sombras e
aceitamos como parte de nós, fica mais simples entender as reações que costumamos
ter, e também facilita identificar e aceitar a sombra dos outros. Assim, é preferível ter
ciência de minha sombra e viver minha vida totalmente do que ficar procurando ser bom
durante toda a existência e perder a oportunidade de viver, inovar, criar e descobrir
coisas incríveis sobre mim mesmo.
A sombra não é o mal e sim apenas à vida reprimida e se permitimos que
venham à tona nossos impulsos e instintos, inclusive os mais sombrios, e sejam
reconhecidos, representará um passo à integração.
Os conteúdos negativos manifestados inconscientemente são destrutivos, porém
quando conscientizados e devidamente canalizados nos provem de nova orientação e
energia.
Quando os conteúdos da sombra são canalizados, representa nossa criatividade,
uma energia, uma força vital maior do que nossa consciência já tenha utilizada e, por
consequência, se bloquearmos a sombra, estaremos reduzindo nossa vitalidade; e
quando o ego e a sombra conseguem trabalhar em harmonia, o indivíduo sente-se cheio
de vida e energia; o ego canaliza essa energia, impedindo dela ficar obstruída,
culminando numa expansão da consciência.
Para que venhamos a nos desenvolver cada vez mais, não é ignorar a sombra,
mas conhecê-la e tentar canalizar a energia, tentar resgatar os dons e talentos não
desenvolvidos, pois quando os indivíduos passam a vida sem desenvolverem seus
talentos, ficam cegos para sua sombra e não buscam novas formas de prazer, viver e
agir; vivem apenas o que é possível, não tendo assim, realizações para se orgulharem de
si mesmos, deixam de viver e expressar o seu melhor.
Ao termos consciência da sombra e aceitamos como parte nossa, facilita o
entendimento de nossas reações e, também facilita identificar e aceitar a sombra dos
outros, culminando em relacionamentos mais autênticos e produtivos; sendo assim, é
necessário ter ciência da sombra e viver totalmente do que ficar tentando ser bom, de
acordo com as convenções, durante toda a vida e perder a oportunidade de viver, inovar,
criar e descobrir coisas incríveis sobre nós mesmos.
Ao integrar a sombra, o individuo descobre a si mesmo, descobre sua
autenticidade, descobre sua liberdade, percebe que não há mais necessidade de viver
suas personas e sim sua vida autentica, percebe não ser mais necessário render-se às
convenções sociais, que não é mais necessário viver em função de agradar e atender as
convenções para obter aceitação; que será aceito e amado do jeito e da forma que
realmente é.
Por final, este trabalho não pretendeu, de forma alguma, esgotar o assunto, e sim
apenas apresentar considerações para uma primeira reflexão quanto o surgimento dos
aspectos sombrios nas crises existenciais acometidas nos indivíduos de meia-idade, as
manifestações da sombra que causam fortes estranhamentos à pessoa e aos outros; o
movimento de reconhecimento, conscientização e integração de aspectos inconscientes
e conscientes como caminho para a individuação, portanto, se fazendo necessário
maiores estudos e aprofundamentos nesse tema.
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